quarta-feira, 15 de março de 2023

NA TRILHA DO FEMININO: MINHA IDADE NÃO ME DEFINE, POR RILNETE MELO

N A    T R I L H A    D O    F E M I N I N O|07

MINHA IDADE NÃO ME DEFINE

Dá uma coceira no meu cérebro quando vejo circulando na mídia assuntos que ferem a figura feminina. "ETARISMO", "IDADISMO", "AGEÍSMO", nada além de denominações  para um preconceito patriarcal antigo. Sim! Um preconceito que coloca no "congelador social" exclusivamente as mulheres, pois eu senti na pele esse bullying nefasto ao entrar na faculdade depois dos 40 anos, enquanto havia, na mesma sala, homens de 50,  com os ouvidos virgens  eu ouvia: "Nossa! Você dessa idade fazendo faculdade!" ou "Você já tem mais de 40, mas nem parece!"... Esses comentários, embora disfarçados de "boas intenções", vinham carregados de preconceitos, pois eu era excluída dos grupos das "novinhas"  nas apresentações acadêmicas, entre outros eventos, ficando nos grupos dos que se aproximavam da minha idade. 


Quem nunca ouviu: "menina, você já está na idade de casar!", (Eu casei aos 27 anos) ou "você foi mãe muito tarde!" (Fui mãe aos 28 e aos 31)... Tempo limite imposto por uma sociedade machista! Está  arraigado na memória da sociedade, mas é tempo de dar um basta nessa intolerância que supervaloriza a juventude de uma mulher. Homem coroa é um charme,  se casar com novinha é elogiado por sua virilidade, mas se mulher coroa casa com novinho é uma ridícula, assanhada e por aí vai...  É hora de combater esses estereótipos e mostrar ao mundo que envelhecer faz parte do ciclo natural da vida e não amputa a nossa capacidade de criar,  de ser, de viver, de lutar por nossos objetivos e fazer o que a gente quiser!  

Há alguns dias postei uma "geladinha" na mesa de um bar e não me faltaram comentários: "Você ainda bebendo?", cuidado! Hein?"

Que é isso? Homem com 60 pode, né? Calma!! Eu não estou passada, o viço não morre, as vontades não cessam e quando meu corpo  sinalizar o alerta, serei suficientemente madura para canalizar meus limites. Acredito que meu espírito só envelhece se eu permitir,   não vou aceitar o desrespeito,  o desprezo, os estigmas e as humilhações que minhas rugas possam  vir lhe causar.  As minhas limitações serão autoimpostas por  minha necessidade de controle.

Na obra "A velhice " , Simone de Beauvoir propõe que uma pessoa não deve se aproximar do fim da sua vida de mãos vazias e solitárias ,  mas que para isso é necessário refazer completamente a humanidade... É sobre ressignificar esse pensamento deturpado da sociedade, de que ficamos ultrapassadas com a idade,  que  devemos lutar para desafiar o sistema e fazer acontecer. 

Liguem o alerta, queridas companheiras! Vamos mostrar a essa sociedade patriarcal que estamos lutando contra essa força maldita e não vamos nos calar! Já CONQUISTAMOS muito, mas precisamos “desenhar” o percurso para que possamos chegar ao topo.  

Será difícil atingirmos uma sociedade igualitária,  pois   vivemos em uma distopia marcada pelo preconceito, violência e opressão de gênero,  porém se unirmos forças e plasmarmos novos conceitos poderemos esvaziar muitos estereótipos e discriminações.

Foram infelizes as "novinhas"  que hostilizaram a universitária Patrícia Linares, pois creio que elas não sabem que  mulheres de 40 são "AS LOBAS", as que  sexualmente são bem resolvidas, têm no rosto as marcas das emoções sentidas e vividas, e  experiência suficiente para saber onde querem chegar, sem menosprezar as fases já passadas e as que irão passar com maturidade.

Pois é! Já passei dos 50, lancei meu  primeiro livro solo em 2022 e acredito que foi cedo,  pois sonhos  não tem idade. Quanto ao meu corpo, as pedras que encontrei pelo caminho moldaram-o a cada tempo vivido, acumulei com perfeição as experiências e vesti minha pele de elegância espiritual, trago as marcas das emoções sentidas e domino a arte de seduzir através da poesia, meus cabelos têm a cor da minha alma, deixei e continuo deixando pegadas por onde passo, pisando forte  no solo que plantei horizontes eu vou em busca dos meus objetivos, até enquanto sentir o sopro da vida, pois  MINHA IDADE NÃO ME DEFINE.

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Rilnete Melo é brasileira, maranhense, graduada em letras/espanhol, escritora, cordelista membro das academias ACILBRAS, ABMLP e AIML, participou de várias antologias nacionais e internacionais, autora do livro "Construindo Versos" e autora de cinco cordéis. 

terça-feira, 14 de março de 2023

#8M: ECOFEMINISMO, URGENTE!, POR NELI GERMANO


[arquivo pessoal da autora]

#8M: ECOFEMINISMO, URGENTE!

 POR NELI GERMANO

O sistema patriarcal foi construído de forma tão “sedimentada”, que nós mulheres também somos acometidas por ele. Por isso tem sido DIFÍCIL enfrentar esta FERIDA ABERTA, a violência contra as mulheres (no Mundo). Sendo redundante, de propósito, o patriarcado está nas religiões, na política (principalmente na extrema direita), nas instituições jurídicas e educacionais, na garrafa de cerveja, na ditadura dos corpos esculturais e sarados...

Mesmo entre nós feministas, nos percebemos consentir com diversos tipos de “abusos”, tal é a força do patriarcado.

[arquivo pessoal da autora]

Ensinar os filhos homens a lavar a louça, a cama e a cozinhar é parte, mas muito pouco. Não estou aqui culpando as mães, verbo “essencial” do machismo, é necessário mais, mais diálogo sobre o assunto gênero. Há muita literatura sobre como educar meninas para serem feministas. Há muita literatura para EDUCAR meninos para que não sejam machistas.

Conquistamos muito, fomos alfabetizadas, não usamos mais pseudônimos na literatura, trabalhamos fora de casa, conquistamos o voto e o direito de “poder na política”, afinal “das contas”, o capitalismo precisa de nossos braços e pernas, mas não respeita nossos corpos.


[arquivo pessoal da autora]

Nossas pioneiras Simone de Beauvoir, Maya Angelou e tantas outras, que nem sabiam sobre a “terminologia feminista”, fizeram muito para que chegássemos até aqui.

No entanto, o processo civilizatório continua, queremos mais, além de que preservem nossas “corpas”, parem de nós matar e aos nossos sonhos e utopias, precisamos pautar o respeito pelo Planeta. Ecofeminismo, urgente!



Neli Germano

Escritora

Porto Alegre, 8M2023.

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[arquivo pessoal da autora]
Neli Germano reside em Porto Alegre/RS/ Brasil. Poeta. Arquivista aposentada. Curso Superior incompleto em Letras e Serviço Social pela ULBRA Canoas/RS. Participação em nove antologias, poemas publicados em jornais e revistas alternativas de cultura (Gente de Palavra, Entreverbo, Poesia Sem Medo e Todas Escrevemos). Livros solo publicados: "Casa de Infância" e "como quem rema" (2023). Integra o Coletivo Mulherio das Letras.

sexta-feira, 10 de março de 2023

LIÇÕES DE SILÊNCIO: ADORÁVEIS MULHERES, POR RITA ALENCAR CLARK

LIÇÕES DE SILÊNCIO|07

POR RITA ALENCAR CLARK

ADORÁVEIS MULHERES 


[Eva Tudor, Tônia Carrero, Eva Vilma, Leila Diniz, Norma Benguel e Odete Lara/Imagem Pinterest]

Quando penso no 8 de Março, o dia estipulado para ser aquele que nos colocam na berlinda, Dia Internacional da Mulher, penso que o Patriarcado nos concedeu um dia por ano para que pudéssemos nos expressar! Glórias ao Senhor! Isso é sinal de que, no mínimo, antepassadas nossas lutaram e conquistaram direitos e justiça; foram ouvidas!

E nessa pegada, já me animei, eu adoro criar histórias na minha cabeça, nos lugares mais insólitos, crio situações imaginárias na minha cabeça ao ponto de rir sozinha do nada e travar diálogos criativos comigo mesma! Tenho até um conto publicado  pelo Mulherio das Letras numa coletânea. Audiometria. Minha personagem está sendo levada para solucionar possíveis problemas de surdez. Tal o nível de alienação, mergulhada no seu mundo imaginário… muitas vezes, minha protagonista se depara com os olhos esbugalhados da mãe gritando seu nome! Coisa de criança poeta! “Ah, dona, isso é coisa de gente artista, tenho um primo assim!”, diz o outro personagem , o motorista de táxi, à mãe.


Hoje, desenvolvi até uma técnica para estar, e não estar "presente", por exemplo, numa conversa chatíssima, contudo educada que sou, não interrompo, geralmente quando ouço boçalidades, escárnios machistas e/ou sexistas… é assim, eu faço uma cara simpática e cordial, respeitosa e travo contato visual, a nível íris do olho, contato feito, das duas uma, ou a criatura se perde na piada ou infâmia, ou vomita desastrosamente a narrativa, diante do meu rosto impassível. Acham-me calma, ponderada, educada de certo, quando na verdade estou em uma outra dimensão de espaço/tempo. O mote para voltar à realidade, são dois, previamente combinado com meu cérebro: o silêncio ao redor e o meu nome! Nesse retornar, acontece uma manifestação corporal involuntária: os ombros caem para frente, os joelhos dobram-se ligeiramente e as pálpebras caem, desmoronam sobre o esforço de manter o sorriso. Fico a cara da madrasta da Branca de Neve, sabe? Um horror… e saio me arrastando, imaginando as melhores respostas e caretas de indignação e desprezo! Por fora, uma lady. Meu ringue é outro, meu caro, na página em branco.


Rita Alencar Clark e Rachel de Queiroz/1992

Uma certa vez, olha que história, aconteceu de eu ter que ir e acompanhar meu pai a um Fórum de Cultura em Brasília, devia ter uns  28/29 anos, mesas e mesas de debates, palestras, lançamentos de livros, enfim, a Disney dos escritores. Nos colocaram na mesa de Imortais, entre seus acompanhantes. Quando sou apresentada a Rachel de Queiroz, que dividiria a mesa conosco. Como assim?! Não fui preparada pra esse encontro…Só que eu disse isso em voz alta!… e ela puxou uma cadeira ao seu lado. Senta aqui meu bem…que sorriso, meu Deus! Linda, um luxo de ser humano, meus olhinhos brilhavam ao ouvi-la contando da nossa linhagem Cearense, da mesma cidade, Crato, que faz divisa com Exu, ela me ensinava, “Temos o sangue dos Alencar, melhor, dos “de Alencar”. Esse “de” nos diferencia de outras linhagens. Disse Rachel, convencendo-me  a crer que somos parentes, "somos herdeiras de Bárbara de Alencar, a primeira mulher presa política no Brasil”. Nossa! "E de José de Alencar, minha mãe era prima do pai dele. Assim como o tio-avô do seu pai". Apresentações feitas, passamos a outro assunto mais agradável a ambas, receitas. Trocamos receitas, ai que delícia, ela me ensinou a fazer Ambrosia. Eu contei-lhe da Receita de “Caldeirada de Tucunaré ao Rio Negro” que fiz para Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant'anna, quando fui  anfitriã num passeio de barco patrocinado pelo Governo do Amazonas. Como assessora do Secretário de Cultura, tinha que fazer aquilo funcionar, de qualquer jeito. Tudo corria muito bem, todos a bordo, quando o marinheiro me comunica que o cozinheiro não viria e não traria a água mineral. Tem cerveja? Tem guaraná? Bora, eu faço essa caldeirada, tem tudo? ajudantes? tem sim, senhora! A caldeirada foi um sucesso total ! Marina repetiu, Ignácio de Loyola Brandão se fartou, os secretários de cultura, satisfeitos. Vou até a cozinha do barco, olhos arregalados me esperam: "então, dona Rita, eles gostaram? Desconfiaram de alguma coisa?" Gente, vocês não sabem, o que tive que fazer. Não tinha água mineral pra fazer a comida. Só isso. O quê? Fulano, pega água do rio, cadê as panelas? mas vai lá pra proa, não deixa te verem. Fervam essa água, fervam bastante! E subi, levando cervejas, guaranás e bolinhos de Tambaqui fritos com geleia de Cupuaçu. Para deleite de Rachel, que gargalhava gostoso, me pedindo os detalhes da receita. Como rimos! Ela queria investigar… eles nunca souberam que comeram caldeirada com água do Rio Negro? Não! Gargalhamos mais ainda! ...e ficamos nos olhando de mãos dadas.


Agora vão saber! 


Por todas as nossas antepassadas, mães que pariram o mundo que vivemos hoje. Por elas, por mim, pelas minhas filhas, mantenho minha voz ativa, pronta, atenta. Como bem diz Adélia Prado : “...a uns, Deus quer doentes, a outros Ele quer escrevendo.”

 

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[arquivo pessoal da autora]
Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM- Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA-Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: "Meu grão de poesia" e "Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico".

quinta-feira, 9 de março de 2023

MULHER NEGRA! DA ESCRAVIZAÇÃO À LIBERTAÇÃO


VIVÊNCIAS POÉTICAS|03 

MULHER NEGRA! DA ESCRAVIZAÇÃO A LIBERTAÇÃO

POR MARIA DO CARMO SILVA

[imagem Pinterest]

A história da mulher negra brasileira é marcada pelo resquício da escravização colonial, época em que sequer ela era reconhecida como um ser humano. Sua existência era restrita apenas a uma vivência de subalternidade, injustiça, negação de Direitos.

Na contemporaneidade, perpassando por árduas batalhas em prol da conquista do seu lugar e do combate a todo o tipo de preconceito e de inferiorização, revestida de resistência e de resiliência, a mulher negra tem demonstrado o seu poder de emancipação, conquistando o seu espaço, atuando e interagindo nas diversas esferas sociais, políticas, culturais, profissionais, com maestria, deixando para as futuras gerações um legado de igualdade, justiça e conquista de Direitos.

Partilho com vocês este poema autoral que sintetiza esta trajetória, na condição de MULHER NEGRA:


RESISTÊNCIA AFRO-BRASILEIRA


Mulher Negra!

Da África, teu berço, foste brutalmente arrancada.

No porão do navio tumbeiro, como mercadoria foste transportada.

Para um lugar longínquo (Brasil) foste levada.

Lá chegando foste desumanizada, escravizada.

Na imunda senzala fostes despejada.

Mulher negra, desterrada, maltratada, menosprezada.

Foste servil dos senhores: escrava, mucama, ama de leite.

Explorada sexualmente, para os “Senhores”, um deleite.

Foram séculos de sofrimento e angústia à espera da alforria.

No quilombo buscavas refúgio e lutavas por melhores dias.

As marcas da escravidão na tua alma se encravaram.

No Brasil contemporâneo, ainda és vitimada pelo racismo e terror.

Sofres cotidianamente com a desigualdade, com a invisibilidade.

A sociedade brasileira quer mantê-la no cativeiro social.

Quer tê-la na História como mera figurante.

Mulher negra luta e resiste contra toda afronta.

Luta contra a desigualdade, o feminicídio e o racismo estrutural.

Luta contra a escravidão camuflada, o machismo e a violência.

A trajetória da Mulher negra brasileira é marcada por labuta e luta!

Mulher Negra é humana, cidadã e portadora de Direitos.

Seus Direitos conquistados, ainda são violados.

A História oficial insiste em mantê-la no anonimato.

És Guerreira, perseverante na luta por dignidade.

És Protagonista e heroína na História desta nação.

És ativista! Lutas pelo reconhecimento do seu protagonismo.

Mulher Negra grita e clama: Não estou mais na senzala! Liberdade!

Mulher Negra grita e clama! Abomino toda forma de escravização.

Sou humana, cidadã!

A cor da minha pele não é motivo de preconceito e de discriminação!

 

Maria do Carmo Silva

Poeta, professora e escritora.

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[arquivo pessoal da autora]


Maria do Carmo Silva é professora, poeta e escritora. Autora dos livros de poesias: "Retalhos de Vivências" e "Recomendações Poéticas". Tem participação em diversas Antologias Poéticas. Colunista no site de notícias Tribuna do Recôncavo. Integrante do Coletivo Mulherio das Letras.

 

quarta-feira, 8 de março de 2023

#8M# CARTA ABERTA ÀS MULHERES-POETAS, POR ELIZABETE NASCIMENTO

[fonte da imagem: Pinterest]

CARTA ABERTA ÀS MULHERES-POETAS

POR ELIZABETE NASCIMENTO

Saúdo as mulheres que ousam caminhar pelo solo árido da palavra poética e se embrenham por becos e vielas, nem sempre iluminados pela luz do dia, porque o suor que escorre dos seus corpos, por muitas vezes, é tingido com as cinzas de seus corpos violentados e feridos, num campo escuro e brutal. Portanto, a vocês que trazem às palavras os múltiplos sabores e odores da (re)existência, escrevo essas breves linhas, a fim de enlaçar nossas mãos em militância e enfatizar a importância desse fazer viver às diferentes expressões dessas vozes-mulheres, para que estas não naufraguem no anonimato e/ou nos arquivos públicos.

[fonte da imagem: Pinterest]
Ao adentrar a essa seara de indagações, dúvidas, dores e desespero; advinda dos corpos femininos, por vezes, busco réplicas no meu corpo e encontro indícios do quanto o brado coletivo coexiste em cada uma de nós. São marcas subjetivas de vozes que trazem assimetrias de raças, credos, condições socioculturais, econômicas e políticas. Elementos importantes para lermos o percurso histórico por outra ótica, onde a poesia se apodera, também, da matéria dos cotidianos e de suas vivências desenhadas com híbridas nuances. As palavras esteticamente lapidadas por esses corpos reverberam num todo significante, em que as metáforas jorram sob a égide dos corpos de mulheres e provocam a olhar às suas/nossas imagens estilhaçadas.

Vocês, mulheres, sabem que suas formas de dizer/poetizar esses mundos dos escombros incomodam os conservadores, mas sabem, sobretudo, que desafiam os conceitos arraigados no imaginário dessa sociedade patriarcal. O percurso em nada tem sido favorável às suas escritas e/ou as vivência de seus corpos, pois se formos aos arquivos públicos e/ou documentais da nossa história, verificaremos que há muito lhes vem sendo negado esse espaço, e que por décadas, vocês se esconderam em prisões de todos os tipos, quer sejam domiciliares, quer sejam públicas. As vozes de muitas mulheres permanecem sufocadas e o brado coletivo pode quebrar e/ou pelo menos fraturar o espaço dessa hegemonia decadente.

[fonte da imagem: Pinterest]

É preciso que vocês resistam mulheres! Que lutem bravamente pelo (re)encantamento do mundo; que ousam desafiar as garras do poder operante e tenham coragem de caminhar, de protagonizar, mesmo com as algemas a prender-lhe os pés ou com as brasas ainda a abrasar os seus corpos e sentidos. Alcem voos e não esqueçam de suas raízes!  Mulheres, vocês vislumbram o poder demiúrgico da linguagem. Avante! Soltem ao mundo as palavras vivas que ecoam da [re]existência, da sororidade, da identidade dita do lugar da gênese. Vocês são as mulheres desse novo tempo, que tais quanto as que as antecederam, precisam dar continuidade à luta, para que as que virão possam viver livres e/ou pegar a chama ainda acessa, a fim de prosseguir a caminhada. Utopia? Talvez. Mas, é ela quem engendra a vida.

Eu, mulher/filha/irmã/esposa/mãe/avó/ professora/doutora e eteceteras, desejo juntar-me a vocês nesse brado “informal e despretensioso”. Com palavras leves, recheado de surpresas e de amorosidades, com percursos imprevisíveis, movimentos livres e orgia metafórica, desejo [assim como cada uma de vocês] também, contagiar alguns loucos ou desavisados a juntar-se a nós, gestando, coletivamente, pensamentos autônomos e genuínos, porque a arte, nesse caso específico, a poesia, anseia por comunhão, sem credos, pudor e/ou divisão de gêneros, muito menos, manuais explicativos.

 

Recebam o meu abraço afetuoso! 

Elizabete Nascimento 

Cáceres (MT), 16 de fevereiro de 2023.

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[arquivo pessoal da autora]


Elizabete Nascimento: Doutora em Estudos Literários, poeta, professora e mulher que sonha com equidade. Livros: Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos. São Paulo: Paulinas (2012); Asas do inaudível em luzes de vaga-lume. Cuiabá/MT: Carlini & Caniato (2019), Sinfonia de Letras: acordes literários com Dunga Rodrigues. Paraná: Appris/2021. Professora, DRE-Cáceres/Mato Grosso-Brasil.



terça-feira, 7 de março de 2023

#8M# MARIAS - DEUSAS SIDERAIS, POR ISA CORGOSINHO


MARIAS - DEUSAS SIDERAIS[1]

Para as Enluaradas que recriam o mundo com a poesia

POR ISA CORGOSINHO

[Imagem Pinterest]

Nenhum deus precede à noite profunda da deusa Nix. Exausta das solidões do universo, mergulhou ad infinitum numa espiral de si mesma, centrifugando, para seu incomensurável ventre, constelações e outros astros desavisados e curiosos que a rondavam, seduzidos pela voracidade de suas bordas sugadoras de luz. 

Da gestação milenar de Nix, regente da noite, nasceram as três Moiras: Cloto, a primogênita, responsável por fiar partos e nascimentos, com suas mãos trajadas de aurora injetou a luz primordial nos olhos recém nascidos da vida.  

A segunda filha da deusa era Láquesis responsável por puxar e enrolar, com zelo de artesã cósmica, o fio tecido por Cloto, sorteando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. A terceira filha de Nix, Átropos atuava com suas longas e delgadas unhas de foices reluzentes e afiadas, cortando destemida o fio da vida, juntamente com Tânatos e outros comparsas amigos da morte. 

[Imagem Pinterest]

Lá estavam as três Moiras, também conhecidas como Parcas, girando a cíclica harmonia da máquina cósmica, nas irrevogáveis funções de presidir gestação e nascimento, crescimento e desenvolvimento, e o final da vida, quando avistaram as Três Marias e o cenário que se formava na criação de Gaia. 

As Marias, viajantes do deserto sideral, levitando para além desses céus de nossos céus, avistaram Deus – viajante das planícies incomensuráveis do vazio. Apiedaram–se de um Deus assim tão triste, petrificado em eras de solidão. Comoveram-se com um Deus assim tão só, sem destino nas solidões mudas, privado de toda experiência de vida, preso à trama de sua criação infinita.    

[Imagem Pinterest]

Por amor ao Deus tão triste, criaram Gaia:  convocaram os mais de 30 milhões de sóis na Via Láctea, e escolheram apenas um. Desceram numa poeira de pérolas de ouro, levantada pelo sopro da gratidão das Moiras. Criaram as mais exuberantes formas da flora e fauna, mas o coração de Deus permanecia mudo, destoando de toda criação.

Vaticinaram as Deusas siderais: _ Deus, terás pela frente o seu mais longo e árduo trabalho. Seus filhos e filhas terão as mais conscientes e belas formas da matéria animal, mas serão infinitamente mais tristes que o pai; serão irascíveis e amáveis; do pai herdarão a capacidade infinita da criação; serão capazes de habitar outros sóis, outras dimensões: o pensamento, a linguagem, a música, a dança, a pintura, a escultura e a poesia serão suas crias e os ensinarão a conviver com a luz e a sombra que habitam seus corações.

[Imagem Pinterest]

Do berço das Deusas ancestrais, aos terráqueos foi ofertado o Jesus menino. O irmão incansável e solidário dos homens e mulheres, o filho dileto das Deusas e Deus. Com esse homem menino, os seres devem aprender a não declinar da justiça, da paz e dos sonhos.

São elas as mães do planeta, Marias povoam o mundo desde a tenra idade dos pés de Gaia. Lá se vão bilhões de anos que a Terra vem girando: na rotação do amor e na translação de suas saias.

Isa Corgosinho

08/03/2023



[1] A primeira versão desse conto foi publicada na Coletânea Salvante V: Reminiscência do tempo. Organizadora: Vânia Clares; Diversos autores. 1. ed. São Paulo: Sarasvati Editora, 2022.     

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[arquivo pessoal a autora]

Isa Corgosinho é de Brasília/DF, professora universitária aposentada, poeta. Participou de várias Coletâneas, entre elas: Coletânea enluaradas (2021); 1ª Coletânea Mulherio das Letras na Lua (2021); Coletânea Ciranda de Deusas I e II (Enluaradas Selo Editorial, 2021); Poesia & Prosa (In-finita, Portugal 2021); Livro Memórias da pele, Venas Abiertas – III – Mulherio das Letras, 2021.

sábado, 4 de março de 2023

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|16

POR QUE 8 DE MARÇO?

Por: Carollina Costa

Março, mês do meu aniversário (dia 14, junto com Carolina Maria de Jesus) e da comemoração anual do Dia Internacional da Mulher. Em 2021 escrevi uma crônica para meu antigo blog medium.com chamada Por que 8 de março?, na qual reflito sobre o significado dessa data e sobre o incômodo de ter se tornado mais comercial do que histórica, com muita pompa e pouca importância diária.

Quando escrevi essa crônica, eu tinha acabado de ouvir falar sobre o livro As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres, da historiadora Ana Isabel Álvarez Gonzalez, que atualmente já li e indico muitíssimo a leitura. Na época, antes de ler o livro, tinha para mim que o famoso incêndio de uma fábrica têxtil e alguns outros acontecimentos isolados envolvendo mulheres operárias nos EUA foi o grande início na luta das mulheres por direitos humanos e trabalhistas, mas Gonzalez afirma que nenhum desses acontecimentos têm ligação direta com o movimento feminista. Segundo as pesquisas de González, o movimento surgiu simultaneamente nos EUA, França, Inglaterra e Rússia e, apesar das diferenças, a luta pelo sufrágio — o direito ao voto — foi o que uniu essas mulheres. Houve muitas outras datas até se estabelecer o 8 de março como data oficial do Dia Internacional das Mulheres.

Mesmo depois da leitura, minha inquietação com o significado perdido da data permaneceu. O parabéns vazio, o agrado que é feito como uma obrigação, um protocolo; o vício dos presentes sem significado como se fosse uma data comercial. O esvaziamento dessa história, o esquecimento do sangue derramado por tantas mulheres para que hoje pudéssemos ter o mínimo. O caminho da história que vai se apagando como uma fotografia velha que precisamos olhar diariamente pra não esquecer de vez que ela um dia existiu.

Entenda, tudo bem dar e receber mimos e presentes nesse dia — inclusive amo — , mas de nada valem se nos outros 364 dias do ano essa data for esquecida, sua história escondida, e continuarmos a ser tratadas como se ainda vivêssemos no final do século 19. 8 de Março é sim uma data importante, mas também simbólica. Símbolo de lutas que não acabaram e de buscas que mal começaram. Meu desejo era que seu significado se estendesse pelo ano inteiro.

Feliz mês da Mulher para todas nós!



Feminário Conexões, o blog que conecta você!

VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07  MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS  POR Heliene Rosa Imagem Pinterest ...