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sexta-feira, 20 de junho de 2025

VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07 
MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS 

Imagem Pinterest
É inadiável recontar a história, dessa vez sob o ponto de vista das mulheres, para corrigir injustiças e distorções que alimentam e legitimam as mazelas do patriarcado. No livro O legado das mulheres na história do pensamento mundial (2022), as estudiosas Natasha Hennemann e Fabiana Lessa evidenciam o apagamento das mulheres na Filosofia. Nessa obra, as autoras trazem, em epígrafe, o depoimento da reconhecida mestra do Mosteiro de Rupertsberg em Bingen am Rhein, na Alemanha, Hildegarda de Bingen: “Nós não podemos viver em um mundo que seja para nós interpretado por outros. Um mundo assim concebido não representa esperança. Não devemos ter medo de recuperarmos a nossa própria audição, de usarmos a nossa própria voz e de vermos a nossa própria luz.” 

Contemporaneamente, a literatura vem se constituindo como instrumento dessa recuperação. Assim, mulheres determinadas a escrever uma outra história desenvolvem estratégias para reposicionar o mundo sob lentes femininas, trazendo luz para as histórias de mulheres que foram silenciadas, ao longo dos séculos, a partir de estratégias de disseminação e de perpetuação das ideias do patriarcalismo. Nesse aspecto, avulta-se o trabalho da cientista Lindamir Salete Casagrande, a escritora que também é professora. Tive a alegria de encontrar-me com ela, no último mês, na Feira Literária nas Escolas de Piçarras (FLEP), no litoral Norte de Santa Catarina. Essa pesquisadora desenvolveu estudo, envolvendo o protagonismo de mulheres na Ciência.

A referida autora publicou sete livros, na série intitulada Meninas, moças e mulheres que inspiram. No escopo de um interessante projeto, a partir do qual essa pós-doutora em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), - resgata biografias de mulheres que, de algum modo, contribuíram com o desenvolvimento das Ciências. Ela adaptou narrativas referentes a essas personalidades femininas, para o público infanto-juvenil, com o intuito de trazer à luz as trajetórias dessas mulheres notáveis, como a doutora Zilda Arns; a engenheira negra brasileira Enedina Marques; Bertha Lutz; Hedy Lamarr; Sophie Germain; Marie Curie e Hipátia de Alexandria, a astrônoma lendária. 

Ademais, na obra, Ervilhas Tortas (2020), um curioso conto rural nos remete ao universo de Lindinha, delicada menina que, aos oito anos de idade, recebeu do pai a impensável tarefa de cuidar (tomar conta) de um enorme touro reprodutor recém chegado à propriedade da família. O fato de a garota demonstrar competência para cuidar do animal impõe questionamentos a uma certa visão estereotipada, ainda predominante na sociedade, de que meninas talvez não sejam hábeis no domínio de tarefas consideradas complexas. De acordo com essa visão simplista, também não seriam capazes de cumprir com requisitos necessários para o desempenho de funções nas áreas tecnológicas ou que demandem habilidades no campo das ciências exatas. 

Em uma pesquisa realizada em nível de Doutorado, a autora buscou lançar luz sobre estereótipos dessa natureza. A partir dessa dinâmica, Lindamir publicou outro livro: Silenciadas e invisíveis: relações de gênero no cotidiano das aulas de Matemática (2017). Nele, se discutiu a relevância da pesquisa, conceituou-se gênero e questionou-se o papel da escola, como objeto de análise, detalhando as relações de gênero na Educação. Nessa conjuntura, a pesquisa se ocupou do(s) modo(s) como a escola define a forma de se perceber masculinidades e feminilidades. As conclusões reforçam o que já é amplamente reconhecido por nós, mulheres: o comportamento das meninas ainda é muito influenciado pelos estereótipos e pelo que elas acreditam que se espera delas socialmente. 

Imagem Pinterest
Com o intuito de promover a superação desse estado de coisas, no âmbito da Filosofia, a obra Filósofas: o legado das mulheres na história do pensamento mundial vem fazer justiça a pensadoras como Diotima de Mantinea, Ban Zhao, Mary Wollstonecraft, Angela Davis e Lélia González, que ofereceram grandes contribuições para as questões feministas e para a história do pensamento geral. Assim, tanto as Ciências quanto a Literatura e outras artes têm se empenhado na tarefa urgente e necessária de retirar, do ostracismo, mulheres, cujos nomes jazem sob camadas e camadas de preconceito e de silenciamento. 


Arquivo pessoal de Lindamir S. Casagrande
Movida pelos mesmos princípios, Lindamir Salete Casagrande juntamente com outras intelectuais abraçaram a missão de resgatar mulheres – escritoras, cientistas, musicistas, esportistas, ativistas, entre outras que foram “esquecidas” no limbo da História oficial e dar o relevo que suas ideias, ações e legados merecem. Cada vez um número maior de mulheres tem utilizado a literatura como ferramenta de expressão e resistência, criando formas de reescrever o mundo a partir de perspectivas plurais, não só voltadas para as demandas e temáticas femininas, porque mulheres acolhem diversidades. 

Carolina Maria de Jesus - Pinterest
Armadas com os livros, produzimos um arsenal de narrativas que rompem silêncios impostos por estruturas opressoras e dão voz e visibilidade às experiências historicamente marginalizadas. A construção das nossas narrativas se dá na linguagem e pela linguagem, que é, ao mesmo tempo, o palco e a substância da disputa do poder. E, desse modo, vamos, paulatinamente, subvertendo o discurso de ódio que o patriarcado produz e engendrando a reativação do domínio das mulheres sobre o mundo. 



Se desejar conhecer mais detalhadamente a obra da escritora Lindamir Salete Casagrande, clique AQUI.

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Arquivo da autora
Heliene Rosa, natural de Patos de Minas, Minas Gerais, é uma escritora, professora e pesquisadora dedicada às poéticas femininas. Mestre em Linguística e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Heliene é uma voz ativa na militância pelas causas das mulheres e da negritude. Articulista no Blog Feminário Conexões e integrante de diversos coletivos femininos, fundou, em 2016, o GELIPLIT (Grupo de Estudos em Língua Portuguesa e Literaturas), com o propósito de promover a formação continuada de professores de Língua Portuguesa e Literatura.

Com uma carreira marcada pela coordenação de projetos literários e pedagógicos, Heliene foi premiada no Oitavo Concurso Nacional pela Igualdade de Gêneros com uma sequência didática voltada à escrita, envolvendo estudantes do Ensino Básico. É coautora em diversas coletâneas nacionais e internacionais e organizadora de antologias literárias e acadêmicas. Em sua produção autoral, destaca-se com os livros Enquanto as hortênsias florescem (2023) e Literatura é território: poéticas femininas indígenas em movimento (2024).

segunda-feira, 2 de junho de 2025

"ESCAPA PELOS DEDOS COMO AREIA", POR MEIRE MARION

Imagem Pinterest

PALAVRA FRACA

Por  Meire Marion

Coração se divide em dois

Duas partes que eram uma

Através de uma carta gelada e sem vida

Tudo o que compartilhamos foi desfeito.

 

A tristeza me atinge intensamente

Duro como uma pedra pesada

Amor não é uma palavra forte o suficiente.

Agora, quem vai me dar um ombro?

 

Tentando compreender onde tudo deu errado

Escapa pelos meus dedos como areia

Enquanto as chamas em meu coração queimam, queimam, queimam

O rádio toca uma música da nossa banda favorita

 

Lágrimas encharcaram meu travesseiro enquanto tentei dormir

Dormi profundamente no abismo tão profundo.

Um lembrete de como ações são mais fortes que palavras.


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Arquivo da autora


Meire Marion é professora de inglês, língua e literatura, escritora e poeta. É diretora da UBE (União Brasileira de Escritores), responsável pelo Prêmio Cláudio Willer de poesia. Têm sete livros para crianças publicados pela Editora Scortecci. É colunista da Revista Voo Livre de literatura. Também participa de diversas antologias com poemas e contos.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

ENQUANTO AS HORTÊNSIAS FLORESCEM, HELIENE ROSA

A ROSA E O JARDIM

Por Marta Cortezão[1]

 

O poema se faz sozinho

Na leveza do sentimento

[Poesia do mo(vi)mento, Heliene Rosa]

 

Arquivo da autora
Os versos, semeados pelas mãos que lavram sentimentos no solo branco e solitário do papel, brotam fertilizados pela beleza artística da palavra ritmada que perfuma com poesia e dá viço aos estados de essência cultivados no jardim poético de Heliene Rosa. É a leveza harmônica, presente na essência do Belo, que perfuma cada poema em sua unicidade e sensibilidade, pois é essa Beleza o pano de fundo deste jardim de Rosa, assim como da palavra bailarina que, sempre em movimento, molda a forma de cada verso-flor para manifestar-se ao mundo exterior sensível, bem diante dos olhos passantes do(a) leitor(a) que param a contemplar, extasiados, diverso jardim.

Esta voz do Feminino Rosa, que levanta seu canto, neste livro-jardim Enquanto as hortênsias florescem, é a voz que embala a poesia próspera e pura que vem do chão! É a voz clareira da alma que sonha flores, “em miríades de cores” e distribui esperança pelo caótico mundo em que vivemos, ainda que as palavras sejam escassas e os caminhos tortuosos: “Enquanto as hortênsias florescem / No jardim / palavras me traem / palavras me faltam / me perco de mim (...) Enquanto as hortênsias florescem / Em miríades de cores / Sobre folhas e haste / Enfeitando o jardim”.


Arquivo da autora
É a voz da ancestralidade que se consolida na força da intelectualidade de Rosa, que, primeiramente, descolonizou seu jardim, para só então partilhar as sementes férteis pelo mundo. Como aperitivo, desfrutemos do fragmento do poema Dindinha, no qual escutamos a voz sábia e selvagem que muito ensina: “com ela aprendi: que na vida, / Nem tudo é do jeito que a gente quer / Mas ninguém deve duvidar / da força e do poder / De uma mulher!” Rosa, imersa na força de sua africanidade, solta a voz para dizer das dores que atravessam suas vivências, mas ela escreve para consolidar sua existência, que também é a nossa. O poema Servidão dialoga com as muitas histórias de vida tecidas nestes versos: “Em algum canto, / Sonhos de amor roubados/ E soluços, silenciados. (...) E a dança dos séculos, / Sofistica a crueldade; / Exploração naturalizada...(...) / Como arrancar do poema / Esse refrão?”. As reviravoltas dos versos de Rosa, em meio à polifonia de vozes femininas, se encarregam de trazer a resposta, que vêm com o vento da coletividade, onde o sopro é de verde esperança e de otimismo, porque somos mulheres de luta e de sonhos: “lutamos juntas agora, / E não podemos retroceder! / Pois já dizia o poeta, / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer!” E assim meus olhos de leitora, ao contemplarem tão belo jardim, vão se emocionando neste amor pulsante que me abraça, poeticamente, como no poema Labirinto, onde “frenética dança / Aquece-me a esperança / E reinvento o mapa / Desenho novos caminhos / Para o meu labirinto particular.”   

Arquivo da autora
Caro(a) leitor(a), é neste jardim florido, cultivado em Terra-Mãe, “Nossa Nave-Terra, nosso lar, / Corpo coletivo ancestral”, onde Árvores, “em suas entranhas / Rios internos deságuam / nas raízes que sustentam o mundo”, que convido você a adentrar. Entre sem medo, aqui as palavras nos lavam a alma em rios de Feminiscências, onde “Universos se fundem / Centelham faíscas divinas / Das entranhas da Terra”. Aqui há Pássaros que “habitam o céu / Tingem-no de plumagens coloridas / E rasgam o azul/ Intrépido voo” com “Seu canto flecha / Endereçado ao infinito”. Aqui, no Jardim da Poeta Heliene Rosa, há uma aventura fantástica de dança ritmada de doce e engajada poesia que se apresenta ao mundo! Entre em contato com a autora, adquira o seu exemplar e boa leitura!

Leitura de poemas de Enquanto as hortênsias florescem, por Marta Cortezão:




[1] Para contratar resenhas literárias entre em contato via e-mail martabartez@gmail.com

ROSA, Heliene. Enquanto as hortências florescem. Uberlândia (MG): Editora Subsolo, 2023.

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Arquivo da autora
Heliene Rosa, natural de Patos de Minas, Minas Gerais, é uma escritora, professora e pesquisadora dedicada às poéticas femininas. Mestre em Linguística e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Heliene é uma voz ativa na militância pelas causas das mulheres e da negritude. Articulista no Blog Feminário Conexões e integrante de diversos coletivos femininos, fundou, em 2016, o GELIPLIT (Grupo de Estudos em Língua Portuguesa e Literaturas), com o propósito de promover a formação continuada de professores de Língua Portuguesa e Literatura.

Com uma carreira marcada pela coordenação de projetos literários e pedagógicos, Heliene foi premiada no Oitavo Concurso Nacional pela Igualdade de Gêneros com uma sequência didática voltada à escrita, envolvendo estudantes do Ensino Básico. É coautora em diversas coletâneas nacionais e internacionais e organizadora de antologias literárias e acadêmicas. Em sua produção autoral, destaca-se com os livros Enquanto as hortênsias florescem (2023) e Literatura é território: poéticas femininas indígenas em movimento (2024).

terça-feira, 6 de maio de 2025

IN(-)VERSOS DO MEU VERSO, DE RITA ALENCAR CLARK

 ACORDEM JÁ ESSAS MULHERES!

Vou andando com o teu livro

entre as construções do poema

e eis que as ruas de repente

Transbordam de humanidade

sob o coral das abelhas

E o mel que a tarde destila.[1]

 

Arquivo da autora 

Apesar da intensa atividade de Rita Alencar Clark na escrita, especialmente nas produções coletivas do Mulherio das Letras Nacional, as quais veio acompanhando desde o início do movimento (2017) e, mais recentemente, as do Coletivo Enluradas, é somente em 2024 que a poeta amazonense nos concede a graça poética da publicação de seu primeiro livro solo de poesias, In(-)versos do meu verso, cujo percurso já nos revela um misterioso enredo: o antigo manuscrito – depois de ser entregue ao seu pai, o poeta Alencar e Silva (1930-2011) – permaneceu desaparecido por vários anos entre o labirinto dos velhos objetos guardados como se soubesse o momento oportuno de surgir na cena literária da escrita brasileira contemporânea de autoria feminina do século XXI.

Evento UFAM-05/MAIO/2025
Arquivo da autora
In(-)versos do meu verso estreia no mundo físico inflamado de imagens que excitam a fantasia poética da linguagem, características tão necessárias à poesia. A versatilidade da escrita poética de Rita, ao expandir os limites do signo linguístico, mantém os olhos leitores em estado de vigília diante da luz de um novo alaranjado crepuscular que erradia de seus versos para tingir a realidade, já tantas vezes vista, com o inesperado de suas engenhosas metáforas temperadas de discreto delírio, enquanto uma prosopopeia abre o caminho do poema: “Flanco de paz adormecida / Pousa no torpor da tarde alaranjada [...] Nos olhos de teu passado / Amarelo, laranja, amarelado / Buscando a tua paz… alaranjada” (“Paz alaranjada”, p.20).

Lançamento (Manaus-23/SET/2024)
 
A “poesia é sonho” que mantém a consciência humana desperta e a bordo de uma epopeia de sentimentos cujo nauta é o próprio coração que parte em busca de si mesmo, enfrentando as violentas tempestades do mundo. A voz lírica e sonhadora, cochichada numa canção ribeirinha naquele longínquo tempo das palavras, funde fragmentos da memória vivida à fantasia poética de In(-)versos do meu verso sob a aquiescência dos furiosos olhos da Medusa – a mortal górgona e suas serpentes – que não dormem, pois conhecem “as faces da esfinge” e a dor ancestral de ser mulher no mundo. E convocam, em enérgica poética, o canto das sereias, o canto da liberdade a ser entoado: “Acordem o silêncio dos palácios / Toquem os sinos e as trombetas [...] Acordem já essas mulheres! / Digam que há milhares de sonhos / Lá embaixo esperando por elas!” (“Acordem o silêncio”, p.29).

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A poética de Rita revela uma voz em consonância com o seu tempo, atenta às transformações sociais e consciente de seu papel político na sociedade. Esta voz que se materializa no livro, possui um corpo político feminino que se descobre livre durante todo um doloroso processo de autodescoberta e que é gestada – pela posse da ‘palavra de mulher’ tão ausente na história dos homens – na sombria alcova dos difíceis silêncios. Não basta existir é preciso mergulhar fundo no denso amálgama da vida, desgarrar-se, liberar-se da culpa e do medo, parir a ‘palavra primordial’ que liberta a consciência e ilumina os caminhos: “Estou grávida de mim mesma / Sinto que minh’alma não / Habita mais meu corpo cansado, / Ela habita na essência. / Crisálida antes da liberdade / Parto difícil esse de parir a si mesma! [...] Para, em voo solo, decolar!” (“Parir-se”, p.75).

E neste sentido, há sempre muito a ser dito: “feridas tantas de tempos / Passados, somam distâncias no peito oco / Entre o que somos hoje e um dia fomos. [...] Não, não foi a saia, não foi o corpo, foi a violência! [...] Há tanto o que ser (re)visto sob o sol dos dias / Há tanto o que ser falado dessas dores e noites / Que, quando nos levantarmos todas, isso é certo, / Nossa voz explodirá numa aurora nuclear irrefreável. // Indomável.” (“Há tanto o que se falar”, p.88).


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O erotismo também atravessa o movimento reflexivo de In(-)versos do meu verso, e se apresenta numa cuidadosa e sutil linguagem marcadamente lúdica, que se mostra e se esconde nas entrelinhas e que se impõe através de uma voz lírica insubmissa, irônica, decidida e conhecedora dos próprios desejos:  O corpo todo ondulando / E, se abrindo como leque [...] Doce, escorregando pelo túnel, / Buscando, serena e plena / O ponto mais alto de seu / Próprio prazer. / Ele nem desconfia…” (“Na calada da noite”, p.21).

Nos jogos de sedução quem dá as cartas é esta mulher que sabe o que quer, inclusive ainda adverte este imprudente homem do perigo de suas “coxas e olhos reluzentes”, de sua beleza “tão livre e solar”, pois sabe que quando a veja tão radiante assim, “Um gosto amargo te subirá a boca, eu sei, / Mas os braços já estarão ao teu pescoço… / E será o teu fim, ou pior, do homem que pensas ser. // Então, cuidado!” (“Sedução”, p.26).

A escrita erótica de Rita Alencar Clark, para além de sua incontestável qualidade poética, é uma escrita de resistência contra os velhos tabus e os inúmeros preconceitos que nos têm silenciado ao longo dos séculos, e que, portanto, empunha a bandeira pela liberdade dos corpos de mulher, porque queremos “nossos corpos livres e belos / Por serem nossos, de mais ninguém, só isso!” (“Universos de nós mesmos”, p.83).


Alencar e Silva
Arquivo da autora

E por último, e não menos importante, a presença da intertextualidade que se plasma na poética do livro, estabelecendo uma relação de dialogicidade ambivalente, quando Rita toma a palavra poética de outros(as) autores/as para vesti-la em seu poema, dando-lhe sentidos outros. Como pequena amostra, destaco o fragmento do soneto do poeta Alencar e Silva: “Por entre as faces de um poliedro / como entre as fases de um pesadelo / pânico apelo nas multidões / vou decifrando meu próprio rosto / no amargo gosto das decepções[2]”; além da poeta conservar o sentido que a palavra “poliedro” já possui, ela explora e ressignifica outros sentidos ao dialogar com o próprio pai poeta,  Alencar e Silva: “Encontro em mim teu coração, / Este poliedro de mil faces, / Lapidado pelo mestre em sua forma / Mais perfeita, mais exata!” (“Tens os olhos guardados em mim”, p.48).

Rita Alencar e Silva e Marta Cortezão
Palácio da Justiça (Manaus-23/SET/2024)
Assim, a poeta segue lapidando, ainda no mesmo poema, mas agora em diálogo com Fernando Pessoa, sem romper-lhe a ideia primária: “Pulsante às dores do mundo, / Este comboio de cordas em / Sonatas de outono”.

Por aqui me despeço, e não me levem a mal, mas é que “Já nem sinto os meus pés no chão…”. Ó Santa Rita dos versos encantados, escrevei para nós… Amém! Boa leitura. 

Marta Cortezão

Poeta amazonense.





[1] SILVA, Alencar e. Crepuscularium. Fortaleza/CE: Ediçoes Realce, 2006, p. 34.

[2] “Por entre as faces de um poliedro” de Alencar e Silva, in Ouro, incenso e mirra.  Manaus, AM: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, 1994.  83 p.  Acesso 08/04/2024, disponível em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/amazonas/alencar_e_silva.html

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Arquivo da autora

Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM - Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA - Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: Meu grão de poesia, Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico e In(-)versos do meu verso.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

AMAZONIDADES: GESTA DAS ÁGUAS

 

AMAZONIDADES - GESTA DAS ÁGUAS: ALGUMAS PALAVRAS[1]

Por Rita Alencar Clark

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Quando Ítalo Calvino em seu livro: Seis propostas para o próximo milênio (1990) – na quarta parte – constrói sua narrativa  sobre a visibilidade e  propõe fazer uma alusão à obra de Dante Alighieri, com fins de apresentar, aos potenciais escritores, uma daquelas, que julga ser, “ferramentas” essenciais para um bom texto, diz: “...para o poeta Dante, toda a viagem da personagem Dante é como essas visões; o poeta deve imaginar visualmente tanto o que seu personagem vê, quanto aquilo que acredita ver, ou que está sonhando, ou que recorda, ou que vê representado, ou que lhe é contado, assim como deve imaginar o conteúdo visual das metáforas de que se serve precisamente para facilitar essa evocação visiva. O que Dante está procurando definir será, portanto, o papel da imaginação na “Divina Comédia”, e mais precisamente a parte visual de sua fantasia, que precede ou acompanha a imaginação verbal”.


Partindo desse ponto de observação sugerido pelo mestre Calvino, arrisco-me a tecer uma narrativa sobre a obra de Marta Cortezão, poeta de “
Amazonidades”, que assim como Dante nos carrega, sem resistências, através das correntezas de sua literatura imagética, por excelência, e como nos rios que cortam a carne Amazônica das florestas, dos seres encantados, dos barrancos e sua gente ribeirinha, vamos penetrando (como na obra de Dante) nos vários círculos, contemplando imagens que se formam diretamente em seu espírito (parafraseando Calvino). Desta forma, podemos navegar por entre as páginas-estradas-rios da sua obra, mesmo que nunca tenhamos, fisicamente, nos aventurado na missão. Podemos sentir os cheiros do tacacá quando exala em trova:

À tarde, um largo passeio  

camarão mais tacacá

jambu no picante cheiro…

E um beijo, me taca cá?


Ou ainda, de súbito, sentir um frio percorrer a espinha quando esquadrinha os Encantados:

E no caminho da roça  

o Curupira faz troça;  

o caboco já perdido

pega o beco num só grito.


Ou fazendo o sangue gelar com as visagens:

Facheando pela noite,

sanhuda cobra de fogo

rasga luz na escuridão…

Cruz credo da assombração!

Foto lançamento na ALB/AM

Marta Cortezão nos traz ainda iluminuras poéticas para ensinar ao “povo das cidades”, imersos nas urbanidades, o frescor dos neologismos e uma fonética só nossa, o povo das Amazônias, das lendas e parlendas, dos mitos e encantarias, para mostrar que trazemos  no dorso da alma nossa ancestralidade pujante, potente e que ela remonta há milênios de sabedoria e conhecimento; do que ainda não foi descoberto pela ciência, pela medicina, pela humanidade, tão necessitada e carente de unguentos e benzeduras para a alma, que a salve da calamidade, da catástrofe climática, do caos irreparável. Nos indicando, pelas trovas, o caminho da redenção, ou quem sabe, da salvação. Os olhos de Marta sondam a escuridão das matas, dos rios, dos recônditos lugares como a proteger um santuário, com seus versos e trovas, dos homens de coração duro e corroídos pelo mercúrio e alumínio assassinos, que envenenam nossas águas e peixes, que matam nossos povos. Contudo, nossa poeta – gesta das águas – é Amazônida de Tefé, usa das armas, sua poética, desvendando conosco seu mundo imagético com a precisão de uma lança de Icamiaba, crava no mundo literário suas trovas encantadas e faz renascer no seu povo a beleza, a esperança de novos dias de ajuri farto; dias de Tupã.

 

Curupira, fiscal brabo

e herói de famosas gestas

montado em seu xerimbabo,

faz a ronda na floresta.

***

Mulheres Icamiabas

vencedoras de Orellana;

ancestrais e matriarcas

das caboclas Amazonas.

 

Vida longa à Marta Cortezão!

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Manaus, 09 de novembro de 2024.

Foto de Marta Cortezão
Textos da contracapa:

O leitor que interagir com este AMAZONIDADES – GESTA DAS ÁGUAS, da poeta amazonense, Marta Cortezão, desfrutará dos sabores amazônicos através de uma tecelagem verbal instigante. Marta recorre, predominantemente, à métrica do verso heptassílabo (ou redondilha maior), para imprimir música à língua regional das riquezas floresta. Trata-se de uma poética fluvial que traduz a melhor brasilidade em seu universo verde de mistérios ainda irrevelados.

Salgado Maranhão

Poeta, compositor.

O conhecimento adquirido com as vivências nos rios, que no livro de Cortezão é o todo, volta-se sobre a parte população ribeirinha, formando um ecossistema múltiplo da floresta e região. As amazonidades nos convidam a uma visão das dimensões holísticas da região pelos rios Negro e Solimões que atravessam as vidas dos ribeirinhos do norte do país.  Os perfis humanos, herdeiros dos povos originários, são seres-em-relação e o EU lírico se define sempre diante de um Tu, esse TU significativo e caudaloso, que é o rio. 

Isa Corgosinho

Poeta, Ensaísta, Dra. em Teoria Literária.


[1] Texto de Rita Alencar Clark apresentado no lançamento do livro Amazonidades: gesta das águas, em Manaus, na Academia Amazonense de Letras, em 09 de novembro de 2024.

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Arquivo da autora
Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM - Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA - Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: Meu grão de poesia, Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico e In(-)versos do meu verso.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

SANDRA GODINHO #PRÉ-VENDA MEMÓRIAS DE UMA MULHER MORTA

LETRAS ICAMIABAS|06 

SANDRA GODINHO, AUTORA TRÊS VEZES FINALISTA DO LEYA, LANÇA NOVO ROMANCE PELA EDITORA TAUP


Capa do livro

Desde o dia 11 de abril, está ABERTA a campanha de PRÉ-VENDA do novo romance de Sandra Godinho, no site da Editora TAUP. O livro foi finalista do Prêmio Leya 2011 e inaugura o novo selo da editora, a Praga e conta uma história ambientada em Caxias do Sul, na época da Segunda Guerra, quando os dialetos dos países do Eixo foram proibidos por Vargas, causando traumas nos descendentes italianos que lá vivem e tormentas nos caxienses que veem seu modo de vida abalado do dia para a noite.

Sinopse: Maria Justina da Silva é uma menina que nasceu numa colônia, lote de terra de vinte e cinco hectares, localizada nos arredores de Caxias do Sul, no sul do Brasil, e vive junto de seu irmão Firmino, nove anos mais velho que ela, seu cachorrinho Pipoca, sua mãe Catarina e seu pai Érico. Na colônia vizinha à sua, encontra-se Nina e Pietra, de família italiana e de quem se torna amiga até o momento que Nina se apaixona por Antônio e a abandona. Firmino falece, deixando-a triste e solitária. Quando o pai de Maria adoece, cabe a ela manter o sítio e cuidar da subsistência da família, mudando-se para Caxias e aprendendo que a vida é pulsão e convulsão, especialmente com a proximidade da guerra, cujas consequências para os descendentes italianos que colonizaram Caxias são terríveis, mexendo com a identidade de todos. Maria se casa com o jovem Giácomo, mas ele se envolve nos conflitos armados contra Vargas.

Maria vai trabalhar na Metalúrgica Gedaff, onde reencontra Nina, já separada de Antônio e mãe de Giuseppe. Como as condições de trabalho na fábrica - agora transformada numa fábrica de armamentos para lutar contra a Itália, Alemanha e Japão - são desfavoráveis às mulheres, exploradas por serem a mão-de-obra mais barata, Maria engendra uma luta dentro da fábrica por melhores condições de trabalho. Entretanto, uma explosão dentro da fábrica ocorre, podendo mudar o destino de Maria, de Nina e de seu filho Giuseppe.

Plataforma Benfeitoria
A narrativa pungente, crua e carregada de simbolismos de Memórias de uma mulher morta nos conduz através de um labirinto de imagens e sensações que nos atordoam e encantam. Enquanto acompanhamos Maria em sua jornada da infância à vida adulta no interior do Rio Grande do Sul do início do século passado, revelam-se universos internos e externos. 

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Arquivo da autora
SandraGodinho, nascida a 27/07/1960 em São Paulo, mora há 22 anos em Manaus; é graduada e Mestre em Letras e tem 12 livros publicados. Orelha Lavada, Infância Roubada (2018) recebeu Menção Honrosa no 60º Prêmio Literário Casa de Las Américas (2019); O Verso do Reverso (2019) ganhou o Prêmio Cidade de Manaus (2019); Tocaia do Norte (2020) recebeu Prêmio Cidade de Manaus (2020) e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura (2021); A Morte é a promessa de algum fim recebeu o Prêmio Cidade de Manaus (2021);  Memórias de uma mulher Morta (no prelo) foi finalista do Prêmio Leya 2021; A Secura dos Ossos (2022) foi finalista do Prêmio Leya 2022. Nós, cegos foi vencedor do 1º Prêmio Carolina de Jesus (2023) e PNAB 2024. O Negro secou (contos) recebeu Menção Honrosa no Prêmio Cidade de Manaus 2024. Paralelo 11 foi finalista no Prêmio Leya 2024.

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VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07  MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS  POR Heliene Rosa Imagem Pinterest ...