sexta-feira, 26 de novembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|75



Momento com Gaia/75


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá




Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Não nos ensinaram a viver


morremos um pouco a cada dia 

quando adiamos os nossos sonhos

deixamos de perdoar por motivos fúteis


sacrificamos o agora em prol do amanhã

ignoramos as virtudes do outro

esquecemos de declarar o nosso amor


morremos um pouco a cada dia 

entrelaçados com as nossas vaidades

ao alimentarmos o nosso egoísmo


ocupando espaço no nosso coração

para inveja, maldade e julgamentos

e quando deixamos de estender a mão


morremos um pouco a cada dia 

ao cruzarmos os braços diante das injustiças

e silenciarmos ante as atrocidades


ao negarmos um pedaço de pão

fingimos não ver a fome no mundo

contribuímos om a destruição do planeta


com a miserabilidade das nossas ações

pela incapacidade de ir além dos nossos umbigos

morremos... porque não nos ensinaram a viver




NAS TEIAS DO POEMA XIII: DA FORÇA PERENE DA PALAVRA



 

NAS TEIAS DO POEMA XIII: DA FORÇA PERENE DA PALAVRA

                                                                Por Marta Cortezão

 

Brado com a língua da serpente que sou: pelas mulheres que aguentam toda a merda desse mundo, que se achavam incapazes, para as que vieram antes, para as que virão depois que eu virar pó. Para o norte que existe e é lindo. Para Santarém. Para o rio escuro que faz o magma do meu coração. Para os orixás que dançam comigo, bebo e como de seu manjar. Sou filha da rua e meu território vai ser sempre onde meu pé firmar como vela. Eu vou escrever até o fim, porque estou de passagem, mas a palavra é eterna.

 

{Monique Malcher[1]}

Em mais um episódio do Nas Teias do Poema, nos animamos para o inquietante mergulho neste paradoxal rio de palavras que nos mantém em constante vigília em nosso próprio caos. Armadas de palavras, enfrentamos o mundo que nos devora dias e dias a fio na solidão de uma alcova qualquer, mas as palavras, fruto do ventre da alcova, têm como destino as multidões; são velozes, retilíneas, aladas, altruístas e possuem a chama do conhecimento, a essência da sabedoria, pois como escritoras também assumimos o papel de pensadoras de nossa literatura. E nunca é tarde para chegar, porque “na arte é impossível chegar tarde; que, não importa de que se alimente ou o que procure ressuscitar, a arte é em si própria avanço.” (TSVETÁIEVA: 2017, p.5).

Olhamos para trás com os olhos rasos d’água, com a boca cavernosa prenhe das dores mapeadas pelo corpo, mas caminhamos em frente com a língua viperina destilando o grito e o contragrito entalado na garganta “pelas mulheres que aguentam toda a merda desse mundo, que se achavam incapazes, para as que vieram antes, para as que virão depois”. Nunca nos esqueçamos que em toda margem residem as várias facetas da criatividade artística e todo ser marginado revela-se um conquistador por excelência. É por isso que seguimos determinadas, nos vemos refletidas nas palavras de Monique Malcher: “Eu vou escrever até o fim, porque estou de passagem, mas a palavra é eterna.”

A palavra é eterna porque nossa escrita se conjuga e reverbera no perene rio do tempo, revelando nossa essência, sobre quem somos, de onde falamos... No dizer de Susan Sontag, as palavras têm consciência, “são flechas. Flechas cravadas na pele dura da realidade.” Entretanto, é preciso entender que só avançamos à medida que nossa arte avança.

Celebramos a palavra, celebramos em ciranda esta chama que se revela no fazer literário e no florido canteiro de nossas tantas (in)certezas! Escrevamos todo grito e contragrito que nos condiciona no tempo do silenciamento. Rebelemo-nos e marchemos para a metamorfose, porque os sinos se dobram e anunciam: é tempo de esperançar e poetizar no rio de nossas utopias, pois a literatura é este sopro que nos faz acreditar na humanidade!

Nas Teias do Poema de hoje conta com a poética presença das autorias:

JOELMA QUEIROZ é Pedagoga, Escritora e Contadora de histórias (Jó conta e encanta no YOUTUBE). Já publicou 4 livros infantis: Cadê minha gatinha, O Renascer da Floresta, Dudu e o espelho da bisa e Bia liga-desliga. Participante de Antologias.  Membro do Coletivo Mulherio das Letras, da AILB e da AIML (Academia Internacional Mulheres das Letras). Instagram @joelmaestelaqueiroz.

GLAFIRA MENEZES CORTI, professora paulistana, membro do Coletivo São Paulo de Literatura e da Academia Contemporânea de Letras. Atua voluntariamente como palhaça Pitanga, oficineira de escrita/ leitura e contadora de histórias. Tem três livros publicados “Tamborilando com Letras”, “PraVocê” e o infantil “Eu fizio porque quizio”.

VALÉRIA  PISAURO, natural de Campinas-SP, exerce intensa atividade cultural na literatura e na música, como poeta, roteirista e letrista musical. Participa de certames culturais, de idôneas antologias e de festivais de música, tendo sido premiada em vários deles.

 

REFERÊNCIAS:

 

SONTAG, Susan. Ao mesmo Tempo – Ensaios e discursos [recurso eletrônico]. Trad. Rubens Figueredo, Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2008.

TSVETÁIEVA, Marina. O poeta e o tempo. [recurso eletrônico]. Trad. Fernando Pinto do Amaral. Disponível no link: https://docero.com.br/doc/sx5x55x.  Acesso 20/11/2020.

 

 

 



[1] Texto postado, dia 26/11/2021, pela própria autora em seu perfil do Facebook, no link https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=4950427471668210&id=100001030198631&sfnsn=scwspmo, em referência ao 63º Prêmio Jabuti de 2021, cujo livro “Flor de gume” (Editora Jandaíra), foi vencedor na categoria conto.

 


O Projeto Enluaradas parabeniza a todas(os) as vencedoras e os vencedores do 63º Prêmio Jabuti/2021



terça-feira, 23 de novembro de 2021

ELES LEEM ELAS: FLOR DE LINZ, POR KRISHNAMURTI GÓES DOS ANJOS

 

ELES LEEM ELAS|08

Flor de Linz de Danielli Cavalcanti

CRÔNICA DE UMA MIGRANTE BRASILEIRA NA EUROPA

 

Por Krishnamurti Góes dos Anjos 

 

“Flor de Linz”, da escritora brasileira Danielli Cavalcanti, é livro que deveria ser lido e relido por aqueles que sonham com paraísos europeus onde tudo ‘floresce’ e a vida humana é plena de realizações e prosperidade. Tendo como palco o fictício café “Flor de Linz” existente na cidade austríaca de Linz e que se afigura como um ponto de apoio e encontro de imigrantes, uma voz narrativa (que traduz as experiências da própria autora que de fato ali residiu por anos), expõe o cotidiano dos migrantes, sobretudo brasileiros, que, por um motivo ou outro, acabaram indo dar com os costados naquelas paragens às margens do rio Danúbio.

Positivamente vivemos época em que a distinção entre “migrantes” e “refugiados” é cada vez mais tênue. De fato, vem ocorrendo no mundo uma forte mutabilidade e variedade dos fluxos migratórios, porque impulsionados por mudanças mais densas, imbricadas e complexas do que em épocas anteriores. São múltiplas as confluências e semelhanças entre ambos os conceitos e indiferenciadas muitas das causas e consequências desses fluxos. Difícil, muito mesmo, diferenciar movimentos “voluntários” dos “forçados” por guerras e/ou perseguições políticas, tal a natureza híbrida dos mesmos. Muitos dos migrantes “voluntários” – por vezes designados como migrantes econômicos – são na realidade “forçados” a deixar suas regiões de origem, devido a situações de grande privação (absoluta ou relativa), como parece ser caso da maioria dos migrantes brasileiros que optam por tal alternativa ante um quadro social extremamente instável, de avanços e recuos cada vez maiores no país.

A velha questão de ausência de perspectiva de melhoria de vida, aliada à um quadro de instabilidade, violência crescente, corrupção e crise constante, tem empurrado muitos às aventuras em terras europeias.Decorre de tal situação, que a vivência e convivência em tal ambiência é sempre marcada também por muito sofrimento físico e psíquico (pois o tal homo sapiens ainda acredita piamente que não existe paraíso sem serpente, e as vezes trabalha com afinco para que assim continue). As narrativas da senhora Danielli Cavalcanti, embora adornadas por uma tonalidade poética e por certo carinho pela cidade de Linz e alguns de seus habitantes mais cordiais, não esconde a brutalidade do racismo, o preconceito, e a imposição de uma mentalidade europeia que se pensa superior ao resto do mundo.

Há casos que beiram o cômico como é o caso de Açucena (os personagens femininos têm sempre nomes de flores) que se envolve em um triângulo amoroso que quase acaba em morte, ou o caso de Oleandro que precisou que uma pessoa austríaca falasse por ele – o simples sotaque estrangeiro por vezes é uma porta enorme bem trancada -, para fechar um contrato de locação de um imóvel. Interessante notar que, nesse caso específico, havia um amor em jogo, mais havia também outros interesses urgentes, e imagine-se o que é viver em tal condição:

“Para ela [a noiva], foi a forma de fazer diferença na vida de alguém. Para Oleandro foi a possibilidade de legalizar sua estadia e, finalmente, conseguir permissão para trabalhar e ter seguridade social. Sua emoção não cabia no coração. O Danúbio é testemunha das muitas vezes que Oleandro tremeu de tanto chorar as dores de anos trabalhando no submundo da construção civil. Durante todo o seu tempo de trabalhador indocumentado, teve sonhos destruídos e outros muitos adaptados.”O que pensar disto?

“Os ânimos a todo vapor me renderam duas visitas dos faróis azuis. Na primeira, controlaram minha permissão de estadia na Áustria e o alvará do café. Na segunda visita, as botinas pretas insaciáveis começaram a controlar as pessoas convidadas.”

Ainda pior: “Antes de abrir o café, eu tive um horário marcado no departamento para assuntos de imigração, para renovar meu título de residência permanente. Dessa vez, foi exigido também uma declaração de uma associação, que eu nunca ouvira falar, constando que eu não solicitara nenhum empréstimo bancário. E lá se foram 20 euros, para um papel comprovar que falei a verdade.”

Assombrosa a história de uma certa moça chamada Tulipa (brasileira), casada com um tal Hibisco (austríaco), que foi convidada para um jantar local. Observe-se uma a realidade que subjaz envolvendo mulheres migrantes. Primeiro a pergunta de uma ‘dama’ austríaca:“— Hibisco te escolheu de um catálogo, não foi?”, ante a estranheza que uma tal pergunta causou, veio a resposta:“— Sim, catálogo! Há muitos homens que não encontram mulheres aqui e as buscam de catálogos de outros países. Principalmente as mulheres do Sul são requisitadas pela sua submissão cultural.”

Há ainda outras observações que transmitem bem como é o dia a dia para os imigrantes:Na crônica “Florescimento contínuo” a tradução do que muitos europeus pensam sobre os migrantes: “Parece que, ao carimbarmos o passaporte num país estrangeiro, recebemos de cortesia o carimbo da menos valia, da incompetência. Por mais que nos esforcemos, nunca somos, suficientemente, bons.” Porque: “Nossas habilidades estão sempre sendo questionadas, quando não menosprezadas. Nossas capacidades subestimadas, ao ponto de sermos infantilizadas.”

Entretanto o livro, não trata somente de tristezas e desencantos, há espaço também para belos momentos de solidariedade a ajuda mútua, onde grandes amizades se constroem. Assim mesmo, cala forte nossas consciências quando lemos a crônica “Uma flor de jaçanã”, que narra toda aquela tragédia ocorrida bem na Áustria em 2015 (quem se lembra?), quando no final de agosto daquele ano, “um caminhão com 71 corpos foi encontrado numa autovia, e a Áustria sentiu o peso da presença daquelas vidas ausentes. Eram pessoas vindas na maioria, da Síria. Morreram asfixiadas, dentro de um caminhão, tentando atravessar a Áustria para chegarem à Alemanha.” Fica mesmo a terrível mácula, que o tempo não apaga, e que o texto refere com muita propriedade:

“E se tem que suportar o peso de suas almas gritando na consciência, e seus corpos expondo as crueldades de uma política de exploração e de extermínio. Chegam pelas águas como algas, estão em todos os lugares para nos lembrar do nosso fracasso como humanos.”




domingo, 21 de novembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|74

 



Momento com Gaia/74


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá


Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Um novo tempo


uma nova terra está por vir

sem vaidade, emoção exacerbada

julgamento e competição


um espaço de afeto e respeito à vida

para caminharmos lado a lado

e falarmos a mesma linguagem


um novo tempo prenuncia a sua chegada

onde nos alimentaremos juntos

e beberemos da mesma água


poderemos ser nós mesmos

sem subterfúgios ou máscaras sociais

nus, autênticos e sem disfarces


uma nova era já desponta

expõe o que estava escondido 

e traz à tona toda a perversidade


não há mais lugar para desamor

jogos, manipulações, inverdades

faz-se urgente pacificarmos o mundo


um novo sol nos convoca a sermos luzes

na calorosa proteção dos nossos abraços

e girarmos a ciranda dos afetos e sermos laços




sexta-feira, 19 de novembro de 2021

NAS TEIAS DO POEMA XII: UMA LITERATURA ENGAJADA

 


NAS TEIAS DO POEMA XII: UMA LITERATURA ENGAJADA

Por Marta Cortezão

 

A sororidade feminista está fundamentada no comprometimento compartilhado de lutar contra a injustiça patriarcal, não importa a forma que a injustiça toma. Solidariedade política entre mulheres sempre enfraquece o sexismo e prepara o caminho para derrubar o patriarcado. [...] Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por completo.

{bell hooks}

Durante todo este percurso do Projeto Enluaradas, que teve início dia 01/01/2021 com a divulgação do edital para Coletânea I: Se Essa Lua Fosse Nossa, viemos construindo um espaço poético-metafórico, o desta Lua Toda Nossa que nos abraça e nos inspira a seguir construindo o caminho pela escrita. Paramos a escutar tantos sonhos que se entrelaçaram a tantos outros e outros e outros...; percebemos a força que emana de cada uma das autoras que nos estenderam as mãos nesta ciranda; sabemos o quanto nossa fraternidade, politicamente humana e que se fortalece pela palavra, é importante para continuar resistindo.

A luta coletiva, na companhia da palavra, é revolucionária, pois verter o sangue de nossas memórias e beber na fonte da força selvagem que nos projeta para o futuro, é viver o contínuo e necessário libertar-se das muitas formas de opressão que nos dificultam o caminho. Na sintonia do que nos torna diferentes e do que nos faz iguais, nossa diversidade e peculiaridades de vozes se moldam umas às outras ao som do poder humanizador da literatura, e dançamos o tango da utopia, porque, guiadas pelas palavras de Helena Blavatsky, sabemos que “o potencial da humanidade é infinito e todo ser tem uma contribuição a fazer por um mundo mais grandioso. Estamos todos nele juntos. Somos UM”. E não há volta, nunca houve, as que vieram antes de nós estiveram sempre na luta; as certezas que antes estavam encerradas em sagrados templos, erigidas como esculturas intocáveis, hoje estão a se desfazer pela ação de nossas palavras, poeticamente ácidas, pungentes e extremamente necessárias.

A Literatura Feminina Contemporânea, nestes dois últimos anos, vem intensificando cada vez mais sua presença. A marcha do coletivo pela divulgação da literatura feita por mulheres, inclusive pela contribuição das atuações individuais, vem ganhando território e cada vez mais espaços. E as redes sociais, as produções editoriais realizadas pelos coletivos femininos, estudos acadêmico-científicos, as edições independentes, a diversidade do mercado editorial, o grande número de revistas literárias e pequenas editoras e/ou selo editoriais voltados à publicação e à divulgação da literatura do feminino, entre outros fatores, têm sido pontos fortes para que avancemos. No seu artigo “Literatura Feminina no Brasil Contemporâneo”, de 1993, Nelly Novaes (p. 92) fazia a seguinte afirmação:  

Ao nosso ver, muito longe de consistir “discriminação” ou de se identificar com um novo preconceito (a pretensa substituição do Machismo pelo Feminismo), a preocupação especial que, nestes últimos anos, a Literatura Feminina vem despertando nos leitores e nos estudiosos, se liga ao fato de que a metamorfose-em-marcha no mundo de hoje tem, na mulher, a sua pedra-de-toque.

A “metamorfose-em-marcha” tem sido a prática incansável dos coletivos femininos e o Enluaradas é um destes coletivos que se embandeira pelo protagonismo feminino. E nesta práxis complexa, a preocupação que nos acompanha é também a busca por compreender e descobrir nossa própria literatura: como ela vem se construindo? por que aborda determinados caminhos? que abordagens nos são comuns na infinidade plural de nossas (in)completudes? Neste sentido, o Nas Teias do Poema é uma janela virtual para nos levar ao lugar de nossas tantas dúvidas a fim de pensar o nosso fazer literário. Não nos basta com apenas desengavetar os textos, queremos entender o processo da escrita, compreender como a palavra se processa no para além do texto estampado no papel... e muito mais. 

Somos pensadoras contemporâneas, parafraseando do latim, somos feminae fabri, portanto, mulheres que fazem acontecer a própria literatura, de mãos dadas com a força do numen primitivo que nos habita. Só para citar um exemplo, dentre tantos outros, na concorrência pelo 63º Prêmio Jabuti, na modalidade poesia, temos cinco mulheres como finalistas (Mar Becker, Maria Lúcia Alvim, Jussara Salazar, Micheliny Verunschk, Prisca Agustoni Pereira). Cada uma de nós, as feminae fabri da literatura contemporânea, tem sua parcela nesta grande conquista, por isso nos alegramos e torcemos por cada uma delas e por todas as autoras que estão na disputa neste (não posso deixar de citar a talentosíssima paraense Monique Malcher, representando o Norte, na categoria contos) e em outros prêmios literários, porque cada escritora que se destaca também nos leva junto, ainda que, muitas vezes, não se tenha consciência disso. Viver a ideia do coletivo, em sua profundidade, é uma lição que se deve saber conjugar na prática e na teoria. Bauman (2001, p.44), ao falar sobre a individualização excessiva que se vive, nestes tempos de modernidade líquida, aponta que a saída ainda é pensar e agir coletivamente:


A individualização chegou para ficar; toda elaboração sobre os meios de enfrentar seu impacto sobre o modo como levamos nossas vidas deve partir do reconhecimento desse fato. A individualização traz para um número sempre crescente de pessoas uma liberdade sem precedentes de experimentar — mas (…) traz junto a tarefa também sem precedentes de enfrentar as consequências. O abismo que se abre entre o direito à autoafirmação e a capacidade de controlar as situações sociais que podem tornar essa autoafirmação algo factível ou irrealista parece ser a principal contradição da modernidade fluida — contradição que, por tentativa e erro, reflexão crítica e experimentação corajosa, precisamos aprender a manejar coletivamente.    

A liquidez do mundo avança imparável, nos exigindo aprendizagem diária e o exercício da solidariedade; o contexto cibernético já não está fora de nossa realidade como pensávamos há pouco tempo atrás. Novos tempos virão, tempos em que a internet móvel será engolida pela novidade do metaverso, onde o simples ato de compartilhar a leitura de um livro com alguém, poderá nos fazer sentir como se estivéssemos lado a lado lendo o mesmo livro e ao mesmo tempo, ou ainda conversar, na distância, com a sensação da proximidade quase real... Fazer e divulgar literatura sem as redes sociais é algo que já faz parte do passado, pois o espaço cibernético é uma ferramenta imprescindível para a literatura produzida em nossa contemporaneidade. Quantas autoras iniciaram seu processo de escrita através das redes sociais e que, agora, seria impossível pensar sua escrita sem esta ferramenta virtual? A ideia é sempre fazer e cada vez melhor, mas com leveza e fluidez, sem esquecer de primar sempre pela qualidade do produto que oferecemos.  

E desta forma vamos construindo história na caminhada literária do Coletivo Enluaradas, um movimento feminino que vem, a passo miúdo, se firmando, graças às incansáveis ações que têm feito a diferença no campo literário, artístico e editorial da contemporaneidade. Somos um movimento feminino que tem marcado tendência nas mídias sociais através da divulgação e da adesão de autoras, as quais têm sido o apoio fundamental para continuar realizando SONHOS, sempre tendo em conta o trato cordial e humano tão escasso nestes tempos de modernidade líquida e ódio gratuito. E vamos lembrando sempre das palavras de bell hooks: “Solidariedade política entre mulheres sempre enfraquece o sexismo e prepara o caminho para derrubar o patriarcado”. Nós, as Enluaradas, temos consciência de que continuamos sendo a “pedra-de-toque”, como, sabiamente, afirmou Nelly Novaes.

No episódio Nas Teias do Poema XII, estarão conosco as poetas:

CÁTIA CASTILHO SIMON é doutora em estudos da literatura brasileira, portuguesa e luso-africanas, pela UFRGS. Publicações recentes: Psicografadas - contos, (várias autoras). Porto Alegre: Território das Artes, 2020. E-books: Todas escrevemos (várias autoras) – Edição: Fora da Asa – Instagram/2020; Coletânea Enluaradas I: Se essa Lua Fosse Nossa [livro eletrônico, 2021];

FRAHM TORRES é Santa Luzia, MA; professora de Linguagens, licenciada em Letras; Psicopedagoga; especialista em Gestão da Educação; ativista cultural, escritora e poetisa, com participação em diversas coletâneas literárias; membro efetivo da AJEB/MA;

MARINA MARINO é pedagoga e iniciou seus escritos publicando livros infantis. Hoje escreve principalmente para mulheres, evidenciando o processo de desconstrução das crenças que impedem a liberdade, tendo publicado o livro Divas, Mulheres Que Se Superaram e participado de várias antologias. É editora, livreira e criadora da Voo Livre Revista Literária.

 

REFERÊNCIAS:

 

BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida [recurso eletrônico]. Trad. Plínio Dentzien, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, 255 p.

HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo – políticas arrebatadoras. [recurso eletrônico]. Trad. Ana Luiza Libânio, Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.

NOVAES, Nelly. Literatura Feminina no Brasil Contemporâneo. Língua e Literatura, v. 16, n. 19, pt 91-101,1991. Disponível no link: https://core.ac.uk/download/pdf/268361766.pdf. Acesso 11/11/2020.

 

Para baixar o e-book, clique AQUI.




terça-feira, 16 de novembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|73




Momento com Gaia/73


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá




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O avesso


a vida é um caleidoscópio 

com múltiplas probabilidades

cabe a cada um de nós decidir


qual o caminho seguir

qual cor do arco-íris escolher

qual nota musical tocar


casar, ter filhos, ser mãe, cuidar

viajar, conhecer o mundo, sonhar

escrever, costurar, bordar, cozinhar


ser benzedeira, parteira, doceira

ser erveira, taróloga, lavadeira

ser alquimista, camponesa, rezadeira


com palavras mover a multidão

com ações seguir em frente, ser direção

com gentileza, ser afeto, dedicação


com o canto invocar a harmonia

com a dança buscar o equilíbrio

com afeto embalar o sono do mundo


oferecer colo, ser paz e aconchego

ser proteção, sábia, guardiã

ou às vezes ser apenas o avesso




EMPOEME-SE EM POESIA: Poemas de Patrícia Cacau




EMPOEME-SE EM POESIA/23


Poemas de Patrícia Cacau


Leitura de Marta Cortezão


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A fome do mundo


O mundo tem fome e eu tenho sede...

O mundo tem fome de sonhos

e come a tua esperança,

come o pedaço de estrada que você não percorreu,

o perdão que você não deu.

O mundo tem fome, come a paz, arrota a guerra.

O menino no sinal pede uma moeda

e o mundo tem fome, come a educação,

o direito à vida, à liberdade, à oração.

Como acabar com essa fome do mundo?

Se eu tenho sede, com a garganta seca

de gritar para a multidão que o sol é para

todos, que a minha sede é de justiça

para criança e o ancião.

Para a sede eu peço chuva; para a fome eu peço grão,

que brote semente de amor

para alimentar esse mundo cão.


*-* 


Fronteiras de mim


Eram só trincheiras que construí para me defender.

Eram desculpas que criava para me esconder.

Eram fronteiras imaginárias que a mente constrói.

Eram mais fantasmas, miragens

Que coragem!!

A vida me pegava de frente e eu andava de lado.

O tempo dizia É agora e eu respondia Pode ser depois?

As oportunidades se abrem como portas

sem escorador,

bateu, fechou.

As muralhas das dificuldades crescem de tamanho,

Sobem em altura, largura e cada vez tijolos

se  amontoam.

Justificando o tempo de espera de decisão.

O imaginário monstro que nos aguarda

para além do desconhecido parece assustador

desapegar-se do sofá estacionado na avenida

da comodidade.

Quantas vezes menti ao telefone para dispensar

um convite de uma noite que poderia ser incrível!

Quantas desculpas para alimentar o meu engano?

Muitas vezes me vestindo de vítima,

mutilando membros e pensamentos

que me permitissem quebrar as paredes do meu eu.


*-*

(Poemas do livro "Quintais", 2020, Editora In-Finita)



sábado, 13 de novembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|72




Momento com Gaia/72


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá


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Passageira


a vida é simples e breve

nesse labirinto transitório

cheio de armadilhas e ilusões


há que se dominar os desejos

para não nos perdermos por engano

e cairmos em ardilosas tentações


obstáculos existem em toda parte

sabotando nosso frágil sentimento

para tentar nos desviar do foco


viver é pensar no agora

libertar-se do passado

livrar-se dos retornos


enfrentar todas as sombras

iluminá-las e transcender

ser livre inclusive de nós


quantas armadilhas existem na vida

tentando nos desviar a atenção

nos iludindo com falsos brilhos? 


para que valha a pena cada instante vivido

há que se descativar dessa pele que nos habita

Impregnada de crenças que não nos pertencem






sexta-feira, 12 de novembro de 2021

NAS TEIAS DO POEMA XI: INDOMÁVEL E EFÊMERA CRIAÇÃO DO BICHO-POEMA

 


NAS TEIAS DO POEMA XI: INDOMÁVEL E EFÊMERA CRIAÇÃO DO BICHO-POEMA

Por Marta Cortezão

 

Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso.

{Cora Coralina}

 

    No episódio anterior, Não somos as mesmas de ontem, falávamos de como os momentos de crise, a duras penas e com as devidas exceções à parte, têm favorecido a criatividade poética, de forma revolucionária e solitária. É evidente o comprometimento vital destas expressões artísticas com a realidade que nos cerca. Nas palavras de Octávio Paz:

Em tempos de crise rompem-se ou afrouxam-se os laços que fazem da sociedade um todo orgânico. Em épocas de cansaço, imobilizam-se. No primeiro caso, a sociedade se desespera; no segundo, se petrifica sob a tirania de uma máscara imperial e nasce a arte oficial. (1982, p.54).

    Buscamos mudança e somos parte essencial dela e a linguagem é nossa maior aliada. E o poema é este intenso formigamento de dinamicidade vívida e movente (desejo a ambiguidade mesmo!) de seus inúmeros significados linguísticos. Entretanto, a poesia não é uma arte útil, não é verdade? É uma arte que se serve de farta e predominante Beleza, onde a palavra deambula, insubmissa, pelos vãos da não-existência buscando o afã de um poema. Sua utilidade está nos mundos de dentro, na expressão fundamental da arte que os ávidos olhares contempladores captam do mundo, ou seja, a poesia não tem finalidade alguma, porque sua finalidade é a própria poesia em si, por isso também, única. Mas não leve sua frustação para a vida afora, que ela fique apenas naquele último e suado poema, pois o próprio Paul Valéry já afirmava que “uma obra nunca é concluída, mas abandonada” e que “o poema – (é) essa hesitação prolongada entre o som e o sentido”.  Relaxe!

    A concepção poética não passa apenas pelo ato da escrita porque é anterior. Há um antes flutuando em uma massa caótica, uma espécie de in illo tempore da criação poética que é inalcançável e imensurável aos olhos da razão... Ela, esta força cosmogônica, está latente nos labirintos interiores conduzidos, à moda de F. Pessoa, por “esse comboio de corda/ que se chama coração”, onde o fazer poético nos reserva laboriosa e efêmera destreza que fenece nada mais nascer a obra, resultando apenas o bicho-poema que “é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana” (PAZ, 1982, p. 16). O bicho-poema, tão disforme, volátil e fluido, são os olhos da alma sem pretender sê-lo!

    Acredito que não nos basta apenas o ato de construção da escrita. É necessário pensarmos e discutirmos sobre todo o processo que nos acompanha desde que somente a fala já não nos satisfaz como seres no mundo, especialmente o nosso processo “poiético” de criação. O que não se denomina não existe, portanto falemos de literatura de autoria feminina! E, nesse contexto, inúmeras perguntas não cansam de procurar respostas e vice-versa. Ou ainda dúvidas que geram outras tantas dúvidas... Que revolução é essa que tem invadido, diariamente, nossas janelas virtuais nos convidando ao encantamento pelo labor da palavra? O que nos fez remexer nossos “bordados poéticos” e nos vestir de coragem para tecer nosso sudário de palavras mundo afora, seja em obras de coautoria ou obras solo? Como escrevemos? Que liberdade e que sede de palavras fortalecem nosso discurso? É possível relacioná-las com a força que emana das/nas vozes do coletivo? Como a literatura de autoria feminina se apresenta dentro do Projeto Enluaradas? É importante tomar as rédeas de nossa literatura e edificá-la sob bases sólidas, pois há uma “pós-modernidade” demasiadamente líquida para nos despreocuparmos de nosso fazer literário. Lá fora, o mundo é Cérbero, cão de sete cabeças! Mas quem desce ao Averno por gosto, acredita na força da Poesia! Avante!

    Neste episódio, com a mediação de Marta Cortezão, estaremos na companhia das poetas:

ANA MENDES é luso-angolana, autora de dois livros (infantojuvenil e rom. policial) em francês e português; Coautora em 50 Antologias e Coletâneas na França, Bélgica, Itália, Suíça, Portugal e Brasil. Premiada em concursos, poesia e contos/2020 & Menções Honrosas 2020 e 2021/ poesia. Acadêmica em seis Instituições: Brasil/Suíça/Portugal/Itália.

CRIS ARANTES, poeta escritora, compositora, musicista. Tem um Canal no YouTube: CRIS ARANTES VARAL DE POESIAS.

HELOISA HELENA GARCIA é paulistana apaixonada por pessoas e palavras desde menina, se tornou psicóloga e professora. Seus escritos revelam um tom pessoal, intenso e sensível. Acredita que escrever é mergulhar na experiência de si e de ser no mundo, emergindo sempre mais viva, presente e inteira. 

MARTA CORTEZÃO – amazonense radicada em Segóvia/ ES, é escritora, poeta, ativista cultural, professora, tradutora. Mantém o blog https://feminarioconexoes.blogspot.com. Participou de diversas antologias/revistas nacionais e internacionais. Livros de poesia “Banzeiro manso” e “Amazonidades Poéticas – Cultura e Identidade” (no prelo).

 Aguardamos por VOCÊ! Até mais.


REFERÊNCIAS:

PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira (Coleção Logos), 1982.

 

 


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