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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDA BARROS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

                               


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |08

ENTREVISTA COM LINDA BARROS

Por Gabriela Lages Veloso

"Ninguém nasce mulher: torna-se mulher" essa frase de Simone de Beauvoir nos lembra de que nossas identidades, e em consequência disso, nossas vozes, estão em constante aperfeiçoamento. Nesse contexto, a literatura dá voz e poder às mulheres, bem como é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber Linda Barros, uma artista de destaque na cena maranhense atual.

ENTREVISTA COM LINDA BARROS:

Arquivo pessoal da autora

Linda Barros é natural de Pastos Bons/MA. Graduada em Letras (Português-Espanhol), pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e pós-graduada em Língua Portuguesa, pela Faculdade Atenas Maranhense (FAMA); em Dança Educacional, pelo Censupeg (SC) e em Artes Cênicas, pela mesma IES. É escritora, cronista, contista, poeta e atriz. Participa do Grupo Teatro Improviso, no qual já atuou em vários espetáculos, tais como Verão no Aquário – baseado na obra de Lygia Fagundes Telles; O Mulato, de Aluísio Azevedo; Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, onde interpretou a intrépida Rainha de Copas, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, dentre outros. É professora da Rede Estadual de Ensino do Maranhão e do Ensino Superior na Faculdade do Maranhão – FACAM, nos cursos de Letras, Pedagogia e Turismo. É autora dos livros Palavras ao Vento (2018) e Meu Ser Espelhado em Mim (2022) e coautora de Maranhão na Ponta da Língua (2011), que reúne palavras e expressões maranhenses, em uma parceria com o escritor José Neres. Participou da Coletânea Enluaradas (2020), que conta com a participação de escritoras de várias nacionalidades, e, da coletânea Por que Escrevemos - A voz da Mulher (2021), organizada pela Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB). É colunista do Portal Facetubes, que faz parte da Academia Poética Brasileira, bem como colabora com o Site Região Tocantina. É membro da AJEB-MA (Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil); da Sociedade de Cultura Latina, e da Academia Poética Brasileira (cadeira de número 99). Atualmente é, também, Secretária Executiva Nacional, da referida Academia.

Você estuda, escreve e trabalha com Literatura. Como foi o seu encontro com o mundo das Letras?

No Ensino Médio eu devorei praticamente todos os livros de literatura que havia na biblioteca da escola, a partir daí, foi um passo para fazer Letras, o curso que sempre quis. Chegando à faculdade, foi automático o interesse pela literatura.

Além de escritora, você também é atriz. A sua formação, na área de Artes Cênicas, tem alguma influência na sua escrita literária?

Sim, muito. Durante o tempo em que estava estudando Artes Cênicas, escrevi bastante, inclusive textos voltados para área do teatro. Vou confessar que me sinto privilegiada por fazer parte de “vários mundos”, fato esse que, contribuiu e contribui para meu enriquecimento intelectual.

O que é escrever para você?

Escrever além de ser um processo contínuo, devido ao contato direto com obras, autores, textos, passou a ser algo corriqueiro. Escrever é a forma mais simples de expressão de ideias, de sentimentos, é pôr no papel aquilo que às vezes não conseguimos expressar com a oralidade.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Para quem vive no mundo das Letras e em contato direto com o mundo literário, é difícil escolher um autor ou autora específico. Seria até injusto, mas enfim. Dentre dezenas de fontes de inspiração, temos, claro, aqueles nomes de cabeceira, como Cecília Meireles, Laura Amélia Damous, José Neres, Mhario Lincoln, Celso Borges, Silvana Meneses, Luiza Cantanhêde, Fernando Sabino, Laura Neres, Dilercy Adler e tantos outros mais.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Palavras ao Vento (2018). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda?

Eu já viajei muito para trabalhar, dando aulas por cidades do interior e eu sempre ia de carona, ou seja, assim conseguia ver melhor as paisagens, a estrada como um todo. E nessas viagens levava sempre um caderninho ou uma agenda e aproveitava para escrever, por isso o título, Palavras ao Vento, é como se as palavras saltassem literalmente para o meu caderno. A temática gira em torno das coisas ou acontecimentos do percurso dessas viagens, como paisagens, natureza, pessoas que eu via pelo caminho.

E quanto ao seu livro mais recente, Meu Ser Espelhado em Mim (2022)? Qual é o principal tema dessa obra?

Aqui preciso fazer um balanço desse itinerário literário. Por quê? Porque muita coisa aconteceu no período da pandemia. Eu entrei para Academia Poética Brasileira, onde comecei a publicar textos na plataforma do Facetubes, foi o período em que também fui convidada para colaborar no Site Notícias da Região Tocantina, no meio do caos também participei de duas Antologias, a primeira, A Coletânea Enluaradas (organizada por Marta Cortezão que mora na Espanha) e a Coletânea Por que Escrevo – a voz da Mulher (organizada pela AJEB/MA). E foi também no período mais crítico da Pandemia que nasceu Meu Ser Espelhado em Mim, meu segundo livro de poemas. É uma obra, digamos, mais madura, mais consciente com a escolha dos poemas. A temática principal é sobre mim mesma, meu eu interior e mundo exterior do qual faço parte. Alguns poemas também são a título de homenagens. 

Fale sobre os seus demais projetos na área de literatura e cultura, como, por exemplo, o Grupo Teatro Improviso.

O Improviso, além de ser um grupo de teatro convencional, trabalha também com o teatro empresarial. O que isso significa? Significa que as empresas às vezes têm um projeto e precisam que isso seja mostrado para o público em geral, então chamam o grupo, mostram a proposta e a equipe de diretores monta o espetáculo. Temos formações todos os fins de semana, com leitura de textos, trabalho de corpo e voz e ensaiamos hipoteticamente algum texto, mesmo que não tenha apresentação. Em resumo, estamos sempre em  contato com o teatro. Com espetáculo, por enquanto estou só em processo de formação, no entanto o grupo segue com ensaios com outro elenco para apresentação em breve. Dentro da literatura, ainda este ano, estarei participando de antologias. Fora isso, continuo escrevendo e publicando para a plataforma Facetubes da Academia Poética Brasileira e para o site Notícias da Região Tocantina.

Na sua opinião, qual é a importância de adaptar obras literárias para o teatro?

Importante e às vezes necessário, mas muito, muito difícil. Na verdade, é desafiador, porque é outra linguagem, outra estrutura, é totalmente diferente. O texto teatral é extremamente rico, porque não é só o texto em si, a linguagem teatral envolve uma série de coisas tais como: figurino, maquiagem, elementos de cena, personagens, etc.

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam projetos como a Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB). Qual é a importância da AJEB-MA, para você?

A AJEB com a diretoria aqui do Maranhão e representada pela nossa presidente Anna Liz Ribeiro, tem uma importância enorme, grandiosa na minha vida. Lá, somos todas mulheres escritoras e algumas jornalistas/escritoras. Pela AJEB, já pude ter a oportunidade de participar da antologia Por que escrevo: a voz da mulher, uma coletânea lindíssima, com textos incríveis. Nessa Associação também, já tive oportunidade de fazer performance poética, juntamente com outras autoras. Enfim, é um grupo que me levou para fora do país, pois lançamos a antologia em Portugal, onde entramos ao vivo pelo canal no YouTube, foi incrível.

Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Eu ouço muitos relatos de jovens (homens e mulheres) que escrevem, mas não têm coragem de mostrar seus textos, então, o conselho que dou é que publiquem. Hoje em dia, existem centenas de espaços (virtuais, principalmente) para publicações, coisa que não acontecia há um tempo atrás, ou seja, hoje existem muitas oportunidades para divulgar o seu trabalho.


Contato da escritora:

Instagram: @lindabarros_

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente, é colunista do Imirante.com e do Feminário Conexões. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, publicou o seu primeiro livro de poesia: O mar de vidro, pela Caravana Grupo Editorial, bem como organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

REFLEXÃO SOBRE O EXERCÍCIO DO MAGISTÉRIO, POR MARIA DO CARMO SILVA

VIVÊNCIAS POÉTICAS|04 
                                                                                                                    POR MARIA DO CARMO SILVA


Sou de uma época em que o exercício do Magistério era sinônimo de status social, de uma profissão reconhecida, valorizada, respeitada, relevante, destacando-se perante as demais, símbolo de "Poder", que era refletido na capacidade de ensinar! "Ensinar" a ler (via ABC) a escrever, a realizar cálculos (via Tabuada), e sobretudo os valores essenciais à formação humana e cidadã, com destaque para o respeito.

O Diploma do Magistério era privilégio de poucos, quase que exclusividade de jovens oriundos de famílias abastadas que possuíam condições de bancá-los e historicamente era uma profissão tradicionalmente exercida por mulheres que eram conhecidas, reconhecidas e tratadas com reverência como 'Prof.ª'... com um indescritível orgulho.

No dia da formatura, a colação de grau, era o auge! O momento-chave da comemoração, do recebimento do tradicional canudo, simbolizando o Diploma que posteriormente seria entregue, era o "Evento"! Vestidos deslumbrantes que imitavam vestidos de noiva, selavam o tão esperado momento, com direito inclusive a dançar a valsa com o pai ou o padrinho do formando que a partir daquele momento seria Professor(a), exerceria o Magistério.

O indispensável Estágio na pré-conclusão do Magistério já era o prenúncio de que a luta seria árdua e de que o exercício da profissão seria desgastante perante a uma realidade permeada por questões estruturais e sociais que perpassam pelo espaço físico e pelas as estruturas hierárquicas, estruturas estas as quais o(a) Professor(a) deve obediência e que não condizem com a realidade de cada lugar onde a escola está localizada.

A desvalorização salarial também sempre foi um grande entrave para os profissionais do Magistério. É "cultural" prover financeiramente com um salário mais digno, profissionais de outras áreas, a exemplo da medicina, da engenharia,  deixando os profissionais que possuem a responsabilidade de formar todas as demais profissões com um salário incompatível com o trabalho que exercem na classe e extra-classe, não os reconhecendo como aqueles que carregam a responsabilidade de formar todos os profissionais das demais profissões.

Há ainda, na contemporaneidade, o caos gerado pelo contexto social ocasionado pela desestrutura familiar, pelo desemprego, pela fome, pela violência, pelas doenças emocionais que refletem no comportamento dos alunas e alunas, na sala de aula e na dinâmica escolar como um todo, acrescentando a existência de disciplinas e livros didáticos que ainda não estão condizentes com a realidade (local e regional) de vivência do alunado.

Diante de todas estas questões, nós, profissionais da educação, mais conhecidos como professores, refletimos e lembramos com saudades dos bons tempos em que o exercício do Magistério era valorizado a nível pessoal, profissional e social; em que o ambiente escolar era tido como um espaço prioritário de aprendizagem e da prática do respeito e de outros valores humanos e em que a desestrutura familiar e social ocorria numa intensidade bem menor. Fica uma reflexão para os que atuam no Magistério há mais tempo ou na contemporaneidade: O tão sonhado Diploma de uma tão sonhada profissão transformou-se em pesadelo? As aulas on-line no período da pandemia foram um "estágio" para que num futuro bem próximo docentes e discentes se encontrem apenas virtualmente e a sala onde acontecia a dinâmica do ensinar e do aprender, presencialmente, feche suas portas?


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*Fonte das ilustrações do texto: Pinterest.



Maria do Carmo Silva é professora, poeta e escritora. Autora dos livros de poesias: "Retalhos de Vivências" e "Recomendações Poéticas". Tem participação em diversas Antologias Poéticas. Colunista no site de notícias Tribuna do Recôncavo. Integrante do Coletivo Mulherio das Letras.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

LIÇÕES DE SILÊNCIO: COERÊNCIA - Por Rita Alencar Clark

LIÇÕES DE SILÊNCIO|09


C O E R Ê N C I A  (crônica) 

Imagem do site Pinterest
Um dos meus ex-maridos, um dia, numa daquelas DRs intermináveis, me definiu: “você pode ser tudo… (nessas reticências continham traços de prepotência machista), mas uma coisa é incontestável, a sua coerência!”. Sim, verdade. Tomei como elogio e norte. 


O negócio é que sou espírito selvagem, livre, daqueles que não suportam a ideia de serem “domesticados”. Mas, às vezes, temos que fazer escolhas, escolhas de alma; o imponderável se mostra  e vão-se as obras de arte e anéis, ficam os filhos, os gatos e a paz! Mas dá trabalho, minha irmã… uma vida inteira tendo que correr com os lobos. Penso nisso, constantemente, talvez a idade tenha me trazido questões encaixotadas, tipo “Cold Case”, sabe? Sentimentos terríveis de arrependimentos e escolhas irreversíveis. “E se…” É muito cruel! 


Nesse (corajoso) mergulho íntimo às águas escuras do meu passado revejo as possibilidades de outros caminhos… e logo percebo, quase tendo uma epifania, que só me restava, em tais circunstâncias, decidir pela coerência ao que penso e sou. Banquei, e isso me trouxe até aqui. 


Imagem site Pinterest
Sou grata a mim mesma, por todas as vezes que ajoelhei no chuveiro pra chorar, pra me render…e sempre levantei. Para escrever o que escrevo, tive que fazer esse caminho, muitas vezes às cegas, fingindo certezas, aprendendo a jogar os dados da vida. Sai daí o tempero da minha escrita, tive que quebrar meus sapatinhos de cristal para aprender a andar descalça e livre. Essa “liberdade toda” tem um preço, umas vezes alto demais pra ser bancado, outras vezes, uma pechincha!


Como no poema “savoir vivre” de Myriam Scotti em seu novo livro. A narradora encontra na lucidez (autoconsciência) e na ironia fina, uma forma de impor limites aos impulsos recônditos de dominação e controle de outrem, sob pena de ser riscado, limado de  seu “moleskine vintage”…poeticamente!


Este foi o poema que, atendendo ao meu pedido, Myriam leu no lançamento de “Receita para explodir bolos”, seu novo livro de poesia lançado em Manaus e na Flip deste ano. Fiquem com ele:


savoir vivre


quando me chamaste para uma conversa

compareci (pontualmente) para o término

“cansei de ti, és correta demais

com tudo sempre anotadinho

provavelmente nos amamos ontem às oito

conforme mandava tua agenda” 

depois disso, partiste…

tirei da bolsa o moleskine vintage

para te riscar como compromisso


não estavas pronto para o meu savoir vivre


(Myriam Scotti/ in- “ Receita para explodir bolos” -2023)


Tenho certeza que a literatura feita por mulheres, seja prosa, poesia ou  pesquisa, ainda ocupará o espaço que tem por direito ocupar; a luta vai ser, como sempre, desigual, mas é nossa! E como disse Maya Angelou: 




Rita Alencar e Silva

Crônica 




terça-feira, 14 de novembro de 2023

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM NATHALIA BATISTA, POR GABRIELA LAGES VELOSO

                                  


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |07

ENTREVISTA COM NATHALIA BATISTA

Por Gabriela Lages Veloso

"Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre" essa frase de Simone de Beauvoir nos lembra do nosso direito de expressão e equidade. A literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber Nathalia Batista, uma escritora de destaque na literatura maranhense atual.

ENTREVISTA COM NATHALIA BATISTA:

Arquivo pessoal da autora

Nathalia Batista é escritora, bacharel e profissional do sistema de Segurança Pública, bacharel em Direito e também psicóloga. Reúne diversas especializações em seu currículo, se declarando uma curiosa sobre as ciências do existir, dentre outras paixões. É natural de Teresina (Piauí), mas atualmente mora em São Luís (Maranhão). É autora de dois romances: Desencontros e Desencantos (2015) e Simplesmente Alice (2017). Sua terceira obra tem previsão para ser publicada ainda em 2023.

Como você começou a escrever?

Desde criança eu tinha o hábito da leitura, em algum momento na adolescência comecei a escrever, quase como uma necessidade de passar para as histórias um pouco de mim.

A sua formação acadêmica, nas áreas de Psicologia e Direito, tem alguma influência na sua escrita literária?

A de psicologia sim. O meu segundo livro, intitulado Simplesmente Alice, que se trata do primeiro de uma série que se chama "Nas profundezas da loucura", gira em torno de uma protagonista com um transtorno psicológico diagnosticado. A ideia dessa série é mostrar a rotina e a vida das pessoas e não reduzi-las a meros diagnósticos. Essas histórias são para dirimir preconceitos e mitos que percebo, no meu dia a dia no consultório.

Por que você escreve?

Respondi essa pergunta algumas vezes e a resposta ainda continua a mesma: Para não enlouquecer. Quando escrevo, encontro o equilíbrio necessário para continuar vivendo de maneira leve.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Jane Austen, Emily e Charlotte Brönte, Alexandre Dumas, Machado de Assis, José de Alencar, Julia Quinn, Ágata Christie, dentre muitos outros...

Comente sobre o seu romance Desencontros e Desencantos (2015). Quais são as principais temáticas desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

A Inglaterra, do início do século XIX, é palco de um romance repleto de paixão, dor, encontros, encantos, desencontros e desencantos. O romance é composto por pessoas e com elas, tudo o que há de pior e de melhor no ser humano.  São sentimentos explorados em uma cadência lenta nas fases mais difíceis da vida de uma mulher. Suzanne é uma doce e ingênua moça de dezessete anos, cercada e castigada pela maldosa Veronika, de quem era dama de companhia. A vida tem seu próprio jeito de ensinar aos ingênuos e proporciona um longo e árduo caminho a menina em meio a uma sociedade onde respeito e posição não raramente eram construídos com crueldade, inveja, mentiras, intrigas e vingança. A principal temática desse livro é o amadurecimento de uma mulher. Ele explora o quanto crescemos diante das provações da vida. E essa evolução que se dá principalmente nas dinâmicas das relações. O livro se encontra à venda na AMEI, e devo lançar uma segunda edição em breve.

E quanto ao seu livro Simplesmente Alice (2017)? Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Alice Branco é uma mulher independente, decidida e com uma carreira promissora como decoradora na cidade de Andrazia. Isso é o que todos podem ver, mas ela guarda um grande e terrível segredo oriundo de um surto psicótico ocorrido há alguns anos. Seguia com sua vida fugindo de seus medos, até a chegada do misterioso Joseph Jones que, além da paixão, traz os seus maiores fantasmas à superfície de seus pensamentos. A partir desse relacionamento, dos acontecimentos vivenciados e de seu passado, que insiste em se manter impregnado em seu presente, ela precisará decidir como quer viver seu futuro. A ideia desse titulo é explorar a rotina e a vida da personagem, apesar da atenção que se dá ao diagnóstico. É a simplicidade da vida que se torna o centro desse livro. A obra também pode ser adquirida na AMEI, e assim como o outro, será reeditado e publicado em breve.

Além de escritora e advogada, você também é psicóloga. Você, de alguma forma, aborda a literatura nas suas sessões de terapia?

Com certeza, a literatura é riquíssima, e diversas histórias podem ser usadas como exemplos ou moral com a finalidade de enxergar as demandas por outros ângulos. Uma história de um personagem, quando bem explorada, apresenta um espelho da realidade.

Fale sobre o seu novo projeto, que tem previsão para ser publicado em 2023. Esse livro será uma continuação dos seus outros romances? Qual será o tema?

O livro já está pronto para passar pelas ultimas fases da publicação. Não será uma continuação dos demais, é uma história completamente nova, é um romance que se passa no século XX e que envolve o Brasil. Logo poderei falar mais sobre o livro, mas tento trazer nesse algo de diferente do que vemos nos romances, incluindo os meus publicados anteriormente. 

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Qual é a importância do ato de publicar, para você? 

Por muito tempo escrevia apenas para mim mesma, depois do incentivo de uma amiga, que consegui publicar e entender que isso significava tocar diversas pessoas em vários lugares diferentes, foi aí que entendi a importância e o cuidado que temos, como escritoras, de levar as palavras para pessoas, afinal existem muitas formas de tocar a alma humana, e sem dúvida alguma, a literatura é uma dessas.

Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Escrevam e publiquem, tudo começa com o sonho de escrever, mas não deixem morrer esse sonho. Se coloquem para ecoar no mundo as suas palavras, acredito que nunca saberemos o bem que podemos espalhar, então tratemos de semear e dividir. Escrevam e deem ao mundo a possibilidade de ouvi-las. 


Contatos da escritora:

Instagram: @nathaliabatistaescritora

E-mail: nathaliabatistadasilva12@gmail.com

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente, é colunista do Imirante.com e do Feminário Conexões. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, publicou o seu primeiro livro de poesia: O mar de vidro, pela Caravana Grupo Editorial, bem como organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.


sexta-feira, 10 de novembro de 2023

MOSAICO DE IDEIAS: INDIGESTÃO, POR SANDRA SA'NTOS

 MOSAICO DE IDEIAS - SEMEANDO PALAVRAS E COLHENDO BORBOLETAS|04

I N D I G E S T Ã O  (CRÔNICA)

POR SANDRA  SA'NTOS

[Imagem do Pinterest]
Ontem fiz feijoada, um mimo de domingo para agradar a família. Alimentei-os ciente que agradaria mais ao espírito que ao estômago. Carinho de mãe, eles gostam, então caprichei. Hoje, aqui sozinha à mesa, não consigo comer. A comida embola, não desce nem na marra, e mesmo sem vontade, empurro mais uma garfada goela abaixo. Por opção não ligo a TV, evitando as imagens terríveis despejadas em minha casa. Só em imaginar o que passa nos jornais agora, minha fome foge esgueirando-se pelo quintal. Deixo que a culpa me inunde por evitar saber sobre a guerra.

Sim, em 2023 acontece mais uma guerra absurda, se é que algum dia, houve de fato, uma razão lógica para qualquer que tenha sido o conflito. Do outro lado do mundo, tantas pessoas separadas de mim pelo conceito abstrato dos fusos horários, nem sabem se terão o que comer.  Não termino de colocar a comida na boca, pois em meus ouvidos ecoa o som de mais um míssil, ou de incontáveis projéteis em um novo confronto. Só de imaginar a cena, emudeço e o estômago trava.

Cada grão de feijão ganha o nome de uma pessoa abatida em nome de uma causa, e isso me enoja. O choro das crianças inunda minhas noites. Mesmo assim durmo... Ainda bem que meus pais não estão aqui para ver isso. Mais culpa.

[Imagem do Pinterest]

Não sou suficientemente sábia para explanar sobre “motivos”. Sou uma ignorante movida por um pensamento simplista em que a vida é um presente, e assim, precisa ser sorvida com delicadeza e gratidão. Para mim, nada justifica a barbárie e eu, no auge dos meus sessenta e um anos, não consigo entender, muito menos aceitar o que os move. Nem de um lado, nem do outro. Como posso engolir meu feijão se pais, mães, avôs, avós e crianças, provavelmente vão engolir terra? Mastigo a derradeira garfada.

Minha despensa está cheia, enquanto pessoas em bunkers, não possuem perspectiva alguma. Mais cedo fui ao mercado e vasculhei as prateleiras, em busca de cupom de desconto para quem tem um cadastro. Já me pequei comprando coisas das quais não precisava, só pra aproveitar a oferta. Novamente esbarro na culpa, e encaro no espelho a impotência por não ser nada além de mim mesma. Espero que a guerra acabe antes do natal.

[Imagem do Pinterest]

Procuro um motivo que faça algum sentido para dar início a uma guerra e não encontro. As empresas armamentistas as financiam, e a mídia se alimenta delas... Talvez seja isso. Cresci, em meio a conflitos de toda natureza: Vietnã, Afeganistão, Golfo, guerra fria. Uma vez vi uma foto de uma criança nua, correndo em prantos. Me falaram que era vietnamita. Nunca me esqueci o choque ao perceber que crianças podiam passar por algo semelhante. O ano era 1972, eu e ela tínhamos idades próximas, então, o que a fazia tão diferente de mim? Apavorada, fechei a revista.

Do alto da minha ingenuidade, pensei: bom que no Brasil não temos guerra. - Doce ilusão, temos sim, uma silenciosa. Atualmente, nem tanto. Naquele tempo se ouvia à boca miúda, sobre pessoas que sumiam sem deixar qualquer rastro, ouvia-se sobre a tortura e sobre a censura. Essa última, forte e onipresente com poderes para fazer uma palavra morrer na garganta, antes de ser proferida. Só a ela era dado o direito de decidir sobre a pertinência ou a periculosidade das palavras, das músicas, e das reportagens. Mas, artistas e jornalistas, (nem todos), constituíram a resistência, e espalharam por meio de metáforas a ideia de que calar-se, não era uma opção. Eu os amo por isso.

O tempo passou e a censura mostrou-se sábia. Parou de proibir palavras, e soube esperar pacientemente. - Deixe que falem bobagens, incentivem a baderna. Não há a menor necessidade de calá-los. - Infelizmente, deu certo. Surgiu um arsenal de ideias caóticas revestidas de contemporaneidade. Um sem número de subcelebridades que perdeu o nariz, a barriga e a vergonha em alguma cirurgia plástica. Um mar de futilidade se instalou de tal forma que o pensamento crítico se escondeu em alguma toca.  Hoje palavras fúteis jorram de bocas cada dia mais desfiguradas, (quanto mais grossas e carnudas melhor). E eu, culpada por não aguentar assistir TV?  

[Imagem do Pinterest]
Nesse mundo raso, (há exceções Graças a Deus), nossas guerras diárias passam pela desinformação sistemática, pelos Fake News, por um sem número de novidades estéticas, pela inflação, pelo desemprego, e outras mazelas. Vivemos um período em que não há mais defesa de opinião, há embates extremos. Por qualquer bobagem, em nome do entretenimento, pessoas se digladiam defendendo até a morte seu participante preferido, em algum reality inútil.

Para além dessa burrice crônica, facções crescem e se organizam, a Cracolândia povoa a cidade e prolifera seus zumbis, (pobres coitados que já perderam sua guerra pessoal). Acredito que em cada guerra, seja ela solitária ou não, existem dois lados, e de cada lado uma versão. A verdade, talvez, não more em nenhum deles.

Para a minha criança interior, digo: sim, a menina vietnamita poderia ter sido sua amiguinha. Por ela, até hoje perco o sono, e a fome. Como permitimos que crianças passem por tanto medo e por tanta dor?

Sem resposta, afago a criança que fui.  

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Sandra Sa'ntos é pedagoga com especialização em Educação Ambiental, pela faculdade de Saúde Publica da Universidade de São Paulo- FMS/USP. Ambientalista apaixonada pela natureza e pela vida em todas as suas formas. Escritora, dedica-se a poesia e aos contos. Publicou "Jardim dos Silêncios" - Editora Viseu e organiza seu primeiro livros de contos. Além de um romance a caminho. Sua temática gira em torno do universo feminino, com trabalhos publicados em antologias no Brasil e na Argentina. 

segunda-feira, 24 de julho de 2023

AMOR E EROTISMO: A DUPLA CHAMA NAS PÁGINAS DE "É tudo ficção", "meu silêncio lambe a sua orelha" e "Fio de Prata", Por ISA CORGOSINHO

 

AMOR E EROTISMO: A DUPLA CHAMA NAS PÁGINAS DE 

É tudo ficção, meu silêncio lambe a sua orelha e Fio de Prata

POR ISA CORGOSINHO

 

Chegaram-me às mãos três livros das amigas poetas do projeto Enluaradas. É tudo ficção e Fio de prata aportaram matutinos quando as autoras Flavia Ferrari e Margarida Montejano estiveram em Brasília, em pleno verão, já o meu silêncio lambe a sua orelha, de Marta Cortezão, chegou marcando o final do outono.

Releio algumas passagens do livro A dupla chama: amor e erotismo, de Octavio Paz, para me acompanhar nesse pequeno artigo, que escrevo para nosso encontro em Campinas, marcado para o final de julho de 2023.  

Os livros das três autoras reforçam, na realidade sensível, que a poesia é o testemunho do mundo dos sentidos. Um testemunho que projeta sua veracidade nas imagens que se oferecem ao leitor como palpáveis, visíveis e audíveis.

O que nos ensina a poesia está no real ou na ilusão? Pergunta que permeia o livro É tudo ficção, de Flávia Ferrari. A ambivalência da resposta está na sustentável fusão de ver e crer. É na conjunção do ver e crer que está o segredo e os testemunhos da poesia a serem desvelados pelo leitor, pois aquilo que vemos na poesia não pode ser visto com nossos olhos da matéria, e sim com as janelas da alma, os olhos do espírito.

FUSÃO


Percebo as vidas soltas

Que deixam de ser invisíveis

Quando contemplo os pés descalços

__ Sempre os pés __

Ponto de apoio quando caminho

Há outro destino disponível que não a espera?

Penso no tempo e em sua medida

Tão legitimada e disseminada

Tão suscetível ao espanto

Há quase tudo por fazer

E tantos lamentos que não alimentam nem o minuto

 

Octavio Paz acerta quando diz que a experiência com a poesia é a mesma que experimentamos no sonho e no encontro erótico. Na poesia de Ferrari, marcadamente no capítulo 5. Entre paredes, tanto nos sonhos como no ato sexual o eu poético abraça fantasmas, ausências, reminiscências. 

      

O TAMANHO DAS COISAS


uma memória pode ser maior que o vento

e mesmo quando surge com todo o seu domínio

é ainda menor que o meu amor presente

 

o tecido que me envolve

e que agora se desmancha na fúria da sua luz

já nos embrulhou em nossas fugas

das histórias ruins que repartimos

e acatou os segredos que soubemos oferecer

 

esses pontos que foram se soltando

e que antes entrelaçavam as banalidades e as aventuras e o pacto

foram alterando toda a estrutura

tivemos que nos arrancar de nós

 

agora que há tão pouco aqui comigo

e mesmo tirando tudo o que persiste

eu não consigo me escapar

 

nem no momento de maior aflição

desejei não ter vivido nossa verdade

mesmo que jamais consiga fazer parar

 

prometo que não escreverei mais

assim diretamente

saber-me invasiva da sua nova  vida

agora me constrange

e me encerra aqui

neste ponto exato

de onde não haverá partida        

    

Embora nosso parceiro tenha corpo, nome e face, na sua realidade, precisamente no momento mais intenso do abraço, acontece a dispersão em ondas de sensações que inexoravelmente se dissipam. A pergunta que insiste em não se calar, está sempre ecoando pelas bocas dos apaixonados, porque guarda em si o mistério erótico:  quem é você? Não é possível obter a resposta, porque os sentidos são e não são deste mundo. É a poesia, por meio deles, que ergue uma ponte entre o ver e o crer. Por essa ponte transita a imaginação, por ela ganha corpo e os corpos se convertem em imagens.

A poesia de Marta Cortezão nos convida a tocar o impalpável e a escutar as ondas do silêncio cobrindo uma terra devastada pelos insones. O testemunho poético refrata, revela um outro mundo dentro deste, o mundo outro – alteridade – que é este mundo.  Os sentidos aqui trabalham, sem descuidar de seus poderes, como servidores da imaginação e nos incitam a ouvir o inaudito e ver o imperceptível.

Quem ri quando goza / é poesia / até quando prosa 

                                                                {Alice Ruiz}

desvãos

 

meu silêncio lambe tua orelha

e se arvora feito cobra

para infiltrar-te o veneno

 

meu silêncio se espicha

pelas frestas feito lagartixa

para roubar-te a fala

 

meu silêncio aflora

e ri que goza

quando lambe

quando cobra

quando se larga e atiça

para confundir-te as horas

e de olhos nos olhos

alimentar-te a prosa

com íntima poesia

 

Octavio Paz faz uma profícua relação entre erotismo e poesia. Segundo ele, o erotismo é uma poética corporal e a poesia é uma erótica verbal. Os dois são compostos de uma oposição complementar. A linguagem – som que emite sentido, traço material que denota ideias corpóreas – e é capaz de dar nome ao mais fugaz e evanescente: a sensação; por sua vez, o erotismo não é mera sexualidade animal – é cerimônia, representação.

No livro meu silencio lambe a sua orelha, de Cortezão, encontramos as imagens recorrentes da chama vermelha do erotismo, transfigurada em linguagem.   

Eu não nasci rodeada de livros, e sim rodeada de palavras 

                                                              {Conceição Evaristo}

geossintaxe                    


com passos indecisos

percorro as sentenças

da língua que me devora

 

reviro os escaninhos

dos verbos obtusos

cuja geometria

adensa os advérbios

que florescem das pedras

 

meus sapatos sujos de pausas

deixam todas as pegadas

órfãs de sintaxe-delírio

 

onde guardei a palavra

com gosto de chuva?

 

onde minha língua

se entrelaçará na tua

para cópula ardente

de neologismos?

 

quando o sexo verbal

gozará metonímias

em teu corpo metáfora

afro afrodisíaco

Afrodite de palavras?

 

Na poesia de Cortezão ocorre a concreção daquilo que afirma Paz. O erotismo é sexualidade transfigurada: metáfora, e a imaginação é o agente que move o ato erótico e o poético. É, afirmativamente, a potência que transfigura o sexo em cerimônia e rito e a linguagem em ritmo e metáfora.  Observamos em sua poesia a imagem poética como um abraço de realidades opostas, os versos livres e a poesia concreta encenam a cópula de imagens e sons. Sua poesia erotiza a linguagem e o mundo, porque ela própria, em modus operandis, já é erotismo.

Diferente da mera sexualidade, o erotismo é uma metáfora do sexo animal, reafirmando o significado conotativo designa algo que está além da realidade que lhe dá origem, uma invenção distinta dos termos que a compõe. Igualmente, a poesia já não aspira a dizer, e sim a ser. A poesia interrompe a comunicação prosaica do cotidiano como o erotismo, a reprodução. 

Os sentidos do amor e do erotismo também estão presentes no conto A metáfora do Buraco e a Água no Rosto, do livro Fio de prata, da escritora e poeta Margarida Montejano, do qual destacamos alguns fragmentos.

__ Caro amigo,

Você já teve a sensação de que está andando, ou parado e que, de repente, um buraco se abre e sua frente e você é simplesmente engolido por ele?

[...]

Água! Me dei conta que... minha boca, nariz e olhos estavam cheios de areia. Meu corpo sendo sacolejado por mãos delicadas. Mãos de mulher. Água sobre o meu rosto ela jogou.

__ Acorda! Acorda!

Disse a voz rouca e suave!

[...]

O perfume da mulher me inebriou a mente, a alma e, como a um sonho, as imagens se desvaneceram. Sensação agradável tomou-me.

Respiro. Olho meu ouvinte de olhos arregalados e pergunto:

Quem é esse ser de meia idade abobado que acorda? Sem nome e sem história? Sem memória e feliz com o que vê? Com o que sente?

Bem! A misteriosa mulher ajudou-me a levantar. Olhou-me nos olhos e como a um encantamento, me disse:

__ Eu sabia que um dia a gente iria se encontrar de novo! Que bom que você veio!

[...]

Tenho a sensação de que uma curva do tempo me engoliu e me devolveu para esta era. Me trouxe de volta.

__ E Ela? A mulher do perfume?

Perguntou-me ele:

Respondo de pronto:

Ela é a melhor parte de mim. A minha companheira! Minha alma gêmea. A mulher que acorda ao meu lado, dia após dia! Que me acalma e me toca com a serenidade que somente no céu eu poderia encontrar, eu poderia sentir! Ela me completa, mas... mas tem algo nesta história que eu ainda preciso entender.                   

 

O personagem vivencia uma experiência na qual o tempo se entreabre e nos deixa ver o outro lado. São instantes de conjunção entre o sujeito e o objeto, do eu sou e você é, do agora e do sempre, do mais além e do aqui. A imperiosa imagem que está presente no conto de Montejano é a do amor, na qual a sensação se une ao sentimento e ambas ao espírito. O personagem experimenta um alto nível de estranhamento, uma epifania: está fora de si, lançado diante da pessoa amada -- experiência da volta à origem, a esse lugar que não está no espaço e que é a nossa pátria original. A pessoa amada é a um só tempo a terra incógnita e a casa natal; a desconhecida e a reconhecida.

Ao citar um fragmento de Hegel sobre o amor, Octavio Paz ressalta que o grande e trágico paradoxo do sentimento amoroso consiste em que os amantes não podem se separar a não ser na medida que são mortais ou quando refletem sobre a possibilidade de morrer.

No conto, a morte é a força da gravidade do amor. Ao cair no buraco, o personagem encena o impulso amoroso que nos arranca da terra e do aqui; a consciência da morte nos faz compreender que somos mortais, feitos de terra e a ela temos de voltar. A unidade compacta se rompe em dois e o tempo reaparece – é um grande buraco que nos engole. A dupla face da sexualidade reaparece no amor: o sentimento intenso da vida é indistinguível do sentimento não menos poderoso da extinção do apetite vital; a subida é queda, e a extrema tensão, distensão. Dessa forma, a fusão total implica a aceitação da morte.

Ao seu atento interlocutor, o narrador solitário ensina que amor é vida plena, unida a si própria, o contrário da separação. Ao sentir o perfume e as mãos da amada em estado epifânico, ele reencontra o abraço carnal. A união do casal se faz sentimento e este, por sua vez, se transforma em consciência: o amor é o descobrimento da unidade da vida. 

O narrador, o mar e a areia nos permitem a reflexão poética de que somos tempo, nada é durável.  O amor não vence a morte, mas a integra na vida. A morte da pessoa amada confirma nossa condenação: viver é um contínuo separar-se, mas, paradoxalmente, na morte cessam o tempo e a separação: regressamos à indistinção do princípio, a esse estado da cópula carnal.  O amor é o regresso à morte, ao lugar de reunião. 

Os poemas e conto aqui trabalhados, neste breve texto, estão em fina sintonia com importantes passagens do livro de Octavio Paz, principalmente em consonância com a magnífica imagem do fogo, elaborada por ele: a chama é a parte mais sutil do fogo, e se eleva em figura piramidal. O fogo original e primordial, a sexualidade, levanta a chama vermelha do erotismo e esta, por sua vez, sustenta outra chama, azul e trêmula: a do amor. Erotismo e amor: a dupla chama da vida.         

       

Referências bibliográficas:

CORTEZÃO, Marta. Meu silêncio lambe a tua orelha. Curitiba: Eu –i, 2023.

FERRARI, Flavia. É tudo ficção. Curitiba: Eu-i, 2023.

MONTEJANO. Margarida. Fio de Prata. São Paulo: Scenarium, 2022.

PAZ, Octavio. A dupla chama – amor e erotismo. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.   

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Isa Corgosinho é de Brasília/DF, professora universitária aposentada, poeta. Participou de várias Coletâneas, entre elas: Coletânea enluaradas (2021); 1ª Coletânea Mulherio das Letras na Lua (2021); Coletânea Ciranda de Deusas I e II (Enluaradas Selo Editorial, 2021); Poesia & Prosa (In-finita, Portugal 2021); Livro Memórias da pele, Venas Abiertas – III – Mulherio das Letras, 2021.

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