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sábado, 11 de fevereiro de 2023

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|15

MULHER: INVISÍVEL?

Por: Carollina Costa

Essa semana andei questionando bastante o “espaço” da mulher — que dizem ser todos, mas parece mesmo não ser nenhum. Comprei um livro que há tempos queria comprar, que fala, de forma meio poética e meio mística, sobre a invisibilidade das tarefas domésticas. Comecei a ler A força da idade, de Simone de Beauvoir, e sua transformação como mulher fica evidente a cada página. Pensei um pouco também sobre a quantidade ínfima de pessoas que realmente se interessam pelo que eu faço — conto nos dedos das mãos as pessoas que me deram parabéns pela entrada no mestrado e sobram dedos. Se eu não falo, ninguém pergunta, e quando falo é em tom de justificativa porque, ora essa, onde já se viu uma mulher jovem e solteira que não está disponível para qualquer tipo de festa, saída ou conversa a qualquer hora e em qualquer lugar?

Ontem, 10/02/23, vi a live LiteraLua, do coletivo Enluaradas, e me despertou mais ainda essa reflexão. Marta, Cris e Margarida falaram sobre a voz da mulher, sobre nosso apagamento e invisibilidade histórica, mas também cotidiana. Falaram sobre nossa invisibilidade política e a necessidade de nos unirmos, muito embora as próprias mulheres — aquelas que ainda não se descobriram mulheres além dos anúncios comerciais — resistam à essa união. Lembrei da crônica que escrevi aqui mesmo para o Feminário, Sororidade em qualquer idade, na qual falo um pouco sobre a dor dessa resistência. Estou (ou estamos) acostumada a ser invisível para o sistema, mas para outras mulheres que caminham em realidades tão próximas é quase inacreditável, ou como diz aquele meme da internet: é raro mas acontece sempre.

Parece que ainda está longe o dia em que falaremos de nós, mulheres, sem falar diretamente de dor, invisibilidade ou algum tipo de superação. Não a superação de melhorar a si mesmo — acredito que qualquer ser humano deveria buscar sempre ser o melhor possível —, mas aquela superação imposta pelas limitações de acesso ao básico: segurança, pensamento, voz, liberdade. Se eu já andava pensativa nos últimos dias, fiquei mais ainda. Que bom ter um espaço como este para poder dar forma ao que penso através das palavras. Escrever também é um grito.

 

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

PROCESSOS DE ESCRITA: VARIADOS POEMAS, POR CAROLLINA COSTA

 

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PROCESSOS DE ESCRITA: VARIADOS POEMAS DE CAROLLINA COSTA


POR CAROLLINA COSTA


Gestar e parir não é tarefa fácil, quer sejam filhos, projetos ou... Livros. Diferente dos meus outros dois livros — O Singular do Dual, que foi um livro mais montado do que propositalmente escrito, e 30 Dias 30 Poemas, que foi um desafio poético que criei para mim mesma —, Variados Poemas foi um livro que me surgiu através das músicas “Carcará”, na voz de Maria Bethânia, e “Compasso”, de Angela Ro Ro, cada uma com sua marcação e em seu momento particular. É um livro dividido, porém não separado, em três partes, que apesar de temáticas são como três artérias que irrigam as páginas de um único livro com versos pulsantes em uma mesma harmonia.

Capa de Variados Poemas

Meio Bethânia, meio Ro Ro, Variados tem seu embrião no meu poema “Memórias”, que compõe a primeira parte do livro. Escrevi esse poema de sobressalto, ao me deparar com um vídeo no Instagram da música “Carcará”, cantada por Maria Bethânia ainda jovem. Até então eu só conhecia a música na voz de Nara Leão, mas a profundidade da voz de Bethânia logo no início da música me transportou diretamente para os caminhos da minha ancestralidade paterna, sendo meu pai nascido no interior da Bahia, porém criado no Rio de Janeiro. Não sei muitas histórias porque, como digo em um dos meus poemas dessa primeira parte, “sofrimento a gente só quer esquecer” e ficam as histórias deduzidas pelas cicatrizes que vez ou outra dão o ar da graça.

Apesar de ter sido trazido por “Carcará”, o poema “Memórias” também fala da minha ancestralidade materna, vinda do interior de Portugal. Essa conexão entre minhas duas ancestralidades no poema não surgiu à toa, visto que foram dois “interiores”, cada um com sua penúria, buscando uma nova vida em uma nova cidade ou país que me trouxeram até aqui. Quando terminei o poema junto com a música eu sabia que ainda faria algo com ele, só não sabia o quê. Então o guardei.

Algum tempo depois, ouvindo a rádio JB FM, tocou a música “Compasso”, de Angela Ro Ro, enquanto eu fazia alguma coisa no computador. Lembro que larguei o que estava fazendo e, já com alguns poemas soltos que escrevi desde o “Memórias”, escolhi o título do que seria meu novo livro de poemas, Variados Poemas. Estreei um novo caderninho de poemas e, a partir dali comecei a escrever intencionalmente para o livro. De início pensei apenas no que eu queria levar para esse livro: ancestralidade e processos de escrita. Eram dois temas que estavam me transpassando com frequência e de forma intensa na época, há uns três anos atrás.

Foram dois anos de escrita. Nem tudo que eu escrevia era pensando no livro — até porque também escrevia crônicas, microcontos, e os trabalhos da faculdade —, mas boa parte dos poemas eu escrevia intencionalmente para ele. Se eu gostasse, guardava, se não, deixava esquecido ou colocava na internet se achasse mais ou menos. Enquanto “Carcará” deu o pontapé para a primeira parte do meu livro sem que eu soubesse, “Compasso” me apresentou de cara a visualização de um livro completo, um livro que não era apenas feito de memórias, mas que unia os vários passados que não vivi com o presente que está constantemente em criação e o devir da potência criativa que é o motor de todo escritor, criador, artista. “Compasso” trouxe a linha que faltava na costura da obra para que eu também me visse representada no que escrevia, sem ser apenas uma narradora de memórias.

Ao buscar espelhar meus processos criativos na minha escrita, senti a necessidade de uma terceira parte no livro, e foi quando comecei a pensar na estrutura que se tornou a forma final: dividido em três partes, com poemas em inglês e português. Sou formada em Letras: Português-Inglês e professora de língua inglesa, o que faz com que eu tenha um grande contato com o idioma e muitas vezes crie textos em inglês por conta disso. Por um tempo estive imersa nos poemas de Emily Dickinson e no livro Walden, de Henry David Thoreau e deles tirei a terceira parte do livro — que, ao organizar as partes, ficou sendo a segunda — e a maioria dos meus poemas em inglês estão nela.

Ancestralidade, natureza e angústia criativa. Essa é a ordem na qual dividi o livro. Nem todos os poemas têm título, então coloquei uma pequena marcação em espiral no fim da página correspondente ao fim de cada poema para marcá-los, mas nada impede que o leitor as ignore e monte poemas novos. Espirais são círculos que voltam a um mesmo ponto por caminhos diferentes, talvez esse movimento possa inspirar leituras.

A capa também foi um processo criativo meu, mas pensada só depois do livro já montado. A lótus, uma flor que cria suas raízes na lama e floresce em água limpa, na cor vermelha é entendida como símbolo da compaixão por algumas culturas orientais. Pintei de forma simples em uma tela com tinta a óleo porque não sou nenhuma profissional de artes plásticas, mas também quis trazer certa simplicidade e autenticidade criando uma ilustração com minhas próprias mãos para o meu livro, como já tinha feito com O Singular do Dual. Penso na compaixão que a natureza tem com seus ciclos e na compaixão que precisamos ter tanto com nossas memórias quanto com nosso presente. De alguma forma a compaixão também transpassa esses versos.

Capa de Variados Poemas

Mesmo depois do livro escrito, ainda fiquei um ano pensando se publicaria ou não e como publicaria. Decidi publicar na primavera desse ano de forma independente pela plataforma da Amazon e da UICLAP, já disponível para todos que quiserem adquirir seu exemplar. Do tanto que todo esse processo me trouxe, desejo que o devir desses versos, desde a capa até a última folha, possa incentivar à busca de possibilidades nos (com)passos de cada leitor. Abaixo, deixo o meu poema “Memórias”, que foi como tudo começou:

Memórias

É o sangue do sertão que corre nas veias

O solo quente e infértil

A memória da fuga pelo sol

Da trajetória errônea que só quem não tem destino sabe viver

 

Aquela memória juntou com a vinha fria da segunda guerra

A benção de comer o que se planta

Mas também não saber como vai ser na próxima estação

 

A memória da roupa rasgada

Da fuga pela promessa de uma nova terra

A junção do imigrante de país com o estrangeiro de cidade

 

Dois interiores que se encontraram

E juntos formaram

O arcabouço de memórias

E as centenas de histórias

Que passaram de parto em parto

Até parirem

A mim

 

Link para o livro na Amazon

Link para o livro na UICLAP

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Carollina Costa é licenciada de Letras: Português-Inglês pela UFRJ e atua como professora de língua inglesa e escritora. É autora dos livros de poemas O Singular do Dual e 30 Dias 30 Poemas. Faz parte do coletivo de escritores Ecos Poéticos.


quarta-feira, 9 de novembro de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA


LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|14


SOBRE A VISIBILIDADE DAS ESCRITORAS NEGRAS + RESENHA DO LIVRO "O QUE É LUGAR DE FALA?" DE DJAMILA RIBEIRO


Por: Carollina Costa


Novembro mal começou e parte dos algoritmos na internet já se "mobilizaram" para aumentar a visibilidade de diversos criadores de conteúdo que falam sobre racismo e negritude. Pena que esse empenho só acontece uma vez por ano.

Vendo os anúncios, em especial de escritores e artistas, comecei a me perguntar quantos autores negros tenho na minha estante de livros e, mais ainda, quantas autoras negras. Para minha vergonha, não tantas quanto deveria. Apesar de ser brasileira e do meu país ter uma maioria da população negra, percebo que nos livros e nas artes esse grupo ainda é uma minoria, talvez nem tanto de produção, mas com certeza de alcance e divulgação. Isso me lembra uma professora de teoria literária que tive na faculdade contando sua experiência durante a palestra da famosa ativista negra estadounidense Angela Davis no Brasil.

Minha professora, assim como várias outras pessoas que foram empolgadas para ouvir a palestra de Angela Davis na conferência "A Liberdade é uma Luta Constante", não esperava que Angela exaltasse uma ativista e intelectual brasileira ao dizer "Eu acho que aprendi mais com Lélia Gonzalez do que vocês jamais aprenderão comigo" (tempo do vídeo: 51:40). Angela não entendia porquê nós no Brasil buscávamos referências negras fora do Brasil, se ela própria tinha como referência uma brasileira. E de fato buscar fora do país estudos que expliquem o nosso país e nossas questões melhor do que nossos intelectuais é, no mínimo, curioso.

São muitas as vertentes que esse questionamento pode apresentar, mas me atenho aqui à visibilidade — ou falta de — que muitos estudiosos, artistas, criadores, escritores negros possuem em nosso país. Quando pensamos nas mulheres negras, menos ainda. Atualmente temos a Carolina Maria de Jesus, que foi "redescoberta" como escritora quase 50 anos depois de sua morte. Quando pensamos em como essas e outras escritoras, artistas e intelectuais negras conseguem visibilidade, não há como negar a importância que ainda tem a validação de uma elite intelectual qualquer ou a existência de um espaço de alcance democrático. Mesmo com algumas limitações e controvérsias, a internet cumpre esse papel de espaço democrático que, apesar do alcance dos algoritmos, ainda permite aos usuários existir e resistir no compartilhamento de artes e ideias.

Olhando cuidadosamente minha estante de livros, encontrei um que acredito explicar de forma bem didática alguns processos de visibilidade, em especial da mulher negra, é O Que É Lugar De Fala, da filósofa e ativista brasileira Djamila Ribeiro. Cheguei a escrever uma breve resenha dele ano passado para minha página pessoal do Instagram e decidi compartilhar novamente esse ano, dessa vez no espaço do Feminário, que existe e resiste como um espaço virtual para mulherências diversas.


RESENHA: O QUE É LUGAR DE FALA?, DE DJAMILA RIBEIRO

Existe um termo que tem sido muito usado atualmente que é “Lugar de Fala”. Porém, seu significado muitas vezes é mal interpretado e utilizado como desculpa para pessoas optarem pelo silêncio por julgarem não ter “lugar de fala” sobre determinado tema ou realidade.

O Que É Lugar De Fala? é um livro em formato de bolso, de 111 páginas e dividido em 4 capítulos + Apresentação e Notas. Possui diversas referências teóricas citadas de forma muito didática e bem explicada. O livro aborda principalmente a questão do feminismo negro e a predominância do saber acadêmico eurocêntrico e utiliza esses temas para desdobrar o significado e uso do termo “Lugar de Fala”. 

O que Djamila Ribeiro, filósofa e intelectual do feminismo negro brasileiro, vem nos mostrar com esse livro, ao explicar o termo que ela própria difundiu no Brasil, é que todos têm lugar de fala. Lugar de fala é de onde você vê determinada realidade, diferente de protagonismo, que é você viver determinada realidade. A consciência de que todos temos um ponto de onde observamos diversas situações é essencial para entendermos nossa força de ação sobre ela, mas nem todos enxergam a influência que têm seus lugares.

Uma citação de Lélia Gonzalez abre o livro de Djamila e convida o(a) leitor(a) para uma viagem pela história da luta das mulheres negras desde o início do movimento feminista ao surgimento do feminismo negro, seguindo para explicações do termo "Lugar de Fala" e suas formas de uso.

Acredito que esse livro seja uma leitura essencial para quem já faz muito uso do termo, sabendo pouco ou muito sobre ele. Mas para quem não tem familiaridade com o assunto e busca uma forma didática, simples e ao mesmo tempo completa para um primeiro contato com o conceito, esse também é um excelente livro!

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 



LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|13


SORORIDADE EM QUALQUER IDADE

Por Carollina Costa


Outro dia estava relendo anotações que fiz do livro Sejamos todos feministas, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Nesse livro ela conta que na Nigéria, o mais alto ponto de realização social que uma mulher pode chegar é ter um marido. Há até mesmo uma espécie de ditado popular que diz que é melhor ter um mau marido do que marido nenhum, mesmo esse "mau" podendo significar muitas coisas.


Sou brasileira, mulher, escritora, professora, estudante de pós-graduação e quanto mais eu  busco entender o porquê de ainda existir esse tipo de validação social mesmo com as mulheres já se dedicando a outras partes de sua vida,  vejo também que esse tipo de valorização se replica. Não é só na Nigéria que se alimenta a ideia de que conquistar um marido é o suprassumo da vida de uma mulher. Também vejo isso no Brasil, porém, em alguns círculos, de modo mais velado.

Sou de uma geração de mulheres que se dizem feministas em alto e bom som, vão a passeatas, compartilham postagens na internet e até têm fotografias de pensadoras penduradas nas paredes do quarto ou da casa, mas na hora de pôr o discurso em prática tudo muda de figura. É fácil fazer correntes de Facebook, WhatsApp e Instagram apoiando aquela famosa X na causa Y, se solidarizar com a realidade da moça A, festejar o sucesso da moça B, mas não é tão simples fazer o mesmo quando essa moça é sua vizinha, sua parente, sua amiga ou colega de trabalho. Uma união que deveria ser do micro para o macro fica apenas no macro, apenas na realidade aparente, pintando figuras e afetos que não se sustentam além dos 15 segundos de um stories.

Já ouvi mulheres mais velhas comentarem dessa mesma falta de união entre suas colegas de geração, porém, ao menos no caso delas, é algo mais exposto. É dito na cara, ou melhor, logo se vira a cara. É doído e triste, mas ao menos é honesto. Antes fossem todas assim, diretas e honestas em qualquer idade.

Já ouvi que sou "muito focada no que eu faço" em tom de crítica e que estaria tudo bem faltar a uma reunião de amigos se eu fosse em um casamento, mas jamais por motivos de trabalho. Acontece que nenhum dos pouquíssimos e brevíssimos relacionamentos que já tive — e não gostaria de ter nenhum de volta — chega aos pés da paixão que tenho pelo que faço. Veja bem, não sou contra ter uma companhia, de preferência uma que seja boa, mas acredito que fazer disso o centro das realizações de uma mulher já não cabe mais. Talvez alguns séculos atrás, quando ainda éramos vistas como uma propriedade passada de pai para marido e de marido para filhos, mas hoje já temos uma meia dúzia de direitos que nos garante certa autonomia. O curioso é que, de todo peso e cobrança social existente, o que as mulheres podem exercer umas sobre as outras é o mais dolorido.

Celebrar as conquistas profissionais de uma mulher tanto quanto celebram as demonstrações de afeto deveria ser algo mais comum em nossa sociedade. Mais do que isso, deveriam celebrar nossa inteireza. Celebrar a mulher que decidiu ser dona de si mesma, que traçou seu próprio caminho, que escolheu não fazer de um alguém a razão da sua vida, mas partilhar a vida que já tem com outro alguém que valha a partilha.

Desejo que a sororidade saia da teoria para a prática e que as ideias de tantas pensadoras tome forma sólida em nossa sociedade e deixem de ser só palavras. Desejo que as mulheres possam celebrar cada vez mais a si mesmas e umas às outras. E, leitora, se ninguém ainda te disse isso hoje, saiba: eu celebro você!


@cbcarollina

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 


LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|12


CURSO: O ESCREVER DO ESCRITOR

Por Carollina Costa

Notar que cada escritor tem sua singularidade é essencial para nós, escritores, enxergarmos que também temos as nossas, mesmo que ainda nos sejam desconhecidas. Foi movida por essa busca que decidi criar um curso que pudesse facilitar esse processo de autodescoberta na escrita.

Com base em algumas lives solo que fiz ano passado no meu Instagram — e atualizando toda informação necessária que aprendi de lá para cá — montei o curso O Escrever do Escritor com o objetivo de, de forma realista, ajudar escritores a enfrentarem o medo da página em branco e conhecerem melhor seu processo pessoal de escrita.

Serão 9 aulas em que irei tratar de assuntos como:

  • a figura do Escritor
  • a relação existente entre os processos de leitura e escrita
  • a relação entre os conhecimentos de linguagem e literários
  • explorar a página em branco
  • o que é a rotina para escritores

Nessa jornada de autoconhecimento criativo também irei propor sugestões de exercícios de leitura e de escrita para aprimorar a escrita e desenvolver mais clareza sobre o processo criativo envolvido.

Se você já é escritor(a), irá explorar mais na sua escrita.
Se ainda não é, esse pode ser seu ponto de partida.

Valor de investimento: R$60,00

Já estou te esperando para nossa primeira aula!



sexta-feira, 29 de julho de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 




LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|11


CRÔNICA: CONEXÕES

Por Carollina Costa


Ontem estive em um encontro de mulheres que surgiu através de uma postagem de Instagram incentivando a nós, mulheres, a nos unirmos mais. Fiquei pensando na postagem, nesse movimento, na necessidade de nós, mulheres, olharmos mais para nós mesmas e me surgiu a crônica que segue. Mesmo que curta, espero que possa incentivar você, leitora, a buscar a si mesma e conexões que apoiem o seu transformar.


Conexões

É comum que ao nos compararmos com outras pessoas sigamos um desses dois vieses: ou acreditamos que todos têm uma vida igual a nossa ou que somos a única pessoa no mundo que vive de determinada forma e ninguém é capaz de nos compreender. Dois extremos problemáticos. O primeiro não nos permite enxergar as diferenças, ora sutis ora gritantes, que existem entre uma pessoa e outra, uma forma de vida e outra. A segunda nos cega quanto às semelhanças que partilhamos, seja nos detalhes expostos do dia a dia ou na sutileza do nosso modo de ver e pensar sobre as coisas da vida.

Esses dias, por causa de uma simples, porém não tão simples postagem de Instagram, conheci diversas mulheres que se reuniram no intuito de partilharem suas jornadas individuais com outras mulheres e formarem, juntas, uma rede de conexão para que não nos sintamos tão sós em nossas caminhadas. Nessa conexão o foco somos nós, para nós e por nós, individualmente e coletivamente. Parece pouco, mas é uma atitude e tanto.

É comum às mulheres olharmos sempre para o outro: o que o outro pensa, como o outro nos vê, o que o outro acha de nós, o que o outro quer de nós, como podemos agradar mais ao outro, como podemos ser mais e melhor aceita pelo outro... E esse outro não é necessariamente um parceiro, pode ser a família, um grupo de amigos, um grupo de convívio social ou mesmo a sociedade onipresente como um todo. Mas é sempre um outro, nunca ela. Nunca nós. Entramos, assim, numa espiral descendente de desejos e expectativas do outro sobre nós que, honestamente, jamais serão supridas, visto que é próprio do ser humano, seja homem ou mulher, desejar constantemente. Nessa espiral nós também desejamos constantemente e sem retorno, porque ao desejar incansavelmente a aprovação do outro que nunca estará completamente satisfeito nos perdemos de nós e aí descemos mais e mais, nos perdendo cada vez mais.

Ao traçar o limite entre o eu e o outro — lembrando que limite não é muro, é sobrevivência e sanidade — muitos chãos tremem, muitos laços se desfazem e cordas se rompem. É nesse lugar meio limbo meio transformação em que buscamos novas mãos amigas para nos levantarem enquanto ainda não conseguimos ficar de pé. Um lugar partilhado por muitas de nós quando decidimos conhecer quem nós somos fora dos moldes pré-dispostos nas prateleiras do convívio, e é aí que essa postagem de Instagram e tantos outros movimentos de união entram, nos convidando a sair desse lugar e concretizar o novo.

Cada mulher que caminha em direção a outra e estende suas mãos para esse movimento de união pode transformar a condição daquela que ainda não conseguiu se levantar. Não é sobre sair da sua caminhada para incorporar os passos de outra, mas sobre cada uma de nós, seguindo seu próprio ritmo e caminho, respeitar e ajudar a mulher ao lado a caminhar com suas próprias pernas em sua própria jornada com mais sororidade.




sábado, 4 de junho de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 




LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|10


ANCESTRALIDADE É POESIA

Por Carollina Costa


Já faz um tempo que a temática de ancestralidade tem sondado meus rascunhos. Aquela ancestralidade familiar, de pai e de mãe, olhando para os antepassados e tentando conectar essa passagem de tempo com o tempo presente que sigo vivendo. Lembrando das mulheres da minha família, fui resgatando os desafios, as forças, as fraquezas, as transcendências — para mim, amar sem barganhar já é um ato transcendente — e fui tecendo falas, cenas, memórias que tenho ou me foram passadas por essas mulheres. Desses pensamentos nasceu um poema que dei o nome de Raízes, e porque ele trata da minha ancestralidade materna achei que essa coluna seria um bom espaço para compartilhá-lo.

Quantas histórias a gente escuta, quantas mais a gente assiste e só vem entender depois. Seja na felicidade ou na dor, ter a companhia dessas mulheres em mim através de ventres e memórias é a certeza de que jamais estarei só.

E vamos ao poema. 


Raízes

Avó
Mulher mais forte
que já conheci

Madrinha
A canção de ninar
que nunca esqueci

Mãe
O coração infinito
que no ventre me fez ter sentido
sentindo amor
até no chute que podia trazer dor

Bisavós
Trisavós
E outras mais

Tantas mulheres que
de ventre em ventre
viraram minhas ancestrais

Do saber passado
Cada qual com seu próprio fado
Fardo

Transforma tristeza em alegria
para a chegada da nova cria
que, talvez, quem sabe
saiba reciclar memórias




sábado, 30 de abril de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 




LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|09


CRÔNICA: EMPODERAMENTO É BRUXARIA

Por Carollina Costa


Essa semana tive a felicidade de estar no card de estreia da seleção de poetas para a coletânea I Tomo das Bruxas e comecei a pensar um pouco mais sobre essa personagem: a bruxa.

No geral, quando pensamos nos contos de fadas e filmes, a bruxa é aquela mulher mais velha, má e amargurada que quer sempre prejudicar a princesa protagonista da história, mas por que essa relação? Como isso afeta o nosso imaginário, nosso entendimento do feminino e até mesmo como a sociedade enxerga — ou encaixota — os diversos tipos de mulheres? Meus pensamentos sobre isso tomaram o formato de crônica e, em homenagem à estreia do I Tomo e às múltiplas mulheres que habitam cada uma de nós, resolvi compartilhá-la por aqui no texto dessa semana.


Empoderamento é bruxaria


Não há uma mulher que não tenha crescido ouvindo que deveria ser uma "boa menina", seja em casa ou na sociedade ou por todos os lados. Ao crescerem ouvem que devem ser "boas mulheres", e não é possível ser uma "boa mulher" se você não tiver um pouco da "boa menina" dentro de si. Mas o que é ser "boa" e "boa" para quem?

A "boa menina" e "boa mulher" normalmente são boas para todo mundo, menos para elas próprias. Você é "boa" se não discute, se não discorda, se sabe se vestir e se "comportar", você é boa principalmente se se esvaziar das suas necessidades para enxugar o gelo das necessidades infindáveis de todos a sua volta. Reconhecemos aí a imagem clássica das princesas.

Do mesmo modo, é "má" aquela mulher que olha para si mesma, que reconhece suas necessidades, que reage quando ferida e que impõe limites para não ser mais explorada — emocionalmente, psicologicamente, fisicamente, da forma que for. É "má" a mulher que clama pela e com a própria voz, que diz Sim quando quer dizer sim e Não quando quer dizer não, sem rodeios. É "má" a mulher que toma posse de si mesma, de seus encantos e desencantos, de seu corpo, sua mente, sua caminhada. Vemos aí a imagem das bruxas, nem todas as de contos de fadas, mas principalmente as humanas que foram queimadas.

Se você toma um chá e cura uma gripe, é bruxa. Se envelhece, é bruxa. Se tem mais saberes que um homem sobre algo, é bruxa. Se diz não, é bruxa. Quando penso nos contos de fadas antigos, especialmente os da Disney, que embalaram minha infância, lembro das princesas sendo reféns da vontade de alguém o tempo inteiro, trocando apenas de algoz. Quando penso nas bruxas lembro de mulheres que, mesmo com o mundo virando as costas para elas, eram dotadas de poderes sobre-humanos, criavam e "descriavam", tinham o que queriam quando queriam e como queriam sem se render a algoz nenhum.


Hoje em dia os contos de fadas estão mais modernos e desconstruíndo a muralha por séculos erguida entre a bruxa e a princesa, a "moça boa" e a "moça má". Elza vai em busca de si mesma e encontra seu lugar em meio à natureza. Malévola recupera suas asas e, estando inteira, abraça a inteireza da sobrinha Aurora, amando-a mais que o príncipe e salvando-a no final. Merida se disfarça de menino e luta pela própria mão em casamento, superando todos os príncipes e vencendo a disputa. Rapunzel rende um fugitivo e foge com ele da torre para explorar o mundo. Princesas com traços de bruxas. Os contos estão tentando ficar um pouco mais próximos da realidade.


Vibro ao ver essas narrativas mudarem, mas até serem internalizadas no imaginário social com a força dos contos tradicionais vai levar um tempinho e essa divisão simplista vai demorar para se desfazer. Até lá, escolho abraçar a bruxa que há em mim. A bruxa que diz não, que protege seu caminho e seu espaço, que na jornada do empoderamento não será vencida pelo cansaço. 


Como Malévola e Aurora receberam uma a outra, assim as "Carollinas" que me habitam vão se recebendo em amor, respeito e crescimento.





sábado, 16 de abril de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 





LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|08


VERONICA FRANCO: BIOGRAFIA E POESIA


Por Carollina Costa


Buscar referências femininas na literatura é sem dúvidas uma reeducação do nosso olhar e julgamentos sobre o que é literatura e quem a escreve. Não raro nossa lista de referências é repleta de autores masculinos, com uma Clarice Lispector aqui, uma Virginia Woolf ali, uma Carolina de Jesus acolá acenando de longe. E que bom que, apesar dos pesares, essas mulheres conseguiram seu espaço no universo literário, espaço esse que precisa ser constantemente reafirmado das mais diversas formas.


Pensando sobre as diversas formas de expressão da mulher nas letras, essa semana resolvi tirar mais uma escritora da lista das desconhecidas e trazer para a coluna do Batom Vermelho. Poeta que conheci através de um filme de ficção biográfica que me comoveu profundamente e me fez refletir se, sendo uma mulher ambiciosa em um tempo que mal podíamos pensar, seria possível ter escolhas ou destinos felizes. Apresento aqui uma breve biografia da poeta e cortesã italiana Veronica Franco, finalizando com um poema de minha autoria intitulado À Veneziana.


Veronica Franco: Breve biografia

Nascida em uma época que só existiam dois tipos de mulheres — e uma jaula social para cada uma —, Veronica Franco (1546-1591) foi  uma cortesã da Itália renascentista e filha de Paola Fracassa, que também foi uma cortesã e lhe apresentou a profissão. Naquela época havia um documento chamado “Catálogo de todas as principais e mais honradas cortesãs de Veneza” (1565) e nele constam os nomes de Paola e Veronica, o que as caracteriza como cortigiane oneste (meretrizes honradas, virtuosas).

As cortigane oneste eram as mulheres que não só eram cortesãs, mas acompanhantes sociais de homens da alta sociedade veneziana por serem as únicas mulheres permitidas à estudos como literatura, geografia, política e economia, além de viagens e presenças em festas. A intelectualidade dessas mulheres fazia parte do trabalho de acompanhante, além de ser um atrativo que diferenciava a cortigana onesta de outras colegas de profissão, como a meretrice.

Em Poems and Selected Letters, livro organizado pela Universidade de Chicago com poemas e cartas escritos por Veronica, é contada um pouco da biografia de Veronica ressaltando que ela também foi poeta e sua escrita era respeitada pelos homens da alta sociedade veneziana, algo incomum para uma mulher daquela época e com sua profissão. Quanto mais crescia como cortesã, mais se envolvia com os círculos de intelectuais da época, tornando-se anfitriã de muitas das reuniões dos Salões Literários italianos.

Veronica escrevia sobre a situação das mulheres de Veneza, algo considerado atualmente como protofeminismo — fazendo, inclusive, referência a outras mulheres escritoras de sua época como Isotta Nogarola, Cassandra Fedele, Laura Cereta e Olimpia Morata — e seus poemas flertam com o erotismo. Sua linguagem erudita e conhecimento das formas poéticas, como o soneto petrarquiano, a colocava par a par com seus correspondentes masculinos, resultando em vitórias em duelos de rimas nos círculo de intelectuais venezianos e um tutor que ajudou Veronica a publicar seu primeiro livro de poemas chamado Terze Rime.


Em 1580 Veronica foi acusada de bruxaria pela Inquisição Veneziana. Foi levada a julgamento e o filme de ficção biográfica chamado Em Luta pelo Amor (que não é tão romântica quanto o título sugere), retrata essa cena com um discurso de Veronica forte e emocionante sobre suas escolhas de vida e a situação da mulher veneziana. Ela foi absolvida, porém sua reputação não foi mais a mesma. Veronica morreu aos 45 anos numa das vizinhanças mais pobres da cidade.

Na biografia ficcional que assisti, uma das cenas que me marcou muito foi quando Veronica, já cortesã, conversava em segredo com sua antiga amiga de infância Beatrice — oferecida pelo pai em casamento para um senador quase 30 anos mais velho — e Bea pede para Veronica tornar sua futura filha uma cortesã pois "nenhum inferno bíblico poderia ser pior do que o inferno vivido nessas quatro paredes" em que Beatrice se encontrava dia após dia, isolada e controlada por tudo e todos a sua volta. Em resposta, Veronica diz que ela "não sabe o que pede" porque "essa jaula pode parecer grande, mas ainda é uma jaula" que também mantinha Veronica presa, só que de outra forma. Ambas sentiam-se como fantoches nas mãos dos homens que as cercavam, uma na cozinha e outra no quarto, limitadas aos personagens que elas deveriam representar.

Nos poemas e cartas escritos por Veronica, é possível perceber as denúncias que ela fazia acerca de sua situação e da situação das mulheres de Veneza. Não só sobre as cortesãs e meretrizes, mas também as mães e as adolescentes, e sobre como todo o sistema legal e social era organizado para que as mulheres estivessem sempre subjugadas a alguma figura masculina.

As cortesãs, em especial as cortigane oneste, eram as mulheres que gozavam de maior liberdade. Eram as únicas que tinham controle sobre suas finanças e posses, as únicas permitidas aos estudos eruditos de sua livre escolha e, até certo ponto, também escolhiam quem receberiam em seus leitos. Digo até certo ponto porque deitar com o homem certo era o que lhes proporcionava as demais liberdades. No fim das contas é apenas uma jaula maior. Mas em época que à mulher só era permitida uma vida enjaulada, valia a tentativa de escolher a jaula menos claustrofóbica.


Os séculos passaram e celebro, como em postagens anteriores, a atual liberdade da mulher em ser dona de si mesma e de tudo que possui, incluindo palavras e corpo. Celebro aqui com minha escrita através de um poema que fiz relacionando cenas do filme Em Luta pelo Amor com passagens do livro Poems And Selected Letters.



À Veneziana


Veneza

Paraíso, orgulho e beleza

Onde o prazer é o único dever


Dançamos com destinos selados

Mas até este encontro

Enfeitemos os fatos


Da mulher celebramos a beleza

E a que não pudermos desfrutar

Mantemos presa


Já as que podem nos agradar

Até ao Rei da França iremos ofertar

E em troca nos dará armas e navios

Com Veronica a representar-nos neste pedido


Veneza não é suficiente só

Uma cittadini originale é preciso

Para que nossa nação não vire pó


Ganha

Celebra

À veneziana vencemos

Com a veneziana festejemos

Até a próxima queda


Agora

Nossas Vênus penduradas semi-mortas


Veronica

A vera icona veneziana

Pela Inquisição inquirida

Pelo Estado absolvida

Finda os dias

Sem festas ou acolhidas

sábado, 2 de abril de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 




LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|07


RESENHA: O DIÁRIO DE ANNE FRANK


Por Carollina Costa


As diversas crises que estamos vivendo ao redor do mundo não estão deixando ninguém passar ileso. Desde o final de 2019 todos passamos por perdas e sofrimentos de diversas ordens e longe de mim entrar numa de "essa dor é maior do que aquela".

Só quem sente é que sabe. Os sapatos dos outros são sempre dos outros e cada um utiliza o seu para caminhar em sua própria jornada. E agora também com tantos conflitos bélicos em alta ao redor do mundo, todo esse cenário de caos me fez lembrar um único livro de uma autora surpreendentemente singular: Anne Frank.

No texto dessa semana irei apresentar uma resenha do livro O Diário de Anne Frank, seguida se um poema de minha autoria que fiz relacionando o livro com os eventos atuais.


Resenha: O Diário de Anne Frank, editado por  Otto H. Frank e Mirjam Pressler

Anne foi uma menina judia nascida em Frankfurt, Alemanha, de família humilde que se mudou para Holanda assim que surgiu a Alemanha de Hitler. Ela, sua família e outros judeus viveram por dois anos no sótão do escritório de seu pai até serem delatados e levados aos campos de concentração. Nesse tempo ela escreveu um diário sobre as experiências vividas em seu mundo interior e exterior durante esse período.

Anne foi uma criança de extrema sensibilidade que, mesmo entendendo tudo o que se passava ao  seu redor, ainda assim conseguia trazer toques de leveza e humor para seu cotidiano e, claro, para suas anotações. Certa vez, próximo do fim da guerra, ela ouviu no rádio que o governo holandês colheria testemunhos escritos e oculares dos sobreviventes, e foi aí que ela resolveu que faria de seu diário um livro.

Anne morreu de tifo aos 15 anos e seu pai, Otto Frank, foi o único familiar sobrevivente do Holocausto. Em busca de realizar o desejo da filha, entregou os manuscritos ao Instituto Estatal Holandês, que, com o tempo, veio a ser estudado e se tornou um livro. Em 1960 foi inaugurada a Casa de Anne Frank, um museu em Amsterdã que fica exatamente onde era o antigo esconderijo de Anne e sua família.  

Misturando alegria, medo e várias outras emoções num grande caldeirão, O Diário de Anne Frank é um livro que indicaria em qualquer época, mas acredito que nesse momento é possível criar uma conexão com o livro de uma forma que em nenhum outro tempo seria possível. E a linguagem é bem tranquila, o que ajuda nesse processo.



Antes dos quinze

É preciso coragem para

Ser feliz

Isso já é sabido

Mas essa coragem só vem

Quando se olha além

Do próprio umbigo


Ninguém tem autoridade

Para dizer que a dor do outro

Só vale metade

E que só a sua própria

É verdadeiro sufoco


Antes dos quinze anos de idade

Já havia uma pequena

A um pé do campo de concentração

Ensinando lição

A muito adulto airado


Enxergar bem o que se tem

Não é pecado

Querer ir além

É mais que desejado 

Juntar os dois

É garantia de sustento

Da sola de sapatos gastos

De quem caminhou por tantos altos e baixos

Mas ainda escolhe ficar de pé




sábado, 19 de março de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 




LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|06


CLAUDINE, CLAUDETTE, COLETTE: DA CRIAÇÃO À CRIADORA


Por Carollina Costa


Nesse mês de março celebramos o Dia Internacional das Mulheres no dia 8 e esse marco da nossa constante busca por voz e direitos não poderia ser esquecido por aqui. Para celebrar a data e tudo que ela simboliza, trago aqui uma breve resenha do filme Colette, baseado na vida da escritora francesa Sidonie-Gabrielle Colette.

Nascida no interior da França no século 19, Colette foi uma romancista casada com o editor Henry Willy que fez dela uma das escritoras fantasmas que ele possuía em sua editora. Colette sempre foi criativa e a frente do seu tempo, e foi baseada em suas memórias de adolescência que criou as histórias da série Claudine (1900), obras que por muito tempo Willy assinou como se fossem apenas dele, a ponto de vender os direitos para uma editora sem consultar Colette sobre o assunto. No fim, Colette consegue resgatar os direitos de suas obras e passa a escrever com seu próprio nome, continuando sua carreira de escritora, agora também atriz de teatro encenando, inclusive, livros seus que viraram peças teatrais.

Embora fosse mais liberal do que muitos maridos de sua época, Willy usou sua vaidade como forma de ter controle sobre a esposa. No filme, há cenas em que Willy tranca Colette em casa ou no quarto e só a deixa sair após ela escrever determinada quantidade de páginas de alguma história que ele aprove. Ele tinha seu time de homens escritores fantasmas, mas nenhum deles lhe deu tanta fama e sucesso quanto as histórias escritas por Colette, uma mulher e sua esposa.
Através de Willy, Colette foi apresentada ao meio dos artistas e literatos e, aos poucos, aprendeu a tirar proveito dessa influência para si mesma. Conheceu mais mulheres também artistas, envolvendo-se romanticamente com algumas e criando laços de amizade e cumplicidade com outras. Por fim, largou o marido enfurecido e foi seguir seu próprio caminho nos palcos e nas letras, sendo reconhecida e aclamada ainda em vida.

Ao menos hoje em dia podemos escrever usando nossos próprios nomes sem grandes problemas. Não precisamos mais que um homem de um pequeno círculo de intelectuais nos autorize a escrever ou publicar. Embora ainda tenhamos muito o que conquistar, é gratificante enxergar o progresso que já fizemos.

Em diálogo com o filme, fiz esse curto poema intitulado Claudette que fala sobre a liberdade da mulher na arte e sua conquista sobre si mesma.


Claudette

Tal qual menina perdida
Você me encontrou atraída
Por tua pose
Terno e fita
Do filme que encenava
Sempre que me via

Casei tendo liberdade
Para fazer tuas vontades
Fingindo que eram minhas

Para que subisses
Eu descia
Para que brilhasses
Eu desaparecia
Como singelo apetrecho
Acompanhava o desfecho
Das histórias que querias

De terno e gravata
A verdade veio me visitar
Dizendo que era hora
Ou Claudine
Ou Colette
Guiaria o resto de minha história

Claudine est mort

Refeita
Vagando
La Vagabonde de Paris est libre
Livre para os palcos
Pelas letras
Livre de ti







sábado, 5 de março de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA




LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|05


PACARRETE: ARTE E SENSIBILIDADE


Por Carollina Costa



Vez ou outra me pego pensando na velhice. Sei que é um assunto que muita gente evita em qualquer idade, mas quando vejo tanta gente fugir de alguma coisa, fico querendo saber o porquê.

Há algum tempo assisti ao filme brasileiro Pacarrete, baseado na vida da pianista e bailarina clássica cearense Maria Araújo Lima (1912-2004). O filme mostra a vida da artista já como professora de dança aposentada que tinha o sonho de voltar aos palcos, porém a idade impunha seus limites físicos e sociais, visto que além de seu corpo não se sustentar mais na ponta dos pés como outrora, os habitantes da pequena cidade onde morava limitavam ou excluíam a participação de Pacarrete dos eventos de dança.  Misturando comédia e drama de forma bela e sensível, o filme narra a incessante trajetória da protagonista em busca de manter viva sua arte, não importa as limitações em seu caminho.

Esse filme me fez pensar sobre o quão comum é deixarmos uma paixão sumir no tempo, normalizando quando as reviravoltas da vida nos afastam de nossos sonhos ou de uma realidade que amamos. Pacarrete insiste em não deixar seu amor pela dança morrer, nem que isso signifique dançar sozinha em casa ou na rua, sendo incompreendida por aqueles que não "ouvem a mesma música" que ela.

A dor, sensibilidade e esperança apresentadas no filme Pacarrete me inspiraram o poema autoral a seguir, que apesar de estar bem ligado à narrativa do filme, pode ser interpretado pela leitora da melhor forma que lhe couber.


Velhice

Bailarina na meninice
Aplausos sempre gostei de ter
Mas depois de um certo tempo
A saudade do não vivido
Prevaleceu como um machucado exaurido
Ao som de Tina Turner
Despertei para o corpo de minha irmã falecido
Me lembrando da morte que rondava meu abrigo
À sombra de tudo que eu não poderia viver
Eu morri
Eu morri e esqueci de me avisar
Fui pra rede me encasular
Até a Maria ir me tirar pra dançar
E eu dancei
Dancei
Depois de tanto relutar
Fazendo do meu palco a calçada
Dançando como um cisne numa noite enluarada
No palco central
Mesmo que sem plateia
Me realizo ao final




sábado, 19 de fevereiro de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA






LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|04

 

A VOZ DA MULHER NA POESIA


Por Carollina Costa



Na minha última postagem apresentei a resenha do livro Na Companhia de Bela, que reúne diversos contos de fadas de escritoras que foram apagadas ao longo da história. Essas semana resolvi trazer uma breve reflexão sobre a presença da mulher na poesia, que também passou por um silenciamento típico de qualquer produção feita por mulheres em outros tempos, além da dicotomia poeta/poetisa e um poema que foi fruto dessas minhas inquietações.

Quando estudei sobre trovadorismo na faculdade, me chamou atenção o fato de que era comum os homens escreverem com eu lírico feminino nas cantigas de amigo enquanto que, no mesmo período, as mulheres não podiam aparecer como escritoras. Estudei também obras literárias nas quais homens criavam personagens femininos e narravam os pensamentos dessas personagens de modo universal, esquecendo que toda percepção nasce de algum observador. Quando o observador muda, a percepção sobre o que se observa também pode mudar. Não é que um escritor homem não possa criar bons personagens femininos, mas por que não poderia a mulher também criá-los?

Saltando um pouco no tempo e trocando a prosa pela poesia, quando as mulheres começaram a aparecer mais no universo poético surgiu o termo poetisa, que tem uma razão um tanto interessante. Embora poeta também pudesse ser usado para mulheres, poetisa surgiu trazendo um efeito de separação do poeta, figura do escritor exaltado e reconhecido, da mulher que escrevia versos que rimavam. Isso é tão curioso que, por volta de 1945, quando Otto Maia Carpeaux elogia Cecília Meireles, ele a chama de "grande poeta", não poetisa. Além disso, as palavras na língua portuguesa que terminam em -iz ou -isa são normalmente derivadas do seu masculino, sem o qual elas não existiriam.

Atualmente, tanto poeta quanto poetisa são aceitas e utilizadas para denominar mulheres que escrevem poemas, tornando essa escolha de nomes mais sutil. Eu, particularmente, prefiro poeta.

Para finalizar minhas reflexões, trago um poema de minha autoria que foi escrito no semestre em que estudei um pouco sobre a voz da mulher na literatura. Nele, tento expressar em versos a ironia curiosa das vozes das cantigas de amigo e de outros textos literários.


O poeta é um fingidor
E finge tão completamente
Que faz leitor acreditar que é dor
A dor que nem sente


E se fala de amor
Como não fingir como outrora?
Tal qual um galante trovador
Que diz que é na voz da mulher
Que se canta a cantiga de amigo
Escrita por aquele senhor


E o que sabem os homens mais
Da mulher como escritor
Ou seria escritora
Porque “Writer” no português tem gênero
Mas que importa, não é mesmo?
Se tudo um dia vira
Sopa de letras ao vento.
– Será que vira?





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