ADORÁVEIS MULHERES
E nessa pegada, já me animei, eu adoro criar histórias na minha cabeça, nos lugares mais insólitos, crio situações imaginárias na minha cabeça ao ponto de rir sozinha do nada e travar diálogos criativos comigo mesma! Tenho até um conto publicado pelo Mulherio das Letras numa coletânea. Audiometria. Minha personagem está sendo levada para solucionar possíveis problemas de surdez. Tal o nível de alienação, mergulhada no seu mundo imaginário… muitas vezes, minha protagonista se depara com os olhos esbugalhados da mãe gritando seu nome! Coisa de criança poeta! “Ah, dona, isso é coisa de gente artista, tenho um primo assim!”, diz o outro personagem , o motorista de táxi, à mãe.
Hoje, desenvolvi até uma técnica para estar, e não estar "presente", por exemplo, numa conversa chatíssima, contudo educada que sou, não interrompo, geralmente quando ouço boçalidades, escárnios machistas e/ou sexistas… é assim, eu faço uma cara simpática e cordial, respeitosa e travo contato visual, a nível íris do olho, contato feito, das duas uma, ou a criatura se perde na piada ou infâmia, ou vomita desastrosamente a narrativa, diante do meu rosto impassível. Acham-me calma, ponderada, educada de certo, quando na verdade estou em uma outra dimensão de espaço/tempo. O mote para voltar à realidade, são dois, previamente combinado com meu cérebro: o silêncio ao redor e o meu nome! Nesse retornar, acontece uma manifestação corporal involuntária: os ombros caem para frente, os joelhos dobram-se ligeiramente e as pálpebras caem, desmoronam sobre o esforço de manter o sorriso. Fico a cara da madrasta da Branca de Neve, sabe? Um horror… e saio me arrastando, imaginando as melhores respostas e caretas de indignação e desprezo! Por fora, uma lady. Meu ringue é outro, meu caro, na página em branco.
Rita Alencar Clark e Rachel de Queiroz/1992 |
Uma certa vez, olha que história, aconteceu de eu ter que ir e acompanhar meu pai a um Fórum de Cultura em Brasília, devia ter uns 28/29 anos, mesas e mesas de debates, palestras, lançamentos de livros, enfim, a Disney dos escritores. Nos colocaram na mesa de Imortais, entre seus acompanhantes. Quando sou apresentada a Rachel de Queiroz, que dividiria a mesa conosco. Como assim?! Não fui preparada pra esse encontro…Só que eu disse isso em voz alta!… e ela puxou uma cadeira ao seu lado. Senta aqui meu bem…que sorriso, meu Deus! Linda, um luxo de ser humano, meus olhinhos brilhavam ao ouvi-la contando da nossa linhagem Cearense, da mesma cidade, Crato, que faz divisa com Exu, ela me ensinava, “Temos o sangue dos Alencar, melhor, dos “de Alencar”. Esse “de” nos diferencia de outras linhagens. Disse Rachel, convencendo-me a crer que somos parentes, "somos herdeiras de Bárbara de Alencar, a primeira mulher presa política no Brasil”. Nossa! "E de José de Alencar, minha mãe era prima do pai dele. Assim como o tio-avô do seu pai". Apresentações feitas, passamos a outro assunto mais agradável a ambas, receitas. Trocamos receitas, ai que delícia, ela me ensinou a fazer Ambrosia. Eu contei-lhe da Receita de “Caldeirada de Tucunaré ao Rio Negro” que fiz para Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant'anna, quando fui anfitriã num passeio de barco patrocinado pelo Governo do Amazonas. Como assessora do Secretário de Cultura, tinha que fazer aquilo funcionar, de qualquer jeito. Tudo corria muito bem, todos a bordo, quando o marinheiro me comunica que o cozinheiro não viria e não traria a água mineral. Tem cerveja? Tem guaraná? Bora, eu faço essa caldeirada, tem tudo? ajudantes? tem sim, senhora! A caldeirada foi um sucesso total ! Marina repetiu, Ignácio de Loyola Brandão se fartou, os secretários de cultura, satisfeitos. Vou até a cozinha do barco, olhos arregalados me esperam: "então, dona Rita, eles gostaram? Desconfiaram de alguma coisa?" Gente, vocês não sabem, o que tive que fazer. Não tinha água mineral pra fazer a comida. Só isso. O quê? Fulano, pega água do rio, cadê as panelas? mas vai lá pra proa, não deixa te verem. Fervam essa água, fervam bastante! E subi, levando cervejas, guaranás e bolinhos de Tambaqui fritos com geleia de Cupuaçu. Para deleite de Rachel, que gargalhava gostoso, me pedindo os detalhes da receita. Como rimos! Ela queria investigar… eles nunca souberam que comeram caldeirada com água do Rio Negro? Não! Gargalhamos mais ainda! ...e ficamos nos olhando de mãos dadas.
Agora vão saber!
Por todas as nossas antepassadas, mães que pariram o mundo que vivemos hoje. Por elas, por mim, pelas minhas filhas, mantenho minha voz ativa, pronta, atenta. Como bem diz Adélia Prado : “...a uns, Deus quer doentes, a outros Ele quer escrevendo.”
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[arquivo pessoal da autora] |
Adorei. Muitas vezes a melhor coisa é lutarmos no ringue da página em branco, onde podemos nos expressar sem interrupções desagradáveis. E que maravilha você ter conhecido a Raquel de Queiróz!
ResponderExcluirObrigada, Carolina ! Sim, uma mulher apaixonante, linda e luminosa !
ExcluirQue história! Amei, que texto lindo. Prende do começo ao fim e deixa gosto de quero mais!!! Parabéns
ResponderExcluirSandra querida , Obrigada , sinto o mesmo quando leio um texto seu, vontade de "quero mais!"
ExcluirAmei Rita! Uma delícia de texto...Degustei cada palavra e enchi a alma com essa teu jeito mágico de receitar olhares...👏🏻👏🏻👏🏻🥰❤
ResponderExcluirRilnete, sou sua fã!! Ah... "receitar olhares" , por isso que é bom ter amiga poeta; nos sabem, nos completam o verso...Obrigada!
ExcluirPotente reflexão! Prossigamos elevando nossas vozes através de nossas escritas!
ResponderExcluirMuito obrigada, Maria do Carmo! Prossigamos ! Sempre!
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