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quinta-feira, 12 de junho de 2025

CARTA A QUEM DESEJA MEU SILÊNCIO

Por Cíntia Colares (Flor de Lótus)


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Na primeira vez que me violentaram, eu era uma menina.

E calei pelo medo e vergonha.

Na segunda vez que sofri violência, passei anos sofrendo um duro assédio moral e sexual num ambiente que deveria ser seguro. Apesar de ter sido aprovada num concurso para funcionária pública federal, morri um pouco a cada dia enquanto tentava sobreviver para garantir o sustento do meu filho.

Não calei, mas paguei caro por ousar denunciar velhas práticas e por não ceder ao assédio. Na terceira vez que sofri violência foi onde buscava construir outro mundo possível. Quando busquei voz e poder de decisão como os demais, ouvi que deveria me pôr no meu lugar.

O meu lugar e o de todos nós: pessoas negras, mulheres, indígenas é onde a gente quiser e reivindicar. É onde a vida acontece e está sendo decidida.

Nada mais sobre nós sem nós.

Imagem Pinterest
Não me calo, não silencio, não dou manutenção ao que não quero que siga acontecendo. Meus gritos já denunciaram violência sexual, política, verbal, psicológica e até ameaças de agressão física que sofri e vão ficar na memória daquele contraditório espaço dito de luta. Ainda temos muito que lutar por equidade de gênero, raça e diversidade.

De minha parte, muitos gritos mais ainda serão ouvidos até que me escutem e me vejam estar presente nos espaços e nas decisões.

E nunca mais calarei.

Porque minhas dores gritam em mim até no silêncio. No olhar que fere, na boca que nos enxota.

Não estarei olhando do lado de fora e não estarei em silêncio do lado de dentro, fazendo apenas figuração para aliviar suas consciências.”

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Arquivo da Autora


Cíntia Colares (Flor de Lótus) é uma mulher preta cis, jornalista, poeta e coautora em coletâneas, antologias, revistas e sites de poesia. É ativista no antirracismo e mãe solo de um adolescente negro, morando na periferia de Porto Alegre/RS.


Obrigada por ler até aqui  “Sou Flor de Lótus🪷

segunda-feira, 9 de junho de 2025

ÀS VEZES AGENDO MEU CHORO

Por Cíntia Colares 


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Esses dias eu estava ouvindo aquela música que a letra diz: “Às vezes eu quero chorar, mas o dia amanhece e eu esqueço…”

Lembrei o quanto essa letra sempre me toca. 

Me veio a lembrança de quantas vezes quis chorar, mas…

Agora não…

estou na rua…

Agora não…

…não vou chorar na frente dessa pessoa…

(ainda que a pessoa esteja me dando todos os motivos para chorar)

Agora não…

deixa não ter ninguém por perto… 

Agora não...

não adianta chorar escondido…vai voltar com os olhos vermelhos…vão perceber…não fica bem…

Agora não…

Preciso buscar meu filho, preciso transmitir alegria quando nos reencontrarmos depois de passarmos o dia inteiro longe…

Agora não…

o ônibus tá lotado…alguém vai ver…

Agora não…

deixa chegar em casa…

Agora não…

deixa atender meu filho primeiro…

Agora não….

Espera meu filho não estar por perto…

Agora não…

Tomara que você durma logo, filho…

Agora não…

preciso tanto chorar, mas na tua frente não….

Agora não…

eu precisava tanto chorar hoje…está entalado…

Agora não…

Um novo dia vai começar. 

Preciso me levantar e não dá mais tempo pra chorar.

Os dias correm assim.

Imagem Pinterest
Às vezes agendo meu choro e não compareço ao meu próprio evento, porque sempre tem algo ou muitos "algos" ao meu redor que não me permitem olhar para mim ou me sentir. 

Porque antes de pensar em mim, eu preciso dar conta, resolver, prevenir, ensinar, acolher, tratar, corrigir, aguentar, quebrar as molduras que insistem em tentar me enquadrar e preciso, principalmente, manter viva a crença de que valerá a pena lutar por mudanças, que é para eu não andar por aí morta em vida.

No meio desse turbilhão cotidiano, até eu conseguir algum tempo pra mim, o choro já empedrou por dentro e me endureceu também por fora.

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Sou Cíntia Colares, sou Flor de Lótus 🪷

terça-feira, 13 de maio de 2025

PARA SE DIZER ANTIRRACISTA É PRECISO AGIR***, POR CÍNTIA COLARES

Por Cíntia Colares 

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Chega o mês de maio e então todos lembram de falar sobre questões raciais em função da data da falsa abolição. Depois vem novembro e aí sim o frenesi aumenta. Depois parece que a gente deixa de existir. Parece que as mudanças na sociedade racista em que vivemos deixam de ter urgência novamente. Então chega marco do outro ano já. Todo dia 8 de março recebemos muitas mensagens de feliz dia da Mulher. 

Quando explicamos que essas não são datas ou mês lúdicos e sim de luta e reflexões, ainda somos taxadas de 'desmancha prazeres': "custava sorrir e agradecer?" Nessa pergunta, faltou nos dizer: e silenciar... e manter tudo como está. Pois não silencio. Falo cotidianamente contra essas estruturas que tentam nos oprimir e manter os privilégios do patriarcado e da branquitude em dia.

De março a março são negadas oportunidades a mulheres negras porque ainda esperam que a gente ocupe apenas posições de subserviência. Em outras palavras, nos tratam como se não pudéssemos desempenhar funções intelectuais ou de liderança e tivéssemos um perfil engessado para somente servir.

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Esses dias li um comentário que me chamou atenção. O comentário dizia que falas sobre situações de racismo não traziam nenhuma surpresa nos dias de hoje. A pessoa contava que já havia decidido de uns tempos pra cá ser antirracista e que, inclusive, é preciso agir urgentemente. Fiquei pensando sobre. 

Sabe, relatos de situações de racismo me surpreendem. Mesmo eu sendo uma mulher negra, ou seja, vivenciando situações de racismo desde criança, ainda assim as falas de outras pessoas negras e a maneira como alguns autores descrevem a engrenagem de como o racismo e o pacto da branquitude acontecem no cotidiano me surpreendem.

Sabe porque me surpreendem? 

Porque fico me interrogando: como essas situações ainda se reproduzem?

Como não foi visto ainda que é preciso agir para combater situações tão desumanizantes? 

Como algumas pessoas passam a vida toda sem se dar conta de uma desigualdade tão gritante como se fosse normal nos verem majoritariamente em situações de subserviência no mercado de trabalho, por exemplo, uma situação que todos vivenciam e não tem como não ver a desigualdade de posições. 

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Será que uma vida inteira não se perguntaram o porquê disso? Ou quiseram acreditar que era normal porque era cômodo não pensar sobre seus privilégios e dá trabalho se mexer para agir contra esses absurdos? 

A nós, pessoas negras, eram negadas oportunidades e voz nos espaços de decisão, mas e as pessoas brancas que sempre tiveram acesso aos melhores estudos, livros, debates sobre a sociedade e ainda assim não pensaram sobre isso e não agiram contra uma vida inteira? 

A mim sempre espanta. Desde sempre não consigo ver a desumanização de alguém e ficar impávida. E assim criei meu filho para sempre pensar em que mundo vive, com quem convive em sociedade e como estão sendo tratadas as pessoas nessa sociedade. 

Ter esse olhar que humaniza já teria despertado ações antirracistas há décadas, séculos, mas há pessoas que passam a vida sem nos ver. Somos desumanizados desde que jogaram nossos antepassados aqui. 

O racismo nunca deixou de existir, apenas se adaptou a cada época. Então cada vez que ouço um relato de racismo me surpreende que as pessoas brancas ainda tenham a coragem de praticar tantas desumanidades. 

É por conta desse olhar, que nos desumaniza, que a gente ainda passa por situações de racismo, nossos filhos passarão, nossos pais passaram e nossos netos ainda sentirão essas dores. 

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Perceba a carga de cada relato de racismo que você ouvir ou ler. Cada relato é sobre oportunidades que nos são tiradas pelas características da nossa pele, cabelo, nariz, enfim por existirmos. Esses relatos são sobre as consequências dessa perversa invisibilização das pessoas negras e de tudo o que vivemos desde que nossos ancestrais foram sequestrados de África e jogados aqui para exploração de nossa força e anulação de nossa condição humana. 

Hoje não é na senzala que nos prendem, mas basta ler o Pacto da Branquitude de Cida Bento e outras tantas obras que analisam a sociedade em que vivemos para saber onde ainda nos prendem e de que forma ainda açoitam nossa pele. 

Essa situação não começou agora e nem de uns tempos pra cá. Situações de racismo são vivenciadas de maneira escancarada desde sempre. E no entanto, às vezes, leva uma vida para as pessoas brancas pararem para pensar o que acontece conosco há séculos e o que podem fazer para combater? 

Por isso o slogan “Vidas Negras Importam”. Não quer dizer que outras vidas não importam. É uma afirmação que tenta construir a narrativa de que nossas vidas importam, porque cotidianamente a branquitude nos diz que não importamos. É como se o que fazem conosco não estivesse sendo feito com seres humanos. 

Imagem Pinterest
Se a gente der sorte, um dia vem o estalo que é preciso falar sobre a desumanização e apagamento que tentam fazer conosco. Até lá, via de regra, nas situações de racismo, a vítima se insurge sozinha e ainda tentam taxá-la de exagerada, barraqueira, vitimista ou paranóica. 

Quando nos dizem que não tinham pensado antes em tudo isso que a gente passa durante a vida toda, às vezes, a sensação que dá é que a gente não existia para essas pessoas. Por isso, eu sempre me surpreendo com as falas. Me surpreendo, me indigno e me pergunto: como as pessoas brancas "não viram" o racismo antes e que era urgente agir? O racismo não começou a existir de uns tempos para cá. Essa urgência não é de hoje. Quando cada um de nós que está lendo essa reflexão agora nasceu, essa urgência já existia.

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***Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do blog Feminário Conexões.

Arquivo da autora
Cíntia Colares (Flor de Lótus),mulher preta cis, jornalista (Mtb 11082), poeta, ultimamente anda se expressando em forma de crônicas e contos também. Coautora em coletâneas, antologias, revistas e sites de poesia, coletivos como o Enluaradas e 20 Poemas Para Novembro. Ativista no antirracismo, mãe solo de um adolescente negro, mora na periferia de Porto Alegre/RS. @jornalistacintiacolares 

"Escrevo para buscar me aquilombar com mãos e vozes para desconstruir o que está posto na sociedade em que vivemos e construir o que precisamos para termos direito a oportunidade de viver com dignidade e não apenas sobreviver."



quarta-feira, 22 de novembro de 2023

LILIAN ROCHA: UMA FORÇA QUE IMPULSIONA NOSSA CONSCIÊNCIA NEGRA

                                     POR CÍNTIA COLARES
Foto arquivo pessoal da autora

Se me pedissem para descrever Lilian Rocha (@lilikamarques24), eu diria que ela nos deu fé e exemplo. Fé porque desde que a ouvimos pela primeira vez meu filho e eu ficamos impressionados com a potência como se expressa. E lembro que ela nos provocou a reflexão de que "nossa, a gente pode gritar e impor a nossa negritude assim?!?". No cotidiano opressor em que vivemos quando não estamos aquilombados, isso foi uma baita e grata surpresa. E digo exemplo, porque dali pra frente ela foi nos mostrando cotidianamente com suas conquistas o quanto podemos voar. Lilian mostra caminhos, mostra postura, mostra força, perseverança e êxito.

Além de toda essa representatividade que ela exerce na nossa história, ao longo do tempo fomos nos tornando amigas. E eu não escondo que sou amiga tiete, pois é um baita orgulho e privilégio ser amiga de quem tanto admiro. Lilian Rocha, obrigada por expandir nossa Consciência Negra! Deixo com vocês um trecho da sinopse de sua obra Rochedos também choram:

Foto arquivo pessoal da autora
"Rochedos também choram? Sim, Lilian Rocha tira água das pedras. Somente às poetisas é permitido fazer mágica com as palavras. E é preciso ter sensibilidade para compreender metáforas. A poesia não é para qualquer leitor. Mas, é possível olhar pedra e ver água, contradizendo Adélia Prado. Acompanhando de perto a carreira literária de Lilian Rocha, vejo um grande amadurecimento de sua obra. Entre as partes de Rochedos também choram: Poeira, Areia, Pedra e Rocha, constato que A vida pulsa e que não é só o título do seu livro de estreia (2013), mas um projeto filosófico. A eu lírica assume sua vulnerabilidade diante das grandes tragédias do nosso tempo. O isolamento é um desafio para quem precisa de “calor no corpo”, “brilho nos olhos”, “abraços” e “beijos”. Também faz parte do projeto ideológico da autora, lutar contra a “Necropolítica”, conceito do filósofo camaronês Achille Mbembe, que desvela o projeto neocolonialista de fortalecer políticas de morte, ditando quem pode viver e quem deve morrer. Desde Negra Soul (2016) e Menina de Tranças (2018), a poetisa usa a palavra como denúncia e como uma pedrada no espelho narcísico da branquitude."

Salve, Lilian Rocha! Salve 20 de Novembro!

Para adquirir o livro Rochedos também choram, clique AQUI.

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Sou Flor de Lótus, sou Cíntia Colares. Sou jornalista, poeta, escritora, ativista e mãe negra, solo, periférica do Diogo, o dinamo que me faz lutar todos os dias por equidade de oportunidades e respeito aos nossos traços, cultura e história preta. Alimento uma página de poesias autorais no Facebook entitulada "Coração da Negra". Nos vemos lá ou no Instagram @jornalistacintiacolares!
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Amém pra quem é de amém!

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