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domingo, 3 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM LOURENÇA LOU, POR ROBERTA GASPAROTTO



A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA/01


"MINHA LIBERDADE SEMPRE FOI A LITERATURA"

ENTREVISTA COM LOURENÇA LOU


POR ROBERTA GASPAROTTO


Quando eu disse para a poeta Lourença Lou, que queria ter um bate papo com ela e falar sobre literatura, Lou me disse: "ih, sou meio bicho do mato, sei não"... Depois que esclareci que a conversa não seria uma live nem algo do tipo, mas sim uma prévia para que eu pudesse escrever sobre ela, Lou aceitou e tivemos mais de uma hora de boa prosa, naquele mesmo momento. Uma conversa informal, despretensiosa, assim como é essa poeta mineira que adora escrever, mas tem muita dificuldade em propagandear a si própria. Mal ela sabe, mas nesse espaço, faremos isso por ela. Porque Lou merece, escreve imensamente bem e adora quebrar regras, assim como nós! Cedo começou a escrever e aos treze anos de idade, enviava suas crônicas para uma rádio de Belo Horizonte, a rádio Tiradentes. Era um programa voltado para o público jovem e quase todo dia suas crônicas eram  lidas por lá. Os assuntos giravam em torno da adolescência e suas dúvidas: as primeiras paixões, o despertar da sexualidade e algo do erotismo que, anos depois, estaria presente em muitas de suas crônicas e poemas. Perguntada a respeito do que o erotismo significa em sua vida, Lou nem soube me responder, talvez porque o erotismo lhe  seja um aspecto tão natural e um componente tão presente quanto respirar. Afinal de contas, faz sentido perguntar a alguém o que a respiração representa em sua vida? 

Antes de escrever poemas, Lou escrevia crônicas em um blog, algumas de cunho erótico, o que acabou gerando retaliações por parte de algumas poetas e culminou em seu bloqueio do grupo. "É uma pena que algumas mulheres não entendam que eu escrevo para brigar pelo direito de termos uma vida sexual com a mesma liberdade dos homens." 

Se isso não se dá, ainda, na prática, Lou quer exercitá-la, e muito, em seus escritos. A  escritora recusa o título de "poeta erótica", até porque sua obra não se resume a isso. Em sua literatura cabe, com folga, temas políticos, sociais e também, metafísicos. Ao escrever sobre o que quer que seja, Lou quer provocar, pois sabe que só através de uma boa provocação saímos de nosso estado de inércia e comodismo.

Em seu primeiro emprego, aos catorze anos de idade, Lou sofreu assédio sexual de seu patrão. Escreveu sobre isso sem meias palavras e, para essas questões urgentes, ela faz questão de ser bastante clara e não usar metáforas. Lou sempre coloca a mulher no protagonismo da ação, inclusive na esfera sexual. Além disso, sabe que, para se ter prazer no sexo, antes de tudo, há que se ter espaço, inclusive, para falar sobre ele. E se é um campo em que Lou faz questão de exercer sua liberdade, é através da literatura. Quem se beneficia com isso somos nós, as leitoras e leitores dessa maravilhosa escritora, que tem a coragem de escrever sobre um tema, ainda, tão tabu: o prazer das mulheres.


abissais


nosso corpo de fêmea 

em redondilha

abre-se boca

no corpo do macho 

lambuza pelos

de onde os mamilos 

olham em timidez

nossos dentes em riste


em cordéis de epítases

as carnes das coxas

chamam nosso vértice

para o enterrar 

de fogo da espada

em recônditos desejosos

de explodir em festa

nossas fomes abissais


no corpo do homem

despudoramos

cento e tantas virtudes

e nossas intenções 

gulosas de eternizar 

o frêmito secular

de mulheres que gozam

insolentemente.

***


asperezas


há uma poeta 

aprisionada 

na mulher

a escarpelar 

suas paredes


ambas escorrem

ranhuras 

de seda 

e sedução

às estranhezas


elas sustentam 

suas amnésias


há uma mulher

aprisionada 

nos versos

uma poeta

de asperezas

viscerais


ambas se moldam

nas simbioses da língua

e entrelaçam-se

nas reinvenções 

da palavra.  

***


primícias


estas meninas-mães

mal arrancadas da infância

nasceram em ninhos de medo

mordem culpas lábios línguas 

engolem gritos de estupros 


tristes meninas

em busca de ir além

da resistência dor desamor


as meninas de amanhã

árvore de raízes entranhosas

terão útero selvagem livre

voz a desafogar suas escolhas

dentes a sugerir felinidade 


mulheres-terra 

estas meninas de amanhã

primícias de voo pouso vida.


***


ESTA SOU EU, por Lourença Lou:

Loba foi sempre como me senti. Desde quando, ainda menina, adotei meus três irmãos. Depois afiei as garras para sobreviver no mundo dos homens. Cresci por minha conta e risco. Me formei estudando à noite, fui pra sala de aula e aprendi que linguagens são vivas. A sala ficou pequena, fui administrar outras linguagens. Passei por todos os cargos administrativos de uma escola, sempre aprendendo. Fui e sou leitora compulsiva, escrevo quando a palavra não cabe em mim. E às vezes grito – mesmo que o grito seja mudo. Tenho publicados três livros de poemas e um livro de contos. Outros virão, porque a palavra em mim não fica presa.


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