Catálogo Virtual Literário do Feminino

sábado, 19 de fevereiro de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA






LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|04

 

A VOZ DA MULHER NA POESIA


Por Carollina Costa



Na minha última postagem apresentei a resenha do livro Na Companhia de Bela, que reúne diversos contos de fadas de escritoras que foram apagadas ao longo da história. Essas semana resolvi trazer uma breve reflexão sobre a presença da mulher na poesia, que também passou por um silenciamento típico de qualquer produção feita por mulheres em outros tempos, além da dicotomia poeta/poetisa e um poema que foi fruto dessas minhas inquietações.

Quando estudei sobre trovadorismo na faculdade, me chamou atenção o fato de que era comum os homens escreverem com eu lírico feminino nas cantigas de amigo enquanto que, no mesmo período, as mulheres não podiam aparecer como escritoras. Estudei também obras literárias nas quais homens criavam personagens femininos e narravam os pensamentos dessas personagens de modo universal, esquecendo que toda percepção nasce de algum observador. Quando o observador muda, a percepção sobre o que se observa também pode mudar. Não é que um escritor homem não possa criar bons personagens femininos, mas por que não poderia a mulher também criá-los?

Saltando um pouco no tempo e trocando a prosa pela poesia, quando as mulheres começaram a aparecer mais no universo poético surgiu o termo poetisa, que tem uma razão um tanto interessante. Embora poeta também pudesse ser usado para mulheres, poetisa surgiu trazendo um efeito de separação do poeta, figura do escritor exaltado e reconhecido, da mulher que escrevia versos que rimavam. Isso é tão curioso que, por volta de 1945, quando Otto Maia Carpeaux elogia Cecília Meireles, ele a chama de "grande poeta", não poetisa. Além disso, as palavras na língua portuguesa que terminam em -iz ou -isa são normalmente derivadas do seu masculino, sem o qual elas não existiriam.

Atualmente, tanto poeta quanto poetisa são aceitas e utilizadas para denominar mulheres que escrevem poemas, tornando essa escolha de nomes mais sutil. Eu, particularmente, prefiro poeta.

Para finalizar minhas reflexões, trago um poema de minha autoria que foi escrito no semestre em que estudei um pouco sobre a voz da mulher na literatura. Nele, tento expressar em versos a ironia curiosa das vozes das cantigas de amigo e de outros textos literários.


O poeta é um fingidor
E finge tão completamente
Que faz leitor acreditar que é dor
A dor que nem sente


E se fala de amor
Como não fingir como outrora?
Tal qual um galante trovador
Que diz que é na voz da mulher
Que se canta a cantiga de amigo
Escrita por aquele senhor


E o que sabem os homens mais
Da mulher como escritor
Ou seria escritora
Porque “Writer” no português tem gênero
Mas que importa, não é mesmo?
Se tudo um dia vira
Sopa de letras ao vento.
– Será que vira?





quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

EDITAL I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022


* Baixe o Edital Enluaradas, clicando na imagem da aba direita do blog.

EDITAL I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022


REALIZAÇAO: ENLUARADAS SELO EDITORIAL

 

ORGANIZADORAS: Marta Cortezão & Patrícia Cacau

 

Caldeirão:

 

"a caça às bruxas precisa ser conhecida como fenômeno histórico – do passado e do presente; mulheres são perseguidas, torturadas, aprisionadas e assassinadas hoje como resultado direto ou indireto de práticas que ditam sua função e aquele que seria seu papel apropriado no sistema capitalista e patriarcal. Assim, é preciso compreender as condições que permitem, favorecem e implicam a sujeição das mulheres em diversas sociedades. Se o campo moral, dominado ideologicamente pelo machismo, influencia o imaginário daqueles que condenam as mulheres, deve-se ter em mente que ele também possibilita que a perseguição extrapole atos simbólicos e individuais e se revele enquanto violência sistêmica.

[...]

Mesmo que mulheres tenham mais voz hoje, nem sempre suas vozes ecoam. Barreiras são impostas pelo machismo nos espaços de luta, ao mesmo tempo que o conservadorismo político se levanta contra o feminismo. Parte do esforço da mulher está em ser ouvida, em não ser silenciada. A resistência é coletiva e atual. Não somos apenas “as netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar”. As perseguições ainda existem.

(Sabrina Fernandes, Sobre Mulheres e caça às bruxas, in Mulheres e caça às bruxas, de Silvia Federici, p. 18-19)

 

Com a finalidade de divulgar a escrita poética da Literatura Contemporânea do Feminino, DE LÍNGUA PORTUGUESA, o Enluaradas Selo Editorial, convida, via edital, às autoras a participarem da nova aventura poética intitulada: I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022.

 

1. Coletânea de textos poéticos de TEMÁTICA LIVRE: serão aceitos poemas de versos livres e/ou de forma fixa, como aldravia, haicai, poetrix, trovas, soneto, balada, rondó, sextina, entre outros.

 

1.1. Os poemas devem ser INÉDITOS (não publicados em livro) e escritos em língua portuguesa.

 

2. A AUTENTICIDADE DOS TEXTOS enviados é de inteira responsabilidade de cada autora, podendo responder perante a lei do plágio, cópia indevida ou
qualquer outro crime relacionado com o Código dos Direitos de Autor
.

2.1. O Enluaradas Selo Editorial fica isento de qualquer demanda, inclusive da reivindicação dos direitos autorais de terceiros.

 

3. A PARTICIPAÇÃO é ABERTA a todas as autoras que escrevam em língua portuguesa, residentes no Brasil e/ou exterior (Europa).


4. IDADE MÍNIMA da autora para participação na coletânea: 18 anos completos.

 

5. Os poemas devem ser enviados ao e-mail coletaneaenluaradas@gmail.com, em fonte Times New Roman, tamanho da fonte 12, espaçamento 1,5.

5.1. A autora pode fazer sua participação de duas formas: com dois (02) poemas (recebimento de 02 exemplares) ou com um (01) poema (recenimento de 01 exemplar). Poemas de até 25 versos, incluindo título e espaçamento entre as estrofes.

5.2. A formatação da coletânea, formato livro físico, será de 14x21cm e a do e-book seguirá padrão similar ao do livro impresso.

5.3. É importante ter em conta que os versos longos podem ocupar mais de uma linha nesta formatação.

5.4. Poemas pequenos, como aldravia, haicai, poetrix, trovas, equivalem a um (01) poema de 25 versos, portanto ocuparão uma página do livro.

5.5. Poemas que ultrapassem os 25 versos, NÃO SERÃO SELECIONADOS.

5.6. Tipo de arquivo aceito: apenas documento em formato Word (não enviar os textos no corpo do e-mail), arquivos em PDF e/ou imagens serão desconsiderados.


6. Todos os poemas devem apresentar TÍTULO DIFERENTE ao proposto para este edital: I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022.

 

7. DATA PARA ENVIO dos textos: de 10/02/22 a 10/03/22 até as 23h59m (horário oficial Brasília). Havendo necessidade, a data poderá ser prorrogada.

 

8. A INSCRIÇÃO deve ser realizada através do e-mail coletaneaenluaradas@gmail.com. Veja FICHA DE INSCRIÇÃO ao final deste edital, página 7.

8.1. A autora enviará um e-mail com título/assunto I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022 com TRÊS (03) arquivos anexos:

I. A ficha de inscrição, em formato Word, devidamente preenchida, que inclui uma sucinta biografia literária, em terceira pessoa, de até 4 linhas (BIOGRAFIAS MAIS EXTENSAS NÃO SERÃO ACEITAS);

II. O(s) poema(s) da autora, em arquivo Word. É OBRIGATÓRIO que os poemas tenham títulos;

III. Uma foto de rosto, identificada conforme nome na ficha de inscrição, em formato JPG, de alta resolução (FORA do arquivo Word), para a confecção dos CARDS de divulgação.

8.2. A INSCRIÇÃO enviada com os dados incompletos ou fora do regulamento, SERÁ DESCONSIDERADA.

8.3. É de inteira responsabilidade de cada uma das participantes a veracidade e correção dos dados fornecidos às organizadoras da referida coletânea.

8.4. A AUTORA que NÃO FOR SELECIONADA não receberá informação por e-mail por parte das organizadoras.

 

9. Todos os textos enviados serão sujeitos a uma PRÉ-AVALIAÇÃO,
sobre criatividade e qualidade, regida pelos critérios especificados neste edital e todas as autoras selecionadas serão comunicadas via e-mail.

9.1. NOSSOS CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO:

I) – Criatividade na construção do texto poético, do ponto de vista linguístico e literário;

II) – Textos preconceituosos, homofóbicos, racistas ou que usem palavras de baixo calão, serão desconsiderados; já os de temática erótica serão muito bem-vindos;

III) – Estar de acordo com todas as regras de participação deste edital.

9.2. APÓS SELEÇÃO dos poemas para participação na coletânea, não realizaremos substituições de textos, apenas em casos excepcionais.

10. Para esta coletânea, A PRIMEIRA REVISÃO DOS POEMAS fica sob a
responsabilidade de cada autora, portanto l
eia e releia os poemas antes de enviá-los, vamos primar pelo cuidado e perfeição.


11. SOBRE OS CUSTOS

 11.1 AUTORA RESIDENTE NO BRASIL: a participação com dois (02) poemas, fica estipulada em R$ 180,00 (cento e oitenta reais), com apenas um poema, R$ 100,00 (cem reais). RESIDENTE NA EUROPA: com dois (02) poemas, fica estipulada em 50,00 (cinquenta euros), com apenas um (01) poema, 30,00 (trinta euros).

11. 2. CADA AUTORA RECEBERÁ VIA CORREIOS (BRASIL / EUROPA): 01 (um) exemplar (participação com 01 poema) ou 02 (dois) exemplares (participação com 02 poemas) com taxa dos correios já incluída + 01 (um) Enluaradas’ bag, mais o(s) exemplar(es), caso seja(m) solicitado(s).

 



11.3. O VALOR ABONADO POR CADA AUTORA inclui os custos de leitura crítica de seleção, de ISBN, de diagramação, de catalogação, de designers gráficos, de impressão, de taxa de correios, de embalagem de envio e de eventos promovidos pelo Projeto Enluaradas para divulgação da obra.

11.4. É de inteira responsabilidade de cada autora a INFORMAÇÃO CORRETA do endereço para envio do(s) exemplar(es) discriminado(s) no item 11.2., pois NÃO nos responsabilizamos por informações equivocadas.

11. 5. CUSTO DO EXEMPLAR EXTRA, entrega no Brasil: R$ 80,00 (oitenta reais). CUSTO DO EXEMPLAR EXTRA, entrega na Europa: € 20,00 (vinte euros)

OBS.: A autora que desejar adquirir exemplares extras, favor informar a quantidade na ficha de inscrição.

 

12. As informações para DEPÓSITO BANCÁRIO E/OU PIX serão enviadas à autora por e-mail, quando da seleção dos poemas. Após realização do pagamento, a autora deverá enviar o COMPROVANTE DE PAGAMENTO via e-mail (coletaneaenluaradas@gmail.com), com o assunto COMPROVANTE DE PAGAMENTO, oficializando, assim, sua participação na coletânea.

12.1. A NÃO CONFIRMAÇÃO do depósito estabelece a exclusão da participação.

 

13. A coletânea (com registro de ISBN incluído) terá versão impressa e digital (e-book), esta será de DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.

13.1. A coletânea terá LANÇAMENTO VIRTUAL (II FLENLUA – Festival Literário de Lançamento Enluaradas) e será amplamente divulgada através das redes sociais.

13.2. Postaremos nas redes sociais o card individual de divulgação de todas as autoras participante do I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022.

 


14.  A inscrição/participação, de cada autora, implica na aceitação de todos os itens descritos neste regulamento. Automaticamente, cada autora selecionada autoriza, sem ônus para o Enluaradas Selo Editorial, a veiculação de texto e uso de imagem em todos os veículos das mídias de comunicação com o fim de divulgação do I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022.

OBS.: Qualquer dúvida deve ser encaminhada para coletaneaenluaradas@gmail.com, com o assunto DÚVIDAS.

 

15. LANÇAMENTO: Até 60 dias após o encerramento do edital.

 

16. Qualquer situação não mencionada neste edital será decidida pelas organizadoras da Coletânea.

 

Agradecemos a sua participação e seja muito bem-vinda ao I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022.

 

SOU DEUSA, BRUXA E MULHER!

 

Siga o perfil @projetoenluaradas no Instagram e faça convite para participar do grupo Enluaradas no Facebook e acompanhe o andamento do I TOMO DAS BRUXAS: DO VENTRE À VIDA/2022.

 

O Enluaradas é um projeto idealizado por Patrícia Cacau (@patricia.cacau) e Marta Cortezão (@mcortezao). Conheça nossos e-books publicados e divulgados em 2021:  http://bit.ly/39CJC37ColetaneaEnluaradas

      https://bit.ly/3bKQ1tBCOLETANEAENLUARADASII

 FICHA DE INSCRIÇAO NO EDITAL DA ABA DIREITA DO BLOG.



sábado, 5 de fevereiro de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA


LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|03


RESENHA: NA COMPANHIA DE BELA, DE SUSANA VENTURA E CASSIA LESLIE


Por Carollina Costa



Tão importante quanto ter mulheres escrevendo é divulgar a escrita de outras mulheres. A  quantidade de mulheres escritoras reconhecidas como tal tem aumentado com o passar do tempo, mas elas sempre existiram. No intuito de tentar ressaltar a existência e importância dessas mulheres, trago aqui uma breve resenha de um livro que reúne textos de algumas mulheres que ficaram à margem com sua escrita durante muitos séculos, incluindo uma escritora anônima.

Espero que essa resenha possa motivar outras escritoras a buscar mais histórias contadas por mulheres tanto quanto me motiva.


Resenha: Na Companhia de Bela, de Susana Ventura e Cassia Leslie

O livro Na Companhia de Bela: Contos de Fadas por autoras dos séculos XVII e XVIII é fruto de um projeto de pós-graduação feito em parceria pelas pesquisadoras Susana Ventura (USP) e Cassia Leslie (UEL) que reúnem nesta obra alguns contos de fadas das chamadas Preciosas, que foram mulheres autoras do atual gênero de contos de fadas na França entre os séculos 17 e 18. Naquela época não era muito comum e nem aceito —feria o “princípio da modéstia”— que mulheres publicassem livros e fossem reconhecidas por isso, o que fez com que muitas delas fossem apagadas pelo tempo e colocadas à sombra de nomes como Grimm, Perrault e Andersen. Até mesmo as que foram bem recebidas em sua época não tiveram seus trabalhos preservados pelo tempo por não serem consideradas "de qualidade".

Nesse livro, Susana e Cassia reúnem contos europeus que vão desde célebres escritoras, como Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, autora do famoso conto de fadas A Bela e A Fera, até uma homenagem às escritoras anônimas (mulheres que publicavam em coletâneas e não anunciavam seus nomes em suas publicações) com o conto O Príncipe Arco-Íris, noemando a autora de Mademoiselle Anônima.

O conteúdo do livro alterna entre as histórias, breves biografias sobre suas autoras, com destaque para a situação social e política da época em que elas viveram e produziram seus escritos, e informações extras ao fim de cada conto. O livro não é grande em comprimento, mas sua grossura de 286 páginas vem não só dos textos, mas também da ótima qualidade do papel, perfeito para sustentar as belas e detalhadas ilustrações típicas dos contos de fadas. A fonte utilizada nos textos é confortável para leitura, tendo também letras bem grandes e desenhadas para os títulos e apresentação das escritoras.

Diferente dos atuais, era típico dos antigos contos de fadas a existência de fadas boas e más, além da presença de monstros marcantes e finais não tão bonitos. As histórias dessa coleção apresentam monstros e turbulências, porém trazem consigo o consolo dos finais felizes. Também é muito presente nas histórias o folclore da antiga Europa, apresentado em cada personagem. 

Apesar do tamanho, minha leitura foi rápida por conta das páginas ilustradas. Recomendo a leitura para quem quiserem conhecer algumas escritoras da antiga Europa e seu folclore.



POESIA NA REDE: AMOR EM TEMPOS PANDÊMICOS, POR FLAVIA FERRARI

 

POESIA NA REDE|04


A M O R   E M   T E M P O S   P A N D Ê M I C O S

                                                                                                 Por Flavia Ferrari


Como canta Marisa Monte, “Amar alguém não tem explicação/Não há como conter o furacão” *. O amor se impõe, entra pelas frestas, escancara portas, cria janelas, mas como vivenciar o amor em tempos de distanciamento social? Observamos que no início de 2020, quando a pandemia chegou e nos isolou, famílias foram separadas dos encontros costumeiros, namoros foram desfeitos ou, em alguns casos, foram transformados em casamento. A situação da pandemia hoje, apesar de gravíssima, tornou o cotidiano mais presencial, tanto por conta da disponibilidade da vacina, como pela necessidade econômica, social, política e psíquica da humanidade. Esta retomada foi acontecendo aos poucos e hoje temos os lugares públicos abertos e funcionando quase em sua totalidade, apesar do avanço da variante Ômicron e aumento nos casos de internação pelo mundo afora.

            Mas e os novos amores, as novas paixões, os encontros, as separações? O que mudou? Alguém postou na rede social que para um primeiro encontro presencial é necessário compartilhar previamente o comprovante de vacinação, afinal, decidir encontrar alguém pela primeira vez, estando sem máscara, não é uma decisão tranquila. Há os que relataram que terminar um relacionamento por telefone ou por vídeo diante da impossibilidade de um encontro presencial é mais fácil, apesar de toda frieza que a virtualidade traz. Os encontros amorosos e sexuais virtuais na pandemia foi descoberta por muitos que não usavam a internet para este fim e a estimativa é que o uso de aplicativos de relacionamento durante a pandemia tenha aumentado cerca de 400% no Brasil**. Talvez os encontros virtuais permaneçam em alta, mesmo depois da pandemia, e um primeiro encontro presencial seja algo a ser plasmado a dois com muita antecedência e se torne um grande passo para o relacionamento. Ou, talvez, depois de tanto navegar, as pessoas desejem mesmo sair por aí e dar ao acaso a oportunidade de presentear as pessoas com a presença do outro.

            Em tempos de (des)encontros virtuais, escrevi o poema abaixo, sobre o desfecho de um relacionamento, que compartilho com vocês:

 

Desencontro – Flavia Ferrari

 

Já não quero receber teu abraço

Meu corpo ressente

Este corpo que recentemente é só meu

Não há toque virtual

 

Às vezes evito teu olhar

Ele me assusta e me desafia

Acho que me desestabiliza

E fecho a câmera

 

Reconheço teus esforços

O máximo esforço

Vejo teu apreço, recebo tua ansiedade

Sua vontade de estar comigo

Mesmo quando finge querer ir embora

E se desliga

 

Você quer me ensinar

Me falar tudo

Me educar e me formar

Quer minha escuta e minha atenção

Entretelas

 

Quer meu corpo presente

Toda aproximação

Quer meu gosto

Minhas histórias

Fazer de mim o coringa da sua ficção

E caímos

 

Já não posso mais ser o alimento do teu ser

Talvez ainda te ame

Mas não te quero mais

Fim da chamada

*_*    *_*   *_*    *_*


Referências:

 *Música “Amar alguém”, Marisa Monte/ Dadi/ Arnaldo Antunes, 2011.

** Disponível em https://www.google.com.br/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/treinamento/2021/10/relacionamentos-online-disparam-na-pandemia-ouca-podcast.shtml. Acesso em 31/1/2022.




quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: GRAÇA GRAÚNA



PROTAGONISMO|03


FIOS DO TEMPO: POESIA E LUTA TECENDO A VIDA NOS HAIKAIS DA ESCRITORA GRAÇA GRAÚNA

    Por Heliene Rosa

   

    Nesse momento em que escrevo, sou tomada por gratidão e ternura; ao mesmo tempo em que me sinto em débito com a querida poeta Graça Graúna. Eu posso explicar o motivo: fui convidada para o lançamento virtual de seu mais recente livro, onde deveria declamar um belíssimo haikai presente nessa obra e que fora ofertado a mim, de forma muito graciosa, por ela mesma. Então aconteceu o fato inesperado, por problemas de instabilidade na rede da internet, eu não consegui adentrar a sala virtual do evento.


        Assim, quero aproveitar para me justificar de modo público e inadiável. Devo confessar que não se trata de tarefa difícil ou desgastante, já que a leitura foi deliciosamente desfrutada e venho aqui alegremente compartilhar um pouco desse prazer. Não antes sem, novamente agradecer a nossa querida poeta, minha amiga Graça Graúna, pela oportunidade do deleite poético, compartilhar alguns momentos da agradabilíssima leitura e recomendar o livro, pois sei que irão apreciar.


        O lançamento de Fios Do Tempo: quase haikais consolida uma costura poética da sensível escritora indígena brasileira Graça Graúna. O conjunto de sua obra evidencia um importante movimento de luta por visibilidade e respeito para o seu povo Potiguara, para os povos originários, de forma ampla e, sobretudo para as mulheres.


        Esse protagonismo feminino vem desaguar em um contexto maior: as lutas do Movimento Indígena Brasileiro, cuja consolidação se deu, de forma mais perceptível, a partir da década de 1980. Nesse contexto, além da produção literária rica em narrativas ancestrais e em refinada poesia, Graça Graúna tem se dedicado a uma bem sucedida carreira acadêmica, na qual a prática docente, a pesquisa e as contribuições para o arcabouço teórico dessa vertente da literatura brasileira contemporânea caminham juntas e permanecem atreladas.


        A poeta potiguar possui diversas outras obras, entre elas: Canto Mestizo,  publicada pela Editora Bloco no ano de 1999, na cidade do Rio de Janeiro; Tessituras da Terra da Editora M.E Tânia Diniz, em Belo Horizonte, em 2000; Tear da Palavra, também editado na capital mineira e lançada no ano 2007; Criaturas de Ñanderu, obra infanto-juvenil publicada em 2010, pela Edições Amarylis ‘Selo Manole’, na cidade de Barueri, n o interior do Estado de São Paulo; Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil, lançada no ano de 2013, em Belo Horizonte-MG, pela Mazza Edições; e Flor da Mata, em 2014, pela Peninha Edições (BH).


         Na sequência, lançou no ano de 2021, na bela cidade do Recife pela Editora Baleia Cartonera, essa magnífica obra Fios Do Tempo: quase haikais que é, ao mesmo tempo, singular e complexa em sua tessitura. Nela há recortes, dobraduras, trilhas e fios de algodão encobrindo um conjunto de admiráveis haikais, em que a poeta faz jorrar flagrantes do sensível, em intensa magia e feminilidade.


        No miolo, páginas cuidadosamente recortadas por onde voam e cantam pássaros de variadas espécies, tangidos pelo vento e atraídos por quaresmeiras, ipês, cajueiros e hibiscos em flor. As aves seguem o vento, por entre matas e rios e acabam por se deparar com redes elétricas e edifícios. Nessa encantada trajetória, volitam ao som de flautas e de cantos ancestrais. Enquanto seguem por esse fio mágico, galanteiam para acordar as cidades e espantar os males.


        A composição da paisagem poética se concretiza na multiplicidade de vozes e de identidades. Atendo ao chamado e, logo ao iniciar a leitura, a epifania. Um lampejo e já caí de encantos por um mensageiro xamã, na fugaz figura de um beija-flor. Amanheço na aldeia e sigo a trilha do vento, com olhos cafeomantes, miro a revelação: a imagem andarilha me traz à retina, o reino de Ameríndia e então celebro, junto aos indígenas, a alegria de pertencer a esse chão sagrado: “Viva!”.


        No percurso, o voo dos pássaros-origami na Praça da Liberdade me lembra que há vida também na selva de concreto: Freedom? O cheiro da maresia acalenta a lembrança do Caribe e seus negros ritmos: os blues e o esverdeado do mar entorpecem meus sentidos. De longe me chega o lamento do Cais do Valongo, apuro os ouvidos e reencontro meus irmãos expatriados. Novamente, me sinto invadida por um desejo ancestral de liberdade. Quase sem perceber, contemplo a tarde que vai se findando na trilha imaginária, onde, na grande oca, um “pajé tange o inverno” ao som de flautas para chamar Poesia: “escrever é resistir”. Arrepios!


         Em busca da cura, a pena da poeta “desliza e as palavras derramam sangue no papel”. Enquanto a autora confabula com parentes e escuta a Mãe-Terra, pássaros cantam para afastar os males e “um preto velho sonha na estação do metrô”. No campo e nas cidades, os dias e noites se sucedem ao som das maracas e do vai e vem das ondas do mar: “a água tem memória”.


        Os fios do tempo, poeticamente tecidos, desenham graúnas que, ao final da tarde, dormem dentro da mata. O desenrolar desses fios acorda manhãs que, embaladas por cantigas de roda, despertam a cidade com o calor morno do sol. No caminho da volta, a poeta maneja a palavra que se dobra, docilmente à sua pena. E a poesia se faz entre as flores das mangueiras “nos quintais vizinhos” enquanto pardais famintos devoram restos no “chão da rodoviária”.


        Ao lado dos canoeiros, das lavadeiras, dos pajés, dos barqueiros e dos parentes indígenas, a poeta e sua pena dialogam com culturas orientais e ressignificam a natureza. No cenário inóspito dos arranha-céus, enquanto se aguarda o abraço do sol, a pandemia vai se travestindo de inverno. A poesia, nesses quase hailkais, abre suas velhas asas e, ao final do entretecido poético, reflito a respeito da indagação da sábia tecelã indígena: “se eu parasse de escrever respiraria?”


Para continuar conhecendo a poeta Graça Graúna, encontre-a em seu blog: https://gracagrauna.com/

 


        

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UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDA BARROS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

                                UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES  |08 ENTREVISTA COM LINDA BARROS Por  Gabriela Lages Veloso "Nin...