terça-feira, 27 de setembro de 2022

LIVROS & ENCANTAMENTOS: AS CORES NA PONTA DA LÍNGUA, DE ADRIANNA ALBERTI, POR CRIS LIRA



LIVROS & ENCANTAMENTOS/07


 'AS CORES NA PONTA DA LÍNGUA', DE ADRIANNA ALBERTI


POR CRIS LIRA


Como comentei na postagem da resenha anterior, na coluna Livros & Encantamentos, estou lendo a Coleção III do Mulherio das Letras e vou compartilhar neste espaço impressões de leitura como um convite para que mais leitoras e leitores conheçam a vigorosa produção literária do Mulherio das Letras.

[foto arquivo pessoal Cris Lira]

Hoje, falo sobre As cores na ponta da língua, de Adrianna Alberti. Desde o título, o livro nos chama a vivenciá-lo a partir de vários sentidos, despertando em nós um pouco do lúdico, da forma de experimentar o mundo pelos olhos das crianças, mas com um olhar de quem já conhece um bocado da vida e do cotidiano atroz que nos consome.

Organizado em 4 seções: “Céus azuis e sóis cinzas”, “A melodia do arco-íris”, “Memórias de ipê” e “Elas na ciranda”, o livro é composto por pequenas narrativas que são sempre introduzidas por um título instigante. Confesso que, como leitora, sou dada a títulos. Gosto dos que não me entregam nada, que me deixam sem qualquer expectativa, mas que iluminam as entrelinhas quando me aproximo do fim. O primeiro texto, por exemplo, “Quando os dias são bons”, narra sequencialmente os acontecimentos de uma manhã qualquer, num dia qualquer, cujo triunfo é conseguir chegar ao trabalho. Não há qualquer menção à depressão, à angústia, à tristeza. É a disposição dos afazeres feitos e por fazer que indica por onde anda o estado mental da protagonista: “respirar era simples” (28). Há várias narrativas com o mesmo tom no livro, indicando a força do cotidiano para a compreensão do mundo, as repetições como o caminho para aceitar perdas e descobrir novas formas de estar presente, como é o caso de “Seu nome é perpétuo” (31). O universo que se abre com este livro é o que nos oferece possibilidades para olharmos para a nossa própria rotina, para a beleza das coisas mínimas e mundanas que se mostram diariamente. Não é esse, também, um dos papéis a ser desempenhado belos bons livros? Fazer-nos ver, no nosso dia a dia, reflexos das histórias que trazemos do papel para as nossas vidas? Acho que justamente por isso gostei tanto de “O quintal do inferno” (55). Só quem viveu e amou em geografias outras, sentindo-se fora do lugar, é capaz de compreender o peso do clima na nossa forma de habitar o mundo. Reproduzo, aqui, um trechinho: “O primeiro mês foi sofrimento. Noites quentes, o ar morno e seco, mas a roupa sempre molhada, cheia de suor nojento. . . . O povo do sotaque diferente, sorridente, mas quem poderia ser feliz em um lugar onde faz 45 graus na sombra?” Ler esta pequena narrativa foi como receber aquela troca de olhar que apenas as amigas que se conhecem há muito tempo sabem trocar. Piscamos, ali, uma para a outra, ambas um pouco perplexas de como há quem exista, ame e coma em lugares que podem ser tão inóspitos e, ao mesmo tempo, tão queridos por nós. É uma lembrança de que somos seres contraditórios, sempre na corda bamba, à espreita de algo que hoje pode ser bom, mas que amanhã talvez seja ruim. Não há medida para a totalidade é o ensinamento de “As cores na ponta da língua”, de Adrianna Alberti.

[arquivo pessoal da autora Adrianna Alberti]

Quero deixar uma nota para agradecer o prefácio primoroso assinado por Carolina Mancini. Diz a autora, na abertura, “Você precisa sentir primeiro”. Pois, então, sintamos!

 

Não mudem os livros de lugar (p. 34)

 

Primeiro, um importante fato sobre mim: eu peço o mesmo sorvete há sete anos na sorveteria da cidade. Portanto, na noite em que, sem nenhuma sugestão, eu coloquei queijo ralado no meu miojo, considerei uma vitória. Apenas uni o pensamento que sopa é excelente quando vai queijo ralado, miojo é quase uma sopa, então deveria ficar bem. Não ficou. Decepção. O queijo empelotou e o miojo ficou com cheiro esquisito e sabor estranho de queijo velho, quando deveria ter o sabor e o cheiro artificial de galinha caipira. Me senti orgulhosa, mas completamente decepcionada. E, é por essas e outras, que peço o mesmo sorvete há sete anos na mesma sorveteria da cidade.

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[arquivo pessoal da autora]

Adrianna Alberti é a paulista mais campo-grandense dessas paragens. Já passou dos trinta, workholic, vive com alguns gatos endemoniados. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e graduação e mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Mato Grasso do Sul (UEMS). Pesquisadora de Literatura Fantástica, contista nas horas vagas e poetisa por identificação dos leitores. Publicou o livro de poesias O silêncio na ponta dos dedos em 2020, seu primeiro livro solo, tendo publicado desde 2011 contos fantásticos e poesias em antologias pelo Brasil. Colunista do coletivo literário O Bule. Adrianna.alberti@gmail.com  @tykkaa



[arquivo pessoal da autora]
Cris Lira é paulista e escreve desde que se entende por gente. Com a Editora Venas Abiertas, participou das Coleções I, II e III do Mulherio das Letras. Seu mais recente livro, Fragmentos do Interior, foi lançado em 2021. Atualmente, é professora e supervisora do Programa de Português da Universidade da Geórgia, em Athens, nos Estados Unidos. Redes Sociais: Instagram: @lircris Facebook: facebook.com/cris.lirica Youtube: Vamos ouvir o Mulherio

POÉTICA DA DESCONSTRUÇÃO, POR MARINA MARINO



POÉTICA DA DESCONSTRUÇÃO/01

POR MARINA MARINO


Dia desses parei para refletir sobre meu processo de escrita. O que vem a ser essa poética que tem se feito tão presente em meus escritos? Como defini-la? Estaria em conexão com algum movimento literário? Ou é apenas a forma que encontrei de me expressar?

A urgente reflexão levou-me à palavra que me move, sem dúvida, a desconstrução. É ela que estabelece um diálogo intenso e profundo comigo mesma, com o que vivo e com o que sinto.

Tudo o que acreditei -  ao longo dos meus 64 anos - ser verdade, ser justo, ser real se desfaz nesta fase de minha vida. As crenças não mais se sustentam, foram construídas sobre a ilusão. Até mesmo as que usei como apoio ao longo da caminhada, como a religião, a espiritualidade, hoje sei que basearam-se em projeções, condicionadas ao mito da individualidade, da forma, do mundo. As frágeis paredes, erguidas ao longo da existência, desabam, uma a uma, revelando o que não sou, o que nunca poderia ter sido.

A consciência, tão humana, prendeu-me a conceitos da dualidade e foi incapaz de perceber suas próprias limitações, mantendo-me em seu estreito ponto de vista. Mas, numa reversão incrível, a revelação se fez presente. Com ela soltei-me do que era conhecido e lancei-me ao desconhecido, sem medo.

O tempo da desconstrução chegou para mim, está em minha porta, entreguei-me a ele e hoje funciono neste novo formato. Decidi me abandonar nisso e não resistir mais, atrelada aos últimos tijolos, pois é nessa desconstrução sem limites que a essência se manifesta, livre, sem controle de mais nada, fluindo por onde tiver que fluir.

Deixo aqui alguns escritos que evidenciam esta minha fase desconstrutiva. Gratidão por sua leitura,

Marina Marino

*_* *_* *_* *_* *_* *_*

Trilhos

Trilhos. Caminhei por eles. Levaram-me a destinos que não eram meus. Mostraram-me lugares que não pretendia conhecer. Prenderam-me em atalhos que não faziam parte do roteiro inicial.

Acreditei nos trajetos que distanciaram-me de mim mesma, de minha essência, de minha verdadeira identidade.

Talvez o cansaço tenha me ajudado a acordar. Ou foi a ausência de mim mesma? Só sei que saltei!

Pulei sobre a grama, verde e úmida. Molhei os pés no riacho. Senti o perfume das flores. Escutei o som dos pássaros. Girei com os dois braços bem abertos em busca do sol.

Mudei de rumo. Troquei de direção. Percorri novos caminhos, desta vez traçados por mim mesma.

Os pés descalços não calçam mais conceitos ou preconceitos que não são meus. Apenas me levam para aproveitar a paisagem.

O vento no rosto. A volta a mim mesma, ao que sempre fui. O retorno à sonhada liberdade... de ser.


[Antologia Elas e as Letras: Insubmissão Ancestral, Editora In-Finita, 2021]

*_* *_* *_* 

O Instante

Ir
Partir
Deixar para trás
Tudo o que foi
O vivido
O atravessado
O que não serve mais
Ir
Viver o agora
O instante
O que a vida tem a oferecer
Sem medo
Com confiança
As circunstâncias são incertas
Mas o destino é sempre o mesmo...
Rumo à felicidade...

[Coletânea Enluarada II: uma Ciranda de Deusas, Editora Sarasvati, 2021]

*_* *_* *_*

A DANÇA DA LIBERTAÇÃO

Vem menina...
Veste agora teu melhor vestido
Colorido e alegra como tua essência
Este que esvoaça em tua imaginação
E vai em direção à tua verdade

Você é livre, menina, finalmente
Nada mais te aprisiona
Os véus foram retirados
Os nós foram desatados
As algemas destravadas

Dá-me tua mão
Eu impulsiono teu voo
Voa à tua origem
Voa ao teu verdadeiro lugar
De onde nunca te moveste, apenas esqueceste
E vibra no ritmo que o Amor estabelece

Até encontrar outras meninas
Que, como você, voam também
Ao encontro do que sempre foram
E com você, dançam a dança da libertação.

[Coletânea Enluarada II: uma Ciranda de Deusas, Editora Sarasvati, 2021]


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Marina Marino é escritora, editora e livreira, é criadora da Voo Livre Revista Literária. É autora de 4 livros, sendo 2 infantis, 1 romance e 1 para mulheres. Publica poemas e contos em antologias tanto no Brasil como em Portugal, desde 2013. Marina se encontra no que escreve, porque tudo sempre é sobre o que ela vive.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

SUSTÂNCIA: SOBRE PRIMAVERAS CHUVOSAS, POR ROSANGELA MARQUEZI

  


SUSTÂNCIA/01


 SOBRE PRIMAVERAS CHUVOSAS


POR ROSANGELA MARQUEZI


       Dei-me conta, nesta semana, que a primavera chegou. Não tenho certeza de quem me a anunciou. Acredito que tenha sido, sem poesia, o calendário da fria tela do celular, afinal, que é feito dos pássaros namorando sob o frágil fio de luz das cheias ruas da cidade? Onde estão as flores gritando nas sacadas dos prédios? Onde... O calor suave que antecede o quente verão... O vento macio e fresco... Os parques cheios de floridas gentes... O desejo próprio da própria primavera... Onde?

       As estações do ano já mudaram seu calendário interno faz tempo... A gente é que ainda teima em enquadrá-las em rígidas datas. Deveríamos é aprender com elas e nos transmutarmos sem expectativas de aniversário, sem esperarmos o incerto tempo certo que acreditamos existir. A atual primavera está nos mostrando isso. Se esperássemos pela data para celebrá-la, não a teríamos conosco, pois tudo se faz chuva e frio neste tempo diferente. Os ipês floresceram apenas timidamente, os ventos de agosto não ventaram com gosto, os cabelos não encheram o ralo do banheiro como em outras trocas de estação, não houve tatear quente de mãos...

[foto arquivo pessoal da autora]

         Mas há uma primavera em mim.

    Uma primavera que teima em existir. Uma primavera que burla chuvas e baixas temperaturas. Uma primavera que, obstinada, persiste em renascer... Sem tempo, sem data, sem estação. Uma primavera livre de amarras e de não dizeres e de maldizeres. Uma primavera benfazeja, tal qual a gente deseja. E essa primavera é minha. Ela me habita. Deseja-me. Sonha-me. Enrodilha-me. Entranha-me. Engravida-me. Vive em mim. Sonha em mim. E só morrerá quando, por fim, o inverno da minha vida chegar.

Então, mesmo fria e chuvosa, abro portas e janelas para recebê-la. Revisto meu coração de brancos lírios, na esperança de – mesmo endurecida, não perder jamais minha ternura; preencho minh’alma de rosas amarelas, na expectativa de que a alegria jamais me abandone; tranço meus cabelos com delicados miosótis azuis, na promessa de não me esquecer do que já vivi; cubro meu corpo de coloridas anêmonas, na espera de voar com o vento e seguir, solta e leve, novos e aéreos caminhos na vida, pois os terrenos estão difíceis...


Abraço. Seja feliz.

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DICAS DA SUSTÂNCIA
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1. Ouça “Primavera (Vai chuva)”, com o glorioso Tim Maia e dê uma rosa a quem você ama. A música é de 1970, mas levanta a mão quem nunca a cantou! A composição é de Genival Cassiano dos Santos (que também a gravou, em 1971, em disco solo) e Silvio Rochael.

2. Veja a pintura “A Primavera”, também conhecida como “Alegoria da Primavera”, do pintor renascentista Sandro Botticelli (1445-1510). O quadro é uma representação de uma festa pela chegada da primavera e apresenta, além de outros deuses e pessoas, Vênus, a deusa do amor e da beleza, e seu filho Eros, deus do amor, do erotismo e da paixão (também conhecido como Cupido, na mitologia romana), atirando flechas, em um belíssimo bosque de laranjeiras. O quadro é lindo! Pesquise! E se tiver oportunidade de conhecer Florença, na Itália, não deixe de conhecer a obra original, que está exposta na Galeria Uffizi.

3. Leia “Ausência na Primavera”, de Agatha Christie, mas escrito sob o pseudônimo Mary Westmacott, em 1944. Segundo a autora, este é o livro que ela “sempre quis escrever”. Resumidamente, é a história de uma dona de casa, Joan Scudamore, que, após uma visita à sua filha, em Bagdá, está voltando para casa, na Inglaterra. Por conta de um imprevisto, o trem no qual ela viajava acaba parando e ela tem que ficar numa estação ferroviária no meio do deserto... Com tempo e com a solidão do lugar, Joan começa a se questionar sobre sua vida... O livro é bem diferente dos que a gente está acostumado a ler da Agatha Christie, mas vale muito a pena!!

4. Ouça, na voz do ator português Pedro Lamares, o poema “Quando vier a primavera”, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. São versos lindos, potentes, que nos encantam ainda mais na voz de Pedro Lamares... “Quando vier a Primavera, / Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira / E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. / A realidade não precisa de mim.”
Para ouvir, acesse o canal da RTP: https://www.youtube.com/watch?v=ZNWEmKLLFWA

5. Dance ao som do Concerto nº 1 em mi maior, “La primavera” – que faz parte de uma das mais famosas sinfonias do veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741), “Le quatro stagioni”.

6. Assista ao primeiro curta-metragem da Disney, em animação, em cores com três tiras, “Flowers and Trees (1932). O filme, que faz parte da série “Silly Symphonies”, da Disney, ganhou o Oscar de Curta-Metragem de Animação e, a partir dele, todos os desenhos animados dessa série passaram a ser em cores. A história contada é sobre a primavera, quando flores, cogumelos e árvores estão fazendo seus exercícios de renascimento, após longo inverno. É curtinho (7min49s), mas cheio de magia. Vale a pena!! Você encontra em vários canais do YouTube, mas uma dica é: https://www.youtube.com/watch?v=_NKcsg8vE_U

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Rosangela Marquezi
[foto arquivo pessoal da autora]



Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação, mas fã de primaveras mesmo que chuvosas... Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.


sábado, 24 de setembro de 2022

LIÇÕES DE SILÊNCIO: MAYA, POR RITA ALENCAR CLARK



LIÇÕES DE SILÊNCIO|03

POR RITA ALENCAR CLARK

MAYA  


    Chega um momento na vida de uma pessoa que de tanto sofrimento vivido, a fé e a esperança de dias melhores são quase  delírio, miragem... eu, ele, tu, todos sempre estaremos lutando, silenciosamente, contra o coração. Somos crianças  rebeldes e inocentes. Quando chega este momento, somos confrontados frente a nós mesmos! Não há como fugir nem ignorar. Nesse momento, há que se ter coragem de aceitar a  derrota pois a alma chora. E dói! Uma dor fina e silenciosa que começa nas células do  coração. Ela vai rasgando a carne como raízes que crescem rasgando tudo, como a rasgar ambas as pernas ao meio... e ela se agiganta por todo o corpo e jorra cuspindo um choro convulsivo e abandonado. De joelhos dentro de um box blindex, talvez, às lágrimas jorrando sob a ducha fria e o grito surdo abafado pelo vigor das águas do chuveiro... quantas vezes ?! - Meu Deus!!!...Eu me rendo à Vossa vontade... me tira daqui !!! Quantas ?! 


    Sim, vivi vários momentos assim, ao longo da vida e sobrevivi! Melhor, estou sobrevivendo, hoje vivo a vida que sempre estive sonhando viver, um dia após outro dia, um passo na frente do outro. O sonho e o coração como bússola, muita insegurança num caminhar silencioso, ousado e livre!


    Porém, o salto é muito grande. O medo te olha nos olhos... o ego te olha nos olhos. Mas só o teu coração  sabe a verdade. O ego fala também. Sabe?... aquela voz secreta que muitas vezes nos torna deselegantes, oportunistas, simuladores, corruptores, mal intencionados... aves de rapina que se alimentam da dor humana?! Essas vozes aprendi a não  confundir, uma com a outra, vivendo, rolando nas pedras.


    Às vezes penso que é tudo uma grande peça de teatro. Quando tem que fazer o seu papel, mas a questão é que não há roteiro escrito. Temos que improvisar.   


    -- Siga seu coração! Sempre há essa voz... mas existe a outra, a do ego também pra te confundir, pra te trançar as pernas.  George Harrison, um artista que tenho respeito pela busca que fez dentro da  alma humana, tem uma música boa pra gente entender certas coisas "Beware of Darkness". Beware of Maya, cuidado com a Ilusão!


    Sempre haverá  um novo ciclo, uma nova forma  de viver por aí, pelo ar, pelos sonhos, pela paixão... e que isso nos torne  mais despertos e confiantes, respeitados e prósperos em nossos sonhos,  que sejamos luminosos, mesmo  sob  brumas espessas, mesmo em tempos mesquinhos, tempos de Maya

  

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Rita Alencar Clark
[foto arquivo pessoal da autora]


Rita Alencar Clark é poeta, contista, cronista e ensaísta amazonense, membro da ALB/Am, membro do Clube da Madrugada e do Coletivo Mulherio das Letras, tem 2 livros publicados e várias coletâneas.

LIVROS & ENCANTAMENTOS: RUMOS POÉTICOS, DE ADRIANA PARDO MALTA, POR CRIS LIRA

Capa de "rumos poéticos", de Adriana Pardo Malta


LIVROS & ENCANTAMENTOS/06


 'RUMOS POÉTICOS', DE ADRIANA PARDO MALTA


POR CRIS LIRA


O Mulherio das Letras, coletivo literário-feminista, criou a oportunidade para que muitas mulheres escritoras pudessem se conhecer e imaginar juntas formas de adentrar o mercado livreiro brasileiro. Este ano, 2022, o coletivo celebra 5 anos do primeiro encontro em João Pessoa em 2017. Como não poderei estar com as minhas colegas em novembro, vou usar este espaço para falar sobre a última Coleção do Mulherio, a Coleção III, publicada em 2021 pela Venas Abiertas, que conta com 33 livros de bolsa. Começo dizendo que, como escritora, um dos meus maiores desejos é, justamente, encontrar leitoras e leitores, então, que as observações que aqui compartilho fiquem de convite para que conheçam a obra vasta que está sendo produzida pelas mulheres que fazem parte do Coletivo.

[foto arquivo pessoal Cris Lira]

O livro de hoje é Rumos poéticos, de Adriana Pardo Malta. Como adianta Silvana Silva de Farias Araújo, que assina o prefácio, trata-se de um livro que “pulsa vida”. Composto de vários poemas breves que tratam de temas diversos como a escrita “A minha lama inquieta / é composta de sim e de não . . . E flutuo em uma névoa de palavras. . . / Jogadas ao vento / E trazidas pela solidão / do nosso próprio existir” (Palavras) e até a necessidade do lúdico no cotidiano “Pode parecer infantil (e é!!) / Mas, através dos meus sobrinhos / percebo um mundo mais pueril” (Sobrinhos), o livro é, sobretudo, um convite para o diálogo. Enquanto eu o lia, percebi o convite da poeta para que pudesse entrar em contato com os seus textos de modo mais profundo do que a partir da pena da crítica literária. Era um convite para a escuta, como se ela me dissesse, senta aqui comigo e contempla. Talvez seja por isso que tenha ficado feliz ao me deparar com o seu “Faces da minha Bahia” (51). 

Faces da minha Bahia

 

Em teu ventre místico

Geras a cria bem criada do humano

E num ato insano

Revelas tuas faces,

Tuas cores,

Teus sabores...

Herdastes a doçura de Oxum

E a força de Ogum.

Deixastes no ato dos teus rastros

O sangue e as pétalas.

Suores dos peregrinos,

suores dos sem destino!

Cultuas o sagrado,

Celebras o profano!

Luzes e sombras

Partilham do teu entardecer.

Marés de magia

E de orgia

Movimentam o teu cenário.

Teu povo imponente

De dentes sorridentes

Compõem a tua história.

As tuas múltiplas imagens.

Nos envolve,

Nos alegra,

Nos entristece...

Continuas sendo musa

E a tua grandeza permanece!

Rendo-me ao teu encanto

E consagro

A tua eterna magia!


{Adriana Pardo Malta}


Ali, compartilhamos um segredo. E mais não digo.

Até a próxima leitura com o Volume II.

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[foto arquivo pessoal da autora]

Adriana Pardo Malta á natural de Feira de Santana, Bahia, e reside no Rio de Janeiro. Pedagoga e psicopedagora. Pós-graduada em Educação Especial/Inclusiva (UNIA – Espanha). MBA em Gestão Empresarial (UNESA/RJ). Autora dos livros: Rumos poéticos e Rimas na janela. Integrante da Confraria Poética Feminina e do Mulherio das Letras – Bahia. Membro da Academia Internacional de Literatura Brasileira (AILB) e da Academia Internacional Mulheres das Letras. Participação em diversas antologias. adrianapardo25@hotmail.com


[foto aqrquivo pessoal da autora]

Cris Lira é paulista e escreve desde que se entende por gente. Com a Editora Venas Abiertas, participou das Coleções I, II e III do Mulherio das Letras. Seu mais recente livro, Fragmentos do Interior, foi lançado em 2021. Atualmente, é professora e supervisora do Programa de Português da Universidade da Geórgia, em Athens, nos Estados Unidos. Redes Sociais: Instagram: @lircris Facebook: facebook.com/cris.lirica Youtube: Vamos ouvir o Mulherio

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

PROTAGONISMO FEMININO EM TERRA TRAÇADOS E LIVROS: NAS VOZES DA MEMÓRIA, DE ENIVALDA NUNES FREITAS E SOUZA



PROTAGONISMO FEMININO|05 

PROTAGONISMO FEMININO EM TERRA TRAÇADOS E LIVROS: NAS VOZES DA MEMÓRIA, DE ENIVALDA NUNES FREITAS E SOUZA

POR HELIENE ROSA  

     Terra Traçados e Livros: nas vozes da memória (2021) é um livro que apresenta narrativas e relatos de quatro gerações da família da autora, Enivalda Nunes Freitas e Souza, que é professora universitária e pesquisadora na área de Literatura Brasileira, com ênfase em Poesia e Crítica do Imaginário. Sem dúvida, essa obra representa um momento de maturidade da escritora, quando ela se volta para si mesma, resgatando a história do seu clã, revisitando suas próprias origens. Ao mesmo tempo em que recupera a história recente do país, que não pode ser esquecida. 

Capa de Terra, Traçados e Livros: nas vozes da memória

Contracapa

Em sua trajetória profissional, na academia, a autora publicou diversos livros: Experimentando a vida: cotidiano, esperanças e sensibilidades (2008), Roteiro poético de Hilda Hilst (2009) e Sonho de um repentista versos do poeta logogrífico Canelinha (2009), todos pela Editora da Universidade Federal de Uberlândia (EDUFU). Pesquisadora dedicada, Enivalda Freitas fundou o grupo de pesquisa - POEIMA: Grupo de Pesquisa Poéticas e Imaginário,- onde produziu outros livros: Reflexos e sombras: arquétipos e mitos na literatura (2011) pela Cânone Editorial. Sua pesquisa de Pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) resultou na publicação da obra Flores de Perséfone: a poesia de Dora Ferreira da Silva e o sagrado (2013), pela Editora Cânone, com o patrocínio da FAPEMIG. Mais tarde, no ano de 2016, organizou Poesia com deuses – Estudos de Hídrias, de Dora Ferreira da Silva, que saiu pela Editora 7Letras, obra igualmente financiada pela FAPEMIG. 

Enivalda Nunes Freitas e Souza
[foto arquivo pessoal da autora]

A leitura de Terra Traçados e Livros: nas vozes da memória nos revela uma autora sensível e atenta aos problemas sociais, econômicos e políticos da história recente do nosso país. Da trama, por onde circulam matriarcas e patriarcas, emergem fatos e relatos históricos aos quais a autora dá o devido acabamento. Então sua voz se mostra sensata e preocupada com o desenvolvimento sustentável do país e com a melhoria da qualidade de vida da população, sobretudo das classes sociais desprestigiadas. A autora comenta: Não resta dúvida de que a escola pública no Brasil sempre foi negligente para com a população menos favorecida. Acreditamos, também, que a região em que nossos pais viveram, o sudeste goiano, estava, aos olhos da capital, a caminho dos fundões do Brasil. Em suas grotas, em suas casas de pau a pique, em suas fazendas sem nenhum adorno, a pobreza era multiplicada com a falta de Educação. (SOUZA, 2021, p.52) No trecho em questão, a autora aborda uma pesquisa realizada sobre o ensino, em Goiás, sua terra natal, durante as décadas de 1940-1950. Nesse aspecto, ganha relevo a figura materna – Aldacira - e sua trajetória, como mulher que lutou por melhorias para a família. Ressalta sua inserção no mercado de trabalho: após aprimorar-se nos estudos, deixou o trabalho a partir de casa, na máquina de costura, para trabalhar como professora, no serviço público. 

Enivalda Nunes Freitas e Souza
[foto arquivo pessoal da autora]

Emocionante e bonito é o trecho em que se faz menção à luta da mãe para adquirir livros e materiais escolares para os filhos pequenos: “Resfolegante, mas não arqueada, finalmente nossa mãe entrou em casa com o pacote de livros didáticos dos três filhos menores. Como muitas vezes o fizera em Iporá-GO, adquirira o material a prestações na Papelaria Rodarte” (Souza, 2021, p.45). A trajetória de luta de Aldacira reflete a realidade das mulheres da classe trabalhadora no Brasil. Como professora, ela trabalhava em dois períodos e, ainda assim, tinha que ter “jogo de cintura” para garantir que os filhos pequenos tivessem condições materiais de permanecer estudando. A desvalorização do trabalho docente, a tripla jornada das mães trabalhadoras, a injusta distribuição de renda e outras mazelas sociais aparecem, subrepticiamente, nesse trecho da narrativa. Entretanto, tal constatação não reduz a importância do protagonismo feminino como fator determinante para as transformações positivas que levaram a família a um patamar social e econômico mais elevado. Das importantes reflexões que essa trama narrativa suscita, sem dúvida, avulta a constatação da grande relevância da Educação, sobretudo da Educação Pública para o desenvolvimento da nação. 

A obra evidencia o poder que a escolarização formal tem na transformação desse Brasil pobre e interiorano, muitas vezes esquecido, pelas elites e pelo poder público. Nesse contexto, a escritora revisita acontecimentos e cenários que envolvem a história da sua família. Evoca as matriarcas, a avó, a mãe, as tias, reavivando, no decorrer da trama, curiosidades e modos pitorescos de falar e de se comportar envolvendo pessoas do seu convívio familiar. A maneira como são apresentadas as mulheres da família revela a forte influência dessas personalidades sobre o psiquismo da autora. No capítulo dedicado à tia Almira, lemos: "Que jeito inconfundível de se expressar. Com que graça e eficiência ela usava o substantivo trambeco, que significa “coisa”: “Fulano, pegue aquele trambeco pra mim!”. Não é um neologismo seu, mas jamais ouvimos essa delícia de palavra da boca de outra pessoa. Com esse substantivo, que se aproxima do “trem” mineiro, tia Almira economizava tempo, ganhava tempo. As palavras e as pessoas... (SOUZA, 2021, p.88) O modo goiano de falar e de se expressar, aqui representado pela fala de tia Almira, aparece carregado de intencionalidades, evidencia uma espécie de consciência semântica e pragmática no uso corrente da linguagem. A tia usava um termo que poderia, talvez, ter sido cunhado por ela mesma ou ser de uso exclusivo dela, com o intuito de subverter a lógica do próprio tempo. O foco nas questões atinentes à linguagem é constitutivo do modo como atua essa pesquisadora que, há anos, trabalha com as Letras e com as Literaturas. 

Enivalda Nunes Freitas e Souza
[foto arquivo pessoal da autora]

Enivalda Nunes Freitas e Souza é intelectual que adentra os mistérios da poesia, do mito, do simbolismo e das formas fugidias para lançar luz sobre o que é profundo e belo, motivando estudantes, professores, pesquisadores e amantes da literatura a se enveredarem pelo caminho da leitura, da escrita e da sensibilidade poética. O resgate da memória, a partir da pesquisa comprometida e da valorização das fontes vivas carrega, para a superfície de seu texto, significativos debates em favor da construção de uma nação menos desigual. Nesse aspecto, a promoção da saúde pública como mecanismo para a melhoria da qualidade de vida da população ganha relevo. 

Os enredos revelados no decorrer da narrativa esclarecem sobre o valor do SUS, Sistema Único de Saúde, principalmente para parcelas da população brasileira com menor poder aquisitivo e/ou localizadas em regiões menos estratégicas na comparação com os grandes centros urbanos. Aliada às conquistas sociais advindas com a educação, a autora ressalta a importância do SUS para a nação brasileira. Enivalda esboça um painel da precariedade da saúde em nosso país a partir das doenças do patriarca quando criança e do sonho de Aldacira, mãe de seis filhos, para ter acesso ao atendimento médico-hospitalar, objetivo alcançado com o cargo de professora. Para mostrar como era a saúde no Brasil antes do SUS, a narradora colhe, além das memórias familiares, depoimentos de autoridades na área. 

Desta forma, o livro é mais do que a história de uma família, é um registro do desenvolvimento do próprio povo brasileiro. E a autora, muito mais que uma pesquisadora comprometida, é uma intelectual antenada com os desafios sociais, econômicos e políticos do país; é uma escritora sensível e talentosa que, por meio da saga de seu clã, esboça um Brasil que precisa ser reconhecido e transformado para o desenvolvimento sustentável da nação. Enivalda Nunes de Freitas e Souza é, acima de tudo, uma mulher vencedora, protagonista de sua história, cujos traçados e livros admiráveis constituem importante legado para futuras gerações de mulheres, incentivando-as, com o seu exemplo e com o seu trabalho. Profissional competente que inspira as outras a transformarem desafios em mote para o trabalho produtivo e transformador com a docência, com a pesquisa, com o amor pela poesia e com a escrita literária. 

Heliene Rosa e Enivalda Nunes Freitas e Souza
[foto arquivo pessoal da autora]

Para conhecer melhor a autora e o conjunto de sua obra, encontre-a nas redes sociais: Eni Freitas E Souza (@enifreitasesouza) • Fotos y videos de Instagram

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REFERÊNCIA:

SOUZA, Enivalda Nunes Freitas e. Terra, traçados e livros: nas vozes da memória. Belo Horizonte: Ramalhete:Tlön Edições, 2021. 273p. 

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Heliene Rosa



Heliene Rosa é poeta mineira, professora e pesquisadora das poéticas femininas. Escreve para o Blog Feminário Conexões e publica textos em antologias literárias nacionais e internacionais. Além da produção poética, tem publicações acadêmicas sobre a produção feminina na literatura e articula projetos e eventos de leitura literária.


 

VERBO MULHER: HELENA TROUXE O AMOR, POR HELENA TERRA


 

V E R B O M U L H E R|03

HELENA TROUXE O AMOR

POR HELENA TERRA 


        Outro dia morreu a rainha da Inglaterra. E, nas minhas redes sociais, uma boa parte dos posts e comentários foram dentro do padrão afetivo que rege o Brasil de uns anos para cá, ou seja, dentro do discurso de ódio atribuído apenas à Direita do país. “A armadilha do ódio é que ele nos prende muito intimamente ao adversário”, escreveu o Milan Kundera. Portanto, o ódio não é uma boa ideia. Eu, por sorte, não tenho uma natureza convergente com hostilidades e grosserias. Apesar de vir de uma família, usando um eufemismo, barulhenta, não fui socializada por pais que queriam a cabeça de A ou o coração de B e “que tudo o mais vá para o inferno”. Queriam paz e respeito entre nós, os filhos, entre si e com a sociedade em que vivíamos, o que, de modo algum, significava cegueira, alienação ou conivência com a época. Eu nasci, fui criança durante o período militar numa cidade pequena em que havia um batalhão, e os meus pais, diferentemente de muitos outros, abrigaram em nossa casa todos os jovens chamados, pelo sistema, de subversivos que puderam. Assunto importantíssimo, mas que agora não vem ao caso, porque esse texto é para falar sobre o amor. 

      Sim, o amor, esse sentimento, patrimônio emocional, sonho tão almejado mundo afora. Não que eu o conheça e domine e não que eu não o conheça e domine. Estou, aludindo ao título da obra do Marcel Proust, ainda em busca do amor não perdido. E digo não perdido porque a ideia de tê-lo encontrado e tê-lo deixado ir me é insuportável. O amor, dizem, quando recíproco e verdadeiro, se enraíza. Não sei. Sou solteira. Não. Sou divorciada.  Vinte anos passei casada. E não foi fácil dar por encerrado esse tempo e vínculo. Mas enfim consegui. Conseguimos, mesmo que às vezes nos oferecendo um copo de cólera.

       Um Copo de Cólera foi o primeiro livro que eu li do Raduan Nassar. Para quem não o leu, fazendo breve sinopse, ele gira em torno de uma briga depois de uma trepada fenomenal. Serei eu censurada por escolher essa palavra? Julgada por trepada não soar elegante na boca de uma mulher? Não que eu não tenha sido julgada antes, mas, desde que o senhor que está ainda na presidência dessa república recebeu sua faixa, sem sombra de dúvida, os julgamentos sobre o que falo, escrevo, visto, canto, faço etc. aumentaram, duplicaram, multiplicaram-se. E esses julgamentos vieram de todos os lados, inclusive dos homens da Esquerda, os homens pelos quais nutro mais simpatia. Ou nutria. Eu já não sou a mesma. Nunca fui a mesma. Sempre vivi dentro do Livro do Desassossego, do Fernando Pessoa, ou melhor, do Bernardo Soares, apesar da minha natureza pacienciosa e estável. 

       Mas voltemos ao livro do Raduan Nassar. Ela, a protagonista, é, segundo o homem que a ama, uma “jornalistinha de merda”; e ele, segundo ele mesmo, não passa de um “biscateiro graduado”. Autodefinição que não o constrange. “Confesso que em certos momentos viro um fascista, viro e sei que virei, mas você também vira fascista, exatamente como eu, só que você vira e não sabe que virou; essa é a única diferença, apenas essa”, ele, lá pelas tantas, diz. E então aqui me pergunto se o amor aceita também raiva, humilhação, violência? E mais, como eu sei que amo alguém? Hoje de manhã, o Marcelo Branco, um amigo, aqui do Sul, "legado da não miséria" de um relacionamento que vivi, me enviou um vídeo em que a psicanalista Maria Homem fala sobre esse tema.

      Diz a Maria Homem: “se você faz essa pergunta é porque a resposta é não, você não está amando ... Por quê? Porque quando você começa a se interrogar, começa a racionalizar, começa a medir os prós e contras, os defeitos, mas também as qualidade, veja bem, não gosto muito, mas, bom, minha vida é confortável ... quando você entra nessa posição que, em última instância, é absolutamente moderna, utilitarista, que vai fazer a mensuração do maior bem possível para o menor mal possível, é que aí você já está na equação utilitária sobre as relações e os pactos sociais.” 

       E o que eu penso sobre isso? Marcelo me fez essa pergunta. De fato, estabelecer uma união pautada em benefícios causa estranheza. Sua presença me faz bem, não faz bem, faz bem, gosto disso e daquilo, não gosto, esse bem-me-quer-mal-me-quer do cérebro e do ego me incomodam e tocam um alarme. Pode ser falso, é claro. No livro O Amor Nos Tempos Do Cólera, do Gabriel Garcia Marquez, Florentino Ariza esperou pelo amor de Fermina Daza durante cinquenta e nove anos, dois meses e quatro dias depois de ter sido dispensado por ela que não o amava ou amava e não sabia. Pois é. E haja paciência! O bom é que ele não esperou sentado. Tampouco ela. Fermina, na cama do marido que não a amava, mas a queria bem. O que é esse tal de querer bem?

      “Ele tinha consciência de que não a amava. Casara-se porque gostava da sua altivez, sua seriedade, sua força e também por um tipo de vaidade, mas enquanto ela o beijava pela primeira vez teve a certeza de que não haveria nenhum obstáculo para inventar um bom amor”, o narrador revela a respeito do homem a quem ela, usando um clichê, entregou o coração. Florentino, por sua vez, esperou solteiro, conhecendo outras mulheres. Dezenas, ou terá sido centenas? Faz diferença a quantidade? Sexo não é amor embora o favoreça. E favorecer também não é o suficiente. Se não me engano, Florentino anotava em uma caderneta as tentativas de substituir Fermina, ciente de que não era possível substituí-la mesmo quando ele se entregava a pequenas paixões. Substituir. Talvez o amor desconheça esse verbo, seja exatamente essa impossibilidade. Não sei. Carlos Drummond de Andrade disse que "amar se aprende amando".

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Helena Terra publicou os romances A Condição Indestrutível de Ter Sido (Editora Dublinense, 2013) e Bonequinha de Lixo (Editora Diadorim, 2021). Organizou, com o escritor Luiz Ruffato, a antologia Uns e Outros (TAG Livros, 2017). É coautora na novela Bem que Eu Gostaria de Saber o que é o Amor (Editora Bestiário, 2020, com o ator e escritor Heitor Schmidt). 

 

 

 

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