'CARTAS QUE NAO ESCREVI", DE MARIA ALICE BRAGANÇA
Em "Cartas que não escrevi”, da poeta gaúcha Maria Alice Bragança (Editora Casa Verde, 2019), o eixo temático de seus poemas se encontra naquele tempo espaço tão conhecido, quanto inefável, de algo que aconteceu, e se perdeu, ou, inversamente, do que não aconteceu mas fica entranhado dentro da gente. É um livro de desencontros, muito mais que de encontros; de perdas, muito mais que ganhos e, de melancolia, muito mais que alegria. E isso só faz os poemas de Maria Alice ganharem mais potência e verdade. Em meio a tantos desencontros, uma saída: a vida. Aquela comezinha, corriqueira, bem do dia a dia. A leitora e o leitor nem precisam chegar ao final do livro, para experimentarem uma incrível sensação de liberdade, que só a identificação pode oferecer: Maria Alice sabe que o constante espanto com o mundo é o nosso pão de cada dia, e cada qual que encontre o seu refúgio, sempre provisório e a ser recriado, todo santo dia.
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Fotografia desbotada
No olho da menina,
retina, a imagem farta,
(retida)
da vida que ainda não vivi.
***
Teia
Onde está o meu amor?
Sonha comigo? Ou contempla o seu umbigo?
Em que cidade, em que pensamento, se perdeu nesse momento?
Teço fios para laçá-lo
Antes que o lirismo me sufoque.
Penetro o sonho do meu amor,
Pensando nele
... e lixando as unhas
***
Um sentimento/Incomunicável
Só nós dois sentimos o que sentimos.
Estamos sós.
Não há discurso possível.
A palavra é sempre passado.
Um real que não volta,
Um eu que é sempre outro.
Discurso fadado a descrever cadáveres
Do que se foi,
Seguimos, mórbidos,
Falando sobre nós.