Mostrando postagens com marcador Rosangela Marquezi. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rosangela Marquezi. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 14 de outubro de 2025

 


SOBRE ESPELHOS E ESPERANÇAS

Rosangela Marquezi


Meu espelho quebrado...
Meu espelhinho quebrado...
Quebrei um espelho... Estava em frente à janela, aproveitando a luz solar para tirar aqueles pelinhos do buço que só a gente vê – e finge que ninguém mais nota. Distraí-me olhando a rua – moro diante de uma bem movimentada – e eis que o espelhinho, tão bonito e presente de uma amiga, escorregou-me das mãos. Em segundos, um dos lados virou dezenas de cacos pelo chão.


(Nesse instante, lembrei-me dos famosos "sete anos de azar". Curiosa como sou, fui investigar! Dizem que essa crença vem da Grécia e da Roma antigas, onde se acreditava que a imagem refletida carregava poderes mágicos. Lembram de Narciso? Pois é, a coisa vem de tempos! Mas, parece, foram os romanos, por volta do século III, com o surgimento do espelho de vidro, que associaram o ato de quebrá-lo ao azar: se o reflexo fosse destruído, a sorte também se quebrava. Sete anos, porque se acreditava que o corpo levava esse tempo para se renovar... Mas, como esse texto não é uma aula de história, e sim uma crônica, volto ao meu espelho.)

O espelho se quebrou. Abaixei-me para juntar os pedaços e, enquanto recolhia – um a um – os cacos espalhados pelo chão, pensei que, ao contrário das histórias de azar, talvez esse espelho me oferecesse outra chance: a de romper, de vez, com tudo que não me faz bem! Decidida, fui dando significado a cada fragmento. A cada caco, deixava para trás uma mágoa, um medo, um peso antigo...

A primeira coisa que joguei fora foi a tristeza que volta e meia insiste em querer se instalar em minha vida. No decorrer de nossa existência, vamos acumulando choro, raiva, mágoas... E isso só causa peso desnecessário à vida! Como cantava Tim Maia, “Tristezas que passaram na vida não devemos mais lembrar / Só pense no amanhã / tristezas não vão mais / Passar no meu caminho nunca mais”. Que assim seja! Confesso que foram muitos pedacinhos aqui...

Joguei fora também palavras mal ditas e malditas! Ditas e ouvidas! Palavras têm tanto poder que, se lembrássemos disso todos os dias, de nossa boca só sairiam as que edificam e alegram! Palavras são ondas sonoras... Gosto de imaginá-las voando por aí, encontrando-se nesse espaço além-tempo, valsando em vibrações. Que lindo seria se pudéssemos viver envolvidos apenas por palavras doces, belas, valorosas, amorosas!

Propus-me ainda a jogar fora a falta de esperança. Vivemos tempos difíceis. Guerras cruéis espalhadas pelo mundo, violências diárias... Ver isso constantemente nos noticiários vai criando a falsa ideia de que "A vida é assim mesmo! Nada muda”. Isso é terrível e destrói nossa fé na humanidade. Tentei jogar fora essa desesperança, mas confesso: a dura realidade continua lembrando que é preciso estarmos atentos!

Fui descartando também dores físicas e espirituais, dias tristes e dias mal vividos... Histórias ruins, amores que não deram certo, venenos verbais acumulados... Recordações doloridas e pesadas penas...

Aos poucos, minha alma e meu corpo foram se sentindo mais leves e fui vendo que a vida ganhava novo ânimo. Guardei tudo com cuidado e descartei, como quem se despede do que já não serve. Foi mais do que uma faxina doméstica, foi uma limpeza de alma, tão necessária a nossos dias!

Quiçá não sejam sete anos de azar o que vem pela frente, mas sete anos e mais sete e mais sete – tantos quantos me forem permitidos – em que, mais leve e grávida de esperanças, eu possa ver a vida e as pessoas com mais boniteza!

É o que merecemos: esperança e amor!

Abraços! Seja Feliz.

Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas alguém que crê na esperança como verbo...


--------------------------------
DICAS DA RÔ
--------------------------------

1. Ouça a música “Enquanto houver sol”, na voz dos Titãs. É uma daquelas canções que abraçam por dentro, lembrando-nos que, mesmo nos dias mais nublados, ainda pode haver uma fresta de luz. A canção, escrita por Sérgio Britto e lançada no álbum "Como estão vocês" (2003), é quase um mantra de resistência suave, daqueles que a gente canta baixinho para não esquecer de acreditar.

“Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma ideia vale uma vida".


2. Assista ao filme “Um conto chinês” (Un cuento chino), lançado em 2011, dirigido por Sebastián Borensztein e estrelado pelo maravilhoso ator argentino Ricardo Darín. À primeira vista, parece apenas uma comédia inusitada sobre o encontro improvável entre dois mundos: um argentino ranzinza e um jovem chinês perdido. Mas, aos poucos, percebemos que é uma história sobre acaso, acolhimento e os laços invisíveis que nos conectam, mesmo quando não falamos a mesma língua. Esse filme nos faz pensar nos encontros inesperados que mudam nossa vida... Afinal, às vezes, a boniteza está justamente no que não planejamos.

3. Leia o poema “Aninha e suas pedras”, da poeta goiana Cora Coralina, publicado em 1983 no livro “Vintém de cobre: meias confissões de aninha”. É um poema que fala direto ao coração, sem artifícios, com a força da sabedoria vivida. Cora nos convida a olhar para as dificuldades não como obstáculos, mas como pedras com as quais podemos construir caminhos. Às vezes, a poesia só nos lembra do que já sabemos: somos mais fortes do que pensamos...

"Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça."

☆_____________________☆_____________________☆


Arquivo pessoal (autoria de Alan Winkoski)

Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação que acredita que a literatura tem o poder de modificar vidas... Graduada em Letras, Mestra em Educação e Doutora em Desenvolvimento Regional, é professora de Literatura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Faz parte da Academia de Letras e Artes de sua cidade, Pato Branco - PR. Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.

Sustância - personagem fictícia que define a escritora de crônicas que habita em mim, "a ânsia, a substância, a Sustância!" (Marquezi, 2017). 

sexta-feira, 28 de março de 2025

HISTÓRIA COLETIVA. / DE MULHERES. / DE MENINAS.

HISTÓRIA COLETIVA. / DE MULHERES. / DE MENINAS.[1]

Por Marta Cortezão 


“Mulheres não são pessoas no capitalismo, apenas corpos.”

(Silvia Federici, Folha de S. Paulo-Uol, novembro,2023)


Imagem Pinterest

Todos os dias, nos noticiários, nas mídias, nas manchetes aterradoras, a morte nos lembra como o machismo mata e aterroriza mulheres e meninas em uma violência crescente e assustadora. O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo[2]. E, com infâmia, inscreve, na perversa história desses brutais crimes, as marcas de um profundo ódio a esses corpos femininos, devorados pelo utilitarismo e pela ganância de um mundo que vive o capitalismo em seu extremo. Um mundo que consome a hipersexualização e a objetificação de corpos femininos; um mundo que apavora pelo sexismo estrutural, reforçando a discriminação baseada no sexo e/ou gênero e violando direitos humanos, impedindo mulheres e meninas de desfrutarem de suas liberdades fundamentais. Quando nossos corpos serão, de fato, nossos?

A garota voltava da escola, falou com um desconhecido e desapareceu. Mais uma vida ceifada. Foi encontrada em um terreno baldio, pedaços de seu corpo noticiados em imagens desfocadas no jornal do meio-dia. A mesa estava posta, quase nem houve tempo de assimilar tantas notícias...

Homem segue mulher na parada do ônibus. Ela retornava, à noite, do emprego de funcionária do lar. Era o suposto ex-marido. Consta que ela o havia denunciado por ameaças de morte. Morreu desacreditada e sem apoio do Estado. Vítima da violência das mãos do feminicida, deixou duas crianças que agora são órfãs de seu cuidado maternal. Os restos mortais da vítima, de 36 anos, foram encontrados calcinados em um lixão da cidade.

Imagem Pinterest
Adolescente é assediada no ônibus, a caminho da escola. Transporte lotado. Ela deu alarme, mas não obteve apoio. O assediador era um senhor bem-vestido, de terno e gravata, que se agarrou no discurso de homem respeitável e pai de família abnegado. A menina desceu chorando seu desespero na primeira parada que pôde. Alguém gravou a cena enquanto a adolescente expressava sua angústia e a publicou nas redes sociais...

Senhora de 65 anos vai a óbito ao cair do quinto andar. Suspeitas de um relacionamento tóxico e suas consequências depressivas. Ela envolveu-se com um rapaz pelas redes sociais. Ele foi ganhando sua confiança, também o acesso à sua conta bancária, à sua casa, à sua vida. Enfim, um caso a ser investigado, diz a polícia, meio desacreditada de encontrar uma prova cabal. Mas há fortes indícios de suicídio...

Mulheres e crianças são as maiores vítimas da guerra. Deu também nos noticiários, mas “deu”/bateu mais forte em minhas carnes. O que faço com esta impotência em meu corpo? Com essa dor, faca afiada e fria da morte, prestes a atravessar a jugular? Agora mesmo não tenho nem forças nem disposição racional para continuar falando sobre este tema, mas o feminicídio grita em todos os lados. Está escancarado nas janelas do mundo. É preciso sair da apatia social que aliena mentes, é preciso enxergar, do contrário, nos tornamos cúmplices e culpadas, porque nossa passividade tem implicações morais[3].  

Imagem Pinterest

Um corpo frio sobre a pedra do necrotério. Um corpo não identificado. Uma notícia tão corriqueira que quase ninguém se sensibiliza. Há muita pressa, há coisas mais importantes para se ocupar. Por quê? Onde? Quando perdemos a nossa empatia? Nossa capacidade de comoção? De nos importarmos com a vida de nossas iguais?

Um corpo que é coletivo, mas que não nos pertence. A essas mulheres, a essas meninas que vivem na mira da misoginia de uma sociedade patriarcal que objetifica nossos corpos em prol do lucro e do capital. Em uma sociedade onde não somos pessoas, apenas corpos. Apenas números na crescente lista da vergonha que, a cada fração de segundo, pode ganhar mais uma vítima fatal. A escritora Rosangela Marquezi, de Pato Branco, no poema Coletivo Corpo, de seu livro (In)certas Escreveduras (Editora Medusa, 2023), faz uma abordagem direta sobre este tema. Escancara nossas dores e agruras ao descrever o poema:

Coletivo Corpo

 

O corpo estava ali.

Nunca fora seu, era coletivo.

 

O pai mandara se cobrir.

O marido mandara se abrir.

 

E a ela ninguém ouviu.

E a ela ninguém sequer viu.

 

História coletiva.

De mulheres. De meninas.

 

Correntes que não se quebram.

Sinas que não se desfazem.

 

Seu corpo estava ali.

Nunca fora seu, nem agora.

 

Na mesa fria da necropsia.

Imagem Pinterest

O corpo de uma mulher jaz inerte “na mesa fria da necropsia”. Em vida, já havia sido despojado das vontades, da dignidade, de tudo – inclusive de sua autonomia. Um corpo que alcança o extremo da objetificação na análise póstuma. Um corpo feminino submetido às expectativas e imposições sociais. Um corpo frio “que estava ali”, mas “nunca fora seu, era coletivo”. Um corpo que compartilha a infeliz ventura da história triste de tantas mulheres, vítimas da violência machista, engrossando a lista de mortes de inúmeros corpos de mulheres e meninas subjugados pela sociedade.

O pai, figura que representa a moral e os bons costumes, ordena que a filha se resguarde, que se cobra, que se comporte como uma mulher deve se comportar em uma sociedade patriarcal. O marido, proprietário e beneficiário desse corpo, ordena que ela se abra, que sirva a seus instintos, a seus desejos irrefreáveis. Tanto o pai quanto o marido – figuras de ordem – representam a imposição das normas masculinas sobre este corpo individual feminino. A ela, o corpo anônimo e invisibilizado, que jaz frio em uma mesa de necropsia, resta a negação de seus desejos e sonhos pela sociedade patriarcal falocêntrica. Resta-lhe a história da negligência de mulheres e meninas abandonadas à ausência da própria voz, da própria existência.

Imagem Pinterest

A noção de “História coletiva. / De mulheres. / De meninas” revela os fatos que se repetem, mudando apenas as vítimas das inúmeras tragédias das narrativas cruéis do cotidiano. São histórias que se entrelaçam nas “Correntes que não se quebram. / Sinas que não se desfazem”. É uma história viciosa que fortalece as relações de poder historicamente patriarcais destacando a universalidade dessas experiências e lutas e sugerindo a persistência de padrões restritivos ao longo do tempo. O poema alcança seu ápice no verso “Na mesa fria da necropsia”, encerrando uma reflexão contundente sobre a opressão sistêmica enfrentada pelas mulheres. Melhor não poderia dizer eu! Digo apenas que sempre é tempo de construir algo novo!

Imagem Pinterest

Silvia Federici afirmou, em uma entrevista que assisti recentemente, que quando perdemos a ilusão, sentimos a necessidade de fazer algo novo. E é colocando a esperança nos coletivos que a luta se fortalece. A luta de mulheres sempre esteve nesse ponto zero: ponto onde se perde a ilusão. Mas que este ponto seja não apenas de resistência, mas também de luta e de transformação social. Não queremos morrer todos os dias. Queremos seguir vivas!



[1] Revista Voo Livre. São Paulo. nº 46, pp. 48-53. Disponível em: https://revistavoolivre.com.br/2024/06/07/revista-voo-livre-vol-1-no-46-junho-de-2024/ . Acesso em: 28/03/2025.

[2] CUNHA, Carolina. Feminicídio – Brasil é o 5º país em mortes violentas de mulheres no mundo. Uol, 2025. Disponível em: Feminicídio: Brasil é o 5º país em morte violentas de mulheres no mundo - UOL Educação . Acesso em: 28/03/2025.

[3] TOKARCZUR, Olga. Escrever é muito perigoso – Ensaios e conferências. Gabriel Borowski (trad.). [livro digitalizado]. São Paulo: Editora Todavia, 2023, p. 57.

☆_____________________☆_____________________☆


Arquivo pessoal (autoria de Alan Winkoski)
Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação que acredita a literatura tem o poder de modificar vidas... Nas poucas horas vagas escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal. Faz parte da Academia de Letras e Artes de sua cidade, Pato Branco - PR, onde também é Professora de Literatura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

segunda-feira, 12 de junho de 2023

CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA - O DIA DOS NAMORADOS... Por Rosangela Marquezi


CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA
/04


 O DIA DOS NAMORADOS

POR ROSANGELA MARQUEZI


Sempre que datas comemorativas se apresentam no calendário estático da parede [porque, definitivamente, não é no dinâmico calendário da vida] pressões se fazem para que os celebremos.

E, soltas as pressões externas, internas também vão sendo criadas e logo se avolumam no peito e na alma. Se é Natal, lá vamos nós comprarmos presentes para amigos e família... Ou seria comprarmos amigos e família com presentes? Se é Dia das Mães ou dos Pais, lá vamos nós mostrarmos nosso amor carregado de culpa por falta de atenção em forma de pantufas e pijamas. Se é Dia dos Namorados... Bom, se é Dia dos Namorados, lá vamos nós, também, comprarmos amor em forma de presente, mais caro, é certo, pois o ser amado e o ser amante andam cada vez mais exigentes, só não sei se verdadeiramente de amor ou de sinais de amor. 

Mas, me pergunto, quem, afinal, instituiu que o amor precisa disso? Lembro Fernando Pessoa, em seu heterônimo Alberto Caeiro, que dizia que agora, que estava a sentir amor, interessava-se pelos perfumes das flores, simples assim, como deveria ser. Canta o poeta que, antes, só sabia que elas existiam e que tinham cheiro. Agora, ele sabia, “[...] com a respiração da parte de trás da cabeça. / Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira. / Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.” 

Amor, para mim, é isso: simplicidade, no ver e no ser e no estar e no fazer e no demonstrar. Um ver o que antes só existia em si mesmo. Um ser eu num outro eu, mas mantendo, eu, o meu eu, e o outro o seu eu [Talvez sem vírgulas, mas mantendo cada eu no seu lugar]. Um estar no mundo com um outro, mas respeitando esse outro e esse outro a mim. Um fazer de cada dia uma festa, não de fantasia, mas de verdades. Um demonstrar de sentimentos-atitudes mais do que exagerados presentes muitas vezes sem estar presente.

Há um bom tempo sozinha, só amando o que não exige reciprocidade, percebo à minha volta uma busca angustiante de manutenção desse sentimento. E, nessa busca, vejo perdas de rumo, paradas no tempo, chuvas ácidas de desejos não realizados a encher caldeirões borbulhantes. Eu, que hoje me creio mais livre disso, só observo, mas confesso que, muitas vezes, em outros tempos, me vi também presa em um algum desses caldeirões. Já amei. Se acreditei no amor, não sei. Não sou crente, mas também não descrente, porque, como diz o ditado castelhano: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay".

[É fechar os olhos que me vejo, às vezes, parada na estação esperando a correspondência do amor. Mas, ao ver o vagão vazio, o maquinista me avisa que ele saltou um ponto antes. Talvez, na próxima semana.]

Enfim, que cada amor tem um jeito. Enfim, que quem quer amar, ama, não pede opinião. Enfim, que amar é bom. Enfim, que reciprocidade nunca é na mesma medida. Enfim, que o comércio no Dia dos Namorados continue vendendo rosas, perfumes, dixes e que também haja muito diz-que-me-diz sobre o amor. Enfim, que essa reflexão já tomou outros caminhos e o que era para ser crítica virou análise para divã, então, viva o amor de forma que ele ainda lhe permita arrepios, de prazer ou de alegria, pois este talvez seja o sentimento que verdadeiramente buscamos...

Abraço. Seja feliz.

Rosangela Marquezi

Professora de formação e atuação que, às vezes, acredita, por mais que não o digam as palavras e as ações, no amor...


DICAS DA RÔ

1. Ouça Naquela estação, música de Adriana Calcanhoto, e veja – e está tudo bem – que amores se vão...

                                “E agora, tudo bem
                                 Você partiu
                                 Para ver outras paisagens”

2. Deguste os poemas de meu silêncio lambe tua orelha, da poeta amazonense Marta Cortezão. Em versos que dialogam com outros tantos versos de outras tantas mulheres, Marta nos permite adentrar no âmago de palavras e sentimentos que há muito nos podem parecer perdidos, mas que estão aí... A lamber nossas orelhas... Entre essas palavras/sentimentos, o amor também aparece. Vivo, latente e palpável. Está presente, por exemplo, nos versos de hermetismos, em que dialoga com a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís.

"O fenômeno mais herético é o amor. Ele não é bem recebido nem tolerado porque é uma força sem desistência e que não se revoga a si mesma." (Agustina Bessa-Luís)

                            hermetismos

o amor disse-me mistérios
regozijou-me primaveras
e tudo é doce enigma em mim
 
o dia levantou crepúsculo
em meu coração semente
era chuva começo flores
porque o amor passarinho
segredava hermetismos
cantando águas distantes
 
ele ainda chove decidido
nas noites estrelas lua grande
quando o amor travessia longe
nunca não e sempre sim

3. Leia O amor nos tempos do Cólera, do escritor colombiano, ganhador do Nobel de Literatura de 1982, Gabriel García Márquez, o El Gabo, e entenda que há amores dentro dos quais se vivem outros amores e que há amores que nunca se esquecem...

“Florentino Ariza sabia disto e nunca fez nada para desmenti-lo. [...] Tal como as outras mulheres incontáveis que amou, e mesmo as que lhe agradavam e o achavam agradável sem amá-lo, aceitou-o como aquilo que era na realidade: um homem de passagem.”
                          
“Florentino Ariza, por outro lado, não deixara de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem aplicação depois de uns amores longos e contrariados, e haviam transcorrido a partir de então cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias. Não tivera que manter a conta do esquecimento fazendo uma risca diária nas paredes de um calabouço, porque não se havia passado um dia sem que acontecesse alguma coisa que o fizesse lembrar-se dela.”
                     
"— E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? — perguntou. 
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.  
— Toda a vida — disse.”


4. Leia o conto Pomba Enamorada ou uma história de amor, da escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. Na história, a protagonista se enamora por Antenor, com quem dançou apenas uma vez, mas se apaixonou ao ponto de, mesmo sendo rechaçada por ele, continuar a amá-lo vida afora. E tanto que, mesmo casada, com outro, ela continua a amar essa imagem de homem que projetou sobre Antenor... No final, já velha, acreditando em uma cartomante, vai novamente ao encontro dele... A nós, leitores, fica a possibilidade de criarmos um desfecho: haverá um reencontro ou uma ruptura definitiva? Enfim... Leia e perceba como ficar amarrada a uma ideia de amor é frustrante.

“Encontrou-o pela primeira vez quando foi coroada princesa no Baile da Primavera e assim que o coração deu aquele tranco e o olho ficou cheio d’água pensou: acho que vou amar ele pra sempre.”

“Quando engravidou, mandou-lhe um postal com uma vista do Cristo Redentor (ele morava agora em Piracicaba com a mulher e as gêmeas) comunicando-lhe o quanto estava feliz numa casa modesta mas limpa, com sua televisão a cores, seu canário e seu cachorrinho chamado Perereca.”

“[...] disse que tudo isso era passado, que já estava ficando velha demais pra pensar nessas bobagens mas no domingo marcado deixou a neta com a comadre, vestiu o vestido azul-turquesa das bodas de prata, deu uma espiada no horóscopo do dia (não podia ser melhor) e foi.”


5. Leia poemas do livro Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, do poeta chileno Pablo Neruda, ganhador do Nobel de Literatura de 1971. É o segundo livro do autor e, mesmo tendo sido publicado pela primeira vez em 1924, é o livro de poesia mais vendido em língua espanhola. O poema n.º 20 é um dos mais belos/tristes sobre amor que se perde.

"Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
 
Escrever, por exemplo: a noite está estrelada,
E cintilam azuis, os astros, desde longe. 
 
[...] 
 
Já não a quero, é certo, mas quanto a quis.
Minha voz buscava o vento para tocar seu ouvido. 
 
De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos. 
 
[...] 
 
Porque, em noites como esta, a tive entre meus braços,
minha alma não se contenta em havê-la perdido. 
 
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo."

6. Leia A insustentável leveza do ser, do escritor tcheco Milan Kundera. Uma história muito marcante sobre o que se busca verdadeiramente em relacionamentos. Tomas, um dos protagonistas, busca alegria, e quando não encontra parte em busca dela em outros corpos/amores. Mas essa busca também lhe causa tristezas...

"Mas seria possível ainda falar de alegria? Assim que ele saía para encontrar uma de suas amantes, perdia o interesse e jurava a si próprio que seria a última vez."

7. Aprecie a pintura Os amantes (The Lovers, 1928), do pintor surrealista René Magritte (1898-1967). Pintura perturbadora que nos traz a ideia de um amor proibido, um amor que nos cega, representado pelos rostos que se unem em um beijo, mas que estão cobertos por véus brancos... Caso esteja passeando em Nova Iorque, aproveite e visite o Museu de Arte Moderna (MoMA) e veja in loco a pintura, que está lá exposta.

Fonte: https://www.moma.org/collection/works/79933?artist_id=3692&page=1&sov_referrer=artist

☆_____________________☆_____________________☆


Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação que, às vezes, acredita, por mais que não o digam as palavras e as ações, no amor... Nas horas vagas poucas da vida, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal. É membro da Academia de Letras e Artes de sua cidade, Pato Branco - PR.

Sustância - personagem fictícia que define a escritora de crônicas que habita em mim, "a ânsia, a substância, a Sustância!" (Marquezi, 2017).

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA - ENCERRAMENTOS DE TEMPO... Por Rosangela Marquezi



CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA
/03


 ENCERRAMENTOS DE TEMPO


POR ROSANGELA MARQUEZI






Foto: arquivo pessoal da autora / 2022.
Presa em um calendário que não condiz com meu tempo de ser. Eis a sensação que tenho em períodos que antecedem o fim e o nascer de tempos estipulados em folhinhas de almanaque. Em muitos momentos da vida, tudo que eu queria era não ver o tempo passar, nessa marcação arbitrária que inventaram sem nos consultar. Sinto, às vezes, que inícios e finais de tempo são apenas imposições de um sujeito ou de vários sujeitos que, não satisfeitos em simplesmente deixarem a vida fluir, resolveram inventar um calendário e nele nos prenderam.

O calendário não entende (e não aceita) que tem momentos na vida que tudo o que queremos ser é a Carolina, do Chico Buarque, aquela moça que não viu o tempo passar na janela, mesmo que, lá fora, uma rosa tenha morrido, uma festa tenha acabado, um barco tenha partido... Simples assim, como se pudéssemos cruzar o espaço-tempo ao ritmo da canção de Maria Bethânia e Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar / Vida leva eu / Deixa a vida me levar / Vida leva eu”;

(Mas não! A vida urge urgente e cortante, cheia de rimas engraçadinhas para nos desviar a atenção do incerto mundo aberto!)

E corremos. Como formigas que perderam a direção do formigueiro. E voamos. Como mariposas seduzidas pela brilhante luz que as distraem do seu destino. E isso tudo para que, no dia primeiro de janeiro, novamente nos encontremos na linha de partida da corrida da vida.

Felizes os que conseguem cruzar a linha do tempo e não se quedam ao fim anual da jornada. Felizes os que entendem que calendários são arbitrários e vivem o tempo perfeito do momento presente. Para esses, há esperança. Para os desencantados, não sei...

O que sei é que esta minha rabugice logo passa, pois sei que nada melhor do que um tempo – sim, tempo – atrás do outro, com uma folguinha para respirar, para que tudo volte ao seu (in)devido lugar. E porque sei disso é que lhes digo que esta reflexão não é sobre desesperança, mas esperança-certeza de que, como tão bem ilustrou Heráclito de Éfeso, se ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, seremos novas mulheres e novos homens a cada segundo desta vida!!

E isso é transcender a existência! É também acreditar que todos as estações se fazem e refazem dentro de cada um de nós, passageiros efêmeros desse breve espaço-tempo de um bater de asas de uma borboleta que é a nossa história.

Seja feliz!



DICAS DA SUSTÂNCIA


1. Ouça Carolina, de Chico Buarque, e entenda que nem sempre precisamos estar atentos ao passar do tempo! A canção ficou em terceiro lugar no II Festival Internacional da Canção Popular (FIC), em 1967. Ouça AQUI!

2. Leia Como parar o tempo, do escritor inglês Matt Haig. É uma leitura bem instigante sobre a jornada de um homem, Tom Hazard, que, por causa de uma alteração genética, não envelhece da mesma forma que os seres humanos normais. Dessa forma, ele perpassa séculos da nossa história... O livro discute questões como imortalidade e como tudo vai se repetindo neste mundo... Paixões, medos, angústias, guerras. O livro foi publicado aqui no Brasil em 2017, pela Harper Collins. 

Eu fui pessoas que odiei e pessoas que admirei. Fui divertido e chato e feliz e infinitamente triste. Já estive do lado certo e do errado da história. 

3. Ouça a música Sobre o tempo, do Pato Fu, lançada no álbum Foi gol de quem?, de 1995. É uma música que, mesmo não tendo uma letra que nos faça profundamente refletir, nos faz dançar ao sabor do tempo... Uma delícia. Ouça AQUI!

4. Veja o quadro Persistência da memória (1931), do pintor surrealista Salvador Dalí. Se for possível, visite o Museu de Arte Moderna da Nova York (MoMA) e veja-a ao vivo! Se não puder realizar este passeio, a conheça a partir do site do MoMA (https://www.moma.org/collection/works/79018! Com seus tradicionais relógios “derretendo”, a pintura de Dalí traz um cenário onírico, que faz um diálogo, talvez, com a Teoria da Relatividade, de Einstein, além de trazer a ideia de que o tempo passa sem que possamos controlá-lo. É uma pintura que merece ser vista e pensada!

Foto: reprodução da Internet


5. Deguste o poema Seiscentos e sessenta e seis, do poeta alegretense Mario Quintana, publicado originalmente no livro Esconderijos do tempo (1980), no qual o autor traz a ciência da inexorabilidade do tempo...

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

6. Leia Em busca do tempo perdido (1913-1927), um clássico da literatura mundial, escrita por Marcel Proust. São sete livros nos quais o autor, a partir de um momento em que degusta uma Madeleine, mergulhada no chá, começa a lembrar da infância e vai nos trazendo uma gama imensa de personagens, que acabam se encadeando em diferentes histórias na França da Belle Époque. No último volume, O tempo redescoberto, o narrador por fim percebe que só poderá trazer o passado de volta a partir de sua escrita, entendendo então sua vocação: escrever um grande romance. Uma das traduções aqui para o Brasil foi feita por diferentes tradutores, entre eles os famosos poetas Mario Quintana (volume 1 a 4); Manuel Bandeira (volume 5), junto com Lourdes Sousa de Alencar; e Carlos Drummond de Andrade (volume 6); O volume 7 foi traduzido pela importante crítica literária Lúcia Miguel Pereira.

7. Corra a uma boa panificadora e coma uma deliciosa Madeleine, famoso biscoito em forma de concha, originário da região de Lorraine, na França.

Foto: reprodução da Internet


☆_____________________☆_____________________☆


Rosangela Marquezi
[foto arquivo pessoal da autora]
Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação, mas aprendente de novos olhares por opção... Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.

Sustância - personagem fictícia que define a escritora de crônicas que habita em mim, "a ânsia, a substância, a Sustância!" (Marquezi, 2017).

Feminário Conexões, o blog que conecta você!

  CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA: SOBRE ESPELHOS E ESPERANÇAS Rosangela Marquezi Meu espelhinho quebrado... Quebrei um espelho... Estava em frente à ...