Para as Enluaradas
que recriam o mundo com a poesia
POR ISA CORGOSINHO
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Nenhum deus precede à noite profunda da deusa Nix.
Exausta das solidões do universo, mergulhou ad
infinitum numa espiral de si mesma, centrifugando, para seu incomensurável
ventre, constelações e outros astros desavisados e curiosos que a rondavam,
seduzidos pela voracidade de suas bordas sugadoras de luz.
Da gestação milenar de Nix, regente da noite,
nasceram as três Moiras: Cloto, a primogênita, responsável por fiar
partos e nascimentos, com suas mãos trajadas de aurora injetou a luz primordial
nos olhos recém nascidos da vida.
A segunda filha da deusa era Láquesis responsável por puxar e enrolar, com zelo de artesã cósmica, o fio tecido por Cloto, sorteando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. A terceira filha de Nix, Átropos atuava com suas longas e delgadas unhas de foices reluzentes e afiadas, cortando destemida o fio da vida, juntamente com Tânatos e outros comparsas amigos da morte.
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Lá estavam as três Moiras, também conhecidas como
Parcas, girando a cíclica harmonia da máquina cósmica, nas irrevogáveis funções
de presidir gestação e nascimento, crescimento e desenvolvimento, e o
final da vida, quando avistaram as Três Marias e o cenário que se formava na
criação de Gaia.
As Marias, viajantes do deserto sideral, levitando para além desses céus de nossos céus, avistaram Deus – viajante das planícies incomensuráveis do vazio. Apiedaram–se de um Deus assim tão triste, petrificado em eras de solidão. Comoveram-se com um Deus assim tão só, sem destino nas solidões mudas, privado de toda experiência de vida, preso à trama de sua criação infinita.
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Por amor
ao Deus tão triste, criaram Gaia:
convocaram os mais de 30 milhões de sóis na Via Láctea, e escolheram
apenas um. Desceram numa poeira de pérolas de ouro, levantada pelo sopro da
gratidão das Moiras. Criaram as mais exuberantes formas da flora e fauna, mas o
coração de Deus permanecia mudo, destoando de toda criação.
Vaticinaram
as Deusas siderais: _ Deus, terás pela frente o seu mais longo e árduo
trabalho. Seus filhos e filhas terão as mais conscientes e belas formas da
matéria animal, mas serão infinitamente mais tristes que o pai; serão
irascíveis e amáveis; do pai herdarão a capacidade infinita da criação; serão
capazes de habitar outros sóis, outras dimensões: o pensamento, a linguagem, a
música, a dança, a pintura, a escultura e a poesia serão suas crias e os
ensinarão a conviver com a luz e a sombra que habitam seus corações.
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Do berço
das Deusas ancestrais, aos terráqueos foi ofertado o Jesus menino. O irmão
incansável e solidário dos homens e mulheres, o filho dileto das Deusas e Deus.
Com esse homem menino, os seres devem aprender a não declinar da justiça, da
paz e dos sonhos.
São elas
as mães do planeta, Marias povoam o mundo desde a tenra idade dos pés de Gaia.
Lá se vão bilhões de anos que a Terra vem girando: na rotação do amor e na
translação de suas saias.
Isa Corgosinho
08/03/2023
[1] A primeira versão desse conto foi
publicada na Coletânea Salvante V: Reminiscência do tempo. Organizadora: Vânia
Clares; Diversos autores. 1. ed. São Paulo: Sarasvati Editora, 2022.
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[arquivo pessoal a autora] |
Belíssimo texto, parabéns!
ResponderExcluirAgradecida!
ExcluirQue texto lindo! ..."na rotação do amor e na translação de suas saias." - Me senti representada. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada!
ExcluirBelo texto! Marias presente!! Parabéns!👏🏻👏🏻👏🏻🤝🏻🌹👐🏻❤
ResponderExcluirObrigada!
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