terça-feira, 7 de março de 2023

#8M# MARIAS - DEUSAS SIDERAIS, POR ISA CORGOSINHO


MARIAS - DEUSAS SIDERAIS[1]

Para as Enluaradas que recriam o mundo com a poesia

POR ISA CORGOSINHO

[Imagem Pinterest]

Nenhum deus precede à noite profunda da deusa Nix. Exausta das solidões do universo, mergulhou ad infinitum numa espiral de si mesma, centrifugando, para seu incomensurável ventre, constelações e outros astros desavisados e curiosos que a rondavam, seduzidos pela voracidade de suas bordas sugadoras de luz. 

Da gestação milenar de Nix, regente da noite, nasceram as três Moiras: Cloto, a primogênita, responsável por fiar partos e nascimentos, com suas mãos trajadas de aurora injetou a luz primordial nos olhos recém nascidos da vida.  

A segunda filha da deusa era Láquesis responsável por puxar e enrolar, com zelo de artesã cósmica, o fio tecido por Cloto, sorteando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. A terceira filha de Nix, Átropos atuava com suas longas e delgadas unhas de foices reluzentes e afiadas, cortando destemida o fio da vida, juntamente com Tânatos e outros comparsas amigos da morte. 

[Imagem Pinterest]

Lá estavam as três Moiras, também conhecidas como Parcas, girando a cíclica harmonia da máquina cósmica, nas irrevogáveis funções de presidir gestação e nascimento, crescimento e desenvolvimento, e o final da vida, quando avistaram as Três Marias e o cenário que se formava na criação de Gaia. 

As Marias, viajantes do deserto sideral, levitando para além desses céus de nossos céus, avistaram Deus – viajante das planícies incomensuráveis do vazio. Apiedaram–se de um Deus assim tão triste, petrificado em eras de solidão. Comoveram-se com um Deus assim tão só, sem destino nas solidões mudas, privado de toda experiência de vida, preso à trama de sua criação infinita.    

[Imagem Pinterest]

Por amor ao Deus tão triste, criaram Gaia:  convocaram os mais de 30 milhões de sóis na Via Láctea, e escolheram apenas um. Desceram numa poeira de pérolas de ouro, levantada pelo sopro da gratidão das Moiras. Criaram as mais exuberantes formas da flora e fauna, mas o coração de Deus permanecia mudo, destoando de toda criação.

Vaticinaram as Deusas siderais: _ Deus, terás pela frente o seu mais longo e árduo trabalho. Seus filhos e filhas terão as mais conscientes e belas formas da matéria animal, mas serão infinitamente mais tristes que o pai; serão irascíveis e amáveis; do pai herdarão a capacidade infinita da criação; serão capazes de habitar outros sóis, outras dimensões: o pensamento, a linguagem, a música, a dança, a pintura, a escultura e a poesia serão suas crias e os ensinarão a conviver com a luz e a sombra que habitam seus corações.

[Imagem Pinterest]

Do berço das Deusas ancestrais, aos terráqueos foi ofertado o Jesus menino. O irmão incansável e solidário dos homens e mulheres, o filho dileto das Deusas e Deus. Com esse homem menino, os seres devem aprender a não declinar da justiça, da paz e dos sonhos.

São elas as mães do planeta, Marias povoam o mundo desde a tenra idade dos pés de Gaia. Lá se vão bilhões de anos que a Terra vem girando: na rotação do amor e na translação de suas saias.

Isa Corgosinho

08/03/2023



[1] A primeira versão desse conto foi publicada na Coletânea Salvante V: Reminiscência do tempo. Organizadora: Vânia Clares; Diversos autores. 1. ed. São Paulo: Sarasvati Editora, 2022.     

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[arquivo pessoal a autora]

Isa Corgosinho é de Brasília/DF, professora universitária aposentada, poeta. Participou de várias Coletâneas, entre elas: Coletânea enluaradas (2021); 1ª Coletânea Mulherio das Letras na Lua (2021); Coletânea Ciranda de Deusas I e II (Enluaradas Selo Editorial, 2021); Poesia & Prosa (In-finita, Portugal 2021); Livro Memórias da pele, Venas Abiertas – III – Mulherio das Letras, 2021.

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