POESILHA: UMA VIAGEM POÉTICA DE REDENÇÃO
quero
encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não
o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és
(José
Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida)
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Capa livro Poesilha / Arquivo da autora |
Pensou ela que já bastava de uma
vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício,
que lavar a limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos,
a água nunca lhe faltaria. O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer
começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada
das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma
comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para
tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar (...)
Essa busca necessária e humana pela sabedoria que está
nas pequenas coisas da vida, no cotidiano, é o que de fato nos faz abrir os
olhos para o que a vida nos ensina. Para Sócrates, “só é útil o conhecimento
que nos torna melhores”. Eis a essência da busca pela “ilha desconhecida” que
também verseja na poética de Dalva Lobo.
No prefácio, Vanderlei Barbosa, afirma que a
literatura de Dalva Lobo “aguça os cinco sentidos: amplia a visão, dilata as
pupilas, provoca aromas, oferece sabores, toca corpo-alma” (p.11). É um tratado
de celebração da vida onde se pode escutar a melodia de fundo que inspira a
alma a seguir a viagem, porque “é necessário sair da ilha para ver a ilha, que
não nos vemos se não nos saímos de nós, se não saímos de nós próprios”. Assim
que o poema-convite convoca:
ESTÁ ABERTA A SESSÃO! (p.15)
Que entrem os loucos, os poetas e os errantes.
E se algum bêbado quiser, que entrem também e se embriague,
de
vinho, de poesia e de tudo o que for bom para
a
alma.
E os “cansados do ócio amargo” de Mallarmé,
sentem-se
à mesa com Rimbaud, Pessoa, Rosa,
Leminski e outros.
A quem tem sede, sejam servidas taças de vinho,
A quem tem fome, uma lauta refeição ao gosto poético,
Neste banquete há lugar para todos,
Desde que loucos, poetas e errantes,
Porque neles reside a sabedoria de quem
ama a vida,
a beleza e a virtude!
Um brinde!
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Contracapa Poesilha Arquivo da autora |
Poesilha (p.19)
Na poesilha encontrei um espasmo de luz e uma conta feita
das pérolas dos olhares sem fim.
Foi suficiente para desfilar na passarela da vida.
Um brinde à vida, ao amor, à amizade, aos desafios.
Um eterno brinde ao brilho que reluz de cada olhar.
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2ª orelha de Poesilha Arquivo da autora |
Desistir da viagem nunca será a solução. A solução é
atender o chamado de olhar para dentro de si e seguir em busca da “ilha
desconhecida”, porque “entre mim, meu corpo e a Via Láctea / [todo caminho é
possível]”. Faça chuva ou faça sol, “entre as pedras existem vários caminhos /
e nós escolhemos, sempre”, porque viver é tomar decisões, é sair do palácio,
como a “mulher da limpeza”, que escolheu o seu barco para ir em busca da ilha
desconhecida e não titubeou em revelar-se ao desconhecido:
A mulher da limpeza não se conteve,
Para mim não quero outro, Quem és tu, perguntou o homem, Não te lembras de mim,
Não tenho ideia, Sou a mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A
que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no
palácio do rei a limpar e a abrir portas, Porque as portas que eu realmente
queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então
estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela
porta das decisões,
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Dalva Lobo Arquivo da autora |
Os acomodados que se mudem (p.36)
Mudem de alma,
Mudem de pele.
Mudem de casa,
Mudem de planeta.
Apenas mudem.
E se não for possível mudar
de alma
de pele
de casa
de planeta
Mudem apenas o desejo de mudar,
Sabendo do risco perene das mudanças sem fim a que
estamos,
graciosamente, condenados.
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Arquivo da autora |
Despedida de Poesilha (p.50)
Às vezes povoamos o deserto
Outras vezes, ele nos povoa.
Não sei exatamente porque essa imagem está em minha mente
Suspeito que há um deserto sondando
a existência e imprimindo sua marca.
Mas o rastro não se apagará quando dançar ao sabor do
vento,
porque o vento também, meu amigo,
habita o deserto e passa por ele, assim
como a chuva e o sol.
Só tenho certeza de uma coisa:
O sol, a chuva e o vento que passam por este deserto
Têm a certeza secular de que marcas impressas,
ainda que estejam sob a força da
natureza, permanecem.
Por isso, não nos esquecemos jamais de quem amamos
Nenhuma distância é suficiente para apagá-la de nossa
vida.
O tempo é testemunha,
Mais do que remédio, ele nos lapida a alma.
Poucas pessoas deixam marcas tão enraizadas.
Pouquíssimas deixam rastros indeléveis.
O rastro,
O raso,
O profundo.
Tudo é deserto agora,
Mas no deserto também floresce o cacto
E entre seus espinhos
a flor delicada colore a imensidão de rosa.
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LOBO, Dalva. Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano. Juiz de Fora (MG): Editora Siano, 2022.
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Arquivo da autora |