sexta-feira, 12 de novembro de 2021

NAS TEIAS DO POEMA XI: INDOMÁVEL E EFÊMERA CRIAÇÃO DO BICHO-POEMA

 


NAS TEIAS DO POEMA XI: INDOMÁVEL E EFÊMERA CRIAÇÃO DO BICHO-POEMA

Por Marta Cortezão

 

Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso.

{Cora Coralina}

 

    No episódio anterior, Não somos as mesmas de ontem, falávamos de como os momentos de crise, a duras penas e com as devidas exceções à parte, têm favorecido a criatividade poética, de forma revolucionária e solitária. É evidente o comprometimento vital destas expressões artísticas com a realidade que nos cerca. Nas palavras de Octávio Paz:

Em tempos de crise rompem-se ou afrouxam-se os laços que fazem da sociedade um todo orgânico. Em épocas de cansaço, imobilizam-se. No primeiro caso, a sociedade se desespera; no segundo, se petrifica sob a tirania de uma máscara imperial e nasce a arte oficial. (1982, p.54).

    Buscamos mudança e somos parte essencial dela e a linguagem é nossa maior aliada. E o poema é este intenso formigamento de dinamicidade vívida e movente (desejo a ambiguidade mesmo!) de seus inúmeros significados linguísticos. Entretanto, a poesia não é uma arte útil, não é verdade? É uma arte que se serve de farta e predominante Beleza, onde a palavra deambula, insubmissa, pelos vãos da não-existência buscando o afã de um poema. Sua utilidade está nos mundos de dentro, na expressão fundamental da arte que os ávidos olhares contempladores captam do mundo, ou seja, a poesia não tem finalidade alguma, porque sua finalidade é a própria poesia em si, por isso também, única. Mas não leve sua frustação para a vida afora, que ela fique apenas naquele último e suado poema, pois o próprio Paul Valéry já afirmava que “uma obra nunca é concluída, mas abandonada” e que “o poema – (é) essa hesitação prolongada entre o som e o sentido”.  Relaxe!

    A concepção poética não passa apenas pelo ato da escrita porque é anterior. Há um antes flutuando em uma massa caótica, uma espécie de in illo tempore da criação poética que é inalcançável e imensurável aos olhos da razão... Ela, esta força cosmogônica, está latente nos labirintos interiores conduzidos, à moda de F. Pessoa, por “esse comboio de corda/ que se chama coração”, onde o fazer poético nos reserva laboriosa e efêmera destreza que fenece nada mais nascer a obra, resultando apenas o bicho-poema que “é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana” (PAZ, 1982, p. 16). O bicho-poema, tão disforme, volátil e fluido, são os olhos da alma sem pretender sê-lo!

    Acredito que não nos basta apenas o ato de construção da escrita. É necessário pensarmos e discutirmos sobre todo o processo que nos acompanha desde que somente a fala já não nos satisfaz como seres no mundo, especialmente o nosso processo “poiético” de criação. O que não se denomina não existe, portanto falemos de literatura de autoria feminina! E, nesse contexto, inúmeras perguntas não cansam de procurar respostas e vice-versa. Ou ainda dúvidas que geram outras tantas dúvidas... Que revolução é essa que tem invadido, diariamente, nossas janelas virtuais nos convidando ao encantamento pelo labor da palavra? O que nos fez remexer nossos “bordados poéticos” e nos vestir de coragem para tecer nosso sudário de palavras mundo afora, seja em obras de coautoria ou obras solo? Como escrevemos? Que liberdade e que sede de palavras fortalecem nosso discurso? É possível relacioná-las com a força que emana das/nas vozes do coletivo? Como a literatura de autoria feminina se apresenta dentro do Projeto Enluaradas? É importante tomar as rédeas de nossa literatura e edificá-la sob bases sólidas, pois há uma “pós-modernidade” demasiadamente líquida para nos despreocuparmos de nosso fazer literário. Lá fora, o mundo é Cérbero, cão de sete cabeças! Mas quem desce ao Averno por gosto, acredita na força da Poesia! Avante!

    Neste episódio, com a mediação de Marta Cortezão, estaremos na companhia das poetas:

ANA MENDES é luso-angolana, autora de dois livros (infantojuvenil e rom. policial) em francês e português; Coautora em 50 Antologias e Coletâneas na França, Bélgica, Itália, Suíça, Portugal e Brasil. Premiada em concursos, poesia e contos/2020 & Menções Honrosas 2020 e 2021/ poesia. Acadêmica em seis Instituições: Brasil/Suíça/Portugal/Itália.

CRIS ARANTES, poeta escritora, compositora, musicista. Tem um Canal no YouTube: CRIS ARANTES VARAL DE POESIAS.

HELOISA HELENA GARCIA é paulistana apaixonada por pessoas e palavras desde menina, se tornou psicóloga e professora. Seus escritos revelam um tom pessoal, intenso e sensível. Acredita que escrever é mergulhar na experiência de si e de ser no mundo, emergindo sempre mais viva, presente e inteira. 

MARTA CORTEZÃO – amazonense radicada em Segóvia/ ES, é escritora, poeta, ativista cultural, professora, tradutora. Mantém o blog https://feminarioconexoes.blogspot.com. Participou de diversas antologias/revistas nacionais e internacionais. Livros de poesia “Banzeiro manso” e “Amazonidades Poéticas – Cultura e Identidade” (no prelo).

 Aguardamos por VOCÊ! Até mais.


REFERÊNCIAS:

PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira (Coleção Logos), 1982.

 

 


16 comentários:

  1. Diante do caos do mundo, o poesia é bússola, é remo, é cantil. E se de destroços pode florescer vida, é nesse momento que alimento minha poesia. Marta Cortezão, nosso farol! Feliz demais por participar desta TEIA.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Querida Deusa, eu que agradeço pelas suas palavras, acredito que o Enluaradas tem esse propósito maior de levantar, em coro, nossas vozes e nos fortalecer via Literatura. Queremos ser o coletivo que abraça mas que também, e especialmente, aprende uma das outras. Tenho aprendido muito com todas vocês. Gratidao imensa. até mais tarde.

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  2. Diante do caos do mundo, o poesia é bússola, é remo, é cantil. E se de destroços pode florescer vida, é nesse intervalo que alimento minha poesia. Marta Cortezão, nosso farol! Feliz demais por participar desta TEIA.

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  3. Diante do caos do mundo, a poesia é bússola, é remo, é cantil. E se de destroços pode florescer vida, é nesse intervalo que alimento minha poesia. Feliz demais por participar dessa TEIA. Marta Cortezão nosso farol!

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  4. Compartilhar a vida com propósito isto é viver no coletivo.
    O projeto Enluaradas 🌕 é experiênciar a poética de outras atravessar o nosso papel e juntas construimos uma vida poema.
    Parece utópico, mas totalmente possível.
    Gratidão 🌹😘

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  5. A palavra nunca está sozinha. Carrega consigo o cheiro, a cor, o sabor na memória. Tem, essa Deusa, o desejo de ser proferida, gritada ou, sussurrada, levemente pronunciada.
    Então, falar de poesia é trazer para a pauta do dia a reflexão sobre a vida na sua profundidade pois, na poesia, vamos compondo, pelas palavras e sentidos, cenários que serão preenchidos, completados, modificados por outros de forma inimaginável. Na sua composição, compartilhamos o nosso desejo de abrir as comportas da alma, de desvelar o oculto, o não dito, o sonhado... ou mesmo, o que ainda está sendo gestado.
    Então, falar da leitura e da escrita das mulheres do nosso tempo é falar das Enluaradas! Mulheres a postos e atentas às questões da luta dura e amorosa, enfim, da complexidade da vida na sua cotidianidade!
    Grande abraço Marta, Patrícia e a todas essas mulheres maravilhosas que compõem os fios dessa teia poética, à qual tenho orgulho de fazer parte! Margarida Montejano

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    1. Que beleza, Margarida! Grata pelas palavras. É maravilhoso este retorno. "A palavra nunca está sozinha". Grata, Deusa.

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  6. O texto da Deusa Marta apresenta uma reflexão necessária e consubstanciada sobre a necessidade de pensar o processo criativo da escrita feminina nas teias e veias abertas do Projeto Enluaradas. As provocações teóricas, apresentadas nas dialogicas vozes e enunciações de poetas e teóricos da literatura e cultura como Paul Valéry, Octavio Paz, mas nao para por aí avança nas questões colocados pela própria poesia: ser de linguagem indomável, de natureza reversível diante do inacabamento, da relatividade do real. O que poderá florescer, frutificar e gerar novas sementes, no bosque por anda em refulgente processo criativo, da literatura feminina contemporânea: o que move nossa escrita, como escrevemos e quais temáticas são capturadas pelos nossos sentidos de lobas atentas a uivar para a lua?
    Essas questões estão latentes na imanência de nossa poética.
    Salve, salve Deusa Cortezão! Beijos

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    1. Salve, Deusa Isabel Corgosinho! Gratidão por enriquecer estas teias de diálogos.🤜❤🤛

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  7. Que texto lindo! Parabéns, talentosa amiga Marta!
    Enluaradas, a minha eterna reverência e gratidão.

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