quinta-feira, 9 de setembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|60




 Momento com Gaia/60


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá


Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Abrigo


meu corpo-terrestre

possui sementes sagradas

de florestas de várias vidas


são muitas e preciosas

ficam dormindo dentro de mim

até conseguirem espaço para nascer


mas eu preciso estar atenta

a minha vulnerabilidade 

me aceitar e me acolher


usar agasalhos propícios

humildade, afeto, perdão

ética, respeito, compaixão


ou do contrário germinarão

arrogância, violência, humilhação

egoísmo, vaidade, vitimização


por isso há que cuidar do corpo

com carinho e proteção

e deixar brotar o fruto bom


a pele que me abriga 

é teto de sábias virtudes

que podem mudar o mundo





EMPOEME-SE EM POESIA: Não há oásis no deserto




 

EMPOEME-SE EM POESIA/16


Não há oásis no deserto, de Cátia Castilho Simon

Para ouvir o podcast, clique AQUI.


Não há oásis no deserto

 

Hoje foi a vez da diarista e outras mais

O jornal anunciou o assassinato de cinco mulheres por seus homens

Outro dia uma juíza foi morta na frente das filhas

Em outros dias, horas, meses, anos,

Agora, agorinha

Por séculos dos séculos, amém e ai de nós

Elas têm se revezado como em uma corrida em meio ao deserto

Uma a uma acredita no oásis e sucumbe:

A bruxa

A frentista

A cabelereira

A advogada

A professora

A escritora

A costureira

A médica

A manicure

E assim vão morrendo de morte matada, todas

Não há filhas nem filhos capazes de salvar daquele que se entende escarnecido, ainda que seja o pai

Era necessário esfaquear dezesseis vezes para que voltasse ao seu lugar

Sucumbir diante das filhas ou filhos é um morrer sem fim,

É cortar o osso e segurar a dor

Doca Street, o assassino de Angela Diniz, morreu aos 86 anos há poucos dias. Morreu de morte natural, 44 anos após o crime, como um justo que nunca foi.


(In: Coletânea Enluaradas I: Se Essa Lua Fosse Nossa. CACAU, Patricia, CORTEZAO, Marta (Org.). Selo Editorial Ser MulherArte, 2021, p. 81)

 




quarta-feira, 1 de setembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|59


 

Momento com Gaia/59


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá




Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Eu me permito


eu me permito ser lua, sol, estrelas

céu azul ou nublado em fim de tarde

sabor de camomila, anis estrelado 


eu me permito ser rios e lagos

minas, matas, cachoeira, cerrado

flores do campo, vida selvagem


eu me permito ser voo de borboletas

libélulas de translúcidas asas

mansidão da chuva, semente germinada


eu me permito ser trigo dourado

arroz no cacho, feijão na vagem

pão na mesa, água potável

eu me permito ser canto de pássaros 

pântano, aves e animais aquáticos

canção de ninar, templo sagrado


eu me permito ser amor, felicidade

paz e oração em dias tribulados

bondade, desapego, compreensão


eu me permito ser e reconhecer 

meus medos e minhas fraquezas

enfim merecer o colo da Mãe Natureza




sábado, 21 de agosto de 2021

HOJE, SÁBADO (21/AGO) TEM CIRANDA DE DEUSAS / X: LEITURAS POÉTICAS! VEM VER!?



  Por Marta Cortezão

UMA CIRANDA DE DEUSAS/X: LEITURAS POÉTICAS

 

As artes e a literatura são importantes e precisam ser incentivadas porque oferecem beleza e, também, espaço de reflexão sobre as desigualdades sociais e as injustiças que nos cerceiam. São ferramentas para sonhar um mundo melhor.

{Regina Dalcastagnè, em entrevista à Revista Tantas-folhas}

 

E por aqui seguimos com o jovem Projeto Enluaradas que iniciou-se em janeiro deste ano, 2021. Publicamos o e-book Coletânea Enluaradas I: Se Essa Lua Fosse Nossa, cujo lançamento foi realizado no dia 21 de abril e transmitido pelo canal YouTube Banzeiro Conexões.  Continuamos trabalhando este projeto, agora com a Coletânea Enluaradas II: uma Ciranda de Deusas, com a mesma determinação, sem perder o foco inicial: divulgar e promover a Literatura Contemporânea do Feminino. O Enluaradas é o projeto-abraço que não apenas publica autoras, mas que constrói História fazendo Literatura. E através de nossas Cirandas de Deusas fazemos a Poesia transitar neste círculo de pura energia que emana de nossa força interior, nosso Sagrado Feminino.

Como já afirmamos, no prefácio de nossa primeira coletânea, o Enluaradas possui um universo mágico que nos aproxima e nos une, onde

ecoa, em todos os cantos, a voz inspiradora de Virginia Woolf nos dizendo que “não há portões, nem fechaduras, nem cadeados” capazes de “trancar a liberdade” de nosso “pensamento” [...] Somos o verso prenhe e latente de vida, dançando, em conexão plural, de mãos dadas, ao redor da apoteótica deusa luna, toda nossa. Somos a mistura poética perfeita em suas imperfeições, porque nos permitimos a poiesis aristotélica, em estado pleno, nos abrindo aos impulsos do espírito humano para voar desde nossa imaginação e desde nossos sentimentos aninhados na alma.

(CACAU, Patricia; CORTEZÃO, Marta. Prefácio Coletânea Enluaradas, 2021, p.30)

 

Somos um Movimento Literário que busca aprender a pensar coletivamente dia após dia, porque entendemos que "o voo só pode ser pleno quando em bando". Nossa prioridade é contribuir para a consolidação da mulher no espaço literário. Quanto mais nos distanciamos dos vícios humanos que nos provocam a sede de protagonismo e nos desviam de nossos ideais coletivos, mais nos aproximamos da concretização de nossos sonhos, vez que a força está na sabedoria de "dar as mãos". Portanto, não esqueçamos NUNCA que DE MÃOS DADAS SOMOS DEUSAS; JUNTAS, AS ENLUARADAS!

 


Nossa décima Ciranda de Deusas acontecerá HOJE, sábado, dia 21/AGO, às 17h30m (Brasília), será transmitido, via canal do Youtube Banzeiro Conexões e contaremos com a participação das autoras Deusas Enluaradas e Cirandeiras da Poesia:

FlaviaFerrari (Santana de Parnaíba/SP) é professora, escritora e poeta. Escreve contos infantis desde 2014. Estreou na poesia escrita em 2020, no início da pandemia. Antes seus poemas eram apenas pensamentos e sonhos. Teve poemas publicados pela Escrita Cafeína e pela Toma Aí Um Poema.

Franciná Lira é amazonense, pedagoga - SEMED; MembroEfetivo da Academia de Letras do Brasil/AM.Membro-Fundadora da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-Amazônicos– ABEPPA e da Associação dos Escritores do Amazonas – ASSEAM; Poeta e escritora. Fundadora do grupo Formas em Poemas.

Heliana Barriga, poeta, escritora, trovadora, cordelista, compositora, violonista, sanfoneira, percussionista, apresentadora, performer, intérprete, brincante, animadora literária, palhaça, oficineira, cuidadora de plantas, mentora de projetos artísticos, poeta do cotidiano.

Manuela Dipp, nascida em Porto Alegre, formada em Direito pela PUCRS, escreve poemas desde criança e coordena desde julho/2020 o Sarau da Invencionática, realizado online, do qual participam poetas, músicos e atores de todo o Brasil e da Argentina.

Missandra Almeida – Licenciada em História, Acadêmica de Psicologia, “Natural” de Coração de Maria, Bahia, reside em Aracaju, Sergipe. Uma poetisa sergibaiana. Publicou em Antologias como Mulher Poesia, vol.5 Cógito Editora, Poesia Agora, outono 2020, Ed. Trevo e Coletânea Enluaradas I: Se Essa Lua Fosse Nossa.

Marta Cortezão – amazonense radicada em Segóvia/ ES, é escritora, poeta, ativista cultural, professora, tradutora. Mantém o blog https://feminarioconexoes.blogspot.com. Participou de diversas antologias/revistas nacionais e internacionais. Livros de poesia “Banzeiro manso” e “Amazonidades Poéticas – Cultura e Identidade” (no prelo).

Nossa Ciranda de Deusas reverenciará, através de leituras poéticas, autoras de diversos coletivos femininos nacionais e internacionais. Vejamos: 

 

1. Leituras poéticas de FLAVIA FERRARIRyane Leão (poema sem título do livro “Tudo nela brilha e queima”), Adriane Garcia (poema “A Santa”), Ana Martins Marques (poema sem título do livro “O livro das semelhanças”) e Jéssica Iancoski (poema “Espelho”);

2. Leituras poéticas de FRANCINÁ LIRAEvany Nascimento (poema "Sons De Março”), Maria Júlia Lobo (poema “Helena”), Doroni Hilgenberg (poema “Ninguém É De Ninguém”) e Ana Karoline Ribeiro (poema “Alma Aprisionada”);

3. Leituras poéticas de HELIANA BARRIGAShaira Mana Josy (poema "Preta Que Nos Pariu”), Nairama Barriga Feitosa (poema “Intimidação”), Marcilene Nogueira Da Silva (poema “Ensinamentos Do Cinza”) e Roseli Sousa (poema “Fiz Agorinha Mesmo”);

4. Leituras poéticas de MANUELA DIPPMaria Alice Bragança (poema “Fonte”), Malu Baumgarten (poema “Ariadne”), Fátima Farias (poema “Pedras Raízes”) e Lilian Rocha (poema “Lilith”);

5. Leituras poéticas de MISSANDRA ALMEIDADaniela Bento (poema “Eu”), Gabriele Rosa (poema “[pequena]”), Naiara Iris (poema “Rasga o Corpo”), Gilmara Belmon (poema “Ternura”).

Contamos com a sua especial presença para fazer girar esta Ciranda de Deusas através da arte da Poesia. Esta Ciranda é nossa! Visite o canal Banzeiro Conexões, inscreva-se e ative as notificações para não perder esta e nem as próximas cirandas poéticas!

 


sexta-feira, 20 de agosto de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|58

 


Momento com Gaia/58


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá




Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Trama coletiva


mãos entrelaçadas às minhas
na tessitura de muitos outonos
para ser crepúsculo da vida

lentamente na trilha da escrita
vamos tecendo estratégias de lutas
para regar as surpresas do amor

nessa roda de boas conversas
nesse encontro de lindos afetos
tecemos música para embalar o mundo

são tantos fios coloridos
na trama de diversificadas histórias
lutas, perdas, dores, vitórias

estampa de silenciosos instantes
traçados de batalhas e desilusões
agora se juntam à linhagem coletiva

assim eu te escuto, tu me escutas
nós nos escutamos a cada dia de sol
iluminando os ontens sem sentidos

que não nos escapem as horas fugidias
ao piado agudo dos pássaros noturnos
o desejo de retecermos um novo amanhã








quarta-feira, 18 de agosto de 2021

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: AURITHA TABAJARA


 

 PROTAGONISMO|01


A FORÇA DA MULHER INDÍGENA ROMPE ESTEREÓTIPOS A PARTIR DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA


 POR HELIENE ROSA


    A presença feminina na literatura indígena brasileira contemporânea vem sendo motor de transformações importantes tanto no imaginário social quanto no contexto das representações dos indígenas na atualidade. Essa força feminina vem sendo constituída, gradualmente, a partir do final do século XX, através de obras literárias produzidas por autoras indígenas, cujo trânsito entre cidade e aldeia, oralidade e educação formal, línguas ancestrais e idioma oficial é vivenciado diretamente por elas e pelo conjunto dos povos originários, entre eles, os Tabajara, que reivindicam seu direito à identidade e à ancestralidade.


    Como forma de contribuir com o combate ao preconceito e à discriminação contra a mulher indígena nordestina, desponta no Ceará, a literatura de cordel indígena brasileira com a guerreira Auritha Tabajara, falante da língua Tupi, cujo nome tem o significado de “Pedra de luz”. Ela nos conta que foi registrada de acordo com a tradição religiosa, com o nome de Francisca Aurilene, nome de Santa. A primeira cordelista indígena brasileira aprendeu a ler e a escrever na rima: ouvindo, nas tardes de domingo, seus tios e padrinho declamarem versos do poeta Patativa do Assaré. A poética popular ficou gravada na memória da narradora, além da forte influência de sua avó Francisca Gomes de Matos, que contava histórias em forma de cordel.


        A literatura de cordel brasileira tem seus temas focados em histórias encantadas de reis e de rainhas, dramas românticos, reinos distantes e irreais, e também da epopeia do cangaço. Em contrapartida, surge a literatura de cordel indígena, trazendo à tona a realidade da mulher indígena e nordestina: uma princesa destemida, heroína, “filha da mãe natureza”, que superou inúmeros obstáculos e preconceitos e hoje se destaca na literatura de autoria indígena contemporânea do Brasil. Ela traz a voz da mulher indígena, desconstruindo assim, visões estereotipadas dessas mulheres, que foram construídas pela prevalência do olhar europeu e disseminadas de variadas formas, inclusive pela literatura canônica brasileira.   


       Em seu livro “Coração na aldeia; pés no mundo” (2018), a autora nos apresenta a escrita de si e resgata elementos de sua memória afetiva. Assim, a protagonista, como mulher indígena, situa leitores e leitoras, promovendo uma ruptura, a partir da adaptação das personagens do cordel da literatura tradicional.


        A autora se apresenta como indígena, rompendo com o estereótipo de que no Nordeste não pode haver uma princesa encantada. Ressalta os valores indígenas e vai tecendo sua narrativa poética na sequência dos acontecimentos, desde a infância:


Peço aqui, Mãe Natureza,

Que me dê inspiração

Pra versar essa história

Com tamanha emoção

Da princesa do Nordeste

Nascida lá no sertão.

 

Quando se fala em princesa

É de reino encantado,

Nunca, jamais, do Nordeste

Ou do Ceará, o estado,

Mas mudar de opinião

Será bom aprendizado. 

 (TABAJARA. p. 6)

 

        A alteração do foco narrativo torna as cenas mais poéticas “[...] Nasceu uma indiazinha, chorando bem alto e forte”. Ela relata costumes do povo Tabajara, como a contação de histórias e vai se autoafirmando, ao se identificar positivamente como indígena Tabajara, em construção poética bastante criativa e atraente. O texto tem fluência e ritmo   incomparáveis e não deixa escapar a cultura, os valores, as crenças, os costumes do povo Tabajara e um pouco da memória afetiva da autora.


        Ela nos conta que, desde pequena, não gostava de meninos: “Não gostava de meninos, E não sabia lidar.” O preconceito e os olhares de reprovação representam um alto desafio para a princesa do Nordeste que rompe com estereótipos e assume a sua identidade de gênero, conforme suas preferências afetivas. É a voz da mulher na poesia que abre passagem para as diferentes subjetividades na cena do debate contemporâneo. É essa voz feminina indígena que reafirma poeticamente que toda forma de amar deve ser respeitada e valorizada na sociedade.

 

       Assim, essa poética feminina diversa, plural e acolhedora de subjetividades díspares leva o leitor a compreender o potencial de tensão dos enfrentamentos e dos desafios da mulher indígena nordestina, na sociedade brasileira, na contemporaneidade:


Agora eu tenho em mente

Um desafio a enfrentar

Refazer minha história

Sem desistir de lutar

Tantas noites eu chorei

Quanta tristeza passei ...

Não dá nem pra imaginar

 (TABAJARA, p. 32)

 

      Ela aborda incoerências da sociedade de classes de base capitalista e dos padrões impostos pelos donos do poder, em um cenário onde sempre prevalece quem tem mais dinheiro.


        A guerreira tabajara expressa também, por meio de seus versos, o desejo de lutar contra o preconceito no Brasil. Ela reconhece o poder de luta e de transformação que a arte de poetar lhe confere. Trata-se de uma guerreira, cujo baluarte são as letras, com elas compõe seus versos. Uma heroína que empunha a palavra poética como o seu aparato de luta para auferir conquistas:


Esta é minha história,

Tenho muito pra contar.

Feliz eu serei um dia

Se o preconceito acabar.

Letras são meu baluarte,

Relevo com minha arte

Um Brasil a conquistar.

 (TABAJARA, p. 40)

 

       A autora segue revisitando a adolescência, seu bom relacionamento e aprendizado com a avó, que a criou e relata sobre o preconceito e o bullying sofridos na escola, onde, com apenas sete anos de idade, aprendeu a ler. A moça revela que, aos treze anos, saiu da aldeia e foi conhecer a experiência de viver a cidade, sua família ficou muito preocupada. Ela viu a onça pintada, ao atravessar a mata, mas saiu-se ilesa da situação, pois Tupã a preservou.


      Moça esperta e de beleza exuberante, a narradora começou a ser percebida e assediada pelos rapazes da cidade. Então decidiu partir para a capital. Fortaleza a recebeu e ela encontrou trabalho na casa de um deputado. Entretanto, mais uma vez, percebeu que seria explorada. Logo decidiu retornar para a aldeia e esquecer o passado sofrido longe de sua casa. Auritha então se casou e teve quatro filhos, mas perdeu dois: ficaram duas meninas. Depois disso, separou-se do marido.


       Estudou magistério indígena e compôs o livro “Magistério Indígena em verso e poesia” (2007) com a experiência adquirida no curso. Auritha relatou, em versos, as histórias de seu povo na aldeia, em seu livro, que ganhou contornos didáticos, tornando-se leitura obrigatória em escolas geridas pela Secretaria do Estado do Ceará. Depois disso, nossa guerreira viajou para São Paulo e lá enfrentou a escassez e ficou sem dinheiro. Então, o ex-marido tomou-lhe a guarda das filhas. Ela chorava muito de saudade:


Vivo na cidade grande

Mas não esqueço o que sei

Difícil é viver aqui

Por tudo que já passei

Coração bom permanece

A essência fortalece

Ante o pranto que chorei.

(TABAJARA, p.36)

 

    Ao final da trama narrativa, a autora agradece ao Deus Tupã e ao povo Tabajara.


Agradeço a Tupã

Por me guardar e inspirar.

Ao meu povo Tabajara,

Pela vida me ensinar.

Se você é como eu,

Sofre ou antes sofreu,

Não desista de lutar.

(TABAJARA, p.40)

 

     Os espaços são referenciais e contribuem para a composição da magia presente na narrativa. Essa magia é balizada pela ancestralidade e reforçada pela presença da avó como mestra inspiradora, contadora de histórias e educadora. Essa forte influência na constituição do projeto de escrita da cordelista Tabajara dá relevo à questão da oralidade que é constitutiva da poética dessa autora e manifestada pelos versos de cordel.


        A literatura indígena brasileira de cordel carrega esse tom de poesia social e denuncia o preconceito e as violências contra as mulheres. A escrita dessa guerreira do povo Tabajara marca a presença e a força da mulher indígena brasileira na literatura, ocupando espaços e rompendo com o silenciamento secular das vozes femininas indígenas imposto a partir da dominação europeia.


        Sua voz feminina resgata as vozes ancestrais que foram caladas por força dos estupros e dos assassinatos ocorridos a partir das violentas invasões aos territórios ancestrais indígenas, como efeito nefasto da colonização e da neocolonização em terras brasileiras. Seus textos dão visibilidade aos povos indígenas, sobretudo ao povo Tabajara em suas manifestações mais genuínas, pois é uma mulher indígena Tabajara que enuncia poeticamente a partir de suas memórias e de sua subjetividade.


        A literatura abre espaço para essa autoexpressão que empodera a mulher indígena e faz com que sua voz ecoe e seja ouvida, de forma a romper com o silenciamento secular de vozes exiladas, no contexto da sociedade brasileira. Esse fato aponta para grandes transformações, possíveis a partir do reconhecimento do valor das epistemologias ancestrais desses povos, na simbiose com a natureza e no respeito à sacralidade da Terra.


        Desse modo, anuncia-se a possibilidade da construção de novas visões e de novas formas de estar no mundo, considerando-se o desenvolvimento de posturas mais sustentáveis por parte das pessoas. Trata-se de engendrar, a partir da literatura, uma consciência holística que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações, de forma geral, a partir de uma relação menos predatória e, portanto, mais equilibrada com a nossa Mãe Terra.




terça-feira, 17 de agosto de 2021

EMPOEME-SE EM POESIA: Afronta



 EMPOEMESE/15


Afronta, de Ale Heidenreich

Para ouvir o podcast, clique AQUI.


AFRONTA

 

Faz um “X“ na tua mão!

Não apanhes em silêncio.

Faz um “X“ na tua mão!

Ninguém vê o teu sofrer.

Faz um “X“ na tua mão!

São covardes os que batem.

Faz um “X“ na tua mão!

Mostra “isso“ a todo mundo.

Faz um “X“ na tua mão!

Não somos surdos, cegos, mudos.

Faz um “X“ na tua mão!

 

E se isso não bastar, faz um “X“ no teu grito.

Silencia esse teu medo!

Faz um “X“! Eu repito!

Teu sofrer tem que ter fim.

Acredita em mim.

 

Não dê a carne à faca!

Não dê o corpo ao tiro!

Tem valor a tua vida.

Tem valor a tua fala.

Para tudo há uma saída.

Por amor, mana, não cala.

Por favor, mulher, reflita!




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VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

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