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Arquivo pessoal de Lindamir S. Casagrande |
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Arquivo da autora |
A poeta indígena Eliane Potiguara é Doutora Honoris Causa pela UFRJ No dia 22 de novembro de 2022, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concedeu o título de Doutora Honoris Causa a uma ex-aluna ilustre: a escritora indígena brasileira Eliane Potiguara. A autora nasceu em 1950, na cidade do Rio de Janeiro, no seio de uma família indígena desaldeada e cursou Letras na UFRJ, no início da década de 1970.
A literatura indígena contemporânea, compreendida como a produção literária dos intelectuais indígenas brasileiros na atualidade, vem se tornando bastante expressiva a partir das últimas décadas e tem na figura de Eliane Potiguara uma importante precursora. No contexto da produção literária da autora percebe-se uma escrita voltada para o universo feminino em que se destaca a afirmação das diferenças, em contraposição ao modelo hegemônico.
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[foto do Facebook da autora] |
Na condição de intelectual orgânica – sua produção literária não se distingue de sua atuação de militante do Movimento Indígena, Potiguara promove, no conjunto de sua obra, uma série de rupturas em relação aos padrões clássicos de textualidade, de linguagem e de pressupostos, tanto teóricos quanto epistemológicos. As principais publicações de Eliane Potiguara são: A Terra é a Mãe do Índio (1989); Akajutibiró: terra do índio potiguara (1994); Metade Cara, Metade Máscara (2004); Sol do Pensamento (2005) e-book; O coco que guardava a noite (2012); O Pássaro Encantado (2014); A Cura da Terra (2015). Diversas antologias produzidas no Brasil e no exterior. Potiguara também costuma publicar textos em seu site, nas páginas, Instagram, perfis no Facebook, e em grupos que administra nos espaços virtuais.
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[foto do Facebook da autora] |
Esse reconhecimento vem como honraria para a intelectual que, em sua longa jornada no campo da escrita autoral, já enfrentou inúmeros desafios e foi, muitas vezes, silenciada, aviltada e até violentada em sua condição de mulher indígena que não se cala diante das injustiças e das incoerências. Seu livro Metade cara, metade máscara, referenciado pelo eminente escritor indígena Ailton Krenak como um livro totem, representa um libelo contra a opressão aos povos indígenas, sobretudo às mulheres indígenas.
Eliane Potiguara é uma autora que escreve com as suas ancestrais. A partir de um jogo polifônico, ela resgata as vozes das matriarcas indígenas. A escritora realça a importância da convivência com as mulheres de sua família, como a mãe, a avó e as tias-avós, para a sua formação como escritora. De acordo com ela, porque narravam suas histórias indígenas de forma mágica e envolvente. E a partir dessas narrativas, a poeta promove reflexões sobre os enfrentamentos das mulheres indígenas em trânsito, sua solidão e os preconceitos dos quais costumam ser vítimas. Dessa forma, seus escritos denunciam a violência, o racismo e a intolerância da sociedade.
Nos
versos de seu poema: Fim de minha aldeia:
Tenho
medo das coisas que falo
Que
mais parecem profecias
De
tudo mais que falei
Hoje
estou tão só, triste e descontente
Perdi
o meu amor
Perdi
minha razão
Dói-me
profundo
Profundamente
meu coração.
Choro
intranquila, sofro a desgraça
Vivo o
desamor na solidão
E por
onde passo
Há só
lembranças, tristes lembranças
De uma
aldeia acabada.
Eu
tenho medo das coisas que falo
Que
mais parecem profecias
Pois
de tudo, tudo que falei
Hoje
estou sofrida, amargurada
Perdi
minha essência
Grito
traída, canto a trapaça
Sou a
própria tristeza
Transformei-me
numa constante ameaça.
Agora
não rio, não sonho
Não
suporto mais nada
Uma
dor aguda me sufoca, me maltrata
É a
dor da saudade que me mata.
(POTIGUARA, 2018, p. 35).
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[foto do Facebook da autora] |
Os versos realçam a subjetividade das indígenas exiladas, como a avó da autora – Maria de Lourdes, forçada a deixar a aldeia no Nordeste, de forma violenta, após o desaparecimento do pai Chico Solon. De acordo com relatos da própria escritora, as matriarcas chegaram ao Rio de Janeiro em um navio que carregava imigrantes e enfrentaram inúmeras adversidades.
A cerimônia de outorga do título reverenciou também o poeta popular Carlos Assumpção, personalidade negra brasileira internacionalmente reconhecida. Em solenidade de grande força simbólica, a academia premiou, concomitantemente, uma escritora indígena e um escritor afrodescendente. Dois intelectuais considerados periféricos cujas produções movimentam discursos contra-hegemônicos.
Nessa linda cerimônia, foram ouvidos: o grito de uma guerreira indígena potiguara e um rufar de tambor acompanhado por calorosos protestos de um intelectual negro. A cena revela rupturas em relação ao pensamento abissal moderno. A literatura abre caminhos para a valorização dos saberes populares, dos escritos das mulheres, do povo preto e dos povos indígenas.
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[foto do Facebook da autora] |
A beleza dessa cena sugere a possibilidade de revitalização do cânone literário tradicional, a partir da apresentação de escritoras e escritores silenciados no interior do sistema literário brasileiro, como é o caso dos intelectuais indígenas e dos intelectuais negros e negras que tiveram suas participações negadas durante a constituição da historiografia literária. Que a literatura possa, cada vez mais, tocar a sensibilidade das pessoas para que superem preconceitos e ódio. Que a sociedade se torne, cada dia, mais harmônica e equilibrada sempre se pautando pelo respeito às diferenças e pela convivência pacífica entre os povos.
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[foto do Facebook da autora] |
Que a exemplo da escritora Eliane Potiguara, cada vez mais mulheres sejam reconhecidas, dentro e fora dos espaços institucionais, cada vez mais indígenas, negros e negras sejam reconhecidos e reconhecidas. E que a diferença não seja mais critério de exclusão, mas que possa ensinar o respeito pela diversidade.
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Referência:
POTIGUARA, Eliane. Metade Cara, Metade Máscara. 3ª ed. Rio de janeiro: Grumin Edições, 2018.
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Em sua trajetória profissional, na academia, a autora publicou diversos livros: Experimentando a vida: cotidiano, esperanças e sensibilidades (2008), Roteiro poético de Hilda Hilst (2009) e Sonho de um repentista versos do poeta logogrífico Canelinha (2009), todos pela Editora da Universidade Federal de Uberlândia (EDUFU). Pesquisadora dedicada, Enivalda Freitas fundou o grupo de pesquisa - POEIMA: Grupo de Pesquisa Poéticas e Imaginário,- onde produziu outros livros: Reflexos e sombras: arquétipos e mitos na literatura (2011) pela Cânone Editorial. Sua pesquisa de Pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) resultou na publicação da obra Flores de Perséfone: a poesia de Dora Ferreira da Silva e o sagrado (2013), pela Editora Cânone, com o patrocínio da FAPEMIG. Mais tarde, no ano de 2016, organizou Poesia com deuses – Estudos de Hídrias, de Dora Ferreira da Silva, que saiu pela Editora 7Letras, obra igualmente financiada pela FAPEMIG.
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Enivalda Nunes Freitas e Souza [foto arquivo pessoal da autora] |
A leitura de Terra Traçados e Livros: nas
vozes da memória nos revela uma autora sensível e atenta aos problemas
sociais, econômicos e políticos da história recente do nosso país. Da trama,
por onde circulam matriarcas e patriarcas, emergem fatos e relatos históricos
aos quais a autora dá o devido acabamento. Então sua voz se mostra sensata e
preocupada com o desenvolvimento sustentável do país e com a melhoria da
qualidade de vida da população, sobretudo das classes sociais desprestigiadas.
A autora comenta: Não resta dúvida de que a escola pública no Brasil sempre foi
negligente para com a população menos favorecida. Acreditamos, também, que a
região em que nossos pais viveram, o sudeste goiano, estava, aos olhos da
capital, a caminho dos fundões do Brasil. Em suas grotas, em suas casas de pau
a pique, em suas fazendas sem nenhum adorno, a pobreza era multiplicada com a
falta de Educação. (SOUZA, 2021, p.52) No trecho em questão, a autora aborda
uma pesquisa realizada sobre o ensino, em Goiás, sua terra natal, durante as
décadas de 1940-1950. Nesse aspecto, ganha relevo a figura materna – Aldacira -
e sua trajetória, como mulher que lutou por melhorias para a família. Ressalta
sua inserção no mercado de trabalho: após aprimorar-se nos estudos, deixou o
trabalho a partir de casa, na máquina de costura, para trabalhar como
professora, no serviço público.
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Enivalda Nunes Freitas e Souza [foto arquivo pessoal da autora] |
Emocionante e bonito é o trecho em que se faz menção à
luta da mãe para adquirir livros e materiais escolares para os filhos pequenos:
“Resfolegante, mas não arqueada, finalmente nossa mãe entrou em casa com o
pacote de livros didáticos dos três filhos menores. Como muitas vezes o fizera
em Iporá-GO, adquirira o material a prestações na Papelaria Rodarte” (Souza,
2021, p.45). A trajetória de luta de Aldacira reflete a realidade das mulheres
da classe trabalhadora no Brasil. Como professora, ela trabalhava em dois
períodos e, ainda assim, tinha que ter “jogo de cintura” para garantir que os
filhos pequenos tivessem condições materiais de permanecer estudando. A
desvalorização do trabalho docente, a tripla jornada das mães trabalhadoras, a
injusta distribuição de renda e outras mazelas sociais aparecem,
subrepticiamente, nesse trecho da narrativa. Entretanto, tal constatação não
reduz a importância do protagonismo feminino como fator determinante para as
transformações positivas que levaram a família a um patamar social e econômico
mais elevado. Das importantes reflexões que essa trama narrativa suscita, sem
dúvida, avulta a constatação da grande relevância da Educação, sobretudo da
Educação Pública para o desenvolvimento da nação.
A obra evidencia o poder que a escolarização
formal tem na transformação desse Brasil pobre e interiorano, muitas vezes
esquecido, pelas elites e pelo poder público. Nesse contexto, a escritora
revisita acontecimentos e cenários que envolvem a história da sua família.
Evoca as matriarcas, a avó, a mãe, as tias, reavivando, no decorrer da trama,
curiosidades e modos pitorescos de falar e de se comportar envolvendo pessoas
do seu convívio familiar. A maneira como são apresentadas as mulheres da
família revela a forte influência dessas personalidades sobre o psiquismo da
autora. No capítulo dedicado à tia Almira, lemos: "Que jeito inconfundível
de se expressar. Com que graça e eficiência ela usava o substantivo trambeco,
que significa “coisa”: “Fulano, pegue aquele trambeco pra mim!”. Não é um
neologismo seu, mas jamais ouvimos essa delícia de palavra da boca de outra
pessoa. Com esse substantivo, que se aproxima do “trem” mineiro, tia Almira
economizava tempo, ganhava tempo. As palavras e as pessoas... (SOUZA, 2021,
p.88) O modo goiano de falar e de se expressar, aqui representado pela fala de
tia Almira, aparece carregado de intencionalidades, evidencia uma espécie de
consciência semântica e pragmática no uso corrente da linguagem. A tia usava um
termo que poderia, talvez, ter sido cunhado por ela mesma ou ser de uso
exclusivo dela, com o intuito de subverter a lógica do próprio tempo. O
foco nas questões atinentes à linguagem é constitutivo do modo como atua essa
pesquisadora que, há anos, trabalha com as Letras e com as Literaturas.
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Enivalda Nunes Freitas e Souza [foto arquivo pessoal da autora] |
Enivalda Nunes Freitas e Souza é intelectual que
adentra os mistérios da poesia, do mito, do simbolismo e das formas fugidias
para lançar luz sobre o que é profundo e belo, motivando estudantes,
professores, pesquisadores e amantes da literatura a se enveredarem pelo
caminho da leitura, da escrita e da sensibilidade poética. O resgate da
memória, a partir da pesquisa comprometida e da valorização das fontes vivas
carrega, para a superfície de seu texto, significativos debates em favor da
construção de uma nação menos desigual. Nesse aspecto, a promoção da saúde
pública como mecanismo para a melhoria da qualidade de vida da população ganha
relevo.
Os enredos revelados no decorrer da narrativa
esclarecem sobre o valor do SUS, Sistema Único de Saúde, principalmente para
parcelas da população brasileira com menor poder aquisitivo e/ou localizadas em
regiões menos estratégicas na comparação com os grandes centros urbanos. Aliada
às conquistas sociais advindas com a educação, a autora ressalta a importância
do SUS para a nação brasileira. Enivalda esboça um painel da precariedade da
saúde em nosso país a partir das doenças do patriarca quando criança e do sonho
de Aldacira, mãe de seis filhos, para ter acesso ao atendimento
médico-hospitalar, objetivo alcançado com o cargo de professora. Para mostrar
como era a saúde no Brasil antes do SUS, a narradora colhe, além das memórias
familiares, depoimentos de autoridades na área.
Desta forma, o livro é mais do que a história de uma família, é um registro do desenvolvimento do próprio povo brasileiro. E a autora, muito mais que uma pesquisadora comprometida, é uma intelectual antenada com os desafios sociais, econômicos e políticos do país; é uma escritora sensível e talentosa que, por meio da saga de seu clã, esboça um Brasil que precisa ser reconhecido e transformado para o desenvolvimento sustentável da nação. Enivalda Nunes de Freitas e Souza é, acima de tudo, uma mulher vencedora, protagonista de sua história, cujos traçados e livros admiráveis constituem importante legado para futuras gerações de mulheres, incentivando-as, com o seu exemplo e com o seu trabalho. Profissional competente que inspira as outras a transformarem desafios em mote para o trabalho produtivo e transformador com a docência, com a pesquisa, com o amor pela poesia e com a escrita literária.
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Heliene Rosa e Enivalda Nunes Freitas e Souza [foto arquivo pessoal da autora] |
Para conhecer melhor a autora e o conjunto de sua obra, encontre-a nas redes sociais: Eni Freitas E Souza (@enifreitasesouza) • Fotos y videos de Instagram
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Heliene Rosa |
Heliene Rosa é poeta mineira, professora e pesquisadora das poéticas
femininas. Escreve para o Blog Feminário Conexões e publica textos em
antologias literárias nacionais e internacionais. Além da produção poética, tem
publicações acadêmicas sobre a produção feminina na literatura e articula
projetos e eventos de leitura literária.
PROTAGONISMO|04
LITERATURA FEMININA DE AUTORIA INDÍGENA: SONY FERSECK E AS MULHERES QUE FAZEM SOL
Sony Ferseck, Sonyellen Fonseca Ferreira, é uma jovem intelectual indígena do povo makuxi que vive na cidade de Boa vista, em Roraima. Poeta, editora, pesquisadora e professora atuante no campo das artes. Formou-se em Letras pela Universidade Federal de Roraima, no ano de 2013. Em 2016, defendeu seu mestrado pela UFRR, na linha de pesquisa Literatura, Artes e Cultura Regional.
Em 2014, tornou-se participante do projeto de pesquisa Panton Piá coordenado pelo professor Devair Fiorotti, onde se dedicou a estudar e divulgar narrativas e cantos que compõem as artes verbais indígenas da região. Trabalho ao qual até hoje se dedica: é fácil encontrá-la no YouTube, divulgando cantos da matriarca makuxi, vó Bernaldina. Em 2020, ingressou como doutoranda, no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde desenvolve projeto sobre literatura comparada.
Chamada Wei Paasi, em idioma makuxi, Sony busca com seus escritos conectar-se profundamente com sua ancestralidade indígena. Publicou seu primeiro livro: Pouco Verbo, no ano de 2013, pela Editora Máfia do Verso. Depois, publicou Movejo, em 2020, pela Editora Wei, da qual é cofundadora ao lado de seu companheiro professor Dr. Devair Fiorotti. Hoje Sony Fersec é professora substituta no Instituto Insirikan de Formação Superior na UFRR e dirige sozinha a Editora Wei, após o falecimento do marido.
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Sony Ferseck Foto de Nara Nasco |
Sony Ferseck é uma mulher forte e corajosa que não perdeu a ternura apesar dos muitos embates que a vida já lhe proporcionou. Uma voz potente na defesa do seu povo, bem como das suas tradições culturais e do legado de arte e sabedoria das mulheres matriarcas makuxi. Sony é mulher infinita que diz palavras de cura, mas que sabe também fazer silêncio para guardar o intocável, tecendo assim, as teias da vida.
Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), terceiro livro da autora, veio à luz pela Editora Wei, na cidade de Boa Vista, em Roraima. Um livro ancorado fortemente no feminino ancestral, com versos da pena dessa potente escritora indígena da Amazônia Ocidental. A belíssima capa e a diagramação da obra foram feitas pelo designer gráfico Abraão Batista.
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Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022) Foto de Nara Nasco |
No miolo, um conjunto de textos poéticos muito sensíveis, semanticamente intensificados pelos textos imagéticos da artista visual roraimense Georgina Sarmento, indígena dos povos Makuxi e Wapichana. Os textos verbais e visuais aparecem dispostos em pares e se complementam na tessitura dos múltiplos sentidos suscitados na e pela obra.
Embora estejam materializados em
linguagens diferentes, esses textos juntos engendram uma carga poética generosa
e surpreendente que propicia uma experiência estética rica a quem lê a obra.
Sobre essa construção complexa e engajada da poesia de Sony Ferseck, em Weiyamî: mulheres que fazem sol, Rita
Olivieri-Godet, pesquisadora e professora da ERIMIT-Université de Rennes 2, na
França, esclarece:
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Foto de Nara Nasco |
No cumprimento dessa missão de “escrever com o outro”, entre as muitas estratégias de composição poética empregadas na obra, Ferseck reconstrói, em versos, as memórias ancestrais do seu povo. Esse fenômeno ocorre em alguns poemas como Makunu’pa, em que a autora, ao final do texto, acrescenta contextualizações, além de traduções dos termos empregados em língua ancestral.
Nas palavras dela: “Segundo seu
Alcuíno de Lima, da comunidade do Taxi, na TI Raposa-Serra do Sol, nasceram Makunaimi e Makuna’pa, um menino e uma menina gêmeos. Segundo ele o radical
makun – seria relacionado a makunai’ve,
gêmeos em Makuxi Maimu” (Ferseck,
2022, p.22).
Desse modo, a poeta makuxi promove uma reconexão com as memórias ancestrais indígenas, ao conceder a voz lírica aos seus/suas mais velho/as, que são aqueles que detêm a sabedoria desses povos. Cabe esclarecer que a subjetividade da mulher indígena contemporânea predomina em seu projeto de construção autoral, pois para além da inspiração e da composição dos versos, a autora nos mostra a sua visão: “Bom, para mim Makunu’pa é um rio que corre pra sempre e transborda toda e qualquer margem, principalmente na época das chuvas” (Ferseck, 2022, p.22). E assim, o caráter polifônico da produção literária indígena, em Sony Ferseck, vai permitindo vislumbrar culturas em que a pluralidade é acolhida e celebrada com respeito e com alteridade.
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Foto de Nara Nasco |
Encontramos em Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), uma belíssima “femenagem” e
a transcrevemos aqui:
Alcançar com as mãos
O útero da terra
Percorrer com os dedos
A linguagem da terra
A fala das pedras
Os grãos da voz
Que a água acalenta
Tirar o pó do mistério da existência
Matéria mesma das mãos nas mãos
Das mães do barro
Koko’Non
Afagar entre os dedos
O barro que arredonda
As formas das gentes
Da vida
Seus afetos meus afetos
De enfrentar o fogo
O fogo é a cor da pele
Do povo do entorno da Wazaka
Rigores do amor vertidos por Wei
Que depois de secos alimentam
As palavras das avós que nunca racham
De Tuma, de karutuke, tawa, de pari
Decoram as cantigas que encantam
De carinho as netas das netas que virão
A seguir.
(FERSECK, 2022, p.37)
Acompanha o texto um pequeno glossário, com as definições para os termos em língua makuxi. Por ele, aprendemos que Koko’Non signifca; “Vovó Barro que permite às mulheres mais velhas saber de seus conhecimentos e mistérios, quando dá a hora certa”. Sony dedica seu poema a Elieth e Amora - duas gerações de mulheres da sua família, - sua mãe e sua filha: “Para Elieth e Amora, as duas pontas do meu amor, com todo meu ser. Vivo por e para vocês”(Ferseck, 2022, p.37).
Essa bonita louvação à Mãe Terra se estende às ancestrais matriarcas, chega até as mulheres contemporâneas e culmina com as futuras gerações de mulheres – aquelas que ainda virão: “as netas das netas”. Um texto que reverbera nas palavras da crítica literária Julie Dorrico, indígena do povo makuxi: “os versos desse livro vêm de longe, do tempo dos ancestrais, para consagrar as mulheres makuxi: vós, netas, pajés, mães, amantes, meninas-moças, todas filhas de Wei, da Sol” (Dorrico, 2022, p.5).
Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), é um livro único, um monumento às mulheres indígenas makuxi, um monumento em forma de poesia. Ele revela ao público leitor uma escritora determinada a colorir poeticamente o mundo com as histórias e memórias de seu povo. Sony Ferseck é dona de uma escrita peculiar e de uma potente voz artística que faz ressoar, - através da literatura, - as memórias, a língua, a cultura, as lutas e as subjetividades das mulheres da sua grande família makuxi.
FERSECK, Sony. Weiyamî: mulheres que fazem sol. Ilustrações: Georgina Sarmento. Boa Vista/RR: Wei Editora, 2022.
Para conhecer melhor a autora e suas obras, encontre-a em suas redes sociais: https://instagram.com/sony.ferseck?igshid=YmMyMTA2M2Y=
Por Heliene Rosa
O projeto de leitura "Rodas de Contação de Histórias: Eliane Potiguara e Conceição Evaristo" promove a divulgação da escrita das mulheres indígenas e negras, no contexto da literatura contemporânea brasileira. Idealizado por mim, vem sendo desenvolvido em parceria com o Programa de Pós-graduação em Estudos Literários (PPLET/UFU), com coordenação partilhada com o professor doutor Carlos Augusto de Melo (PPLET/ ILEEL/UFU) e com apoio financeiro do Programa Municipal de Incentivo à Cultura.
Durante o ano de 2021, aconteceram oito encontros virtuais que reuniram centenas de pessoas para ler e debater obras de autoras indígenas e negras, durante a pandemia da Covid-19. Contribuíram para o sucesso desses eventos, pesquisadoras e pesquisadores, poetas e escritoras em interação dinâmica: Cátia de Jesus Lima, Débora Lima, Eva Potiguara, Fernanda Felisberto, Girlane Santos Silva, Heliene Rosa, Joel Vieira, Mirian Santos, Neli Edite dos Santos, Rosivânia Santos, Simone Ricco, Verônica de Souza, Letícia Santana Stacciarini. Os debates ocorreram em torno das obras: O Pássaro Encantado, A Cura da Terra e Metade Cara, Metade Máscara, de Eliane Potiguara; Ay Kakyri Tama (eu moro na cidade), de Márcia Wayna Kambeba; Olhos d’Água, Insubmissas Lágrimas de Mulheres, Poemas da Recordação e outros movimentos, de Conceição Evaristo; e Terra Negra, de Cristiane Sobral, escritas representativas das literaturas negras e indígenas brasileiras.
Esse trabalho de disseminação da produção literária das intelectuais indígenas e negras contribui para a desconstrução de estereótipos e de preconceitos que giram em torno dos povos negros e indígenas, de forma a favorecer o respeito pelas diferenças étnicas, sociais e de gênero. Debates e leituras realizados durante os oito encontros, no decorrer do ano de 2021, culminaram com a produção de um livro em e-book. Uma obra organizada em duas seções intituladas: ensinar e acolher.
A primeira parte, “Palavras que ensinam”, apresenta contribuições de pesquisadoras e pesquisadores que conduziram leituras literárias nos encontros da Roda de Contação de histórias. São os artigos: “Curar a terra antes que o céu despenque: a escrita engajada de Eliane Potiguara”, de Joel Vieira da Silva Filho; “Eliane Potiguara: a voz ancestral da literatura indígena brasileira”, de Rosivânia dos Santos; “Análise do livro Lua-menina e menino-onça da escritora indígena Lia Minápoty”, de Letícia Santana Stacciarini; “Memória e Resistência na Poética de Conceição Evaristo”, de Cátia de Jesus Lima; “Terra Negra: Corpos Insurgentes”, de Mirian Cristina dos Santos.
Já a segunda parte, “Palavras que acolhem”, traz depoimentos de participantes a respeito das suas experiências leitoras na Roda, no ano de 2021. Textos cativantes de quem se emocionou, aprendeu e ensinou: Manancial, da socióloga e acadêmica do Curso de Letras Helisa Vieira Magalhães; Roda de Contação: ouvir, aprender e se Emocionar, de Jeane Almeida da Silva; Conta Lá Que Eu Conto Cá, de Maria Célia Gomes de Souza, e; Relato de Experiência, da professora universitária e doutoranda em Estudos Literários Márcia Dias Dos Santos.
Em breve anunciaremos o lançamento do e-book nas redes sociais do projeto, onde deverá permanecer disponível para leitura e download. Venham participar com a gente desse banquete literário: https://www.instagram.com/rodasdecontacaodehistorias/; https://www.youtube.com/channel/UC98mTBclMZaadfrX7IwWlgA.
PROTAGONISMO FEMININO |07 MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS POR Heliene Rosa Imagem Pinterest ...