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terça-feira, 20 de abril de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|33




Momento com Gaia/33



Por Janete Manacá


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:



Para ouvir o PODCAST clique AQUI. 


A benzedeira


sua bíblia era a prática

de sempre estender os braços

acolher com o coração


sua caridade era o poder amoroso

de benzer com a força da oração

por três dias antes do sol se pôr


num resumido vocabulário

repetia por várias vezes

algumas palavras indecifráveis


com suas frágeis e lentas mãos

abrigada entre a flácida pele

movia em formato de cruz


sobre a chapa quente do fogão

havia sempre um velho bule de chá

de camomila ou erva doce


e para fortalecer os fios da vida

que lutavam contra as mazelas

contava com as mulheres da terra


diante de tão sagrado cuidado

ela aliviava os pesados fardos

de corpos delicados, cansados




sábado, 3 de abril de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|29




Momento com Gaia/29


Por Janete Manacá


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:



Para ouvir o PODCAST clique AQUI. 


Inquietude


hoje passei o dia me lembrando 

das raízes das grandes árvores

que se destacavam na floresta


que esparramadas pelo chão

formavam tantos desenhos

simbólicos e indecifráveis


como uma obra de arte

que ninguém ousou pintar

por falta de sensibilidade 


mas estavam sempre ali, expostas

na tela abundante e acessível

para que todos pudessem apreciá-las


então foi preciso que nos entregássemos

para a nossa própria essência

e o milagre da percepção acontecer


como se afastássemos 

um pesado véu dos nossos olhos

de repente descobrimos o mundo


percebemos o tempo perdido

em busca de algo inexistente

inquietude, ausência do tempo presente




sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|09



Momento com Gaia/09- (28/01/2021)

Por Janete Manacá


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema "Canto poético", divulgado no dia 28 de janeiro de 2021.

 

Para ouvir o PODCAST clique AQUI.

louvada seja   


louvada seja 

a chuva que rega os campos

as sementes que se deixam germinar


louvada seja 

a lua que inspira os amantes

as estrelas que mostram a direção


louvada seja 

as noites de inspiração

a poesia, a dança e a canção


louvada seja

a sabedoria das ancestrais

exercida todos os dias no lar


louvada seja 

a gentileza que promove a paz

em qualquer tempo e lugar


louvado seja 

o desejo de sonhar

a coragem de recomeçar


louvada seja

a minha criança interior

admirável exemplo de amor




sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|02


Momento com Gaia/02- (21/01/2021)


Por Janete Manacá


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema "Canto poético", divulgado no dia 21 de janeiro de 2021.


Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Canto poético


Que o meu canto poético

Minha súplica e meu afeto

Possam chegar até você


que o meu canto poético

leve alento aos enfermos 

e todas as famílias de luto


que o meu canto poético

ultrapasse os desertos

e leve conforto aos dias dores


que o meu canto poético 

seja o oxigênio da esperança

o bálsamo aos aflitos corações


que o meu canto poético

traga o milagre da regeneração

a chuva necessária à lavoura


que o meu canto poético

proteja a nascente dos rios

para saciar a sede da humanidade


que o meu canto poético

inspire saúde, amor, fraternidade

e propicie a tão esperada solidariedade




quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|01




Momento com Gaia/01

Por Janete Manacá


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema "Vazia passagem", divulgado no dia 15 de janeiro de 2021.


Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Vazia passagem


o tempo é o senhor das horas

a demarcar minhas decisões

muitas vezes tão fugazes


há um palco sempre a disposição

para o show da vida começar

no seu ritmo e do seu lugar


mas há quem escolha a sombra

do seu vazio existencial

e aproveita para se vitimizar


negam a outros olhos

a importância de se encantar

e vai murchando devagar


o palco vai se decompondo

as vermelhas cortinas deteriorando

pela falta de ocupação


o tempo segue livre seu trajeto

veloz, as vezes cruel, avassalador

entre muitos prisioneiros do ego


tardiamente, casmurro, percebe

que só acumulou rancores

e desperdiçou a paz dos amores




LIVROS & ENCANTAMENTOS: A LIBERDADE QUE VEM DA IDENTIFICAÇÃO, POR ROBERTA GASPAROTTO



LIVROS & ENCANTAMENTOS/04

'CARTAS QUE NAO ESCREVI", DE MARIA ALICE BRAGANÇA 


POR ROBERTA GASPAROTTO


Em "Cartas que não escrevi”, da poeta gaúcha Maria Alice Bragança (Editora Casa Verde, 2019), o eixo temático de seus poemas se encontra naquele tempo espaço tão conhecido, quanto inefável, de algo que aconteceu, e se perdeu, ou, inversamente, do que não aconteceu mas fica entranhado dentro da gente. É um livro de desencontros, muito mais que de encontros; de perdas, muito mais que ganhos e, de melancolia, muito mais que alegria. E isso só faz os poemas de Maria Alice ganharem mais potência e verdade. Em meio a tantos desencontros, uma saída: a vida. Aquela comezinha, corriqueira, bem do dia a dia. A leitora e o leitor nem precisam chegar ao final do livro, para experimentarem uma incrível sensação de liberdade, que só a identificação pode oferecer: Maria Alice sabe que o constante espanto com o mundo é o nosso pão de cada dia, e cada qual que encontre o seu refúgio, sempre provisório e a ser recriado, todo santo dia.


Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Fotografia desbotada

No olho da menina,

retina, a imagem farta,

(retida)

da vida que ainda não vivi.


***


Teia


Onde está o meu amor?

Sonha comigo? Ou contempla o seu umbigo?

Em que cidade, em que pensamento, se perdeu nesse momento?


Teço fios para laçá-lo

Antes que o lirismo me sufoque.

Penetro o sonho do meu amor,

Pensando nele

... e lixando as unhas


***


Um sentimento/Incomunicável


Só nós dois sentimos o que sentimos.

Estamos sós.

Não há discurso possível.

A palavra é sempre passado.

Um real que não volta,

Um eu que é sempre outro.

Discurso fadado a descrever cadáveres

Do que se foi, 

Seguimos, mórbidos,

Falando sobre nós.




sábado, 16 de janeiro de 2021

Do outro lado da vida-Deusa Alada



Por Janete Manacá


Para ouvir o podcast clique AQUI.


"À Ana de Paula Silva, minha primeira

Deusa Alada, sonho, inspiração, mãe amada, 

rainha de todos os tronos desta efêmera existência. 

Meu amor em demasia, minha eterna poesia" 


O sol distraído ainda dorme 

O cheiro de café invade o quarto 

É tempo de colheita 

A vida não pode esperar


Ela segue na frente 

Com a bravura de uma rainha 

E leva consigo uma sacola de poesia 

Escrita na solidão dos seus dias 


A rotina das frias manhãs é entediante 

Estradas lamacentas ou empoeiradas 

Não tem atrativo quando o corpo tem sono 

Os pés feridos sangram na marcha repetitiva


Coração de mãe só pode ser de aço 

Para suportar tanta responsabilidade e cansaço

E ter força para entoar cantiga de ninar ao fim do dia 

Para com muito amor adormecer suas crias 


Rotina para ela é poesia tecida de espinho 

Cicatrizada fica anestesiada e já não dói 

Nem é preciso ter cuidado, é só assimilar o jeitinho 

É demasiadamente sábia nas tarefas de cada dia 


Seu choro silencioso é cantiga de superação 

Mãe não demonstra a dor que sangra seu coração 

Filhos têm fome, sede, dor e não sabem esperar 

Atenta, ela entende e não deixa de estender a mão 


O tempo passa indiferente à dureza

Seu corpo curva-se para o chão 

Quando menos se espera ela volta para as estrelas

E os filhos choram sem direção


A poética agora é de saudade 

Mas à noite quando se olha para o céu

É possível ver uma rede de luz estelar 

Balançando com muito amor o seu sono imortal


MANACÁ, Janete. Deusas Aladas. Cuiabá: Espaço Criativo Flor de Lis, 2017.


 



quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Dona Elvira




Para ouvir o podcast clique AQUI.

Ela se foi tão inesperadamente
E não houve tempo para adeuses
E agora anda-se 
Pelos cantos de nossa morada
Para ler as marcas 
Da sua ausência-presença

E existem coisas
Não recolhidas
Livros ainda abertos
Pertences soltos
Perfumes no ar
E pequeninas vaidades
Que ficaram, ali,
Como a esperar
Que contemos suas histórias

É assim mesmo!

A saudade vai tomando conta de tudo
Até que o simples cantar
De um pássaro
Num fim de tarde
Vai provocar lágrimas

O cheiro de comida deliciosa
Vai lembrar bons momentos

Uma data
    Um aniversário
       Uma comemoração
          Uma surpresa
             Uma viagem
                Uma foto
                   Um mimo

Tudo vai ficar
Bem vivo na memória

E a saudade, dona de tudo,
Vai passear lentamente
Nas terras 
Onde ninguém andou…

E a saudade, dona de tudo,
Vai lembrar, sempre,
Que essa dor não vai passar
    Dias
      Meses
         Anos
Serão um mero detalhe
De uma história
Que começou agora
E não terá fim

A saudade agora escreve
A segunda parte da minha história
Sem a presença física
De Dona Elvira, minha mãe!

(15/08/2020)




 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

LIVROS & ENCANTAMENTOS: O CORAÇÃO É UM MÚSCULO QUE PULSA, SENTE E PENSA - CONSTANTEMENTE, POR ROBERTA GASPAROTTO


LIVROS & ENCANTAMENTOS/03

'O CORAÇÃO PENSA CONSTANTEMENTE', DE ROSÂNGELA VIEIRA


POR RBERTA GASPAROTTO


Qual o gostinho de ser uma das primeiras leitoras a ter acesso a um livro profundo e ao mesmo tempo delicioso? Eu pergunto e eu mesma dou a resposta: me senti como tendo a chave para abrir um tesouro, o que é bom, e ao mesmo tempo, senti uma responsabilidade danada sobre o que fazer com o tesouro recém descoberto.  

Nessas minhas reflexões sobre 'O Coração Pensa Constantemente', da nossa querida Rosângela Vieira Rocha, lançado pela editora Arribaçã, espero que eu faça jus (nem que seja um pouquinho) à imensidade da obra. 

Em uma época em que muitos usam a faculdade de pensar com o objetivo de travar batalhas e ganhar discussões, Rosângela nos convida a usar essa importante ferramenta com o objetivo de estabelecer conexões.

O coração da narradora do livro, Luísa, é um músculo que pulsa, sente e pensa, constantemente. É a partir desse pensar-sentir, ou melhor, sentir e pensar sobre o que sente, que ela refaz caminhos e , principalmente, revivifica suas relações de afeto.

Em suas ações, a narradora realiza uma deliciosa e inteligente subversão, ao inverter a equação tão em voga em nossa contemporaneidade: de uma vida em favor da racionalidade, para a racionalidade em prol da vida e dos encontros.

Seu pensar é sempre a partir do coração, e é com esse recurso que Luísa procura entender o mundo, suas emoções e, também, o outro.  Sendo que o outro mais especial, é sua irmã Rubi. 

Há momentos belíssimos , e alguns muito engraçados, dessas duas irmãs que nutrem profundo amor entre si, mas não só. Como humanas que são, outros sentimentos também comparecem em cena, e Luísa usa de sua extraordinária habilidade de pensar os sentimentos, para dar conta de desenrolar muitos nós cegos. 

Preciso dizer que Rosângela foi muito generosa com seus leitores: através de Luísa temos a oportunidade de refletirmos sobre como anda nosso sentir-pensar-agir. Mais que isso: aos interessados, Luísa aponta, de certa forma, o caminho das pedras.

Além disso, as emoções são, no meu ponto de vista,  a personagem principal do seu maravilhoso e potente livro: há que se ter a coragem de investigá-las, e muitas vezes enfrentá-las para seguir em frente e não estagnar no caminho.

Ao fim da leitura, temos a confirmação de que o esforço da narradora em  percorrer seus percalços,  e em aceitar os tropeços alheios, deram frutos.

Em uma das frases finais, Luísa reflete sobre a vida, e também, sobre a morte, que um dia inevitavelmente virá, assim como veio para uma das pessoas que ela mais amou, sua irmã. 

Ao final, a narradora acolhe com bravura tanto a sua vida, quanto a sua morte: serenidade e maturidade alcançadas só para quem viveu uma existência que fez sentido para si.




terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Amor de papel


Poema/03

PARA OUVIR PODCAST CLIQUE aqui

 

Por Fernanda Caleffi Barbetta

 

Disse que queria fazer

amor

comigo,

e eu não sabia que

amor

se fazia,

como se faz um

barquinho

a partir de um pedaço de papel,

em branco,

dobrando e

vincando a folha

entre o indicador e o polegar

até ela ganhar forma.

Não sei se foi

amor

o que fizemos,

mas a folha,

que não é mais branca,

rasgou.





 

ELES LEEM ELAS: RASGA OSSOS, POR MARCELO FROTA


Rasga Ossos, de Sabrina Dalbelo/05

 

Por Marcelo Frota

 

Rasga Ossos é um livro de reflexões, de questionamentos. É uma obra de imagens, uma sucessão de estranhamentos. É soco no estômago, um desalento. É palavra/evolução, uma montanha-russa, um espaçamento.

Eis o novo livro da autora gaúcha Sabrina Dalbelo, (Penalux, 2020), que adentra no universo literário em um ano em que nada foi lugar-comum, em um tempo em que a arte se entrega a seu papel máximo, ou seja, retratar o tempo presente. Rasga Ossos é tempo presente. Também passado, também futuro.

 

A poesia presente na obra, segundo a própria autora, é um resultado de encontros e desencontros. Entre conhecidos e estranhos. É, aos meus olhos, um reflexo de experiências e vivencias. Um algo familiar entre os estranhamentos dos caminhos da vida. É como um filme de Ingmar Bergman, uma jornada entre a leveza e o lado mais sombrio de uma jornada que nem sempre tem um começo definido, ou um fim estabelecido, mas que em seu meio, se faz matéria de reflexão e silêncio.

 

No poema Cicatriz é artéria pulsante, Sabrina faz uma reflexão divertida e profunda sobre os caminhos da tristeza. A autora constrói por meio de frase envoltas em simplicidade um lamento que nos remete a encontros com presente/passado. “A tristeza é uma amiga. É ferida que deve ser sentida, vivida. Tristeza é para ser abraçada, doída”.

 

Sim, a tristeza é amiga, é companheira, é constante. A tristeza é o intervalo da felicidade. Aquela visita indesejada, que sempre aparece, e, muitas vezes, fica além da hora. Mas que quando vai embora, alivia o clima da casa, tira o peso do corpo. É como cantavam Tom & Vinicius: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Tristeza tem intervalos, às vezes curtos, às vezes longos, mas fim não tem. Tem recessos, tem intervalos.

 

Em Medo da vida, poema que remete a preocupações, anseios, receios, paranoias, Sabrina Dalbelo faz um desafio aos medos que estão no íntimo de todos nós. “Quero falar do medo de receber resultado de exame, de vislumbrar um futuro de medicação, fisioterapia, de tratamento, hospital e de, todos os dias, se perguntar o porquê, por que você, por que a estatística veio lhe pegar”.


Viver é ter medo da morte? Medo da doença? Medo da ruína do corpo? Da falha da mente? Viver é uma sucessão de medos, uma eterna estrada de pequenos receios. Ter medo da vida é ter cautela? Não, ter medo da vida é não viver, é não deixar o acaso se tornar real. Não deixar o sonho se tornar palpável. Ter medo da vida é não deixar a vida ser vida, vivida, desfrutada. A morte é natural, e, como disse Cazuza: “Morrer não dói”. Digo eu, “viver dói mais”.

 

Em Na teoria o céu é azul, a tortuosidade da vida cotidiana é matéria para versos “fofinhos”, que escondem, por trás de sua aparente doçura, a brutalidade da realidade do nosso tempo. “nas nuvens branquinhas que pairam no azul/céu azul o passo é manso/o sonho é carinho de mãos firmes/a brisa é fresca como limão taiti”.

 

Nas esquinas das ruas da vida, o mal que ronda por nosso tempo se faz presente. A doença que infesta nosso planeta, o descaso do nosso governo, a incapacidade e desumanidade o presidente “Mito”, o descaso com o que é minoria, a desgraça de viver em tempos em que o homem agride seu semelhante, mata seu semelhante pela cor, pela orientação sexual, pela diferença. O poema “soco no estômago de Rasga Ossos para mim.

 

Em meio à densidade da poesia da Sabrina Dalbelo, termino com a doçura agridoce de Mulher-goiaba: “mulher não escreve memórias/em papel de seda ou de presente/calada/tem filho/faz goiabada”. Lygia Fagundes Teles, a homenageada com o poema, acredito eu, ficaria feliz.

 

Rasga Ossos, como antes mencionei, é um livro para reflexões. Reflexões profundas, e como toda reflexão, ora leva, ora sombria, mas sempre relevante. Leitura de uma vez só, para depois ser revisitada, redimensionada, reinternalizada. Uma jornada de intensidade.


 


domingo, 3 de janeiro de 2021

Carta a uma Mulher mais Bonita do que Eu



Prosa Epistolar/01 

Por SabrinaDalbelo

 

Minha Sacerdotisa,


Tenho pensado em tudo o que ocorreu. Estou ciente de que passaste a viver em meio ao horror e no isolamento. Todavia, não posso deixar de reconhecer a mulher que eras. Creio que a fêmea desejável ainda exista por detrás desses muros petrificados que te cercam e por debaixo dessas serpentes perniciosas que te prendem à monstruosidade.

Persisto firme na minha decisão de condenar-te ao vazio, pois ainda não suporto que tanta beleza, como a tua, fosse conferida pelos deuses a uma mera mortal.

Poseidon começou a me falar de ti e eu não sei quem eu passei a odiar mais, se ele ou tu.

Não pude acreditar que vocês dois cederam à tentação justamente embaixo de meu próprio teto, na minha casa sagrada. Até aquele momento, tu me idolatravas, e ele me desejava. Pouco depois, eu já não tinha mais nada. Feriu-me a honra tamanha traição, sobremaneira porque banhada pelo suor carnal escorrido de ambos.

Lembro-me de Poseidon vangloriando-se de ti, de te ter nos braços, de apalpar tuas carnes e de afagar teus cabelos macios, enquanto preparava os mais vigorosos maremotos, enternecido por um entusiasmo jovial, fruto da lembrança dos momentos íntimos vividos contigo.

Enquanto me traías, eu seguia ocupada, mantendo-me imbatível nas guerras, até mesmo frente a Ares. Optei pela luta solitária e gloriosa. Coube a mim a virgindade perpétua, apesar de saber que sou bastante desejável para os homens e outros deuses.

Foi por isso que te tornei tão vingativa e rancorosa no que diz respeito aos machos, como eu própria sou. Foi por isso que te condenei a uma vida isolada e trágica. Eu queria que vivenciasse minha congênita falta de ternura.

Dolosamente, te penitenciei a não olhar, não acariciar, não presenciar mais nada. Tua sina é paralisar aquele que chegar a ti. Teu destino é viver rodeada de estátuas tão inertes quanto teu próprio coração gelado. Ou seria o meu?

Te condenei a nem mesmo “te” olhar, pois terás nojo e raiva todas as vezes que perceberes o quão horrenda tu te tornaste por fora, como sou por dentro.

Preciso contar-te mais uma coisa. Na tua cabeça abominável, o sangue de tua artéria esquerda é puro veneno, amargo, provocador de dor e petrificação. Contudo, o de tua artéria direita é um remédio divino, com propriedades de ressuscitar os mortos. Ironicamente, permanecerás bonita por dentro, mas nunca te atentarás de usar o remédio da vida. Quando te tornei isso, tu acabaste optando pelo medo e pela infelicidade. Tu, tomada de rancor, vejo agora, só te socorres do veneno que habita metade de ti.

Minha mensagem, por isso, cara Medusa, é para reconhecer que, como minha vingança ao assédio que aceitaste, tornei-te tão dura e fria como eu mesma, incapaz de reconhecer a própria vida que ainda conténs.

Para meu regozijo, saibas tu, nem mesmo terás acesso a esse relato, pois o mensageiro que mando para entregar-te é um homem e, fraco, cederá ao desejo de encarar-te, como todos aqueles que chegam até ti após atravessarem o reino dos mortos a bordo do barco de Caronte. Ele será mais um ornamento paralisado a tua porta, para te lembrar que tua vida estagnou.

Nunca saberás disso, mas haverá um mortal que te libertarás, no exato dia em que te decapitares. Somente ele terá acesso ao sangue da vida que escorre de ti, o qual será usado pelo bem da Grécia.

Desse dia em diante, Zeus me perdoará pelo que fiz contigo e eu voltarei ao Olimpo.

Eu nunca serei liberta, eu sei. Mas tu, Medusa, nunca serás bela novamente.

Resta a mim, agora, vendar meus olhos e carregar a Justiça nas costas, para nunca mais ter de presenciar tamanha insolência, como a tua, embora seja meu fardo olhar pelos mortais, eternamente.


Até nunca, minha Sacerdotisa.


Palas Atena.

 

* mensagem originalmente em grego dada pela Deusa virgem Atena, filha de Zeus, deusa da estratégia em batalha, das artes, da justiça e da habilidade, a um mensageiro mortal para ser entregue à Medusa. O homem, apesar de atravessar a Grécia, rumo à extremidade ocidental do mundo, foi petrificado à porta do covil da górgona, diante do seu olhar paralisante. Medusa nunca leu a carta.





 

sábado, 2 de janeiro de 2021

Miniconto Poético: Paredes




Miniconto/01

Por Lucirene Façanha


Seus gemidos roucos chegavam através da parede. Se afastou da abertura, disposto a levar as últimas consequências seu protesto.

Escutou seus passos lentos, regulares. Nada mais havia a argumentar.

Não podia desfazer a história ou apagar os erros.

Na porta, estacou.

Levantou a cabeça.

Como num filme: o inicio idílico louco de paixão exacerbada. As travessuras. Depois: As viagens. Ausências. Inferno astral.

Olhou em frente. As palavras se movem. Reescreveria sua história. O horizonte além daquelas paredes se abriria para um recomeço.

E foi.



 

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