segunda-feira, 20 de outubro de 2025

A BAILARINA ANÃ E O RAPAZ FAVO DE MEL - CONTO - ISA CORGOSINHO

Por Isa Corgosinho

Eles se conheceram já adultos no circo ou naquilo que sobrou dos circos. No cenário monetizado do entretenimento virtual, os circos foram ficando cada vez mais à deriva das naturais, espontâneas alegria e diversão. As crianças radiosas não se interessam mais nem por palhaços, que dirá por anãs e homens sem mãos! Nem os circos de vocações mambembes escaparam da liquidez dos tempos.

Imagem Pinterest
Sem mais valia, sem serventia, o rapaz viciado em bolachas recheadas teve que buscar trabalho no circo. A mãe morreu vítima do amor incondicional e ele,   diabético, ficou largado à própria gula. Como não tinha mãos, devoradas pelo açúcar, seu  trabalho era alimentar com sua saliva a colmeia, ali cultivada para adoçar a tristeza dos palhaços e a aguardente das trapezistas. Foi lá que encontrou a mulher Anã de Cabeça Plana.

Imagem Pinterest
A anã, após ter sido espancada na cabeça durante anos, foi deixada ali pelo pai.  Com sua fantasia de bailarina, dormia com os malabaristas, os mágicos, o homem fera, a mulher barbada, o homem elefante, mas era propriedade, monetizada pelo dono do circo, sempre fantasiado de leão. A maioria era impotente, por isso apreciava o sexo com a Anã de Cabeça Plana: sem pensamentos, sem vontades!

Ela se deparou com o homem sem mãos no dia que ele adormeceu todo inchado, picado pelas abelhas, com a língua em viva carne, sangrando. Ela vinha de uma jornada gosmenta de cópulas com o leão faminto.


Imagem Pinterest
Ele estava caído na entrada de um trailer sem porta, quando ela tão pequenina tropeçou nele. Ficou ali parada sobre aquele homem e, pela primeira vez em muitos anos, ergueu a cabeça e viu asas de abelhas coroando o rosto do rapaz. Sentiu ânsias de mel, ergueu-se de mansinho e lambeu com a sua as feridas expostas da língua do rapaz. Mesmo exaurido de dor, o homem a sentiu como presença da abelha rainha, ela por fim viera curar-lhe do trabalho afoito e descuidado de suas dedicadas operárias. Quis acariciar aquele pequeno corpo que se estendia sobre o seu, e foi o que fizeram seus braços como se fossem mãos. Que delicada criatura! Sentiu sua língua amalgamada na língua suave daquele ser planando íntegro e grandioso. 

Era amor o nome daquele sentimento, ela, enfim, pensou! E o circo, que dormia profundamente, se iluminou com a coreografia dos pirilampos, que anunciavam o espetáculo:

A Bailarina Anã e o Rapaz Favo de Mel!

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Arquivo da autora
ISA CORGOSINHO é natural de Brasília/DF, mas mora atualmente em João Pessoa.  Doutora em Teoria da Literatura pela UnB e Università di Roma, Sapienza. Professora universitária, aposentada, ensaísta, poeta, cronista, contista, autora de artigos e ensaios. Livro Memórias da pele (Venas Abiertas, 2021), Livro Panópticos e Girassóis (Urutau, 2024), Livro Se um viajante entre a angústia da escritura e o prazer da leitura (Caravana, 2024), Eros e Thanatos em Plenos Pecados (TAUP,2025). Coletânea NÓS Autora premiada/1° lugar Crônicas. (SELO OFF FLIP, 2023), Coletânea NORDESTE conto destaque, (SELO OFF FLIP 2024), Coletânea NÓS (SELO OFF FLIP 2024) conto destaque, Coletânea Prêmio SELO OFF FLIP 2024 com poema e conto destaques, Coletânea TERRA (SELO OFF FLIP 2025) com conto destaque. Participou de diversas antologias, entre elas Coletânea Enluaradas I (2021); 1ª Coletânea Mulherio das Letras na Lua (2021); Coletânea Enluaradas II Uma Ciranda de Deusas (Selo Editorial/Sarasvati Editora, 2021); Poesia & Prosa (In-finita, Portugal, 2021); Coletânea Mulherio das Letras para ELAS, (Amare Editora, 2021.); Colectânea Mulherio das Letras Portugal (In-finita, Portugal, 2022). Membro da Comissão de Seleção do Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres 2023.


3 comentários:

  1. Respeitável Conto!
    Isa Corgosinho me fez viajar em "A Bailarina Anã e o Rapaz favo de mel"!

    Palhaço, anã de cabeça plana, mulher gorila e homem sem mãos, protagonistas em ação! Trágicos seres talhados na história dos homens pelas suas singularidades para espantar e fazer rir, o lado vil de nossa pobre humanidade. Dores transformadas em “folhetim de humor” sobem ao picadeiro e a literatura de Isa faz transcender, no entre mel e fel da escuridão da noite, personagens iluminados pelos pirilampos e pela magia do amor. Um conto que salta dos trapézios da fantasia à saudade da infância, que fazia do circo, momentos de encontro com a arte. Eu, na inocência de menina de olhos curiosos, não sabia que, por detrás do riso frenético do palhaço, lágrimas manchavam a sua maquiagem. Grata, Isa, por nos mostrar, pelo realismo e criatividade sensível , a singeleza, a beleza e a humanidade roubadas dos artistas e de nós, expectadores do sonho!

    Margarida Montejano

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    Respostas
    1. Querida MargaLinda, esse conto.foi escrito para olhos sensíveis como os seus. Sinto-me honrada com a sua interpretação..Beijocas!

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  2. Fico feliz, Isa! Minha viagem de volta à arquibancada do Circo foi, na verdade, um convite à releitura de nosso tempo presente. Parabéns, querida!
    Margarida Montejano

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