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sábado, 21 de janeiro de 2023

LIVROS & ENCANTAMENTOS: FIO DE PRATA, DE MARGARIDA MONTEJANO


LIVROS & ENCANTAMENTOS/09

DESFIANDO  REMINISCÊNCIAS, EPIFANIAS E METÁFORAS

POR ROZANA GASTALDI COMINAL

Sociedade distópica em função da pandemia da Covid-19, isolamento social por conta do coronavírus nos últimos dois anos, leva as mulheres que escrevem a se projetar com seus escritos nos mais variados gêneros. Em múltiplas linguagens dão vozes à potência feminina que dá um basta na violência cotidiana. Nesse curto período, estamos escrevendo sobre condição social, econômica, educacional, moda, comportamento, opressão, submissão, corpos, violência, política. Nada nos detém porque, enquanto reescrevemos nossos textos, damos novo enfoque àqueles que alienam de nossa condição.

Mulheres potentes em fusão por um mundo melhor. Foi nesse contexto que conheci Margarida Montejano e sua produção literária que traz traços de suas vivências como educadora, apresentadora do Canal N’outras Palavras, mãe, amiga, esposa. enfim, uma sobrecarga de papeis a que muitas de nós estamos expostas. E, justamente, por isso vamos nos apoiar e nos ler.

Margarida Montejano -Lançamento do livro Fio de Prata
[Foto arquivo pessoal da autora]

Em Fio de Prata, seu primeiro livro de contos, Margarida Montejano mostra que veio contribuir dando vez e voz a suas personagens femininas, para isso se apoia em alguns recursos estilísticos que se destacam: a reminiscência, a epifania e a metáfora. De fato uma maneira de aprofundar sua prosa poética.

 Na filosofia, Platão recorre à anamnese, à lembrança com pouca certeza. Nessa recordação vaga – reminiscência – é possível perceber coisas que ficaram na memória inconscientemente. Com o conto Reminiscências? Talvez, que abre o livro, percebe-se o quanto isso vem à tona. Quantas vidas existem e resistem em nós, mulheres? Múltiplas somos que “esse corpo estrangeiro” quando se depara na forma física “alta, negra, cabelos longos, pele quase negra”, “um corpo estranho e um cérebro em desalinho”, “vestido longo como num filme antigo”, natural o biotipo incomodar? Quando se vive no país em que vidas negras parecem pouco importar, isso não é à toa, vive-se livre num filme em busca das raízes que nos constituem. E nos vemos cara a cara com A Mulher do Retrato, a história de Inês/Inezita é recheada de romance, de perdas e ganhos, de se reinventar a cada amanhecer. Na primeira parte – A noiva do pescador – Inezita e Julinho vivem a saga de construir família e o sustento dela, o Condor passa, lutam até o luto. Na segunda parte – A Medalha da Sorte – Inezita, viúva, beija a medalhinha de Nossa Senhora da Conceição, os ventos e os rumos mudam, chega Naldo. E na terceira parte – A Mulher, o mar e vida que segue – vemos Naldo morrer à deriva no mar, após enfrentar duas árduas ressacas: a do mar e a da bebida. Apesar das dificuldades enfrentadas, na sua simplicidade, a mulher vivia feliz. Porque o tempo todo foi ela o arrimo que a todos sustentou, mesmo “com os olhos marejados de preocupação e saudade, trabalhava e trabalhava muito. Costurava, cozinhava, cuidava dos filhos”. Exatamente por isso, D. Inês enfrentou as marés e seguiu altiva e agradecida.

[Foto do arquivo pessoal da autora]

A seguir, já anunciada no título, está A Epifania Feminina. Como Clarice Lispector, a autora explora a epifania – o(s) momento(s) de revelação. Essa característica literária nunca anda sozinha, vem acompanhada de questões existenciais: Nascer de novo? Não como menina! Repetir a mesma história? Nem pensar nessa falta de sorte. Qual o seu lugar na família numerosa? O clube do Bolinha ordena, o clube da Luluzinha executa. Deus dará, a fé ilimitada da avó determina, assim tem sido. Mas a garota de 10 anos questiona quando vê que os irmãos e primos têm tratamento diferenciado e privilégios. Sente-se arrasada quando o pai diz: “Como diz o otro, o bão e o que dá sorte é bater na nossa porta um menino pedindo anobão. Se vié uma menina, aí o ano será ruim, não será anobão”. Que desaforo! Mas menina conta com o apoio, a sensibilidade e coragem da mãe para livrar da triste sina, não ficará relegada a segundo plano enquanto os meninos seguem maiorais pelo anobão. Bandeira de luta e resistência já desde cedo o feminismo floresce.

Outras epifanias surgem em A Mão e o Espelho quando a jovem funcionária do banco fala que pratica quiromancia. Um dos colegas fica animado e põe sua mão para ela ler. A moça dá trela, pois é boa observadora de pessoas e com base nas atitudes delas “revela” as previsões futuras. Tempos depois, em outra cidade, já com outra profissão, “as revelações” se confirmaram para surpresa de Márcia, uma espécie de espelho que filtra os desejos do outro, da outra, de quem quer que seja, pois reflete também a si mesma, pois quem é que não quer ter uma vida repleta de realizações? Linhas da vida, fios entrelaçados pela escuta, o melhor dos autocuidados em nosso cotidiano tão banal, no entanto revelador se atentarmos aos detalhes.

Para adquirir exemplares, fale com Margarida Montejano

Finalmente as metáforas retratam várias faces. Hora de olhar as analogias, as comparações entre uma coisa e outra, qual a similaridade entre ambas? Nos contos seguintes, percebo que as personagens estão em busca do sentido da vida, partem para uma reavaliação existencial. Foi desse modo que enxerguei A Metáfora do Buraco e a Água no Rosto. O homem, em busca de sua alma gêmea, caminha sedento pelo deserto. E do nada é “engolido pelo buraco”. Perde a noção espacial e temporal. Miragem, passagem? Sente o frescor do oásis, em “fragmentos de sonho” vê a si mesmo bem mais velho, “a mulher misteriosa” nas “dunas centenárias”. Perdeu o senso ao deixar de viver o inusitado? Afinal o que é a vida? Miragem, passagem? Melhor é água no rosto, acordar para vida e dela desfrutar, ouvir a intuição, porque, às vezes, procuramos por algo bem longe de nossa vista quando o objeto de nossa fixação está abaixo de nosso nariz.

Na narrativa Se Não Entender, Pergunte!, o universo da educação se faz presente. A princípio parece ser mais um conto daqueles em que o opressor da pedagogia do oprimido vence. No entanto, Paulo Freire nos educa para uma educação que liberta então vem o revés. Somos sujeitos históricos, oras! Enquanto uma criança mantiver sua curiosidade acesa, que venham as perguntas! Já as respostas podemos encontrá-las juntos! Criatividade exige aprendizagem cooperativa. Isso se dá com interação das partes envolvidas: professor, estudante, sociedade inseridos num determinado contexto gerando uma pedagogia da esperança, metáfora que indica novas leituras, novos modelos de educar, porque os tempos são outros. Ter consciência desse processo é humanizar a nós mesmos.

[Foto arquivo pessoal da autora]

Por fim, o fechamento do livro com O Fio de Prata, canal que transmite energias vitais. Dona Maria Teresa e Nona são as anfitriãs da casa sem espelho. Ali compartilham histórias e ausência de vaidades. Em contraste com a convidada que se fixa na imagem de Narciso, de poemas, de personagens literárias, incluindo seus autores como forma de manter o corpo-matéria vibrando. Vibração esta que vem do fio de prata, pois nele está a força divina que mantém o corpo ligado ao espírito. Nesta metáfora bíblica, Margarida Montejano nos enriquece com várias outras imagens que são espelhadas e espalhadas assim como deve ser o universo literário que nos reflete, ora é susto, ora é vislumbre, ora totalmente espelho.

Após a leitura dos 7 contos, comovida, percebo que faço parte desse mulherio em movimento. Assim são as mulheres que redescobrem dentro de si mesmas verdades intrínsecas e se movem sem a validação de outros olhares, agora encontramos em nós próprias representatividade. Ressalto, ainda, que foi apenas um recorte desta leitora e que outras análises são possíveis. Encerro lembrando de um dito popular que diz que recordar é viver. Diria mais, aprender é recordar, seja conhecimento e aprendizagem por reminiscência, epifania ou metáfora. Quando se toma consciência do quanto certas situações ficcionais se aproximam de situações cotidianas experimentadas por nós, tais fragmentos de vivências nos fortalecem, estamos unidas pelo fio de prata que herdamos da literatura de Margarida Montejano, pois cada qual, a sua maneira, quer encontrar o fio condutor de sua existência.

Rozana Gastaldi Cominal

Poeta, escritora e professora

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Rozana Gastaldi Cominal, de Hortolândia/SP. Poeta e professora. Formada em Letras, faz revisão de textos. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz com a poesia na ordem do dia. Publicação de poemas em redes sociais, revistas literárias digitais, e-books e livros impressos. Livro solo Mulheres que voam (2022, Editora Scenarium).



Margarida Montejano, mora em Paulínia/SP. Supervisora Educacional na Rede Municipal de Campinas, Poeta, Pedagoga, Ms. em Educação PUC Campinas, Dra. em Educação pela Unicamp; Pesquisadora do Loed/Unicamp e Produtora do Canal Literário – N’outras Palavras – histórias que inspiram, no Youtube. Livro solo Fio de Prata (Editora Scenarium, 2022).

 


quarta-feira, 7 de setembro de 2022

LIVROS & ENCANTAMENTOS: "MULHER MARIPOSA", DE MARI VENTURA, POR DANIELA CARUZA



LIVROS & ENCANTAMENTOS|01

"MULHER MARIPOSA: DO MAU PRESSÁGIO FEZ POESIA", DE MARI VENTURA


POR DANIELA CARUZA


Onde dorme a poesia da mulher piauiense? Quantos desejos desconhecidos lhes convocam à noite para passear em sonhos dormidos, insones, proibidos?

Pouco sabemos das mulheres piauienses que se apropriaram da escrita, manifestando através das palavras os próprios anseios, desejos, sensações e visões, como protagonistas e testemunhas de um tempo[1]. Menos ainda sabemos daquelas que não escreveram. Da mulher sertaneja, o que se vê, de maneira geral, é um retrato estanque, mudo, calado, de uma existência submetida, sofrida, sobrevivente. Uma personagem do passado, se for. Se ouvíssemos a sua voz, o que ela diria? A reconheceríamos?

Para adquirir o livro,  clique AQUI
| foto: arquivo pessoal |

A histórica exclusão do rol daqueles que escrevem e devem ser lidos e lembrados faz da escrita da mulher piauiense, ainda hoje, uma ousadia. Uma ousadia tão grande quanto a de manter viva, noite e dia, em nossos corpos e espíritos, a poesia.

A sensação que permanece é a de que fomos roubadas. Desde muito cedo na história, na curta história de uma vida, na longa história de vidas passadas. Roubaram-nos os séculos, os meses, os dias, os anos. Roubaram-nos até mesmo o sono.

Ficamos com os trapos. A dor engolida, o lamento calado, os sonhos enterrados, os medos vividos. Uma raiva amarga e ferida, numa vida comprida, corrida, ocupada, escorrida pelos dias. Dormindo abraçadas com a solidão. Fingindo costume.

| foto: arquivo pessoal |

Mari Ventura
é uma mulher do sertão Piauiense que nasceu e vive entre linhas e letras. É professora, artesã e escritora. Entende escrita como um lugar de essência (subjetividades e plurissignificação), existência (ter voz e vez), resistência (construção desconstrução e reconstrução de concepções e contextos sociais). Se reconhece como uma poetisa do avesso ao verso. Ainda tem um estoque de medos, mas vai bebendo a coragem em pequenas doses. Autora do livro MULHER MARIPOSA publicado em 2022 pela Editora Voz de Mulher. 

Nem mesmo nos reconhecemos. Silenciadas, roubadas de nós mesmas, nos tornamos prisioneiras, encarregadas da própria carceragem. Acusadas do crime do desejo, o desejo de existir. Não parece haver saída, a não ser fugir, roubar de volta o que nem sabíamos que nos havia sido roubado. Afinal, não é possível viver fugindo de si mesma.

Assim é que, furtiva, nos nasce a poesia. Escondida, acuada, proibida, sentindo-se culpada, fugitiva. Até que irrompe, furiosa, voraz. Por vezes se debate, peleja, padece, mas já não pode ser contida. Grita. Nua, em carne viva, desafia. Parece até loucura, tanta vontade de ser. Preferimos chamar coragem.

Capa do Mulher Mariposa, Editora Voz de Mulher, 2022

Com sua poesia, Mari Ventura questiona os lugares que são considerados apropriados para uma mulher na sociedade, os papéis de gênero que nos são impostos, o teor pejorativo associado à mulher que se entrega à noite, aos devaneios, à poesia, a mulher da vida. É a mulher que fala em sua própria voz, de seus próprios desejos, território que lhe foi proibido. A mulher que se encontra em sua própria companhia. Fala também de cura e da descoberta da luz/lucidez em meio à escuridão.

As poesias ocultas na noite são como sementes guardadas debaixo da terra. Despertam silenciosas, e, vagarosamente, enraízam por baixo e por dentro, antes de sair ao sol. São também como a mariposa, que, antes de ser ela mesma, rasteja, e bravamente recolhe-se em seu casulo, sua solidão, para dentro de si compor-se em asas, até sair voando pelo mundo.

Vê-las voando é, para muitos, um assombro. Para nós, é pura poesia. Um sopro de luz.

Que alegria poder se criar assim, afinal.


**O texto acima é o prefácio da o obra Mulher Mariposa, de autoria de Mari Ventura.


Daniela Caruza
| foto: arquivo pessoal |

Cantora e compositora, Daniela Caruza vive em São Raimundo Nonato, na região da Serra da Capivara, e sua música pulsa com as forças que encontra no sertão e na caatinga. Os versos e a musicalidade de Daniela Caruza leem o mundo a partir dessa paisagem e criam poesia, misturam guitarras com forró e baião. Para ela, cantar a partir desse chão é um convite para nos conectarmos com nossas heranças mais profundas.


[1] Rocha, Olívia Candeia Lima. Flores Incultas e a Academia Brasileira de Letras: escritoras piauienses no contexto do feminismo no final do século XIX e primeiras décadas do século XX. In: Mulheres e a Literatura Brasileira. Silva, N. F. C.; Cruz, L. G.; Tatim, J.; Pereira, M. P. T. (orgs.) Macapá: UNIFAP, 2017.

sábado, 2 de julho de 2022

CALDEIRÃO LITERÁRIO III: DAS PULSÕES SUBVERSIVAS DA LINGUAGEM

 


CALDEIRÃO LITERÁRIO III: DAS PULSÕES SUBVERSIVAS DA LINGUAGEM


Por Marta Cortezão


a poeta

– artífice da palavra –

cultiva seu canteiro

sílaba a sílaba

tateia o mundo dos significantes

e de seus significados

subverte funções

e disfunções da linguagem

mergulha em conceitos metafísicos

 

em voo indomável e paradoxal

ultrapassa o universo linguístico

das coisas corpóreas e incopóreas...


e do adubo fértil da alma

 a poesia se faz germinar! 

[Marta Cortezão]


Escrevi este poema, sem título ainda, no ano passado, no momento da construção da Coletânea II: uma Ciranda de Deusas, publicada pela Editora Sarasvati, em parceria com o Selo Editorial Enluaradas, e que (é bom enfatizar!) está concorrendo ao Prêmio Jabuti 2022. Ao reler o poema, hoje, me veio a necessidade de fazer nele algumas modificações. Senti que era preciso adubar o solo fértil da linguagem, podar algumas palavras de essência capim, porque estendem seu ambíguo significado e tomam conta de tudo e sufocam a outras palavrinhas miúdas, e acabam minguando o poema. 

Quis aplicá-lo os cuidados para senti-lo um poema-planta viçoso, com nuances hiperbólicas de nova semente, quase invisíveis à alma nua. E não porque seja difícil identificar tais modificações entre as duas versões, não me refiro a isso, mas ao fato de, como poeta, encontrar-me neste particular e ansiado estado de "alma nua" para cultivar férteis canteiros de poesia. Nesse processo de preparação, há um laborioso trabalho nos campos linguísticos dos vocábulos, e é importante curvar-se sobre estes campos para ará-los com paciência, com a dedicação monótona de uma jardineira que enfia as mãos no solo úmido e movediço das palavras e tateia com minúcia sua superfície subversiva, prenhe de epifanias do cotidiano, a fim de trazer o novo à vida.

Anteontem li um artigo sobre o discurso da poeta Wisława Szymborska (1923-2012) proferido por ocasião da premiação do Nobel de 1996, cujo título é O poeta e o mundo. Nesse discurso, me tocou muito a ponte que Szymborska fez com os versos do poeta bíblico Eclesiastes (1:9) que tratam das vaidades humanas. Ela imagina o prazer do diálogo com o poeta que admira, tomando-o pela mão e dizendo-lhe, com poeticidade: 

“Nada de novo sob o sol” — escreveste, Eclesiastes. No entanto tu mesmo nasceu novo sob o sol. E o poema que criaste também é novo sob o sol, já que ninguém o escreveu antes de ti. E novos sob o sol são todos os teus leitores, pois os que viveram antes de ti não puderam ler teu poema. E também o cipreste à sombra do qual sentaste não cresce aqui desde o começo do mundo. Ele surgiu de outro cipreste parecido com o teu, mas não exatamente o mesmo. E além disso, Eclesiastes, queria te perguntar o que de novo sob o sol tenciona escrever agora. Será algo com que ainda complementes teus pensamentos ou acaso estás tentando a contradizer alguns deles? Na tua obra anterior, vislumbraste a alegria — que importa que seja fugaz? Portanto, quem sabe será sobre ela teu novo poema novo sob o sol? Já tens anotações, os primeiros rascunhos? Não dirás decerto: “Escrevi tudo, não tenho nada a acrescentar”. Nenhum poeta no mundo pode dizer tal coisa, muito menos um poeta como tu.   

E como trazer o novo neste mundo tomado pela celeridade das informações e pela impaciência de demorar-se sobre as coisas e sobre as outras pessoas? Como não se angustiar com a ‘avalanche criativa’ do mundo cibernético? Como não sucumbir às vaidades das vaidades e armadilhas do ego? Eu, na minha tão pequena existência, me aproprio do diálogo filosófico da poeta Szymborska, um antídoto para as angústias do voraz século XXI, e ouso dizer que a resposta, para mim, está em parar para cultivar o próprio e único canteiro, pois as palavras-sementes que nele vingarem terão a essência única, o cheiro de flor que somente será peculiar à própria alma de quem o cultivou. Ainda que as mesmas sementes-palavras ecoem pelo mundo em outros tantos cultivos, no seu canteiro terão beleza, textura, cor e pulsão únicas e plurais, porque há um novo que cresce e floresce em cada humana existência que lateja sob o sol, apesar do cansaço e desilusão vividos dia após dia. É sempre tempo de arar os campos da linguagem e subverter seu uso, interessar-se também pela natureza das ervas daninhas que nos visitam os canteiros e permitir que os pássaros famintos se alimentem no canteiro-alma.

          E para cultivar os campos da linguagem deste Caldeirão Literário III, que acontece HOJE, às 17h (Brasília), contamos com a técnica das jardineiras-escritoras: Liana Timm (RS), com seu mais recente canteiro A Dimensão da Palavra - 36 anos de poesia - Editora Território das Artes, 2021; Lindevania Martins (MA), com A Moça da Limpeza, Editora Primata, 2021; Flavia Ferrari (SP) e seu Meio-Fio: Poemas de Passagem, publicado pela Editora Toma aí um Poema, 2021; também a poeta Dalva Lobo (MG), com Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano, Editora Siano, 2021 e a poeta Cristiane de Mesquita Alves (PA), com seu Riscos de Mulher, pela Editora Todas as Musas, 2021.

E quem tem o privilégio de receber estas autoras queridas é a poeta Marta Cortezão, juntamente com VOCÊ, parte importante desse Caldeirão Literário! Aguardamos sua companhia desde já!

Confira os belos canteiros cultivados pelas autoras:

Obs: todos os textos abaixo foram enviados por cada uma das autoras convidadas.

 


A DIMENSÃO DA PALAVRA | LIANA TIMM


O livro reúne 35 anos de poesia da artista multimídia LIANA TIMM. Em 494 páginas, os 18 livros da poeta já publicados, foram reunidos para dar conta dessa trajetória. Desde a adolescência escrevia, mas textos inconsequentes e pueris, até que resolve dar visibilidade à palavra. Então busca a sabedoria de mestres, tanto no contato pessoas quanto na leitura e passa dez anos adquirindo conhecimento e praticando a escrita de forma consciente, até publicar seu primeiro livro em 1986 e participar de antologias.

“Escolher a palavra certa que rime com nosso interior é mais que rimar a sílaba forçando uma artificial musicalidade. É harmonizar o prazer da estética que, espontâneo, busca se aconchegar em outras palavras carregando-as de significações. Na poesia testamos, com a sonoridade de nosso coração, todo verso que atravessando o corpo despreza qualquer tradução. Há mais ou menos 12.775 dias vivo a poesia sem intervalos nem concessões. Na solidão da escrita sou tudo o que quiser ser!”, revela a artista.

Esse constante movimento foi reconhecido com 17 premiações. Entre elas, o Prêmio de Melhor Livro do Ano na categoria Poesia, da Associação Gaúcha de Escritores (AGES) para “Água passante” (2010) e “Os potes da sede” (2012). O primeiro, nas palavras da crítica literária, ex-professora da UFRGS, da PUC e ex-diretora do Instituto Estadual do Livro (IEL), Léa Masina: “Liana oferece ao leitor um mergulho nas profundezas de uma estética em constante movimento, apreendida na fragmentação das coisas e na possibilidade de uni-las provisoriamente, sem deixar-se aprisionar pela estrutura previsível e imediata da realidade".



A MOÇA DA LIMPEZA | LINDEVANIA MARTINS

 

É o quinto livro da escritora Lindevania Martins. Publicado pela Editora Primata, apresenta onze contos inéditos que dialogam profundamente com o tempo presente, suas inquietações e desafios. A obra passou por rígida seleção do Governo do Estado do Maranhão através do edital público Conexão Cultural Literatura, que viabilizou sua publicação.

Do professor universitário, pesquisador e membro da Academia Maranhense de Letras JOSÉ NERES, morador de São Luís do Maranhão:

“Admiro o talento de Lindevania Martins desde o primeiro contato com sua prosa no livro “Anônimos”.  De lá para cá, venho acompanhando o desenvolvimento de seus trabalhos artísticos.  Seus textos são refinados e cheios de nuances que oscilam entre os aspectos sociais e psicológicos. Em seu novo livro de contos - “A Moça da Limpeza”- ela traz uma série de contos de excelente tessitura e que levam o leitor a “conviver” tanto com os aspectos físicos quanto com as abordagens psicológicas das personagens. Em cada conto, violência, angústia, neuroses e desencontros envolvem todos os ambientes e mostram facetas inusitadas que desnorteiam não apenas os leitores, mas também os companheiros de jornada literária. Uma ótima leitura!”

 


MEIO-FIO: POEMAS DE PASSAGEM | FLAVIA FERRARI

 

É um livro de uma mulher que nasceu preparada para guerra: carrega a força do berro feminino silenciado que se rompe, sem explodir em violência, e sim em uma sensibilidade clariciana, a qual não nega a condição áspera da vida, se esfola e faz da ferida uma janela para a anatomia da vida e das relações humanas.

É um livro raro, de uma sensibilidade acessível e extremamente profunda que não se perde em construções excessivas.  Flavia Ferrari explode suavemente a poesia que respira. Sem dúvidas, é uma poeta que terá um crescimento gradual contínuo que nasce com o dom de dissecar a linguagem poética, descobrindo uma glândula pineal coletiva.

Para Jéssica Iancoski, editora-chefe do Toma Aí Um Poema, “A poesia vem para Flavia Ferrari de maneira cotidiana e intuitiva. Percebe-se que há muita facilidade, como se versar fosse um dom natural".



POESILHA: DOS PEQUENOS TRATADOS DO COTIDIANO | DALVA LOBO

 

Poesilha é um pequeno tratado do cotidiano que convida a degustar as iguarias da vida, da amizade, da memória e da imaginação. Da seção de abertura, quando convida os loucos, os poetas e os errantes até a despedida da poesilha, quando saciados, os convivas contemplam o constante renascer da vida, a autora, entre silêncios e bailarinas, desvela a poética do viver.



RISCOS DE MULHER | CRISTIANE DE MESQUITA ALVES

Este livro deverá surpreender até os leitores mais habituais e amantes da Literatura. A poesia de seus escritos há de encantar e instigar a todos. A leitura de seus escritos há de desnudar a alma de uma mulher que, ao mesmo tempo, em que fala de/por si, dá voz a outras mulheres. Há quem, assim como eu, poderá se sentir representada/o, e partilhar das mesmas sensações, emoções e dores. Sem dúvida, o leitor mais atento, verá aqui uma poetisa que consegue ser singular e, simultaneamente, plural.

A obra reúne sessenta poesias que falam sobre a mulher em suas mais diversas formas, faces e fases. São poesias tecidas por fios feministas com atravessamento de dores, frustrações, violência doméstica, de infância, de injúrias, de traição, de patriarcalismo, feminicídio, mulheres cis e trans, velhice, amor e esperança.

 

sábado, 18 de junho de 2022

CALDEIRÃO LITERÁRIO II: DA FORÇA DOS SONHOS QUE NOS MOVE




         CALDEIRÃO LITERÁRIO II: DA FORÇA DOS SONHOS QUE NOS MOVE


Por Marta Cortezão

 

Tragediazinha

 

Cansou-se da eterna espera

o morno amor chove-não-molha

e retirou seu cavalinho

da chuva peneirando lá fora.

Casou-se com a igreja

o fogão a máquina de costura

e recheou os frios dias

de tríduos e novenas

biscoitos bolos rendas.

Mas na calada da noite

no recato escuro

ainda embala o velho sonho

de um amor absoluto.

 

{Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 39.}

 

Ano passado, durante a apresentação das poetas que participavam da Coletânea II: uma Ciranda de Deusas, fui selecionando textos de autoras contemporâneas e/ou do cânone para celebrar a presença de cada escritora que cirandava conosco, mas não somente. O meu desejo também era fomentar diálogos, mergulhar nas velhas certezas e debater-se no mar das dúvidas que ora nos preenche ora nos esvazia, nos levando sempre a provocações e ao desejo de seguir abocanhando com gosto a maçã do conhecimento.

Na ocasião, o texto-poema que selecionei foi Tragediazinha, de Astrid Cabral, que, naquele momento, me provocou o seguinte:

 

Esperar pelo exato momento que nunca chega, pelo sonho tantas vezes adiado, pela euforia adormecida no corpo, pelo corpo que se debruça, cansado, sobre o regaço do sonho guardado, pela palavra-corpo sempre prestes a nascer, pelo voo adestrado... Não, é preciso um basta! É tempo de libertar este pássaro-sonho de canto triste e solitário, no azul da alma! É tempo de permitir-se abrasar pelo fogo do "amor absoluto", pois a Literatura ainda é esse abraço que cura a fadiga diária da vida. Escrevamos!”

[Marta Cortezão, 18/06/2021]

 

         A poeta amazonense Astrid Cabral já, no título, ironiza, por meio do tom pejorativo do diminutivo “tragediazinha”, as situações tão normalizadas pela repressão patriarcal sofrida pelas mulheres e que são difíceis de serem detectadas com clareza e consciência, pois há uma dinâmica da repressão sistemática do feminino que vem se impondo – quase que invisivelmente ao longo de séculos e séculos – através das funções matriarcais que nos são atribuídas de forma pejorativa. A tríade cozinha-casa-igreja continua sendo as nossas prisões. Contudo, é ledo engano pensar que somos apenas vítimas nessa história mal contada, porque é “na calada da noite/ no recato escuro” que se “embala o velho sonho/ de um amor absoluto”. 

         O encontro com o “amor absoluto” é a liberdade não apenas no corpo, mas da mente; é a condição que nos faz abrir os olhos e negar, rotundamente, a liberdade de um voo adestrado. Essa liberdade genuína a que me refiro é a que aduba o canteiro dos sonhos, é a que gira a engrenagem e põe mulheres em movimento, porque é SEMPRE tempo de libertar este pássaro-sonho de canto triste e solitário, no azul da alma! É sempre tempo de nos permitir ser abrasadas pelo fogo do “amor absoluto”, pois a Literatura ainda é esse abraço que cura a fadiga diária da vida. Escrevamos!

 

E para mexer esse Caldeirão Literário II de hoje, experimentaremos da poção mágica das companheiras-escritoras: Tânia Alves, como seu livro Cabelos de Toin oin oin (Pontes Editora, 2021), com ilustrações de Tatiane Galheiro; também Margarida Montejano com o seu recente Fio de Prata (Scenarium livros artesanais, 2022), Isa Corgosinho acompanhada de seu livro Memórias da Pele (Editora Popular Venas Abiertas, 2022), ainda as escritoras Maria do Carmo Silva com seu Recomendações Poéticas (Cogito Editora, 2021) e Elisa Lago trazendo na bagagem seu livro-instrumento Sonoridade (Editora Edufma, 2021).

Segue abaixo a sinopse de cada livro acima citado:

 


CABELOS DE TOIN OIN OIN

Tema tão importante a ser desenvolvido desde a mais tenra infância: a importância da autoimagem positiva. Tratado de maneira tão delicada e sensível.

Valorização dos próprios traços, dos cabelos, da sua descendência... este livro trata mais do que a questão da autoestima, empodera as crianças, trazendo em versos a beleza de cada um.

 


FIO DE PRATA, publicado pela Scenarium livros artesanais, aborda a tênue linha da existência, através de sete contos ilustrados pelo artista plástico Ruy Assumpção. Os contos retratam experiências reais e imaginárias, permeadas pela fantasia que a poética da vida e da literatura ilumina. Neles, o leitor encontrará lampejos de memórias do universo feminino que o convidam e o conduzem, de forma livre e imaginativa ao exercício da reflexão.

 


O livro MEMÓRIAS DA PELE, com a simbologia de Mnemosyne, a matriarca da Musas, se abre para várias possibilidades de sentidos.

A memória evoca aqui a preocupação com a dispersão e a desmemória, o memoricídio. Há, portanto, um vínculo inseparável do que foi vivido com o que se vive, minha poesia está amparada pela historicidade de forma sincrônica e diacrônica nos vieses líricos do feminino (Quem és, Maria; Joana sob o signo do fogo etc.).

É um convite para que possamos mirar o presente com o olhar no passado, reencenar as utopias e vislumbrar o horizonte de expectativas (Fibras do tempo) para além do mínimo Eu que se volatiza na agoricidade ou se fecha nas bolhas virtuais.

São Memórias experienciadas pelos sentidos, encarnadas, expõem as paixões, as dores, os amores, as perdas, o gozo, as afeições, o estranhamento, o deslumbramento e o susto, as atrocidades praticadas e vivenciadas pela humanidade, tatuadas na extensa pele do feminino ancestral que nos habita.

Os estratos da pele recobrem de importância a percepção dos sentidos, opõem-se à perda da pele impostos a todos, principalmente às mulheres, que são submetidas aos processos culturais ultrajantes dentro desse sistema patriarcal e misógino.

De todos os sentidos, o tato é o mais ancestral. A minha poesia quer tocar e ser tocada em sua constituição de ser vivo da linguagem.

Pertenço à árvore genealógica de Clarice Lispector, que nos convida a aprofundar as raízes na potência inesgotável do tato, enquanto “(re)descoberta do mundo”.

De tato vem contato, são as imagens do con-tato que são lançadas para o leitor para que ele opere a interpretação responsiva no espírito e no abraço.

É conhecimento intuitivo que busca refratar a realidade, lançar os dados da multiplicidade do universo feminino, em contato imediato e concreto na construção das imagens poéticas.

 


RECOMENDAÇÕES PÓÉTICAS, segundo livro de poesias da autora Maria do Carmo Silva, está composto por poesias inspiradas no cotidiano humano, nas questões ambientais, humanas e sociais que ocorrem no nosso país, incluindo a temática da negritude, a amizade, a solidariedade, ao fazer poético e aos temores trazidos pela pandemia. O livro é organizado em 4 partes, sendo que cada uma destas partes é constituída por poesias com temáticas semelhantes, introduzidas com uma gravura e fragmentos de textos dos escritores: Gilberto Gil, Guilherme Arantes, Cora Coralina e Mário Quintana, reverenciando os grandes nomes da literatura brasileira, cujas produções poéticas são admiradas pela autora.

Colaboraram com a construção desta obra: o editor Ivan de Almeida da COGITO editora, O Dr. Fábio Araújo Oliveira, professor de Língua Portuguesa (UNEB DCH V), a Professora e Psicopedagoga Jocinere Soares de Almeida e o radialista, web jornalista, bacharel em Direito, editor e fundador do site de notícias e mídia TRIBUNA DO RECÔNCAVO Hélio Alves com os textos das orelhas.

 


SONORIDADE tende a se consolidar como caminho temático e/ou estético da poeta, que parece entrevistar a si própria, com sua lírica em primeira pessoa, versos em tons de diálogo e uma pontuação que sugestiona os leitores. Este novo trabalho de Elisa Lago traz uma voz poética que brada os dilemas entre os desejos e as condições de realizá-los. Ao percorrer a escuta desses acordes durante a leitura, sente-se aflorar uma saga lírico-amorosa, com sabor intimista, entrecortada de versos que revelam estados sentimentais inspirados pelo eu lírico.                                                               

(Por Ana Néres Pessoa Lima)

Aqui fica o nosso convite para você, às 17h (Brasília), somar poesia conosco, no canal do YouTube Banzeiro Conexões! Lemberamos também de nosso encontro de domingo, às 19h (Brasília), no (COM)PULSão POÉTICA, encontro transmitido pelo perfil do Instagram @enluaradas2021, com mediaçao da poea Carrolina Costa. Será um prazer ter a sua companhia!



sexta-feira, 10 de junho de 2022

CALDEIRÃO LITERÁRIO I: DAS FLORES QUE PERFUMAM O CAMINHO



CALDEIRÃO LITERÁRIO I: DAS FLORES QUE PERFUMAM O CAMINHO


Por Marta Cortezão

 Todo o trabalho que faço é construído sobre uma base de gentileza amorosa. O amor ilumina assuntos.

{bell hooks}

 

Gostaria de falar do Projeto Enluaradas, contar sobre as coletâneas já realizadas, Se Essa Lua Fosse Nossa e Uma Ciranda de Deusas (2021, e dizer que estamos concorrendo ao Prêmio Jabuti 2022 com esta última), também da terceira coletânea que estamos realizando, essa que encerra não apenas uma trilogia, mas um ciclo de ‘escrevivências’, o I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida.

No entanto, me dei conta que não é o momento, pois o que urge é falar de “gentileza amorosa”, da poética que abraça, desse “amor que ilumina assuntos”. É preciso falar das flores que perfumam caminhos. É preciso dizer que se não fossem a força e a companhia de cada uma das poetas enluaradas que nos acompanham, não teríamos encontrado essa Lua Toda Nossa, esse lugar onde escutamos e somos escutadas, onde nos sentimos pulsar ao compasso da poesia, não daquela das ilustres gravatas, mas a poesia da poeta do tanquinho de roupas por lavar, a da professora sempre atrasada nas correções dos exames, a da atendente do supermercado que escreve os versos nas notas fiscais para não perdê-los, a da avó aposentada que só agora pôde dedicar-se à escrita, a da que se envergonha dos versos e os esconde nas gavetas, a da afoita que encoraja outras, a da doutora que escreve teses e artigos de revistas, a da que interrompe um poema para atender um ente querido, a da estrangeira que aprendeu a recomeçar a vida pela escrita, a da bruxa queimada e aprisionada nas fogueiras do tempo, a da ribeirinha que conhece os segredos dos rios, a da que cuida de seus canteiros de flores... Enfim, falo da poesia que está em todas nós, as poetas enluaradas, as que vivem e conjugam o amor à sua maneira, afinal é ele, o amor, que acende a chama de nossos versos... Falo da poesia que nos une, da literatura que nos humaniza, falo de você, poeta, que me convence com o poder de sua palavra.

E nesse ambiente  poético amoroso, apresentamos o nosso CALDEIRÃO LITERÁRIO, que é mais uma das propostas do Projeto Enluaradas, com transmissão para o dia 11/JUN, sábado, às 17h (horário Brasília), via canal do YouTube Banzeiro Conexões. Assim como o (COM)PULSÃO POÉTICA que acontece todas as segundas, quartas (às 17h – horário Brasília), sextas e domingos (às 19h – horário Brasília) no perfil @enluaradas2022. Com essas ações queremos, para além de conhecer e acompanhar de perto o percurso literário de nossas companheiras de escrita literária, também desejamos promover e divulgar a literatura contemporânea lusófona produzida por mulheres.


 
Hoje, no perfil @enluaradas2022, às 19h (BSB)

          E para falar das flores que perfumam caminhos, estaremos na companhia das poetas Maria Alice Bragança, Teresa Bendini, Clara Athayde e Cátia Castilho Simon, com mediação de Marta Cortezão. As poetas convidadas falarão da importância dos coletivos femininos, em especial do Enluaradas, e, sobretudo, de suas obras literárias. As que seguem abaixo:



1. Misterioso pássaro (Editora Bestiário, 2021), de Maria Alice Bragança:

Composto de pouco mais de 100 haicais, "Misterioso pássaro" é meu terceiro livro individual e o primeiro dedicado a essa forma literária, inspirada na tradição japonesa e no caminho apontado por Matsuo Bashô (1644-1694). Ao mesmo tempo em que se inspiram nesse caminho, os tercetos reunidos nesse livro atualizam-se em diálogo com os praticantes do gênero no Brasil (Millôr Fernandes, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Ricardo Silvestrin, Alexandre Brito, Ricardo Portugal, entre outros). Outros mestres da tradição japonesa influenciam - e têm ecos presentes neste livro - como Kobayashi Issa (1763-1828) e Masaoka Shiki (1867-1902).

A maior parte dos tercetos não mantém a métrica usual no haicai brasileiro (5-7-5) e muitos deles não têm kigo (palavra ou termo de estação). A composição por justaposição de duas cenas e a adoção de um termo de corte são recursos presentes.

Escritos em sua maioria durante o isolamento necessário ao enfrentamento da primeira onda de covid-19, antes da vacinação, muitos desses pequenos poemas dão conta de momentos de contemplação e meditação na janela de meu apartamento, principal forma de contato na época com o mundo externo.

Silêncio, observação de ensinamentos contidos na natureza e, às vezes, de detalhes, de uma vida miúda, como uma teia de aranha ou uma pequena borboleta, surgem aqui em diversos momentos.

 

por sobre a mangueira

a bela flor bailarina ―

borboleta amarela

 

Ou, mais miudinho ainda:

 

pétalas perfiladas

ondulam em procissão ―

fila de formigas

 

Alguns tercetos flertam com o senryu:

 

chuva salgada ―

o namorado disse adeus

e levou o guarda-chuvas

 

kama sutra no varal ―

enroscam-se cuecas calcinhas

o vento inventa

(Por Maria Alice Bragança)


 

2. Krenak, o menino dos braços co mpridos (Editora Letra Selvagem, 2021), de Teresa Bendini

Krenak é um indiozinho que tem seus braços crescidos, toda vez que abraça algo. Acontece que o menino não consegue deixar de abraçar. Quer curar o mundo com seus abraços. Principalmente ao saber de uma epidemia, já planetária. Ele descobre, ao ouvir a voz das mulheres sábias, que o planeta sofre devido às escolhas erradas dos homens. Elas cantam para ele seu canto de bênçãos. Então seus braços ficam esguios e se erguem em direção aos céus. Ficam lá por muito tempo como se fossem os fios de ligação entre os dois mundos. Quando descem estão cobertos de estrelas e trazem dádivas. Depois se alongam até a África e os baobás. Lá, as mulheres sábias lhe entregarão a semente do recomeço.

Nesse livro resolvi fazer uma homenagem ao indígena Ailton Krenak. É comovente o que Krenak nos comunica com seu pensamento, já registrado em seus livros. Sim, os povos originários de nossa terra, possuem uma "poética" bastante interessante de interpretação do mundo. Eles podem ter algo a nos ensinar nesses dias difíceis de pandemia. Convido as crianças que vão ler esse texto a mergulharem em sua leitura, de tal forma, que se sintam abraçadas pelo indiozinho Krenak.

(Por Teresa Bendini)



3. Panaceia Poética (Editora Personal, 2022), de Clara Athayde

 

A todos apresento aqui uma coletânea autoral de escrita poética, iniciada num tempo novo onde surgiu a necessidade de reinventar para continuar.

Tempo de encontrar A ESSÊNCIA, ouvir mais os sentimentos e assim me expressar no agora.

Sem prever resultados, este hobby surgiu naturalmente como processo criativo de um fazer artístico que, aos poucos, se tornou independente e com identidade própria.

Então simplesmente fui deixando fluir dos sentidos o que demanda expressão.

Agora o novo é a meta, no vazio de expectativas e intenções.

Que a leitura seja prazerosa!

(Por Clara Athayde)



4. Rastros de estrela (Editora Território das Artes, 2022), de Cátia Castilho Simon

Neste Rastros de estrela, conjunto de 22 narrativas curtas que Cátia Simon oferece aos leitores, a autora faz uma espécie de inventário das relações humanas e das severas impossibilidades que as acompanham.

Dona de um vocabulário rico e versátil, hábil na técnica do conto, Cátia tem uma desenvoltura narrativa poucas vezes vista, capaz de seduzir seu leitor e de levá-lo texto adentro. Os motes são amores proibidos, situações de infidelidade conjugal, infância cevada no egoísmo, perdas definitivas, tudo apresentado por uma visão de mundo na qual a humanidade essencial reluz como guia.

Leitora sofisticada, especialista em Clarice Lispector, Cátia traz menções à obra clariceana, estabelecendo intertextos que podem ser usufruídos às camadas, contos narrados com um estilo muito peculiar e com desfechos que chegam a estontear o leitor — como fazem as estrelas de brilho próprio.

(Por Cíntia Moscovich)

 


Foto de Patrícia Cacau

5. Elvira Virgínia (Editora da Autora, 2021), de Dani Espíndola

 

Lançado em 2021, ELVIRA VIRGÍNIA, o livro de poesia de Dani Espíndola traz uma seleção de poemas cujas “eus-líricas” dão voz a inúmeras mulheres, cada qual com suas belezas e complexidades, medos e paixões.

Para a realização do livro, por acreditar no protagonismo feminino, Dani contou com a colaboração de uma equipe só de mulheres: desde a produtora e agente literária, à designer, revisora, fotógrafa, artista que desenhou as telas da capa e contracapa, prefaciadora, a maravilhosa poeta Mar Becker que escreveu a orelha, e mesmo todas as fontes usadas na tipologia foram desenhadas por mulheres.

          Venha conosco conhecer um pouco mais da produção literária de Maria Alice Bragança, Teresa Bendini, Clara Athayde, Cátia Castilho Simon e Dani espíndola!

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