Rasga
Ossos, de
Sabrina Dalbelo/05
Por Marcelo Frota
Rasga
Ossos é um livro de reflexões, de questionamentos. É
uma obra de imagens, uma sucessão de estranhamentos. É soco no estômago, um
desalento. É palavra/evolução, uma montanha-russa, um espaçamento.
Eis o novo livro da autora gaúcha Sabrina Dalbelo,
(Penalux, 2020), que adentra no universo literário em um ano em que nada foi
lugar-comum, em um tempo em que a arte se entrega a seu papel máximo, ou seja, retratar o tempo
presente. Rasga Ossos é tempo
presente. Também passado, também futuro.
A poesia presente na obra, segundo a
própria autora, é um resultado de encontros e desencontros. Entre conhecidos e
estranhos. É, aos meus olhos, um reflexo de experiências e vivencias. Um algo
familiar entre os estranhamentos dos caminhos da vida. É como um filme de
Ingmar Bergman, uma jornada entre a leveza e o lado mais sombrio de uma jornada
que nem sempre tem um começo definido, ou um fim estabelecido, mas que em seu
meio, se faz matéria de reflexão e silêncio.
No poema Cicatriz é
artéria pulsante, Sabrina faz uma reflexão divertida e profunda
sobre os caminhos da tristeza. A autora constrói por meio de frase envoltas em
simplicidade um lamento que nos remete a encontros com presente/passado. “A
tristeza é uma amiga. É ferida que deve ser sentida, vivida. Tristeza é para
ser abraçada, doída”.
Sim, a tristeza é amiga, é companheira, é
constante. A tristeza é o intervalo da felicidade. Aquela visita indesejada,
que sempre aparece, e, muitas vezes, fica além da hora. Mas que quando vai
embora, alivia o clima da casa, tira o peso do corpo. É como cantavam Tom &
Vinicius: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”.
Tristeza tem intervalos, às vezes curtos, às vezes longos, mas fim não tem. Tem
recessos, tem intervalos.
Em Medo
da vida, poema que remete a preocupações, anseios, receios,
paranoias, Sabrina Dalbelo faz um desafio aos medos que estão no íntimo de
todos nós. “Quero falar do medo de receber
resultado de exame, de vislumbrar um futuro de medicação, fisioterapia, de
tratamento, hospital e de, todos os dias, se perguntar o porquê, por que você, por que a
estatística veio lhe pegar”.
Viver é
ter medo da morte? Medo da doença? Medo da ruína do corpo? Da falha da mente?
Viver é uma sucessão de medos, uma eterna estrada de pequenos receios. Ter medo
da vida é ter cautela? Não, ter medo da vida é não viver, é não deixar o acaso
se tornar real. Não deixar o sonho se tornar palpável. Ter medo da vida é não
deixar a vida ser vida, vivida, desfrutada. A morte é natural, e, como disse
Cazuza: “Morrer não dói”. Digo eu, “viver dói mais”.
Em Na teoria o
céu é azul, a tortuosidade da vida cotidiana é matéria para
versos “fofinhos”, que escondem, por trás de sua aparente doçura, a brutalidade
da realidade do nosso tempo. “nas nuvens branquinhas
que pairam no azul/céu azul o passo é manso/o sonho é carinho
de mãos firmes/a brisa é fresca como limão taiti”.
Nas esquinas das ruas da vida, o mal que
ronda por nosso tempo se faz presente. A doença que infesta nosso planeta, o
descaso do nosso governo, a incapacidade e desumanidade o presidente “Mito”, o
descaso com o que é minoria, a desgraça de viver em tempos em que o homem
agride seu semelhante, mata seu semelhante pela cor, pela orientação sexual, pela
diferença. O poema “soco no estômago de Rasga
Ossos para mim.
Em meio à densidade da poesia da Sabrina
Dalbelo, termino com a doçura agridoce de Mulher-goiaba: “mulher
não escreve memórias/em papel de seda ou de presente/calada/tem filho/faz
goiabada”. Lygia Fagundes Teles, a homenageada com o poema,
acredito eu, ficaria feliz.
Rasga
Ossos, como antes mencionei, é um livro para reflexões.
Reflexões profundas, e como toda reflexão, ora leva, ora sombria, mas sempre
relevante. Leitura de uma vez só, para depois ser revisitada, redimensionada,
reinternalizada. Uma
jornada de intensidade.
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