LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|09
CRÔNICA: EMPODERAMENTO É BRUXARIA
Por Carollina Costa
Essa semana tive a felicidade de estar no card de estreia da seleção de poetas para a coletânea I Tomo das Bruxas e comecei a pensar um pouco mais sobre essa personagem: a bruxa.
No geral, quando pensamos nos contos de fadas e filmes, a bruxa é aquela mulher mais velha, má e amargurada que quer sempre prejudicar a princesa protagonista da história, mas por que essa relação? Como isso afeta o nosso imaginário, nosso entendimento do feminino e até mesmo como a sociedade enxerga — ou encaixota — os diversos tipos de mulheres? Meus pensamentos sobre isso tomaram o formato de crônica e, em homenagem à estreia do I Tomo e às múltiplas mulheres que habitam cada uma de nós, resolvi compartilhá-la por aqui no texto dessa semana.
Empoderamento é bruxaria
Não há uma mulher que não tenha crescido ouvindo que deveria ser uma "boa menina", seja em casa ou na sociedade ou por todos os lados. Ao crescerem ouvem que devem ser "boas mulheres", e não é possível ser uma "boa mulher" se você não tiver um pouco da "boa menina" dentro de si. Mas o que é ser "boa" e "boa" para quem?
A "boa menina" e "boa mulher" normalmente são boas para todo mundo, menos para elas próprias. Você é "boa" se não discute, se não discorda, se sabe se vestir e se "comportar", você é boa principalmente se se esvaziar das suas necessidades para enxugar o gelo das necessidades infindáveis de todos a sua volta. Reconhecemos aí a imagem clássica das princesas.
Do mesmo modo, é "má" aquela mulher que olha para si mesma, que reconhece suas necessidades, que reage quando ferida e que impõe limites para não ser mais explorada — emocionalmente, psicologicamente, fisicamente, da forma que for. É "má" a mulher que clama pela e com a própria voz, que diz Sim quando quer dizer sim e Não quando quer dizer não, sem rodeios. É "má" a mulher que toma posse de si mesma, de seus encantos e desencantos, de seu corpo, sua mente, sua caminhada. Vemos aí a imagem das bruxas, nem todas as de contos de fadas, mas principalmente as humanas que foram queimadas.
Se você toma um chá e cura uma gripe, é bruxa. Se envelhece, é bruxa. Se tem mais saberes que um homem sobre algo, é bruxa. Se diz não, é bruxa. Quando penso nos contos de fadas antigos, especialmente os da Disney, que embalaram minha infância, lembro das princesas sendo reféns da vontade de alguém o tempo inteiro, trocando apenas de algoz. Quando penso nas bruxas lembro de mulheres que, mesmo com o mundo virando as costas para elas, eram dotadas de poderes sobre-humanos, criavam e "descriavam", tinham o que queriam quando queriam e como queriam sem se render a algoz nenhum.
Hoje em dia os contos de fadas estão mais modernos e desconstruíndo a muralha por séculos erguida entre a bruxa e a princesa, a "moça boa" e a "moça má". Elza vai em busca de si mesma e encontra seu lugar em meio à natureza. Malévola recupera suas asas e, estando inteira, abraça a inteireza da sobrinha Aurora, amando-a mais que o príncipe e salvando-a no final. Merida se disfarça de menino e luta pela própria mão em casamento, superando todos os príncipes e vencendo a disputa. Rapunzel rende um fugitivo e foge com ele da torre para explorar o mundo. Princesas com traços de bruxas. Os contos estão tentando ficar um pouco mais próximos da realidade.
Vibro ao ver essas narrativas mudarem, mas até serem internalizadas no imaginário social com a força dos contos tradicionais vai levar um tempinho e essa divisão simplista vai demorar para se desfazer. Até lá, escolho abraçar a bruxa que há em mim. A bruxa que diz não, que protege seu caminho e seu espaço, que na jornada do empoderamento não será vencida pelo cansaço.
Como Malévola e Aurora receberam uma a outra, assim as "Carollinas" que me habitam vão se recebendo em amor, respeito e crescimento.
Que maravilha ler sua crônica, querida Carollina. Grata pela reflexão.
ResponderExcluirObrigada! Fico feliz que tenha gostado!
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