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sexta-feira, 27 de junho de 2025

ROSÁRIO MARIA, POEMA DE ELIZABETE NASCIMENTO

 CAVAR A ALMA E TECER PRIMAVERA: UMA LEITURA SIMBÓLICA DO POEMA ROSÁRIO MARIA, DE ELIZABETE NASCIMENTO

POR JOCINEIDE CATARINA MACIEL DE SOUZA

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Esta abordagem propõe uma leitura simbólica do poema Rosário Maria, de Elizabete Nascimento. Toma como eixo central a construção de um sujeito poético feminino que se insurge por meio da palavra, da memória coletiva e da força do cotidiano. Ancorada em vozes críticas como Hélène Cixous, Conceição Evaristo e Gaston Bachelard, a análise mostra como o poema desloca o silêncio histórico das mulheres para uma textualidade insurgente, sensível e potente.

O poema Rosário Maria, de Elizabete Nascimento, inscreve-se numa linhagem poética que combina linguagem, gênero e território. Ao mobilizar o nome “Maria” como signo coletivo e ancestral, o texto articula o íntimo e o político, o místico e o cotidiano. Trata-se de uma poética da escavação: da alma, da terra e da história.

A repetição de “Cava, cava, cava bem fundo n’alma, Maria” é um mantra que impõe ritmo e urgência à leitura. Como sugere Gaston Bachelard (1993), a imagem da escavação remete ao inconsciente profundo, às “cavernas da alma” onde habita a memória arquetípica. Neste caso, o gesto de cavar é também um gesto de resistência, de retorno ao próprio corpo como território de força.

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A presença do “magma”, da “lareira” e do “incendiar o mundo” evoca o elemento fogo como transformação. Cixous (2013), em O riso da Medusa, argumenta que a escrita feminina precisa incendiar as estruturas do discurso patriarcal. O fogo em Rosário Maria é reativo e criador. Não destrói: liberta.

A passagem de “Maria” para “Marias” marca uma virada importante. O eu lírico singular se dissolve no plural coletivo, numa construção identitária que ecoa o conceito de “escrevivência”, cunhado por Conceição Evaristo (2005): a escrita que emerge da vida, das vivências encarnadas de mulheres silenciadas. Maria é toda mulher que cava, fia, lavra e canta.

As Marias de Elizabete “tecem outras rotas”, “acordam”, “desfiam os rosários”, num movimento de agenciamento coletivo. Aqui, o rosário não é símbolo de submissão religiosa, mas de insurgência simbólica. Desfiar os rosários é desfazer as tramas da resignação.

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A poesia de Elizabete emerge como um espaço de escuta e mobilização. A expressão final do poema — “a primavera precisa chegar” — funciona como síntese do desejo de transformação. Não é uma primavera natural, mas histórica: exige que a palavra rompa o silêncio-túmulo e inaugure um novo ciclo. Rosário Maria é mais do que um poema. É um manifesto. Com ritmo de ladainha e corpo de reza profana o poema devolve à linguagem sua função primeva: a de criar mundos. E como lembra Paul Ricoeur (1997), “o que nos define não é o que lembramos, mas a história que somos capazes de contar”. As Marias de Elizabete contam, tecem e fazem florir a primavera.


ROSÁRIO MARIA

 

Cava, cava, cava bem fundo n’alma, Maria.

Deixa que escorra na pele o magma, Maria!

Labuta rainha, debulha o rosário, Maria!

Suba a ladeira, acenda a lareira, saia da fileira, Maria!

Desagua a mar, Maria.

Lava-se no lar, Maria.

Senta-se no bar, Maria.

Cava, cava, cava bem fundo n’alma, Maria.

Há magma em sua terra, Maria.

Incendeia o mundo, Maria!

Saia da fila, Maria!

Balança a saia, Maria!

Lavra a terra com os fios da vida, Maria.

Espalha sementes, Maria.

Cava, cava, cava bem fundo n’alma, Maria.

Tu és uma Maria.

Nós, somos muitas, Marias!

Vençam as crostas da pele, Marias!

Teçam outras rotas, Marias!

Acorda! Chegou a hora de desfiar os rosários, Marias.

Cava, cava, cava bem fundo n’alma, Marias.

A conta está paga, Marias.

Unam-se! Há fios prateados na madrugada, Marias.

Teçam atônitas as teias da vida, Marias.

Com pérolas que adornam a garganta, Marias!

Com fé e esperança que ilustram a vida, Marias!

Corações alados espalham amor, Marias!

 

Vai!  Deixa que as palavras abram sua boca de túmulo,

a primavera precisa chegar.

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Referências

BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

CIXOUS, Hélène. O riso da Medusa e outros ensaios feministas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

EVARISTO, Conceição. "Escrevivências: a escrita de nós-mulheres". Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2, 2005.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

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Arquivo da autora

Jocineide Catarina Maciel de Souza - Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, da Universidade do Estado de Mato Grosso (PPGEL/Unemat) (2021). Mestra em Estudos Literários também pela Unemat (2014). Graduada em Letras (2009). Quilombola do complexo territorial de Pita Canudo em Cáceres/MT. Produziu o documentário: “Quintais Quilombolas: Memória e identidade Cultural do Quilombo Pita Canudos Cáceres/MT”, com o apoio da Secel, por meio da Lei Aldir Blanc, em 2020. É, também, produtora cultural e diretora da Escola Estadual Demétrio Pereira, em Reserva do Cabaçal/MT-BRASIL.




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Arquivo da autora

Elizabete Nascimento (Cáceres/MT) -  é poeta, professora e avó. O silêncio e o tempo são seus mestres e, por isso, tenta guardar as dores com dignidade e as ressignifica em páginas, na ânsia de apontar que o verbo pode ser abrigo, cura e voo. Cada palavra que rabisca é na tentativa de ofertar um sopro de esperança ao mundo. Aprendeu que escrever e amar são, voos de pássaros, os únicos caminhos, verdadeiramente, eternos.

terça-feira, 6 de maio de 2025

ELES LEEM ELAS: GANHEI ASAS COM FLAVIA FERRARI

RECEBI O TERCEIRO LIVRO DA FLAVIA FERRARI: ESPÓLIO

Por Ronaldo Rhusso

Capa do livro Espólio, de Flavia Ferrari (TAUP, 2025)
Publicação independente como ela própria, Capa da Jéssica Iancoski e um conteúdo daqueles que a gente lê, relê e sabe comentar: é pura Poesia!

A fluidez com que os versos decorrem e vão escorrendo em forma de poemas vai saciando aquela sede/fome de Poesia escrita e bem-dita de forma que faz a gente sentir um abraço e ouvir o sussurrar a nos dizer: “Eu sei! Também sinto isso.”

O poema que abre essa obra cativante, “Arrima”, pode passar despercebido apenas ao desavisado poeticamente, mas mostra a alma nua da poeta como a passar coberta apenas pela translucidez proporcionada por uma imaginária cortina transparente e, enquanto ela passa, lança seu olhar concorde como a dizer: “é também a minha”.

Noto em seguida a efêmera fragilidade que completa a ideia do que será objeto da simplicidade, mas não simplória morada porque lar é lar e versos não precisam do rebuscamento matemático, apenas de um poema onde se encaixem e como se encaixam os da Flávia!

“ao humano, uma melindrada barreira

qualquer muro é menos dissimulado”

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Em “Pontas de lança” aquela realidade caótica que restringe sem restringir, de fato, e a separação ou privacidade que deveria apenas ser combinada, precisa da imposição dos quase limites ou o que valha para garantir a tal inviolabilidade.

E a “iluminação”? A limitada luz que permite apenas ver os “intrusos” misturados ao abstrato do pensar filosófico acerca das coisas que ornam o recôndito ou a iluminação de metaforizar como um dom que ‘metominiza? as lucubrações mentais?

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Demoro-me na prosopopeia que define as poltronas e vou observando cada cena, enquanto a poeta “ausculta” e descreve o papel dessas que “sabem quase tudo sobre os homens” e, deles, amparam ou protegem o “lar”:

“não aceito metades

do sono

do amanhecer

de você”

É como ela explica as “medidas” aceitáveis e depois confessa a “revelação” de seus olhos que brilharam quando os ouvidos captaram aquele “sim”.

Já o “Sal” nos faz corar.

Ainda há quem core, quem leia, releia, sorria e pense: nossa?

Eu sigo nesse deliciar-me com a leitura e me deparo com: “a materialidade, essa sim, é toda ilusão”

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A Eternidade? Quem sabe? Conforta e importa confortar, já a realidade, é caravana: passa.

Na “Vigília” a poeta comete a “extravagância” de sonhar reciprocidades e lembrou de se amarrar “na exuberância do primeiro enlace com o fervor do último toque”.

Observo a “Claraboia” em que tanto a poeta pensa, vê essencial, morta no “Futuro”, que já é, e algema a si mesma no diálogo só porque “a pele aprende rápido”.

Como entender o “Estanque” da paixão, a “Estreia” da novidade e o olhar pelas “Janelas” da outra casa pensando nos costumes da cidade?

Alguém me disse que não entendo “Semântica”, já a Flávia, diz: “Uso o amor, minha palavra coringa”.

No mais ela que é “Reclusão” e “Dissocia”, afirma:

“queria um corpo-console-inconsciente

que dança se outros dançam”

 

Eu também queria! E tu?

Curtiste essa pseudorresenha até aqui?

Mas não viste quase nada, já eu aproveitei que a Flávia Ferrari confessou:

“desejei tanto ar que ganhei asas”

E cheguei com ela ao final dessa leitura agradável, quase como um voyeur dessa alma mulher e o que mais quiser ser porque pode e me prendeu letra por letra, verso por verso, elevou-me com ela!

Para adquirir o livro Espólio de Flavia Ferrari clique AQUI e entre em contato com a autora.

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Arquivo da autora
Flavia Ferrari (São Paulo, 1976). Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari tem três livros de poesia publicados, Meio-Fio: Poemas de Passagem (2021) e É Tudo Ficção (2022) e Espólio (2025). A autora escreve desde a adolescência, mas começou a publicar seus poemas no início de 2020, compartilhando seu trabalho nas redes sociais, participando de antologias e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelas leitoras e leitores.

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Arquivo do autor
Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

AMAZONIDADES: GESTA DAS ÁGUAS

 

AMAZONIDADES - GESTA DAS ÁGUAS: ALGUMAS PALAVRAS[1]

Por Rita Alencar Clark

Compre AQUI

Quando Ítalo Calvino em seu livro: Seis propostas para o próximo milênio (1990) – na quarta parte – constrói sua narrativa  sobre a visibilidade e  propõe fazer uma alusão à obra de Dante Alighieri, com fins de apresentar, aos potenciais escritores, uma daquelas, que julga ser, “ferramentas” essenciais para um bom texto, diz: “...para o poeta Dante, toda a viagem da personagem Dante é como essas visões; o poeta deve imaginar visualmente tanto o que seu personagem vê, quanto aquilo que acredita ver, ou que está sonhando, ou que recorda, ou que vê representado, ou que lhe é contado, assim como deve imaginar o conteúdo visual das metáforas de que se serve precisamente para facilitar essa evocação visiva. O que Dante está procurando definir será, portanto, o papel da imaginação na “Divina Comédia”, e mais precisamente a parte visual de sua fantasia, que precede ou acompanha a imaginação verbal”.


Partindo desse ponto de observação sugerido pelo mestre Calvino, arrisco-me a tecer uma narrativa sobre a obra de Marta Cortezão, poeta de “
Amazonidades”, que assim como Dante nos carrega, sem resistências, através das correntezas de sua literatura imagética, por excelência, e como nos rios que cortam a carne Amazônica das florestas, dos seres encantados, dos barrancos e sua gente ribeirinha, vamos penetrando (como na obra de Dante) nos vários círculos, contemplando imagens que se formam diretamente em seu espírito (parafraseando Calvino). Desta forma, podemos navegar por entre as páginas-estradas-rios da sua obra, mesmo que nunca tenhamos, fisicamente, nos aventurado na missão. Podemos sentir os cheiros do tacacá quando exala em trova:

À tarde, um largo passeio  

camarão mais tacacá

jambu no picante cheiro…

E um beijo, me taca cá?


Ou ainda, de súbito, sentir um frio percorrer a espinha quando esquadrinha os Encantados:

E no caminho da roça  

o Curupira faz troça;  

o caboco já perdido

pega o beco num só grito.


Ou fazendo o sangue gelar com as visagens:

Facheando pela noite,

sanhuda cobra de fogo

rasga luz na escuridão…

Cruz credo da assombração!

Foto lançamento na ALB/AM

Marta Cortezão nos traz ainda iluminuras poéticas para ensinar ao “povo das cidades”, imersos nas urbanidades, o frescor dos neologismos e uma fonética só nossa, o povo das Amazônias, das lendas e parlendas, dos mitos e encantarias, para mostrar que trazemos  no dorso da alma nossa ancestralidade pujante, potente e que ela remonta há milênios de sabedoria e conhecimento; do que ainda não foi descoberto pela ciência, pela medicina, pela humanidade, tão necessitada e carente de unguentos e benzeduras para a alma, que a salve da calamidade, da catástrofe climática, do caos irreparável. Nos indicando, pelas trovas, o caminho da redenção, ou quem sabe, da salvação. Os olhos de Marta sondam a escuridão das matas, dos rios, dos recônditos lugares como a proteger um santuário, com seus versos e trovas, dos homens de coração duro e corroídos pelo mercúrio e alumínio assassinos, que envenenam nossas águas e peixes, que matam nossos povos. Contudo, nossa poeta – gesta das águas – é Amazônida de Tefé, usa das armas, sua poética, desvendando conosco seu mundo imagético com a precisão de uma lança de Icamiaba, crava no mundo literário suas trovas encantadas e faz renascer no seu povo a beleza, a esperança de novos dias de ajuri farto; dias de Tupã.

 

Curupira, fiscal brabo

e herói de famosas gestas

montado em seu xerimbabo,

faz a ronda na floresta.

***

Mulheres Icamiabas

vencedoras de Orellana;

ancestrais e matriarcas

das caboclas Amazonas.

 

Vida longa à Marta Cortezão!

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Manaus, 09 de novembro de 2024.

Foto de Marta Cortezão
Textos da contracapa:

O leitor que interagir com este AMAZONIDADES – GESTA DAS ÁGUAS, da poeta amazonense, Marta Cortezão, desfrutará dos sabores amazônicos através de uma tecelagem verbal instigante. Marta recorre, predominantemente, à métrica do verso heptassílabo (ou redondilha maior), para imprimir música à língua regional das riquezas floresta. Trata-se de uma poética fluvial que traduz a melhor brasilidade em seu universo verde de mistérios ainda irrevelados.

Salgado Maranhão

Poeta, compositor.

O conhecimento adquirido com as vivências nos rios, que no livro de Cortezão é o todo, volta-se sobre a parte população ribeirinha, formando um ecossistema múltiplo da floresta e região. As amazonidades nos convidam a uma visão das dimensões holísticas da região pelos rios Negro e Solimões que atravessam as vidas dos ribeirinhos do norte do país.  Os perfis humanos, herdeiros dos povos originários, são seres-em-relação e o EU lírico se define sempre diante de um Tu, esse TU significativo e caudaloso, que é o rio. 

Isa Corgosinho

Poeta, Ensaísta, Dra. em Teoria Literária.


[1] Texto de Rita Alencar Clark apresentado no lançamento do livro Amazonidades: gesta das águas, em Manaus, na Academia Amazonense de Letras, em 09 de novembro de 2024.

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Arquivo da autora
Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM - Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA - Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: Meu grão de poesia, Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico e In(-)versos do meu verso.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

ELES LEEM ELAS: MEU SILÊNCIO LAMBE TUA ORELHA, DE MARTA CORTEZÃO

Venda diretamente com a autora
ELES LEEM ELAS: MEU SILÊNCIO LAMBE TUA ORELHA, DE MARTA CORTEZÃO


 POR RONALDO RHUSSO

Meu silêncio lambe a tua orelha” da Marta Cortezão - Editora TAUP (Toma Aí Um Poema – 2023)

Trombei, por assim dizer, com a Marta Cortezão numa das esquinas da rede de gente virtual nem um pouco virtual! Convite da Eliana Castela para ver, em outubro de 2020, ápice pandêmico, a Live VIII Tertúlia Virtual sob o Tema: “A Poética que roça os sentidos” no Canal Banzeiro Conexões do iutubi... Vi o “card” de chamada, procurei textos das outras convidadas para compartilhar na hora e vi a Marta apresentando geral, um tanto desacostumada com as geringonças internéticas, porém, sempre com esse sorriso de Sol, fazendo um trabalho lindo de divulgação de novas poetas e escritoras...  Conferi os vídeos anteriores e continuei acompanhando os demais, enquanto ela se transmutava em “Enluarada”, “Bruxa”, “Deusa” (levando geral com ela, grande parte, gente que tinha seus escritos engavetados e desacreditados) ... Aí fui lendo, também, o versejar vicejante da Marta...

E o atual livro? Ah! Sim. “Meu silêncio lambe a tua orelha” (gostosinho falar isso, não é? Quem não fica logo muito a fim de ler este livro?) derrama sobre nós leitores um balde estelar de poemas vivos... Saca, vivo? Tipo vivo assim:

estas cicatrizes que levo

agarradas na pele

falam muito mais de mim

que as palavras fugadas

de meu distraído silêncio

                          (intemporalidades)

 

meu corpo desértico

feito de solidão e degredo

pelo ímpeto da dor

do não pertencimento

reage com solícitos ais

                       (mar de diásporas)

Evento Campinas, das 14h às 16h30, Sáb/27/JUL

Há, notavelmente, um espetáculo de poemas Concretos e um desnudar de alma em cada um deles, sendo que a Marta já havia demonstrado esse poder ou virilidade no escrever sobre o que ainda é tabu para quem se assusta com a realidade que todo mundo sente ou todo mundo quer sentir e se libertar para tanto! O uso das Figuras de Retórica é aplicado de uma forma bastante rica e o gozo do leitor se amplifica num acompanhar de momentos poéticos que nos fazem reler e reler porque a sonoridade é boa e a identificação com o que lemos nos embala a continuar a beber as palavras:

o tempo escorre arenoso

pela ampulheta

vai inevitável

estirando granulado fio

que tece a sanhuda

pressa das horas

               (liquidez)

Eu preciso comentar essa combinação bonita entre a Marta Cortesão e a Toma Aí Um Poema, inicialmente um podcast idealizado pela Jéssica Iancoski que postou a primeira declamação em novembro de 2020 no Canal com o mesmo nome. Ou seja, “Meu Silêncio Lambe a Tua Orelha” e a TAUP é mais que uma parceria com poemas fortíssimos e um trampo de editoração bonito pra caramba! Design gráfico bastante contemporâneo, tão vivo quanto os sessenta e seis poemas. É um livro que tinha que acontecer! É um encontro de dois belos e caudalosos rios escorrendo e se juntando, em delta, ao mar da Poesia para deliciosamente encher o mundo dessa fertilidade criativa...

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Marta Cortezão, de Tefé/AM, é escritora e poeta. Possui publicações em antologias nacionais e internacionais. Livros de poesia publicados: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), Zine “Aljavas para Cupido” (2022) e “meu silêncio lambe tua orelha” (Toma Aí Um Poema Editora, 2023). 


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Ronaldo Rhusso
: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.

sexta-feira, 24 de março de 2023

ELES LEEM ELAS: É TUDO FICÇÃO, DE FLAVIA FERRARI


É TUDO FICÇÃO, DE FLAVIA FERRARI

 POR RONALDO RHUSSO


Eu queria ter o talento da escritora campinense Nilza Azzi para descrever o que lê de uma forma a pintar tão bem as cenas quanto ela o faz.

Hoje eu reli “É Tudo Ficção” (Editora TAUP – Toma Aí Um Poema - 2022) da Flávia Ferrari. E quem é Flávia Ferrari?

A pergunta faz sentido porque uma busca no Google vai resultar numa blogueira que ensina as pessoas a viverem como se o planeta não existisse antes dessas tais dicas que ela dá. Bom para ela. Péssimo para quem vive exausto dessas futilidades.

Mas a Flávia Ferrari a quem me refiro é uma poeta que já era poeta antes de ver a si mesma como tal, ou seja, poeta.

Ah! E é professora, de verdade, influenciando de forma muito positiva o que a gente chama de nova geração.

Bom para essa nova geração ter uma influência tão necessária!

Estreou, por assim dizer, nesse momento pandêmico agudo com o livro Meio-Fio: Poemas de Passagem, Editora TAUP, 2021. Participou de Coletâneas, essa trilha que muita gente percorre, antes de brindar os bons leitores com um trabalho mais pessoal e espontâneo e eu, assíduo nessas redes antissociais, acabei por ter o privilégio de me deparar com suas participações generosas nas “lives” cujas participações são restritas a mulheres que escrevem e pleiteiam pela justa equidade, não só no Mercado Editorial, mas, também, na vida. E vejo a Flávia, principalmente, em vídeos onde ela lê outros poetas sempre com um sorriso de luz e o brilho no olhar que mostra uma alegria sincera, uma dorzinha contida, uma vontade de dizer o quanto o texto lido lhe tocou e não é que diz, mesmo? Ela, também, é publicada em Revistas digitais, mas vamos ao É Tudo Ficção? 

Antes eu quero frisar que não sou analítico como os resenhistas e críticos textuais. Se fosse estaria muito ferrado porque só leio o que quero ler e entendo o que quero entender, sendo, assim, independente e livre para depor e não julgar o íntimo do escritor, que, por ser escritor, não é ser humano usual.

Esse segundo livro da Flávia Ferrari a expõe, como disse outro dia a Jalna Gordiano numa live da Banzeiro Conexões sobre essa característica nas escritoras viscerais. Ele, o livro, a desnuda como ser humano que tem a sorte infinita de saber descrever isso juntando palavras e isso requer uma coragem tão necessária nesse mundo hipócrita!

“É Tudo Ficção” foi dividido em oito partes. Parece uma carta (se eu fosse fodástico teria escrito “Epístola” para ficar mais fofo) e pode nem ter sido conscientemente, contudo é uma carta de amor.

“Se tivesse mais tempo

Viveria as ilusões

De quem atribui ao tempo

Os impedimentos” (Kairós)

 

“Se pudesse mesmo criar algo extraordinário

As plantas teriam voz” (O estado das coisas)

Reparem como esses dois trechinhos poderiam fazer um leitor atento parar para meditar na estultice humana de se acorrentar ao tempo e fingir que ele existe de tal forma a restringir a existência de quem nele acredita?

E se as plantas falassem? Ah! Sim, elas falam, mas e se a gente as entendesse ou se elas tivessem voz? A Flávia vem com essas ideias doidas de poeta pra cima da gente e agora eu, que ando ressentido com meu pé de maracujá, gostaria muito que ele me desse algumas explicações verbais.

Em “Partir” ela me chama a atenção para o fato de ser ambidestra em quase todos os textos, mas só nesse foi que percebi e acabei relendo todos os poemas mais uma vez. Vejam:


“Eu queria acabar com esta sensação

De que sempre há algo esquecido

Seja palavra ou coisa ou gesto

Esta falta insistente que não tem letra

Eu queria”

Eu não planejei citar fragmentos de textos, mas como não fazê-lo se esses fragmentos me fazem um bem danado de dar um tempo a mim mesmo e ficar pensando os pensamentos da Flávia que vão inundando o meu pensar de leitor que pensava que era doido sozinho?


“Todos esses poemas que escrevemos

Não dizem nada de relevante

Meu plano é jogar fora tudo o que você já escreveu

Se penso ser capaz de fazer isso

Certeza que você já pensou em fazer pior

E passo a noite acordada pensando o que seria”

 

Agora que me liguei estar dando “spoilers” nessas citações, mas e daí? Aqui vai mais um:

o amor tem a consistência de um guarda-chuva

em algum momento será insuficiente

e quando estiver toda nua

sem as minhas roupas ensopadas

estarei sozinha (Tempo)

Onde é que essa escritora estava engavetada nesse tempo todo? O que ela escreve desce macio na garganta do cérebro e se espalha pelos capilares dando aquela ondinha gostosa de sentir...

Eu pensei em falar sobre a parte em que ela chamou de “Diário” e dividiu em quatro partes/poemas, mas é tão íntimo e tão bonito que eu prefiro não tirar esse gostinho dos próximos leitores.

É Tudo Ficção” descerra essa fricção gostosa de corpos, de pensamentos, de acasos e descasos, das ternuras que foram interrompidas... Essa fricção entre existência e vida e que você, se for raso, pode chamar de redundância, mas experimenta ler esse livro e ao final pergunte a si mesmo, entre aquela tentativa de respirar devagar após o gozo, se foi bom para você, também.

Eu gostei.

O Projeto Gráfico? É um luxo a mais nesse livro fascinante.

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Flavia Ferrari. Poeta e professora da rede pública de São Paulo. Lançou, em novembro/2021, o seu primeiro livro de poemas, intitulado “Meio-Fio: Poemas de Passagem”. A obra foi editada pelo Toma Aí Um Poema. Flavia Ferrari escreve desde a adolescência, mas começou a publicar seus poemas no início da pandemia, compartilhando seu trabalho nas redes sociais, participando de antologias e contribuindo com diversas revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelos leitores e pelos periódicos digitais

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Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.

Feminário Conexões, o blog que conecta você!

ROSÁRIO MARIA, POEMA DE ELIZABETE NASCIMENTO

  CAVAR A ALMA E TECER PRIMAVERA: UMA LEITURA SIMBÓLICA DO POEMA ROSÁRIO MARIA , DE ELIZABETE NASCIMENTO POR JOCINEIDE CATARINA MACIEL DE ...