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PROCESSOS DE ESCRITA: VARIADOS POEMAS DE CAROLLINA COSTA
POR CAROLLINA COSTA
Gestar e parir não é tarefa fácil, quer sejam filhos, projetos ou... Livros. Diferente dos meus outros dois livros — O Singular do Dual, que foi um livro mais montado do que propositalmente escrito, e 30 Dias 30 Poemas, que foi um desafio poético que criei para mim mesma —, Variados Poemas foi um livro que me surgiu através das músicas “Carcará”, na voz de Maria Bethânia, e “Compasso”, de Angela Ro Ro, cada uma com sua marcação e em seu momento particular. É um livro dividido, porém não separado, em três partes, que apesar de temáticas são como três artérias que irrigam as páginas de um único livro com versos pulsantes em uma mesma harmonia.
Capa de Variados Poemas |
Meio Bethânia, meio Ro Ro, Variados tem seu embrião no meu
poema “Memórias”, que compõe a primeira parte do livro. Escrevi esse poema de
sobressalto, ao me deparar com um vídeo no Instagram da música “Carcará”,
cantada por Maria Bethânia ainda jovem. Até então eu só conhecia a música na
voz de Nara Leão, mas a profundidade da voz de Bethânia logo no início da
música me transportou diretamente para os caminhos da minha ancestralidade
paterna, sendo meu pai nascido no interior da Bahia, porém criado no Rio de
Janeiro. Não sei muitas histórias porque, como digo em um dos meus poemas dessa
primeira parte, “sofrimento a gente só quer esquecer” e ficam as histórias
deduzidas pelas cicatrizes que vez ou outra dão o ar da graça.
Apesar de ter sido trazido por “Carcará”, o poema “Memórias” também
fala da minha ancestralidade materna, vinda do interior de Portugal. Essa
conexão entre minhas duas ancestralidades no poema não surgiu à toa, visto que foram
dois “interiores”, cada um com sua penúria, buscando uma nova vida em uma nova
cidade ou país que me trouxeram até aqui. Quando terminei o poema junto com a
música eu sabia que ainda faria algo com ele, só não sabia o quê. Então o guardei.
Algum tempo depois, ouvindo a rádio JB FM, tocou a música
“Compasso”, de Angela Ro Ro, enquanto eu fazia alguma coisa no computador.
Lembro que larguei o que estava fazendo e, já com alguns poemas soltos que
escrevi desde o “Memórias”, escolhi o título do que seria meu novo livro de
poemas, Variados Poemas. Estreei um novo caderninho de poemas e, a
partir dali comecei a escrever intencionalmente para o livro. De início pensei
apenas no que eu queria levar para esse livro: ancestralidade e processos de
escrita. Eram dois temas que estavam me transpassando com frequência e de forma
intensa na época, há uns três anos atrás.
Foram dois anos de escrita. Nem tudo que eu escrevia era pensando no
livro — até porque também escrevia crônicas, microcontos, e os trabalhos da
faculdade —, mas boa parte dos poemas eu escrevia intencionalmente para ele. Se
eu gostasse, guardava, se não, deixava esquecido ou colocava na internet se
achasse mais ou menos. Enquanto “Carcará” deu o pontapé para a primeira parte
do meu livro sem que eu soubesse, “Compasso” me apresentou de cara a
visualização de um livro completo, um livro que não era apenas feito de memórias,
mas que unia os vários passados que não vivi com o presente que está
constantemente em criação e o devir da potência criativa que é o motor de todo
escritor, criador, artista. “Compasso” trouxe a linha que faltava na costura da
obra para que eu também me visse representada no que escrevia, sem ser apenas
uma narradora de memórias.
Ao buscar espelhar meus processos criativos na minha escrita, senti
a necessidade de uma terceira parte no livro, e foi quando comecei a pensar na
estrutura que se tornou a forma final: dividido em três partes, com poemas em
inglês e português. Sou formada em Letras: Português-Inglês e professora de
língua inglesa, o que faz com que eu tenha um grande contato com o idioma e
muitas vezes crie textos em inglês por conta disso. Por um tempo estive imersa nos
poemas de Emily Dickinson e no livro Walden, de Henry David Thoreau e deles
tirei a terceira parte do livro — que, ao organizar as partes, ficou sendo a
segunda — e a maioria dos meus poemas em inglês estão nela.
Ancestralidade, natureza e angústia criativa. Essa é a ordem na qual
dividi o livro. Nem todos os poemas têm título, então coloquei uma pequena
marcação em espiral no fim da página correspondente ao fim de cada poema para
marcá-los, mas nada impede que o leitor as ignore e monte poemas novos. Espirais
são círculos que voltam a um mesmo ponto por caminhos diferentes, talvez esse
movimento possa inspirar leituras.
A capa também foi um processo criativo meu, mas pensada só depois do
livro já montado. A lótus, uma flor que cria suas raízes na lama e floresce em
água limpa, na cor vermelha é entendida como símbolo da compaixão por algumas
culturas orientais. Pintei de forma simples em uma tela com tinta a óleo porque
não sou nenhuma profissional de artes plásticas, mas também quis trazer certa
simplicidade e autenticidade criando uma ilustração com minhas próprias mãos
para o meu livro, como já tinha feito com O Singular do Dual. Penso na
compaixão que a natureza tem com seus ciclos e na compaixão que precisamos ter
tanto com nossas memórias quanto com nosso presente. De alguma forma a
compaixão também transpassa esses versos.
Capa de Variados Poemas |
Mesmo depois do livro escrito, ainda fiquei um ano pensando se
publicaria ou não e como publicaria. Decidi publicar na primavera desse ano de
forma independente pela plataforma da Amazon e da UICLAP, já disponível para todos
que quiserem adquirir seu exemplar. Do tanto que todo esse processo me trouxe, desejo
que o devir desses versos, desde a capa até a última folha, possa incentivar à
busca de possibilidades nos (com)passos de cada leitor. Abaixo, deixo o meu
poema “Memórias”, que foi como tudo começou:
Memórias
É o sangue do sertão que corre nas veias
O solo quente e infértil
A memória da fuga pelo sol
Da trajetória errônea que só quem não
tem destino sabe viver
Aquela memória juntou com a vinha
fria da segunda guerra
A benção de comer o que se planta
Mas também não saber como vai ser na
próxima estação
A memória da roupa rasgada
Da fuga pela promessa de uma nova
terra
A junção do imigrante de país com o
estrangeiro de cidade
Dois interiores que se encontraram
E juntos formaram
O arcabouço de memórias
E as centenas de
histórias
Que passaram de
parto em parto
Até parirem
A mim
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Carollina Costa é licenciada de Letras: Português-Inglês pela UFRJ e atua como professora de língua inglesa e escritora. É autora dos livros de poemas O Singular do Dual e 30 Dias 30 Poemas. Faz parte do coletivo de escritores Ecos Poéticos.