V E R B O M U L H E R|04
EU VI A MULHER PREPARANDO OUTRA PESSOA
POR HELENA TERRA
“Não
existe verdade inferior. E, se eu não relatar essa experiência até o fim,
estarei contribuindo para obscurecer a realidade das mulheres e me acomodando
do lado da dominação masculina do mundo”, Annie Ernaux diz em seu livro O Acontecimento.
Annie Ernaux, para quem ainda não sabe, é a vencedora do Prêmio Nobel de
Literatura deste ano. Eu, até outro dia, falo do mês de agosto, nunca tinha
lido nada dela. Eu gosto da palavra agosto. Separa o A e muda o sentido! E gosto
muito do livro Luz em Agosto, do William Faulkner, aquele em que uma jovem, em
um estado interessante, caminha descalça por uma estrada, usando um vestido
comprado por reembolso postal.
Eu gosto da
palavra estado e do verbo Estar. Quando a gente começa a estudar inglês, começa
com o verbo To Be. Eu comecei aos seis anos e, na época, achei estranho um
verbo representar dois da nossa língua. Como pode ser Ser e Estar ao mesmo
tempo, eu me perguntava. Até hoje há muitas coisas que eu me
pergunto e acho estranhas, incompreensíveis mesmo, sendo uma delas a
maternidade, e eu sou mãe. Mãe duas vezes embora eu tenha um único filho. O
primeiro se tornou uma espécie de segredo do meu corpo. Então, sendo segredo, o
melhor a fazer é falar sobre o livro O Acontecimento.
E de
que ele trata? Também de maternidade. No caso, da gravidez indesejada de uma
jovem em busca de alguém que a ajude a abortar. Sim, ela não quer ser mãe.
Aliás, muitas mulheres não querem. Muitas mulheres geraram e pariram filhos por
obrigação. Muitas mulheres inclusive morreram dando à luz ou a evitando. Dar à
luz é uma expressão que me intriga ou, talvez, incomode. É, me incomoda. E
penso que não é pelo contraponto de uma outra vida estar no que chamam de
escuridão de um útero. Me incomoda porque ela parte da premissa de que nós, as
mulheres, temos de dar. Dar o tempo todo. De tudo. De sermos a doação em
pessoa, custe o que custar, mesmo quando a vida não está correndo conforme o
planejado ou, vai, está. A vida, às vezes, por incrível que pareça, corre bem.
Durante as minhas duas gestações, eu vivi em um mundo cheio de estrelinhas. E
por quê? Por uma série de fatores, sendo o mais significativo a atuação
impecável do pai dos meus bebês.
Pois é. O
pai do meu filho, nesse quesito, merece um parágrafo. O pai do meu filho, desde
o instante em que soube que a nossa família iria aumentar, moveu mundos e
fundos para que eu me sentisse feliz, zelando pelo meu bem-estar físico e
emocional como se ele próprio tivesse adentrado minha natureza, como se
fossemos, naqueles meses, a mesma pessoa. E, de certa forma, fomos. Os
batimentos cardíacos dele e o meu se uniram em um intenso estado de desejo, nos
conduzindo a uma forma de paixão e gozo que desconhecíamos. Grávida, mais do
que em qualquer outra fase, fui desejada. Grávida, o pai do meu filho e eu nos
tornamos, verdadeiramente, um homem e uma mulher.
Um
dos meus filmes favoritos é o Um Homem e Uma Mulher, do Claude Lelouch. Não é fácil
ser um homem e uma mulher, viver a parceria de um homem e uma mulher. Quem viu
o filme sabe do que estou falando. E não é simples, para um casal, manter-se um
homem e uma mulher durante a gestação de um filho. Na verdade, é um desafio. Alguns
homens falham diante da exuberância de uma barriga. Os piores homens. Que tipo
de homem trai a mulher que traz o seu filho no corpo?
Uma mulher grávida, se a gente parar para pensar, é como um teste de caráter e de honra. A gravidez de uma mulher revela, em alta escala, o caráter de quem a engravidou e a presença ou a falta de empatia com as transformações do corpo feminino. Por detrás de traições, sabemos, existem sempre argumentos, mas, por detrás das desse tipo, o que há é a indiferença e, por que não dizer, a crueldade de homens invejosos e egocêntricos. Poucos. De acordo com uma pesquisa encomendada pelo Ashley Madison, o maior site de relacionamentos extraconjugais desse planeta redondo, no momento da gestação de um filho, a maior parte dos homens gostam de estar com suas mulheres. Estar é mesmo um verbo interessante.
Ana Carolina - Força Estranha - Elas Cantam Roberto Carlos
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