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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

MAIS ANA QUE LEILA, POR MARINA MARINO


 𝙈𝙖𝙞𝙨 𝘼𝙣𝙖 𝙦𝙪𝙚 𝙇𝙚𝙞𝙡𝙖



Acesso a Internet e a foto da apresentadora está ali, em destaque. No momento do clique, a moça sorria um sorriso lindo. A notícia que se lia a seguir, no entanto, não falava de beleza, nem de alegria.

Ela, conhecida em todo o país, aparece diariamente em um programa matutino na TV, apanhou do marido. Sim, foi isso que eu li, espantada, na legenda da foto.

A notícia decorria sobre a agressividade do sujeito e enumerava situações violentas que ele já tinha imposto anteriormente à vítima, acho que já posso defini-la assim. O agressor desmentiu, claro, tentou amenizar a situação, querendo desculpar a si mesmo, minimizar o ocorrido, quase culpando a vítima pelo início da discussão, como sempre fazem todos os agressores. Horas depois, após pressão da imprensa, acabou por assumir o ocorrido.

Enquanto eu lia a notícia, veio à minha mente que esse tipo de situação é comum acontecer nas classes mais baixas da sociedade. (Não consigo esquecer do caso de uma vizinha que saiu de ambulância, depois de ser violentamente agredida pelo namorado.) Já uma mulher rica e famosa, que passa a sensação de ser bem resolvida, apanhar do marido, traz à tona a evidência da vulnerabilidade de todas, independente de raça ou classe social.

O caso coloca todas as mulheres muito próximas da Ana, já que são ou podem ser agredidas, silenciadas, oprimidas, por alguém que se dizia parceiro, em quem confiavam. É a lógica heteronormativa da sociedade que dá aos homens permissão para disporem do corpo da mulher a seu bel-prazer, entre “tapas e beijos”, o que explica outros crimes a que elas são submetidas e que só aumentam nesse Brasil violento revelado nos últimos anos, onde cantadas, piadas, “encoxadas” são consideradas apenas brincadeira pela maioria.

Um hit em 1993 cantava: "𝘵𝘰𝘥𝘢 𝘮𝘶𝘭𝘩𝘦𝘳 𝘲𝘶𝘦𝘳 𝘴𝘦𝘳 𝘢𝘮𝘢𝘥𝘢, 𝘵𝘰𝘥𝘢 𝘮𝘶𝘭𝘩𝘦𝘳 𝘲𝘶𝘦𝘳 𝘴𝘦𝘳 𝘧𝘦𝘭𝘪𝘻, 𝘵𝘰𝘥𝘢 𝘢 𝘮𝘶𝘭𝘩𝘦𝘳... 𝘦́ 𝘮𝘦𝘪𝘰 𝘓𝘦𝘪𝘭𝘢 𝘋𝘪𝘯𝘪𝘻." Vou ter que discordar. Infelizmente não somos nada Leila Diniz, se fôssemos não estaríamos aceitando caladas as pequenas violências do dia-a-dia, que crescem, ganham força e nunca têm final feliz. Rita Lee que nos perdoe, mas no momento atual, muitas de nós nem sequer sabem quem Leila foi, muito menos o que poderiam representar suas revoluções ao movimento feminino, se tivéssemos dado valor a elas.

No Brasil atual, perverso com as mulheres, a liberdade feminina está longe de se concretizar... Não permitiram às novas gerações conhecer Leila, denegriram sua imagem. Andamos para trás, Rita, apesar dos teus esforços. Estamos mais para Ana do que para Leila.

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Marina Marino é escritora, editora e livreira, é criadora da Voo Livre Revista Literária. É autora de 4 livros, sendo 2 infantis, 1 romance e 1 para mulheres. Publica poemas e contos em antologias tanto no Brasil como em Portugal, desde 2013. Marina se encontra no que escreve, porque tudo sempre é sobre o que ela vive.

sábado, 21 de janeiro de 2023

LIVROS & ENCANTAMENTOS: FIO DE PRATA, DE MARGARIDA MONTEJANO


LIVROS & ENCANTAMENTOS/09

DESFIANDO  REMINISCÊNCIAS, EPIFANIAS E METÁFORAS

POR ROZANA GASTALDI COMINAL

Sociedade distópica em função da pandemia da Covid-19, isolamento social por conta do coronavírus nos últimos dois anos, leva as mulheres que escrevem a se projetar com seus escritos nos mais variados gêneros. Em múltiplas linguagens dão vozes à potência feminina que dá um basta na violência cotidiana. Nesse curto período, estamos escrevendo sobre condição social, econômica, educacional, moda, comportamento, opressão, submissão, corpos, violência, política. Nada nos detém porque, enquanto reescrevemos nossos textos, damos novo enfoque àqueles que alienam de nossa condição.

Mulheres potentes em fusão por um mundo melhor. Foi nesse contexto que conheci Margarida Montejano e sua produção literária que traz traços de suas vivências como educadora, apresentadora do Canal N’outras Palavras, mãe, amiga, esposa. enfim, uma sobrecarga de papeis a que muitas de nós estamos expostas. E, justamente, por isso vamos nos apoiar e nos ler.

Margarida Montejano -Lançamento do livro Fio de Prata
[Foto arquivo pessoal da autora]

Em Fio de Prata, seu primeiro livro de contos, Margarida Montejano mostra que veio contribuir dando vez e voz a suas personagens femininas, para isso se apoia em alguns recursos estilísticos que se destacam: a reminiscência, a epifania e a metáfora. De fato uma maneira de aprofundar sua prosa poética.

 Na filosofia, Platão recorre à anamnese, à lembrança com pouca certeza. Nessa recordação vaga – reminiscência – é possível perceber coisas que ficaram na memória inconscientemente. Com o conto Reminiscências? Talvez, que abre o livro, percebe-se o quanto isso vem à tona. Quantas vidas existem e resistem em nós, mulheres? Múltiplas somos que “esse corpo estrangeiro” quando se depara na forma física “alta, negra, cabelos longos, pele quase negra”, “um corpo estranho e um cérebro em desalinho”, “vestido longo como num filme antigo”, natural o biotipo incomodar? Quando se vive no país em que vidas negras parecem pouco importar, isso não é à toa, vive-se livre num filme em busca das raízes que nos constituem. E nos vemos cara a cara com A Mulher do Retrato, a história de Inês/Inezita é recheada de romance, de perdas e ganhos, de se reinventar a cada amanhecer. Na primeira parte – A noiva do pescador – Inezita e Julinho vivem a saga de construir família e o sustento dela, o Condor passa, lutam até o luto. Na segunda parte – A Medalha da Sorte – Inezita, viúva, beija a medalhinha de Nossa Senhora da Conceição, os ventos e os rumos mudam, chega Naldo. E na terceira parte – A Mulher, o mar e vida que segue – vemos Naldo morrer à deriva no mar, após enfrentar duas árduas ressacas: a do mar e a da bebida. Apesar das dificuldades enfrentadas, na sua simplicidade, a mulher vivia feliz. Porque o tempo todo foi ela o arrimo que a todos sustentou, mesmo “com os olhos marejados de preocupação e saudade, trabalhava e trabalhava muito. Costurava, cozinhava, cuidava dos filhos”. Exatamente por isso, D. Inês enfrentou as marés e seguiu altiva e agradecida.

[Foto do arquivo pessoal da autora]

A seguir, já anunciada no título, está A Epifania Feminina. Como Clarice Lispector, a autora explora a epifania – o(s) momento(s) de revelação. Essa característica literária nunca anda sozinha, vem acompanhada de questões existenciais: Nascer de novo? Não como menina! Repetir a mesma história? Nem pensar nessa falta de sorte. Qual o seu lugar na família numerosa? O clube do Bolinha ordena, o clube da Luluzinha executa. Deus dará, a fé ilimitada da avó determina, assim tem sido. Mas a garota de 10 anos questiona quando vê que os irmãos e primos têm tratamento diferenciado e privilégios. Sente-se arrasada quando o pai diz: “Como diz o otro, o bão e o que dá sorte é bater na nossa porta um menino pedindo anobão. Se vié uma menina, aí o ano será ruim, não será anobão”. Que desaforo! Mas menina conta com o apoio, a sensibilidade e coragem da mãe para livrar da triste sina, não ficará relegada a segundo plano enquanto os meninos seguem maiorais pelo anobão. Bandeira de luta e resistência já desde cedo o feminismo floresce.

Outras epifanias surgem em A Mão e o Espelho quando a jovem funcionária do banco fala que pratica quiromancia. Um dos colegas fica animado e põe sua mão para ela ler. A moça dá trela, pois é boa observadora de pessoas e com base nas atitudes delas “revela” as previsões futuras. Tempos depois, em outra cidade, já com outra profissão, “as revelações” se confirmaram para surpresa de Márcia, uma espécie de espelho que filtra os desejos do outro, da outra, de quem quer que seja, pois reflete também a si mesma, pois quem é que não quer ter uma vida repleta de realizações? Linhas da vida, fios entrelaçados pela escuta, o melhor dos autocuidados em nosso cotidiano tão banal, no entanto revelador se atentarmos aos detalhes.

Para adquirir exemplares, fale com Margarida Montejano

Finalmente as metáforas retratam várias faces. Hora de olhar as analogias, as comparações entre uma coisa e outra, qual a similaridade entre ambas? Nos contos seguintes, percebo que as personagens estão em busca do sentido da vida, partem para uma reavaliação existencial. Foi desse modo que enxerguei A Metáfora do Buraco e a Água no Rosto. O homem, em busca de sua alma gêmea, caminha sedento pelo deserto. E do nada é “engolido pelo buraco”. Perde a noção espacial e temporal. Miragem, passagem? Sente o frescor do oásis, em “fragmentos de sonho” vê a si mesmo bem mais velho, “a mulher misteriosa” nas “dunas centenárias”. Perdeu o senso ao deixar de viver o inusitado? Afinal o que é a vida? Miragem, passagem? Melhor é água no rosto, acordar para vida e dela desfrutar, ouvir a intuição, porque, às vezes, procuramos por algo bem longe de nossa vista quando o objeto de nossa fixação está abaixo de nosso nariz.

Na narrativa Se Não Entender, Pergunte!, o universo da educação se faz presente. A princípio parece ser mais um conto daqueles em que o opressor da pedagogia do oprimido vence. No entanto, Paulo Freire nos educa para uma educação que liberta então vem o revés. Somos sujeitos históricos, oras! Enquanto uma criança mantiver sua curiosidade acesa, que venham as perguntas! Já as respostas podemos encontrá-las juntos! Criatividade exige aprendizagem cooperativa. Isso se dá com interação das partes envolvidas: professor, estudante, sociedade inseridos num determinado contexto gerando uma pedagogia da esperança, metáfora que indica novas leituras, novos modelos de educar, porque os tempos são outros. Ter consciência desse processo é humanizar a nós mesmos.

[Foto arquivo pessoal da autora]

Por fim, o fechamento do livro com O Fio de Prata, canal que transmite energias vitais. Dona Maria Teresa e Nona são as anfitriãs da casa sem espelho. Ali compartilham histórias e ausência de vaidades. Em contraste com a convidada que se fixa na imagem de Narciso, de poemas, de personagens literárias, incluindo seus autores como forma de manter o corpo-matéria vibrando. Vibração esta que vem do fio de prata, pois nele está a força divina que mantém o corpo ligado ao espírito. Nesta metáfora bíblica, Margarida Montejano nos enriquece com várias outras imagens que são espelhadas e espalhadas assim como deve ser o universo literário que nos reflete, ora é susto, ora é vislumbre, ora totalmente espelho.

Após a leitura dos 7 contos, comovida, percebo que faço parte desse mulherio em movimento. Assim são as mulheres que redescobrem dentro de si mesmas verdades intrínsecas e se movem sem a validação de outros olhares, agora encontramos em nós próprias representatividade. Ressalto, ainda, que foi apenas um recorte desta leitora e que outras análises são possíveis. Encerro lembrando de um dito popular que diz que recordar é viver. Diria mais, aprender é recordar, seja conhecimento e aprendizagem por reminiscência, epifania ou metáfora. Quando se toma consciência do quanto certas situações ficcionais se aproximam de situações cotidianas experimentadas por nós, tais fragmentos de vivências nos fortalecem, estamos unidas pelo fio de prata que herdamos da literatura de Margarida Montejano, pois cada qual, a sua maneira, quer encontrar o fio condutor de sua existência.

Rozana Gastaldi Cominal

Poeta, escritora e professora

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Rozana Gastaldi Cominal, de Hortolândia/SP. Poeta e professora. Formada em Letras, faz revisão de textos. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz com a poesia na ordem do dia. Publicação de poemas em redes sociais, revistas literárias digitais, e-books e livros impressos. Livro solo Mulheres que voam (2022, Editora Scenarium).



Margarida Montejano, mora em Paulínia/SP. Supervisora Educacional na Rede Municipal de Campinas, Poeta, Pedagoga, Ms. em Educação PUC Campinas, Dra. em Educação pela Unicamp; Pesquisadora do Loed/Unicamp e Produtora do Canal Literário – N’outras Palavras – histórias que inspiram, no Youtube. Livro solo Fio de Prata (Editora Scenarium, 2022).

 


sábado, 7 de janeiro de 2023

MULHERES INDÍGENAS EM DESTAQUE, POR EUNICE TOMÉ

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POR EUNICE TOMÉ

Começamos o ano ganhando um Ministério no novo governo, o dos Povos Indígenas, sendo empossada Sônia Guajajara, líder e ativista indígena, reconhecida por sua influência no movimento pelos direitos de seu povo no Brasil. Ela é do Maranhão, que habita as matas da Terra Arariboia. Com voz muito influente, faz parte do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas e já levou denúncias às Conferências Mundiais do Clima (COP) e ao Parlamento Europeu. Membro do PSOL, em 03 de outubro passado, ela se torna a primeira indígena a ser eleita deputada federal pelo estado de São Paulo, com 156.966 votos, agora deixando essa função para presidir o ministério.

Além de seu ativismo político, Sônia Guajajara tem formação acadêmica - estudou Letras e Enfermagem e pós-graduação em Educação Especial.

Sônia é uma das referências para os povos indígenas, em especial para as mulheres, e a sua ascendência já vem de longe. No ano passado, 2022, ela foi convidada a compor o Álbum Biográfico “Guerreiras da Ancestralidade”, do Mulherio das Letras Indígenas, como uma das inspiradoras às 63 escritoras indígenas, que fazem parte dessa antologia. Uma obra de 200 páginas, onde cada qual apresenta sua vivência e um texto poético de suas autorias. A apresentação do Álbum foi feita pela premiada escritora santista Maria Valéria Rezende, uma das fundadoras do coletivo Mulherio das Letras.

Sônia Guajajara

O lançamento da obra foi no mês de novembro/22, na cidade João Pessoa, durante o V Encontro Nacional do Mulherio das Letras, com a presença de muitas representantes. Para mim, além de ter tido contato pessoal com essa nova safra de escritoras, foi surpreendente conhecer suas histórias de vida, antes mesmo do lançamento, uma vez que tive o privilégio de fazer a revisão geral do livro.

Esse mesmo Álbum será lançado aqui em Santos, em fevereiro, com a presença de algumas autoras, provavelmente na Estação Cidadania. Quem sabe, a ministra Guajajara possa vir prestigiar, mais uma vez, as guerreiras combatentes da sua ancestralidade e nos brindar com o brilho de seus ideais e de sua trajetória em prol do seu povo e do meio ambiente.

Lançamento no V Encontro Mulherio Nacional/Nov/2022


Eva Potiguara é indígena do contexto urbano, Doutora em Educação, professora de Artes do curso de Pedagogia, escritora e poeta, contadora de histórias, artista visual e audiovisual (clips), ilustradora, produtora cultural da EP PRODUÇÕES. É membro de várias academias de Letras no Brasil e na Europa. Articuladora do Mulherio das Letras Indígenas e do coletivo indígenas do contexto urbano no RN / INDURN. Livros publicados: “Do casulo à borboleta”, “Gatos diversos” e Abyayala Membyra Nenhe'gara,"Cânticos de uma filha da Terra" (2022).



Vanessa Ratton é jornalista, poeta, autora infanto juvenil, professora de teatro, Especialista em Teatro Brasileiro e Psicopedagogia e Mestre em Comunicação e Semiótica. Integra o Movimento Mulherio das Letras, tendo organizado a I e II Coletâneas poéticas Mulherio das Letras e a Coletânea internacional Mulherio pela Paz, em parceria com Alexandra Magalhães Zeiner, da Associação de Mulheres pela Paz Fraun für Frieden. Com o pseudônimo Tatá Bloom, é autora de Um ratinho que não gostava de queijo (Editora Multifoco), Um vizinho muito especial (e-book Kindle), Uma menina detetive e a máfia italiana (Editora Trejuli). Fonte: Ruído Manifesto.

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Eunice Tomé é santista, jornalista, mestre em Comunicação pela USP, escritora, poeta, haicaísta e promotora cultural. Possui oito livros publicados, incluindo contos, artigos, crônicas, poesias e haicais. No ano de 2020, apesar e até devido à pandemia, desenvolveu um projeto denominado Sarau em Casa com Pratas da Casa, onde divulgou 80 poetas locais da Baixada Santista, declamando suas poesias e resumindo um histórico. 



sexta-feira, 25 de novembro de 2022

AVE, CRÔNICA: VIBRA BRASIL, POR EUNICE TOMÉ

 


AVE, CRÔNICA|06

V I B R A   B R A S I L

POR EUNICE TOMÉ

Hoje estarei indo para a cidade de João Pessoa, na Paraíba, para o V Encontro Nacional do Mulherio de Letras, um movimento de escritoras, editoras, ilustradoras e promotoras da literatura, e que foi gestado em tempos atrás lá e aqui em Santos também. 


A Capital da Paraíba é o ponto mais oriental das Américas, por estar situada na Ponta do Seixas, no extremo do Nordeste, conhecida também como “porta do sol”, por ser onde o sol nasce primeiro no continente americano, além de ser a segunda capital mais verde do mundo.

Praia do Jacaré - Foto do Jornal da Paraíba-11/2022

De 25 a 27 de novembro, a presença feminina estará recebendo essas energias e, ao mesmo tempo, resplandecendo o calor do sol entre tantas mulheres de todo o nosso país, na busca de engrandecer os feitos da escrita nas falas de brancas, indígenas, pretas, em total miscigenação. Para celebrar, uma Coletânea será lançada, com textos em prosa e versos de suas participantes. 



Assistirei ao jogo do Brasil, em sua estreia na Copa, direto de lá. Será uma experiência nova, mas acredito que interessante por mesclar as torcidas de diferentes lugares, em torno da mesma paixão. E isso me faz ampliar a ideia de que uma disputa mundial, como essa, onde estão presentes tantas nações, de várias raças, cores e costumes, pode dar a dimensão de que devemos estar unidos em torno de buscar resultados e na defesa do país.

Em tempos muito ruins de polaridade política, estivemos lutando contra princípios e valores nefastos. O pavilhão nacional sendo apropriado como uma sigla partidária, e agora, fazendo parte de janelas e tremulando nos prédios como símbolo de todos, na torcida pelo melhor desemprenho no futebol.

Bem a calhar essa Copa, e já temos visto aqui na região bairros inteiros sendo coloridos e enfeitados para o grito de gol de todas as gargantas, não importa de onde venha. Na minha memória de adolescente, a Copa do México, em 1970, foi comemorada com muito entusiasmo e a influência foi tamanha, que a partir daí foi criada a comunidade na periferia de São Vicente, como o nome de México 70.

Vamos fazer o mesmo coro e torcer que consigamos nessa edição de 2022, a mesma vitória e sejamos campeões, mas além do melhor desempenho nas quatro linhas do campo, o que mais desejamos é ver unificado o país e todos buscando o melhor resultado na economia, nas áreas sociais, na educação, saúde, meio ambiente e nos esportes.

Esse será o melhor gol e com mais uma estrela brilhando a nosso favor.

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Eunice Tomé é santista, jornalista, mestre em Comunicação pela USP, escritora, poeta, haicaísta e promotora cultural. Possui oito livros publicados, incluindo contos, artigos, crônicas, poesias e haicais. No ano de 2020, apesar e até devido à pandemia, desenvolveu um projeto denominado Sarau em Casa com Pratas da Casa, onde divulgou 80 poetas locais da Baixada Santista, declamando suas poesias e resumindo um histórico. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

AVE, CRÔNICA: CLARICE E EU, POR TAINÁ VIEIRA



AVE, CRÔNICA|05

C L A R I C E   E   E U

POR TAINÁ VIEIRA


Clarice e eu é o nome desta crônica porque se trata de um texto bem intimista, na verdade, nem era para ser compartilhado, mas preciso mostrar o quanto tempo eu perdi, menosprezando uma autora que mudaria a minha medíocre existência.  Sei, estou agindo como uma colegial, porém, eu não me importo. Clarice Lispector exerce um poder intenso sobre mim, a forma complexa e sutil de narrar, me motiva, influencia e inspira muito.  Definitivamente, Clarice é a minha autora favorita para sempre!

 Quando eu estava no curso de Letras – Língua Portuguesa, e mesmo antes do curso, eu lia muito, sempre digo que a minha jornada na literatura se deu primeiro com a leitura, isso é óbvio, não poderia ter sido diferente.  Todavia, jamais me interessei pela literatura de Clarice, por dois motivos: o primeiro era porque sempre ouvira falar que a sua escrita era difícil de se entender, muito complexa e cansativa, e o segundo motivo; era por pura preguiça de me esforçar para entender.

Eu queria algo mais leve e fácil, eu queria mesmo era sombra e água fresca, nada de olhar para as profundezas das emoções das personagens, como no romance de estreia de Clarice, Perto do Coração Selvagem. Esse romance mudou a minha vida de verdade, e isso não é um clichê. Vira e mexe, estou pensando em Joana, ó minha triste e doce Joana, quão feliz eu fui adentrando a tua infeliz história. Por várias vezes, vi-me ali, por muitos instantes tu, Joana, eras eu, vivi contigo muitas agruras e tive também quase os mesmos pensamentos teus.

Formei-me, especializei-me, o tempo passou e Clarice sempre ficou para trás na minha vida. Sentia uma raiva tão intensa quando alguém perguntava sobre algum livro de Clarice, e eu respondia que não conhecia e a pessoa se assustava, como assim não conhece nada de Clarice? Eu, retrucava, quem é Clarice na fila do pão? É mesmo essencial ler Clarice?

Comecei lendo as suas crônicas, uma coletânea, Todas as crônicas, são mais de 600. O destino armou direitinho essa cilada boa, me pegou com as crônicas, e eu conheci uma autora totalmente oposta daquela que ouvia falar, e senti um ódio tão grande de mim por me deixar levar “no ouvir dizer.”  As crônicas de Clarice são inspiradoras, nota-se a paixão pela escrita, pela Língua Portuguesa, e pelo país que ela tanto amou. Em seguida fui para os romances, me esforcei muito para gostar da Macabéa (já havia lido na época da faculdade, mas foi por obrigação) prefiro a Joana, contudo, a minha favorita é a G.H. G.H fala aos meus ouvidos, na verdade, estou ali naquele quartinho acompanhando cada cena que sua mente produz.  Vivo àquela condição humana tão banal e tão necessária, e deixo-me levar por aquele turbilhão de emoção que percorre a narrativa.

Quando estou com tempo sobrando, assisto a entrevista de Clarice concedida quase um ano antes de ela morrer.  Já fiz isso várias vezes e mais vezes farei. Tenho um álbum na minha galeria de fotos só dela. Quando penso em Clarice, lembro também de uma professora da época da faculdade que faleceu há um ano, ela amava e nos falava com paixão da obra de Clarice e dizia-me que eu precisava ler Clarice, que Clarice era fundamental. A minha professora estava coberta de razão.

Passei pelas crônicas e por alguns romances e estou finalizando os contos, os contos que quanto mais complexos, melhores são. E eu tenho certeza, jamais encerrarei as leituras, Clarice sempre estará ao meu alcance, tanto que A paixão Segundo G.H, me chama, nunca vi isso, um livro chamar por mim.

Antes de ler integralmente a Paixão segundo G.H, eu já havia iniciado umas duas vezes, e parava, não porque não entendia, mas sempre acontecia algo que fazia com que eu deixasse a leitura de lado, só que um belo dia, eu decidi, vou terminar esse livro, recomecei e em dois dias, eu estava triste porque tinha terminado, eu queria mais, queria que a leitura durasse mil e uma noites. Algo estranhamente tem acontecido, sinto uma necessidade de relê-lo.  Estou quieta, e subitamente vem uma vontade de começar a ler tudo de novo, é como se esse livro chamasse por mim.

Essa é a literatura de Clarice, poderosa, inspirável, avassaladora e dominante, quem a conhece, a compreende, não escapa mais e fica literalmente à mercê, como se dela, um leitor, necessitasse para sobreviver. A obra de Clarice é o melhor enigma para que se possa desvendar (ou tentar) antes de começar a escrever. Clarice é essencial sim.

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Tainá Vieira é poeta, cronista e contista. Radicada em Manaus desde 2001. Autora de Prosa & panela e outras crônicas, publicado em 2019 pela editora online Polaris. Tem contos e poemas em outras antologias. É a primeira autora publicada da sua cidade natal, Juruti.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

LIVROS & ENCANTAMENTOS: TRAVESSIA, DE ANA LIA ALMEIDA, POR CRIS LIRA

 



LIVROS & ENCANTAMENTOS/08

 'TRAVESSIA', DE ANA LIA ALMEIDA


POR CRIS LIRA


Hoje é dia de falar do Volume III da Coleção III do Mulherio das Letras, a novela Travessia, da autora Ana Lia Almeida. Começo dizendo que este livro me fez rir muitas vezes, também me fez chorar, e eu o li devagar, apesar de ser um livro de bolsa, porque cada um dos textos que juntos contam essa viagem, para pensar na ideia primeira do termo travessia, pressionou meus botõezinhos – para não confessar que estou pensando em inglês – em diferentes lugares.

[foto arquivo pessoal Cris Lira]

Desde menina, diante de uma certa profecia, eu decidi que não seria mãe. Há alguns meses, quando um pai de santo me disse, na Bahia, que minha orixá era Yemanjá, a primeira coisa que saiu da minha boca foi “mas eu nem sou mãe”. Ao que ele respondeu, “há muitas formas de se maternar”. Eu simpatizo com essa fala dele, mas, sei, também, que a travessia tão astutamente contada por Ana Lia Almeida é uma que eu nunca fiz e nunca farei, portanto, como eu a agradeço por ter me dado a mão, por meio do seu texto, para que eu me aproximasse um pouco do segredo.  

Dividido em três partes Quedas, Tropeços e Passagem, o livro nos atravessa, como o próprio trem de ferro, mencionado por Adélia Prado, que aparece como a epígrafe motriz do livro. Nos primeiros textos vamos acompanhando os acontecimentos à medida que a própria personagem vai vivenciando as experiências ao mesmo tempo que temos acesso à mente ansiosa, os cenários díspares que vão se formando, cada um mais caótico, tosco ou engraçado, e isso traz uma leveza ao texto ao mesmo tempo que não deixa de emprestar um pouco de ironia. Num deles, a personagem cai e pensa logo nas pessoas que podem vê-la ali, “toda suja nessa beira de calçada” (21). Dentre tantas, a maior ansiedade é que seja a sua médica, “[p]ois a médica mãe de dois filhos vai parar o carro bem aqui ao meu lado e vai me ordenar: “Levante já daí! Todas nós ficamos grávidas, não tem nada de mais” (21). Eu ri. A protagonista queria que eu risse. O jeito como conta me leva a pensar isso. Mas as perguntas que se seguem, o medo de não encontrar “o meio do caminho entre a mãe total e a desnaturada” (23) vão me chamando a escuta. Há uma mãe em construção aqui. Há um serzinho se formando e com ele há mil dúvidas e medos. Há também uma pessoa que se sente perdida de si, desencontrando-se de si mesma, “seria possível terminar o mestrado?” e que vai encontrando nos outros – especialmente nas outras mulheres – apoio e também julgamento. Apoiada neste livro, eu poderia falar muito sobre socialização feminina (a vizinha, a amiga Isadora, a mãe), o mito da beleza, solidão materna, entre outros tópicos. Nada do que eu pudesse fazer, porém, chegaria perto do trabalho feito por Ana Lia Almeida ao nos entregar essa sua travessia, ao criar as pontes para nos aproximarmos um pouco dessa experiência que, de certa forma, une as mães e, ao mesmo tempo, é sempre única e, tantas vezes, pouco revelada.

[foto arquivo pessoal Ana Lia Almeida]

Como diz uma amiga que estou sempre a citar pelas leituras que faço quando me deparo com sua voz a partir do que me traz os livros, a vida é uma contradição. Não há situações ideais, tudo está sempre em constante mudança. Permanecer enquanto se faz a travessia desses espaços turbulentos e contraditórios é o que tonaliza a vida. Por isso, deixo com vocês uma das partes do livro de que gostei mais:

Leite

“Meu peito esquerdo estava quase sangrando quando resolvi dar uma mamadeira de leite em pó a Nina. Não bastasse eu me sentir uma fracassada por isso, ainda tive de lidar com o julgamento dos outros. Minha mãe, quando descobriu, só faltou me xingar. Isadora (*amiga – grifo meu) também não gostou. A pediatra, muito menos. Por ironia do destino, só quem me apoiou naquele momento foi D. Edna (* a vizinha).

(...)

Enquanto D. Edna preparava o crime na cozinha, eu sofria por ser tão horrível a ponto de dar leite em pó para a minha filha. Estava certa de jamais me perdoar por aquilo. Que tipo de mãe eu era, com aqueles peitos sangrando, cheios um leite que minha filha não conseguia mamar?

(...)

Tive de aguentar o julgamento da minha mãe, de Isadora e da pediatra, o que me fez voltar atrás e insistir novamente na luta de amamentar.

(...)
Quanto mais Nina mamava, mais eu doava leite.

(...)

Quanto mais se dá, mais se tem: amor, vida, leite. Uma lição a cada mamada. Toda vez que me sentia alegre, meu peito começava a vazar. O amor jorrando em líquido, uma explosão de vida no meu corpo” (63-66)

Aprendamos a escutar as mães. Uma escuta verdadeiramente empática e tranquila, sem julgamentos. Deixo aqui o convite para que conheçam essa mãe se construindo na e pela palavra de Ana Lia Almeida. Espero que riam junto comigo.

Até o próximo volume!

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Ana Lia Almeida é natural de Recife/PE e mora em João Pessoa/PB, onde leciona para o curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba. Ainda nas primeiras incursões pelo mundo literário, é autora de “Curtinhas da Quarentena”, livro de mini-crônicas publicado também pela Ed. Venas Abiertas, e da série de contos “Rita na Luta”, publicada quinzenalmente em seu blog Salto de Palavras. analiavalmeida@gmail.com @ana.lia.almeida



Cris Lira é paulista e escreve desde que se entende por gente. Com a Editora Venas Abiertas, participou das Coleções I, II e III do Mulherio das Letras. Seu mais recente livro, Fragmentos do Interior, foi lançado em 2021. Atualmente, é professora e supervisora do Programa de Português da Universidade da Geórgia, em Athens, nos Estados Unidos. Redes Sociais: Instagram: @lircris Facebook: facebook.com/cris.lirica Youtube: Vamos ouvir o Mulherio

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

AVE, CRÔNICA: VERDE QUE TE QUERO VERDE, POR TERESA BENDINI


AVE, CRÔNICA|04

VERDE QUE TE QUERO VERDE

POR TERESA BENDINI


“Verde que te quero verde”, esse é o emblemático verso, do poema "Romance Sonâmbulo", composto por Lorca, na verdade, Federico Garcia Lorca, poeta espanhol, assassinado covardemente pelo fascismo franquista em 1936.   Esse famoso verso se repete ao longo do poema, exaltando o verde e toda natureza.  Talvez por isso, o dia do seu nascimento, (5 de junho), seja também o DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE. Data definida durante a Conferência de Estocolmo (1972).

Sim, na sua época, a utopia também estava comprometida, e a bandeira que a representa, nas mãos de militares, como aqui.  É aí, que entro, no título dessa crônica.  "VERDE QUE TE QUERO VERDE". Esse belo poema, belíssimo, conta da tragédia que foi, se render ao ideário fascista. O verde de Lorca, é o verde da nossa bandeira real.  De todos os seres aqui viventes, pois seu significado, se estende a todos. Humanos e não humanos, portanto, rios, flora, fauna etc.

É o verde da utopia, do vigor, do renascimento de uma outra aurora.

Deixa eu te contar um segredo mágico? "Não é a gente que realiza o SONHO... É sempre o SONHO que realiza a gente!" (Teresa Bendini)

Lorca grita: “Verde que te quero verde!!!”.  Mantenha o frescor, mantenha intacto seu ímpeto de liberdade. Sua certeza numa sociedade justa.

Lute por ela, como a semente jogada na terra, luta por sua árvore.

Em 1936, por ordem de um deputado católico ele foi preso.  Disse o homem, que o poeta era mais perigoso com a caneta, do que ele seria, com o revólver. Outra vez o conservadorismo, outra vez a truculência, impedindo o sonho, que é sobretudo o da transformação da realidade. O devir comprometido, paralisado, dessa vez na Espanha.  

“Verde que te quero verde”. Imagino Lorca gritando a frase, olhando para a nossa bandeira hoje. Mas aí, junto dele, estariam todos os nascidos nesse território, os de variadas procedências. Os que acordam de manhã acreditando no sonho. Mas no sonho que é de todos e para todos.

"Quando chovia, um sol dentro de mim, tomava banho." (Teresa Bendini)

A frase do poema, que aliás não é o título dele, ordena ao verde da bandeira, que ele permaneça sendo representativo desse ideal, o da liberdade.  Seria então, realmente verde, sua tonalidade, se a esperança está sendo atacada?

Nossa bandeira em mãos erradas perdeu sentido e a sua tonalidade já é outra.  Não tremula mais o verdejante ímpeto. Não reconheço nela o libertário ideal.  O nobre significado, foi usurpado da bandeira. Tornou-se truculência o que se estende nas paredes e janelas.  Tornou-se o verde oliva da antidemocracia, do antipovo e o que se vê é só um pano estendido, avisando: "Cuidado, se você pensa diferente de mim, não entre aqui", o famoso, “Ame-o ou deixe-o”, representativo apenas de uma classe temerosa de perder seus privilégios.  

Mas a frase do poema ainda ordena ao verde, que ele permaneça fiel ao tom da liberdade.  Ainda que eu não reconheça, (nessa outra), as necessidades gritantes do nosso povo; ainda que nela não esteja a luta que se deve empenhar por nossas matas e rios, montanhas e biomas; ainda que eu não veja em seu tecido, as variadas faces do povo miscigenado, é verde o fio que tece a liberdade, é verde o fio que tece a transformação, o devir é verde.  É verde o fio que tece a utopia. Mas hoje, o que vejo é a bandeira, no fio da navalha.

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Leia o poema "Romance Sonâmbulo", de Federico García Lorca, clicando AQUI.

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Teresa Bendini é poeta, nascida em Taubaté, SP. Escreveu oito Livros Infantis e um de Poemas. Seu último Livro: "Krenak, o menino dos braços compridos", escrito durante a pandemia, faz alusão ao urgentíssimo texto: "Ideias para adiar o fim do mundo", do ambientalista e pensador indígena, Ailton Krenak.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

AVE, CRÔNICA: O TRISTE VERDE DAS BANDEIRAS, POR TERESA BENDINI

 


AVE, CRÔNICA|03

O TRISTE VERDE DAS BANDEIRAS

POR TERESA BENDINI

Frustrada com o resultado das eleições, ou mesmo desolada, procurei fazer coisas agradáveis, que me levassem a ter bons sentimentos. Andar de bicicleta me agrada muito, visto que resido numa região entre serras. Paisagem linda. Depois de pedalar mais de 40 km, tive vontade de comer alguma coisa e me surpreendi. Não demonstrei desejo algum de parar em locais sofisticados, mesmo que fosse só para tomar uma água. A estrada é cheia desses cafés requintados. Percebi que não me sinto bem em locais feitos para uma determinada classe, aquela endinheirada. Percebi que essa estrutura há tempos não me diz respeito. Não sou mais a pessoa que se encaixa nessa faixa. Preciso de um Brasil outro, mais humano e integrado. Sentei com o garapeiro, naquele fim de estrada. Homem tranquilo e doce, como o líquido esverdeado da cana espremida. Repleto de história do Brasil, escorria o caldo, enchendo meu copo. Junto com outros, senti o quanto seria bom uma sociedade menos estratificada.  A boa conversa, o fazer simples, o convívio harmônico, foi o que eu senti naquela breve parada.

Lembrei do belo texto da amiga Marta Cortezão, na revista Voo Livre, edição nº 27, desse mês, que liga Arte a humanidades. Acho que entendi o que ela disse e concordo. Patrimônio Imaterial, chamado por Antônio Cândido, (não por acaso), de Patrimônio Incompreensível, é por excelência, a alma do ser, é simplesmente a sua subjetividade. Sempre rica, diversa, instigante, por vezes gritante, onde sagrado e profano se entrelaçam, essa essência humana, ela mesma, cheia de nuances, é o que podemos chamar de subjetividade, portanto alma humana. Faço-a já sinônimo de Patrimônio Imaterial, onde tudo se faz dialeticamente. E é essa a riqueza que deve ser incentivada.  Uma riqueza, hoje, ameaçada pelo sistema que começou lá atrás, com o caldo da cana moída, pela máquina moedora de gente. 

Clique na imagem e acesse a Voo Livre Revista Literária

Hoje o sistema esmaga nossa subjetividade, de tal forma, que pensar, comer, morar, fazer arte, fazer política, se relacionar, tudo isso é como cana moída, esmagada, até as últimas consequências. O verde da cana, o bagaço dela, somos nós. Com nossa subjetividade já massificada e destruída.  E hoje, posso dizer que é isso que vejo, tremular na bandeira que se estende verde, como a cana, nas paredes e janelas.

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Teresa Bendini é poeta, nascida em Taubaté, SP. Escreveu oito Livros Infantis e um de Poemas. Seu último Livro: "Krenak, o menino dos braços compridos", escrito durante a pandemia, faz alusão ao urgentíssimo texto: "Ideias para adiar o fim do mundo", do ambientalista e pensador indígena, Ailton Krenak.

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