LIVROS & ENCANTAMENTOS/07
'AS CORES NA PONTA DA LÍNGUA', DE ADRIANNA ALBERTI
POR CRIS LIRA
Como comentei na
postagem da resenha anterior, na coluna Livros & Encantamentos, estou lendo
a Coleção III do Mulherio das Letras e vou compartilhar neste espaço impressões
de leitura como um convite para que mais leitoras e leitores conheçam a
vigorosa produção literária do Mulherio das Letras.
[foto arquivo pessoal Cris Lira] |
Hoje, falo sobre As
cores na ponta da língua, de Adrianna Alberti. Desde o título, o livro
nos chama a vivenciá-lo a partir de vários sentidos, despertando em nós um
pouco do lúdico, da forma de experimentar o mundo pelos olhos das crianças, mas
com um olhar de quem já conhece um bocado da vida e do cotidiano atroz que nos
consome.
Organizado em 4 seções:
“Céus azuis e sóis cinzas”, “A melodia do arco-íris”, “Memórias de ipê” e “Elas
na ciranda”, o livro é composto por pequenas narrativas que são sempre
introduzidas por um título instigante. Confesso que, como leitora, sou dada a
títulos. Gosto dos que não me entregam nada, que me deixam sem qualquer
expectativa, mas que iluminam as entrelinhas quando me aproximo do fim. O
primeiro texto, por exemplo, “Quando os dias são bons”, narra sequencialmente
os acontecimentos de uma manhã qualquer, num dia qualquer, cujo triunfo é conseguir
chegar ao trabalho. Não há qualquer menção à depressão, à angústia, à tristeza.
É a disposição dos afazeres feitos e por fazer que indica por onde anda o
estado mental da protagonista: “respirar era simples” (28). Há várias
narrativas com o mesmo tom no livro, indicando a força do cotidiano para a
compreensão do mundo, as repetições como o caminho para aceitar perdas e
descobrir novas formas de estar presente, como é o caso de “Seu nome é
perpétuo” (31). O universo que se abre com este livro é o que nos oferece
possibilidades para olharmos para a nossa própria rotina, para a beleza das
coisas mínimas e mundanas que se mostram diariamente. Não é esse, também, um
dos papéis a ser desempenhado belos bons livros? Fazer-nos ver, no nosso dia a
dia, reflexos das histórias que trazemos do papel para as nossas vidas? Acho
que justamente por isso gostei tanto de “O quintal do inferno” (55). Só quem
viveu e amou em geografias outras, sentindo-se fora do lugar, é capaz de
compreender o peso do clima na nossa forma de habitar o mundo. Reproduzo, aqui,
um trechinho: “O primeiro mês foi sofrimento. Noites quentes, o ar morno e
seco, mas a roupa sempre molhada, cheia de suor nojento. . . . O povo do
sotaque diferente, sorridente, mas quem poderia ser feliz em um lugar onde faz
45 graus na sombra?” Ler esta pequena narrativa foi como receber aquela troca
de olhar que apenas as amigas que se conhecem há muito tempo sabem trocar.
Piscamos, ali, uma para a outra, ambas um pouco perplexas de como há quem
exista, ame e coma em lugares que podem ser tão inóspitos e, ao mesmo tempo,
tão queridos por nós. É uma lembrança de que somos seres contraditórios, sempre
na corda bamba, à espreita de algo que hoje pode ser bom, mas que amanhã talvez
seja ruim. Não há medida para a totalidade é o ensinamento de “As cores na
ponta da língua”, de Adrianna Alberti.
[arquivo pessoal da autora Adrianna Alberti] |
Quero
deixar uma nota para agradecer o prefácio primoroso assinado por Carolina
Mancini. Diz a autora, na abertura, “Você precisa sentir primeiro”. Pois,
então, sintamos!
Não mudem os livros
de lugar (p. 34)
Primeiro, um importante fato sobre mim: eu peço o mesmo sorvete há sete anos na sorveteria da cidade. Portanto, na noite em que, sem nenhuma sugestão, eu coloquei queijo ralado no meu miojo, considerei uma vitória. Apenas uni o pensamento que sopa é excelente quando vai queijo ralado, miojo é quase uma sopa, então deveria ficar bem. Não ficou. Decepção. O queijo empelotou e o miojo ficou com cheiro esquisito e sabor estranho de queijo velho, quando deveria ter o sabor e o cheiro artificial de galinha caipira. Me senti orgulhosa, mas completamente decepcionada. E, é por essas e outras, que peço o mesmo sorvete há sete anos na mesma sorveteria da cidade.
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[arquivo pessoal da autora] |
Adrianna Alberti é a paulista mais
campo-grandense dessas paragens. Já passou dos trinta, workholic, vive com
alguns gatos endemoniados. Possui graduação em Psicologia pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e graduação e mestrado em Letras pela
Universidade Estadual de Mato Grasso do Sul (UEMS). Pesquisadora de Literatura
Fantástica, contista nas horas vagas e poetisa por identificação dos leitores.
Publicou o livro de poesias O silêncio na ponta dos dedos em 2020, seu
primeiro livro solo, tendo publicado desde 2011 contos fantásticos e poesias em
antologias pelo Brasil. Colunista do coletivo literário O Bule. Adrianna.alberti@gmail.com @tykkaa
[arquivo pessoal da autora] |
Adoro poéticas que tratam da experiência fantástica do cotidiano. Eu me identifiquei total com o sorvete pedido na mesma sorveteria... se o prazer está garantido, melhor repeti-lo! Muito bom o texto!
ResponderExcluir😁❤️😁
ExcluirAmei! Também sou adepta dos textos que não me entregam nada , pois amo o desafio de percorrer as entrelinhas....Parabéns!👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluir🤜🏽❤️🤛🏽
ExcluirAdrianna Alberti sua escrita é limpa e forte, não te conhecia e já te amei! Quero mais! Cris lira, uma querida , sou fã mesmo, fez leituras lindas e comoventes de 2 textos meus...adoro ouvi-la! Beijos garotas!! 🌻🌻
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