CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA/01
PRIMAVERAS CHUVOSAS
POR ROSANGELA MARQUEZI
Dei-me conta, nesta semana, que a primavera chegou. Não tenho certeza de quem me a anunciou. Acredito que tenha sido, sem poesia, o calendário da fria tela do celular, afinal, que é feito dos pássaros namorando sob o frágil fio de luz das cheias ruas da cidade? Onde estão as flores gritando nas sacadas dos prédios? Onde... O calor suave que antecede o quente verão... O vento macio e fresco... Os parques cheios de floridas gentes... O desejo próprio da própria primavera... Onde?
As estações do ano já mudaram seu calendário interno faz tempo... A gente é que ainda teima em enquadrá-las em rígidas datas. Deveríamos é aprender com elas e nos transmutarmos sem expectativas de aniversário, sem esperarmos o incerto tempo certo que acreditamos existir. A atual primavera está nos mostrando isso. Se esperássemos pela data para celebrá-la, não a teríamos conosco, pois tudo se faz chuva e frio neste tempo diferente. Os ipês floresceram apenas timidamente, os ventos de agosto não ventaram com gosto, os cabelos não encheram o ralo do banheiro como em outras trocas de estação, não houve tatear quente de mãos...
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[foto arquivo pessoal da autora] |
Mas há uma primavera em mim.
Uma primavera que teima em existir. Uma primavera que burla chuvas e baixas temperaturas. Uma primavera que, obstinada, persiste em renascer... Sem tempo, sem data, sem estação. Uma primavera livre de amarras e de não dizeres e de maldizeres. Uma primavera benfazeja, tal qual a gente deseja. E essa primavera é minha. Ela me habita. Deseja-me. Sonha-me. Enrodilha-me. Entranha-me. Engravida-me. Vive em mim. Sonha em mim. E só morrerá quando, por fim, o inverno da minha vida chegar.
Então, mesmo fria e chuvosa, abro portas e janelas para recebê-la. Revisto meu coração de brancos lírios, na esperança de – mesmo endurecida, não perder jamais minha ternura; preencho minh’alma de rosas amarelas, na expectativa de que a alegria jamais me abandone; tranço meus cabelos com delicados miosótis azuis, na promessa de não me esquecer do que já vivi; cubro meu corpo de coloridas anêmonas, na espera de voar com o vento e seguir, solta e leve, novos e aéreos caminhos na vida, pois os terrenos estão difíceis...
Abraço. Seja feliz.
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DICAS DA SUSTÂNCIA
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1. Ouça “Primavera (Vai chuva)”, com o glorioso Tim Maia e dê uma rosa a quem você ama. A música é de 1970, mas levanta a mão quem nunca a cantou! A composição é de Genival Cassiano dos Santos (que também a gravou, em 1971, em disco solo) e Silvio Rochael.
2. Veja a pintura “A Primavera”, também conhecida como “Alegoria da Primavera”, do pintor renascentista Sandro Botticelli (1445-1510). O quadro é uma representação de uma festa pela chegada da primavera e apresenta, além de outros deuses e pessoas, Vênus, a deusa do amor e da beleza, e seu filho Eros, deus do amor, do erotismo e da paixão (também conhecido como Cupido, na mitologia romana), atirando flechas, em um belíssimo bosque de laranjeiras. O quadro é lindo! Pesquise! E se tiver oportunidade de conhecer Florença, na Itália, não deixe de conhecer a obra original, que está exposta na Galeria Uffizi.
3. Leia “Ausência na Primavera”, de Agatha Christie, mas escrito sob o pseudônimo Mary Westmacott, em 1944. Segundo a autora, este é o livro que ela “sempre quis escrever”. Resumidamente, é a história de uma dona de casa, Joan Scudamore, que, após uma visita à sua filha, em Bagdá, está voltando para casa, na Inglaterra. Por conta de um imprevisto, o trem no qual ela viajava acaba parando e ela tem que ficar numa estação ferroviária no meio do deserto... Com tempo e com a solidão do lugar, Joan começa a se questionar sobre sua vida... O livro é bem diferente dos que a gente está acostumado a ler da Agatha Christie, mas vale muito a pena!!
4. Ouça, na voz do ator português Pedro Lamares, o poema “Quando vier a primavera”, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. São versos lindos, potentes, que nos encantam ainda mais na voz de Pedro Lamares... “Quando vier a Primavera, / Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira / E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. / A realidade não precisa de mim.”
Para ouvir, acesse o canal da RTP: https://www.youtube.com/watch?v=ZNWEmKLLFWA
5. Dance ao som do Concerto nº 1 em mi maior, “La primavera” – que faz parte de uma das mais famosas sinfonias do veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741), “Le quatro stagioni”.
6. Assista ao primeiro curta-metragem da Disney, em animação, em cores com três tiras, “Flowers and Trees (1932). O filme, que faz parte da série “Silly Symphonies”, da Disney, ganhou o Oscar de Curta-Metragem de Animação e, a partir dele, todos os desenhos animados dessa série passaram a ser em cores. A história contada é sobre a primavera, quando flores, cogumelos e árvores estão fazendo seus exercícios de renascimento, após longo inverno. É curtinho (7min49s), mas cheio de magia. Vale a pena!! Você encontra em vários canais do YouTube, mas uma dica é:
https://www.youtube.com/watch?v=_NKcsg8vE_U
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Rosangela Marquezi [foto arquivo pessoal da autora] |
Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação, mas fã de primaveras mesmo que chuvosas... Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.
Sustância - personagem fictícia que define a escritora de crônicas que habita em mim, "a ânsia, a substância, a Sustância!" (Marquezi, 2017).
👏🏼👏🏼👏🏼⚘
ResponderExcluir🥰
Excluir👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻💐
ResponderExcluirTexto tão bem escrito, leve, inspirador! Obrigada por compartilhar 🙏
ResponderExcluirGrata, Rilnete 😁
ExcluirRosangela, que lindo! Gostei de ler hoje seu texto, pois estava precisando me lembrar que há primavera, fora da gente, mas também aqui bem dentro. Seguirei suas sugestões! Abraços
ResponderExcluirObrigada pelo olhar amoroso!! 😊
ExcluirObrigada pelo olhar amoroso!
ExcluirUaau....parabéns! 👏👏👏👏
ResponderExcluirObrigada, Rita 🥰
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