terça-feira, 27 de setembro de 2022

POÉTICA DA DESCONSTRUÇÃO, POR MARINA MARINO



POÉTICA DA DESCONSTRUÇÃO/01

POR MARINA MARINO


Dia desses parei para refletir sobre meu processo de escrita. O que vem a ser essa poética que tem se feito tão presente em meus escritos? Como defini-la? Estaria em conexão com algum movimento literário? Ou é apenas a forma que encontrei de me expressar?

A urgente reflexão levou-me à palavra que me move, sem dúvida, a desconstrução. É ela que estabelece um diálogo intenso e profundo comigo mesma, com o que vivo e com o que sinto.

Tudo o que acreditei -  ao longo dos meus 64 anos - ser verdade, ser justo, ser real se desfaz nesta fase de minha vida. As crenças não mais se sustentam, foram construídas sobre a ilusão. Até mesmo as que usei como apoio ao longo da caminhada, como a religião, a espiritualidade, hoje sei que basearam-se em projeções, condicionadas ao mito da individualidade, da forma, do mundo. As frágeis paredes, erguidas ao longo da existência, desabam, uma a uma, revelando o que não sou, o que nunca poderia ter sido.

A consciência, tão humana, prendeu-me a conceitos da dualidade e foi incapaz de perceber suas próprias limitações, mantendo-me em seu estreito ponto de vista. Mas, numa reversão incrível, a revelação se fez presente. Com ela soltei-me do que era conhecido e lancei-me ao desconhecido, sem medo.

O tempo da desconstrução chegou para mim, está em minha porta, entreguei-me a ele e hoje funciono neste novo formato. Decidi me abandonar nisso e não resistir mais, atrelada aos últimos tijolos, pois é nessa desconstrução sem limites que a essência se manifesta, livre, sem controle de mais nada, fluindo por onde tiver que fluir.

Deixo aqui alguns escritos que evidenciam esta minha fase desconstrutiva. Gratidão por sua leitura,

Marina Marino

*_* *_* *_* *_* *_* *_*

Trilhos

Trilhos. Caminhei por eles. Levaram-me a destinos que não eram meus. Mostraram-me lugares que não pretendia conhecer. Prenderam-me em atalhos que não faziam parte do roteiro inicial.

Acreditei nos trajetos que distanciaram-me de mim mesma, de minha essência, de minha verdadeira identidade.

Talvez o cansaço tenha me ajudado a acordar. Ou foi a ausência de mim mesma? Só sei que saltei!

Pulei sobre a grama, verde e úmida. Molhei os pés no riacho. Senti o perfume das flores. Escutei o som dos pássaros. Girei com os dois braços bem abertos em busca do sol.

Mudei de rumo. Troquei de direção. Percorri novos caminhos, desta vez traçados por mim mesma.

Os pés descalços não calçam mais conceitos ou preconceitos que não são meus. Apenas me levam para aproveitar a paisagem.

O vento no rosto. A volta a mim mesma, ao que sempre fui. O retorno à sonhada liberdade... de ser.


[Antologia Elas e as Letras: Insubmissão Ancestral, Editora In-Finita, 2021]

*_* *_* *_* 

O Instante

Ir
Partir
Deixar para trás
Tudo o que foi
O vivido
O atravessado
O que não serve mais
Ir
Viver o agora
O instante
O que a vida tem a oferecer
Sem medo
Com confiança
As circunstâncias são incertas
Mas o destino é sempre o mesmo...
Rumo à felicidade...

[Coletânea Enluarada II: uma Ciranda de Deusas, Editora Sarasvati, 2021]

*_* *_* *_*

A DANÇA DA LIBERTAÇÃO

Vem menina...
Veste agora teu melhor vestido
Colorido e alegra como tua essência
Este que esvoaça em tua imaginação
E vai em direção à tua verdade

Você é livre, menina, finalmente
Nada mais te aprisiona
Os véus foram retirados
Os nós foram desatados
As algemas destravadas

Dá-me tua mão
Eu impulsiono teu voo
Voa à tua origem
Voa ao teu verdadeiro lugar
De onde nunca te moveste, apenas esqueceste
E vibra no ritmo que o Amor estabelece

Até encontrar outras meninas
Que, como você, voam também
Ao encontro do que sempre foram
E com você, dançam a dança da libertação.

[Coletânea Enluarada II: uma Ciranda de Deusas, Editora Sarasvati, 2021]


☆_____________________☆_____________________☆ 

 


Marina Marino é escritora, editora e livreira, é criadora da Voo Livre Revista Literária. É autora de 4 livros, sendo 2 infantis, 1 romance e 1 para mulheres. Publica poemas e contos em antologias tanto no Brasil como em Portugal, desde 2013. Marina se encontra no que escreve, porque tudo sempre é sobre o que ela vive.

2 comentários:

  1. Muito bom desapegarmo-nos de nós e deixarmo-nos fluir.. O corpo resiste, a mente se aventura e a poesia nos faz companhia!

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  2. Marina, tocou-me fundo seu texto, também encontro-me em desconstrução e reformas intimas. Tarefa dificil, como remover entulhos da alma e pesos desnecessários...estamos em busca de um novo Eu. Parabéns, querida! 🌻

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