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segunda-feira, 26 de setembro de 2022

CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA: PRIMAVERAS CHUVOSAS... Por Rosangela Marquezi


  
CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA/01


PRIMAVERAS CHUVOSAS

POR ROSANGELA MARQUEZI


       


Dei-me conta, nesta semana, que a primavera chegou. Não tenho certeza de quem me a anunciou. Acredito que tenha sido, sem poesia, o calendário da fria tela do celular, afinal, que é feito dos pássaros namorando sob o frágil fio de luz das cheias ruas da cidade? Onde estão as flores gritando nas sacadas dos prédios? Onde... O calor suave que antecede o quente verão... O vento macio e fresco... Os parques cheios de floridas gentes... O desejo próprio da própria primavera... Onde?

       As estações do ano já mudaram seu calendário interno faz tempo... A gente é que ainda teima em enquadrá-las em rígidas datas. Deveríamos é aprender com elas e nos transmutarmos sem expectativas de aniversário, sem esperarmos o incerto tempo certo que acreditamos existir. A atual primavera está nos mostrando isso. Se esperássemos pela data para celebrá-la, não a teríamos conosco, pois tudo se faz chuva e frio neste tempo diferente. Os ipês floresceram apenas timidamente, os ventos de agosto não ventaram com gosto, os cabelos não encheram o ralo do banheiro como em outras trocas de estação, não houve tatear quente de mãos...

[foto arquivo pessoal da autora]

         Mas há uma primavera em mim.

    Uma primavera que teima em existir. Uma primavera que burla chuvas e baixas temperaturas. Uma primavera que, obstinada, persiste em renascer... Sem tempo, sem data, sem estação. Uma primavera livre de amarras e de não dizeres e de maldizeres. Uma primavera benfazeja, tal qual a gente deseja. E essa primavera é minha. Ela me habita. Deseja-me. Sonha-me. Enrodilha-me. Entranha-me. Engravida-me. Vive em mim. Sonha em mim. E só morrerá quando, por fim, o inverno da minha vida chegar.

Então, mesmo fria e chuvosa, abro portas e janelas para recebê-la. Revisto meu coração de brancos lírios, na esperança de – mesmo endurecida, não perder jamais minha ternura; preencho minh’alma de rosas amarelas, na expectativa de que a alegria jamais me abandone; tranço meus cabelos com delicados miosótis azuis, na promessa de não me esquecer do que já vivi; cubro meu corpo de coloridas anêmonas, na espera de voar com o vento e seguir, solta e leve, novos e aéreos caminhos na vida, pois os terrenos estão difíceis...


Abraço. Seja feliz.

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DICAS DA SUSTÂNCIA
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1. Ouça “Primavera (Vai chuva)”, com o glorioso Tim Maia e dê uma rosa a quem você ama. A música é de 1970, mas levanta a mão quem nunca a cantou! A composição é de Genival Cassiano dos Santos (que também a gravou, em 1971, em disco solo) e Silvio Rochael.

2. Veja a pintura “A Primavera”, também conhecida como “Alegoria da Primavera”, do pintor renascentista Sandro Botticelli (1445-1510). O quadro é uma representação de uma festa pela chegada da primavera e apresenta, além de outros deuses e pessoas, Vênus, a deusa do amor e da beleza, e seu filho Eros, deus do amor, do erotismo e da paixão (também conhecido como Cupido, na mitologia romana), atirando flechas, em um belíssimo bosque de laranjeiras. O quadro é lindo! Pesquise! E se tiver oportunidade de conhecer Florença, na Itália, não deixe de conhecer a obra original, que está exposta na Galeria Uffizi.

3. Leia “Ausência na Primavera”, de Agatha Christie, mas escrito sob o pseudônimo Mary Westmacott, em 1944. Segundo a autora, este é o livro que ela “sempre quis escrever”. Resumidamente, é a história de uma dona de casa, Joan Scudamore, que, após uma visita à sua filha, em Bagdá, está voltando para casa, na Inglaterra. Por conta de um imprevisto, o trem no qual ela viajava acaba parando e ela tem que ficar numa estação ferroviária no meio do deserto... Com tempo e com a solidão do lugar, Joan começa a se questionar sobre sua vida... O livro é bem diferente dos que a gente está acostumado a ler da Agatha Christie, mas vale muito a pena!!

4. Ouça, na voz do ator português Pedro Lamares, o poema “Quando vier a primavera”, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. São versos lindos, potentes, que nos encantam ainda mais na voz de Pedro Lamares... “Quando vier a Primavera, / Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira / E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. / A realidade não precisa de mim.”
Para ouvir, acesse o canal da RTP: https://www.youtube.com/watch?v=ZNWEmKLLFWA

5. Dance ao som do Concerto nº 1 em mi maior, “La primavera” – que faz parte de uma das mais famosas sinfonias do veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741), “Le quatro stagioni”.

6. Assista ao primeiro curta-metragem da Disney, em animação, em cores com três tiras, “Flowers and Trees (1932). O filme, que faz parte da série “Silly Symphonies”, da Disney, ganhou o Oscar de Curta-Metragem de Animação e, a partir dele, todos os desenhos animados dessa série passaram a ser em cores. A história contada é sobre a primavera, quando flores, cogumelos e árvores estão fazendo seus exercícios de renascimento, após longo inverno. É curtinho (7min49s), mas cheio de magia. Vale a pena!! Você encontra em vários canais do YouTube, mas uma dica é: https://www.youtube.com/watch?v=_NKcsg8vE_U

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Rosangela Marquezi
[foto arquivo pessoal da autora]


Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação, mas fã de primaveras mesmo que chuvosas... Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.

Sustância - personagem fictícia que define a escritora de crônicas que habita em mim, "a ânsia, a substância, a Sustância!" (Marquezi, 2017).

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