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domingo, 20 de novembro de 2022

FELIZ ANIVERSÁRIO CECÍLIA, POR FLAVIA FERRARI

 

                      POESIA NA REDE|08

FELIZ ANIVERSÁRIO, CECÍLIA
                                                                                                 Por Flavia Ferrari

   Escrevo este texto poucos dias depois do aniversário de Cecília Meireles. Poeta presente em minha vida desde a infância, não tinha reparado a intensidade de nossa conexão, a impressão dos seus versos no meu repertório, a saudade de relê-la. Tudo isso foi vivenciado nas últimas semanas, em que me debrucei sobre sua poética, sua história, vídeos declamando sua poesia, textos analisando sua obra, tendo como ponto de chegada a celebração dos seus 121 anos, junto à sua neta Fernanda Meireles em uma deliciosa live no Instagram.
    
    Cecília me faz ter a certeza de que é possível dialogar verdadeiramente com a poesia. As inquietações de ordem existencial, filosófica, social e política encontram ideias, caminhos e até uma boa conversa lendo a obra de Cecília.

   No dia de seu aniversário, 7 de novembro, muitos poetas fizeram homenagens a ela nas redes, mencionando versos, estrofes, poemas que me encantavam a cada leitura. A beleza da leitura dos bons poemas reside justamente na surpresa de sua releitura. É como se à memória o poema pudesse ser repetido como se fosse sempre a primeira vez, preservando aquele assombro da descoberta de um significado até então inexistente em nossa consciência.

    Em um exercício de formar minha própria antologia de seus poemas, me senti como uma apanhadora de estrelas no firmamento; o que escolho tem relação mais com a proximidade e a oportunidade de estar perto do que propriamente a estrela em si, pois tudo brilha!

  Deixo aqui um poema que escolhi para a “minha antologia de Cecília”, mas que também foi compartilhado por algumas pessoas na celebração de seu aniversário.

 

Inscrição


Sou entre flor e nuvem,

estrela e mar.

Por que havemos de ser unicamente humanos,

limitados em chorar?

 

Não encontro caminhos

fáceis de andar

Meu rosto vário desorienta as firmes pedras

que não sabem de água e de ar.

 

E por isso levito.

É bom deixar

um pouco de ternura e encanto indiferente

de herança, em cada lugar.

 

Rastro de flor e estrela,

nuvem e mar.

Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:

a sombra é que vai devagar.

 

Poema Inscrição de Cecília Meireles livro Mar Absoluto e Outros Poemas (1945)

 

                Finalizo com um belíssimo poema feito em homenagem a Cecília Meireles, de Nic Cardeal, um passeio pelas obras e suas belezas na companhia de Nic:

 

CECÍLIA

 

Hoje tu vês bem melhor¹, eu sei!

Espectros²?

Nunca mais³... ou, quem sabe... que importa?

Tuas mãos já se abriram ao infinito⁴

e podes ver o Mar Absoluto⁵ em tua eternidade!

 

Já não te fazes em solombra⁶:

não há mais nenhuma tristeza por causa da morte,

os mistérios, o tempo, as memórias, mesmo a solidão,

passaram...

Teu corpo, que te foi dado em pai e mãe

e em todos os que te fizeram⁷

em retrato natural⁸

ou em doze noturnos⁹,

também passaram...

 

Tu és a aeronauta¹⁰ que escolheu o seu sonho¹¹

e viveu a viagem¹²,

fazendo-te de ti mesma o poema dos poemas¹³!

Não. Não foste um sonho a realizar¹⁴,

foste a própria vida:

vaga música¹⁵ que se fez à imagem do mar¹⁶,

sem perder a sina da terra!

 

Tu sabes: não terminaste!

Agora vês com os teus [próprios] olhos¹⁷

que o que se diz e o que se entende¹⁸

nem sempre está no mesmo lugar!

Não há lugar... nem tempo,

o que há são as baladas para El-Rei¹⁹ para sempre entoadas...

Porque agora tu és o cântico dos cânticos²⁰

e te pões em tudo, como Deus²¹!

 

(Nic Cardeal*, poema participante da antologia 'Memorial Cecília Meireles  - Homenagem em Poesia', São Paulo: Selo Editorial Independente, 2021, p. 85/86 e 109/110)

 

Referências:

(1) “(...) Mas tu verás melhor...” (excerto do Cântico XXVI, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(2) Espectros, Cecília Meireles, livro de 1919.

(3) Nunca mais... e poema dos poemas, Cecília Meireles, livro de 1923.

(4) “(...) E abre as tuas mãos sobre o infinito. (...)” (excerto do Cântico XXV, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(5) Mar absoluto e outros poemas, Cecília Meireles, livro de 1945.

(6) Solombra, Cecília Meireles, livro de 1963.

(7) “Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai. / Esta que me deu corpo é minha Mãe. / Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te fizeram/Em espírito. (...)” (excerto do Cântico XXIV, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981). 

(8) Retrato natural, Cecília Meireles, livro de 1949.

(9) Doze noturnos da Holanda, Cecília Meireles, livro de 1952.

(10) O aeronauta, Cecília Meireles, livro de 1952.

(11) Escolha o seu sonho, Cecília Meireles, livro de 1964.

(12) Viagem, Cecília Meireles, livro de 1939.

(13) Nunca mais... e poema dos poemas, Cecília Meireles, livro de 1923.

(14) “Não faças de ti/Um sonho a realizar. (...)” (excerto do Cântico XXIII, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(15) Vaga música, Cecília Meireles, livro de 1942.

(16) “(...) Faze-te à imagem do mar. (...)” (excerto do Cântico XXII, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(17) “(...) Tu verás com os teus olhos. / Em sabedoria. / E verás muito além.” (excerto do Cântico XXI, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(18) O que se diz e o que se entende, Cecília Meireles, livro de 1980.

(19) Baladas para El-Rei, Cecília Meireles, livro de 1925.

(20) Cânticos, Cecília Meireles, livro póstumo, de 1981.

(21) “(...) Que o teu olhar, estando em toda parte/Te ponha em tudo, / Como Deus.” (excerto do Cântico I, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

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* Nic Cardeal, catarinense radicada em Curitiba, graduada em Direito, é autora de Sede de céu (poesia, Penalux/2019) e Costurando Ventanias - uns contos e outras Crônicas (Penalux, 2021). Atualmente tem textos publicados em 44 antologias e coletâneas no Brasil, Portugal e Alemanha. É integrante do movimento Mulherio das Letras desde sua criação. Seus escritos estão compilados na página do Facebook “Escrevo porque sou rascunho”. É editora adjunta da Revista Feminina de Arte Contemporânea Ser MulherArte.


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Flavia Ferrari
[foto arquivo pessoal]

Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari lançou, em novembro/2021,  o seu primeiro livro de poemas, intitulado "Meio-Fio: Poemas de Passagem". A obra foi editada pelo Toma Aí Um Poema, o maior podcast de leitura de poemas lusófonos. Flavia Ferrari escreve desde a adolescência, mas começou publicar seus poemas no início da pandemia, compartilhando seu trabalho nas redes sociais e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelos leitores e pelos periódicos digitais. @fmferrari

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

POESIA NA REDE: O LUGAR DO PAI, POR FLAVIA FERRARI

                                                         

                      POESIA NA REDE|06

O   L U G A R   D O   P A I
                                                                                                 Por Flavia Ferrari

   Nesta última semana a rede se encheu de textos, depoimentos, relatos, poemas e cartas ao pai. “Dia dos pais” é data comercial, todo mundo sabe, concorda, reafirma, mas também um momento para se pensar nesta figura que habita os nossos dias, de variadas formas.

    Qual pai podemos chamar de nosso? O pai que se perdeu, o pai que nunca se teve, o pai que já se foi, o pai presente e companheiro, ou aquele que não se tem definição? Pais, filhas e filhos postaram seus textos, fotografias, reflexões e a sensação que tive enquanto lia foi de pura intensidade emocional, pois quando escrevemos sobre nosso lugar de filha, filho ou de pais, escrevemos com as vísceras.

  As manifestações foram muito variadas; momentos de reencontro, saudades, fotografias da convivência diária, homenagens às mães solo, alegria de ter os filhos próximos e ser chamado de pai. Cada um contou uma história, a sua.

    Este lugar de pai é sempre um lugar, seja ele vazio, ausente, nunca habitado ou plenamente ocupado. Entre memórias, ausência e presença a poesia aparece para comover, gerar empatia, falar o que está em nós e nem sabíamos, na total identificação com o que se lê.

    Destaco o belíssimo poema de Patrícia Cacau*, “Pai & pão”:


Sinto um vazio de gosto de pai

Não sei que gosto tem pai

 

Tive fome, de pão

Tive vazio, de pai

Barriga de pão

Coração de pai

 

Admiro e invejo quem teve uma mesa farta de pai

Se pai dá em árvores?

 

Pai planta semente

Mas semente de pai, ninguém planta

*_*    *_*   *_*    *_*


Referência: *Patrícia Cacau é Poeta, reside em Fortaleza-CE. Autora do Livro QUINTAIS, incentivadora do Mulherio das Letras Ceará @mulheriodasletraceará. Organizadora do Projeto Enluaradas @enluaradas__. "Escrever é como respirar através do papel", @patricia.cacau.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

OUTUBRO, POR FLAVIA FERRARI

 




POESIA NA REDE|06


OUTUBRO

                                                                                                 Por Flavia Ferrari


mergulho-risco quando pixo – Nina Rizzi*

 

é preciso cuidar bem do coração
te mando um salve enquanto
os manos incendeiam uma viatura aqui na rua
é preciso politizar a ferida
com a mão inteira acariñar a chispa
que arde fundo cá dentro. dá-me tua mão
é preciso cuidar bem do coração

 

 

            O poema de Nina Rizzi, especialmente no verso “é preciso politizar a ferida”, nos convida a pensarmos sobre o destino que podemos dar a todas as nossas feridas. E são muitas! A rede tem mostrado as inúmeras reações de indignação, revolta, tristeza e desesperança ao crime bárbaro de estupro, cometido por um médico contra uma paciente durante o parto. A questão sobre ser mulher no Brasil (e também no mundo) carrega em si todas as violências prováveis e possíveis que diariamente vemos – ou imaginamos – no nosso cotidiano.

            A mudança que queremos, que desejamos, que sonhamos, assim como a transformação social e cultural necessárias para vivemos em uma sociedade menos violenta e mais igualitária para todos os gêneros passa também pela esfera educacional, política, econômica e jurídica. Transformar e transformar-se é tarefa coletiva e em uma época de individualismos celebrados, um dos caminhos para a mudança é valorizar os grupos que têm propostas de ações sociais para reduzir as desigualdades.

            Somos seres políticos e agimos no mundo de acordo com nossas convicções, motivações e valores. Outubro é o mês em que todos nós iremos às urnas escolher os novos representantes do poder executivo e também legislativo. Engajar a juventude, divulgar nossas ideias, argumentar sobre o que acreditamos e desejamos visando eleger políticos que efetivamente trabalhem para reduzir os problemas sociais é uma forma de luta que está ao alcance de todas, todos e todes. Assim como a poesia. É urgente escrever! Para não sucumbirmos ao abismo que se anuncia. E para não nos esquecermos: “é preciso cuidar bem do coração.”

 

 

 

*_*    *_*   *_*    *_*


Referência: *Nina rizzi é escritora, tradutora, pesquisadora e professora. Formada em História pela UNESP e Mestra em Literatura Comparada pela UFC. Traduziu obras de Alejandra Pizarnik, Susana Thénon, bell hooks, Alice Walker, Ijeoma Oluo, Abi Daré, entre outres. É autora de tambores pra n’zinga, a duração do deserto, geografia dos ossos, quando vieres ver um banzo cor de fogo e sereia no copo d’água e do infantil A melhor mãe do mundo; nasceu em Campinas e vive em Fortaleza há 15 anos, onde faz laboratórios de escrita criativa com mulheres e integra as coletivas Pretarau - Sarau Das Pretas e Sarau da B1. Poema “mergulho-risco quando pixo” disponível em https://www.cemanade22.com/homenagens/nina-rizzi



domingo, 20 de março de 2022

POESIA NA REDE: A GUERRA E AS MULHERES, POR FLAVIA FERRARI




POESIA NA REDE|05


A GUERRA E AS MULHERES

                                                                                                 Por Flavia Ferrari


Neste mês, no dia 8 de março, as redes ficaram divididas entre celebrar o “dia das mulheres” e questionar a tal data, dado que a condição da mulher no Brasil e mundo afora não encontra motivo para comemoração. 

As falas repugnantes de um tal deputado a respeito das mulheres em condição de guerra provocaram uma reação de repúdio por parte de todos aqueles que têm alguma sensibilidade. Provavelmente (e lamentavelmente) ele seguirá com o seu mandato, pois o machismo estrutural tem a consistência maciça de chumbo em algumas estruturas, como na política por exemplo. 

Eu me deparei nas redes com o compartilhamento de um poema da polonesa Wislawa Szymborska que, para mim, é um poema que conta a história de mulheres, mães, crianças, famílias, de um país inteiro.

As guerras são muitas e estão sempre em andamento, mesmo que não tenhamos notícias de várias delas no jornal da tarde.

Este século talvez não testemunhe o fim das guerras e das desigualdades. O poema de Szymborska poderia ser reescrito todos os dias, em diferentes locais. O desamparo escancarado pelo poema é um estado de alma cuja dor é aguda e insuportavelmente durável.

Vietnã - Wislawa Szymborska

Mulher, como você se chama? - Não sei.
Quando você nasceu, de onde você vem? - Não sei.
Para que cavou uma toca na terra? - Não sei.
Desde quando está está aqui escondida? - Não sei.
Por que mordeu o meu dedo anular? Não sei.
Não sabe que não vamos te fazer nenhum mal? - Não sei.
De que lado você está? - Não sei.
É a guerra, você tem que escolher. - Não sei.
Tua aldeia ainda existe? - Não sei.
Esses são teus filhos? - São.

*_*    *_*   *_*    *_*


Referência: Szymborska, Wislawa. Poemas; seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien - São Paulo: Companhia das Letras, 2011.




sábado, 5 de fevereiro de 2022

POESIA NA REDE: AMOR EM TEMPOS PANDÊMICOS, POR FLAVIA FERRARI

 

POESIA NA REDE|04


A M O R   E M   T E M P O S   P A N D Ê M I C O S

                                                                                                 Por Flavia Ferrari


Como canta Marisa Monte, “Amar alguém não tem explicação/Não há como conter o furacão” *. O amor se impõe, entra pelas frestas, escancara portas, cria janelas, mas como vivenciar o amor em tempos de distanciamento social? Observamos que no início de 2020, quando a pandemia chegou e nos isolou, famílias foram separadas dos encontros costumeiros, namoros foram desfeitos ou, em alguns casos, foram transformados em casamento. A situação da pandemia hoje, apesar de gravíssima, tornou o cotidiano mais presencial, tanto por conta da disponibilidade da vacina, como pela necessidade econômica, social, política e psíquica da humanidade. Esta retomada foi acontecendo aos poucos e hoje temos os lugares públicos abertos e funcionando quase em sua totalidade, apesar do avanço da variante Ômicron e aumento nos casos de internação pelo mundo afora.

            Mas e os novos amores, as novas paixões, os encontros, as separações? O que mudou? Alguém postou na rede social que para um primeiro encontro presencial é necessário compartilhar previamente o comprovante de vacinação, afinal, decidir encontrar alguém pela primeira vez, estando sem máscara, não é uma decisão tranquila. Há os que relataram que terminar um relacionamento por telefone ou por vídeo diante da impossibilidade de um encontro presencial é mais fácil, apesar de toda frieza que a virtualidade traz. Os encontros amorosos e sexuais virtuais na pandemia foi descoberta por muitos que não usavam a internet para este fim e a estimativa é que o uso de aplicativos de relacionamento durante a pandemia tenha aumentado cerca de 400% no Brasil**. Talvez os encontros virtuais permaneçam em alta, mesmo depois da pandemia, e um primeiro encontro presencial seja algo a ser plasmado a dois com muita antecedência e se torne um grande passo para o relacionamento. Ou, talvez, depois de tanto navegar, as pessoas desejem mesmo sair por aí e dar ao acaso a oportunidade de presentear as pessoas com a presença do outro.

            Em tempos de (des)encontros virtuais, escrevi o poema abaixo, sobre o desfecho de um relacionamento, que compartilho com vocês:

 

Desencontro – Flavia Ferrari

 

Já não quero receber teu abraço

Meu corpo ressente

Este corpo que recentemente é só meu

Não há toque virtual

 

Às vezes evito teu olhar

Ele me assusta e me desafia

Acho que me desestabiliza

E fecho a câmera

 

Reconheço teus esforços

O máximo esforço

Vejo teu apreço, recebo tua ansiedade

Sua vontade de estar comigo

Mesmo quando finge querer ir embora

E se desliga

 

Você quer me ensinar

Me falar tudo

Me educar e me formar

Quer minha escuta e minha atenção

Entretelas

 

Quer meu corpo presente

Toda aproximação

Quer meu gosto

Minhas histórias

Fazer de mim o coringa da sua ficção

E caímos

 

Já não posso mais ser o alimento do teu ser

Talvez ainda te ame

Mas não te quero mais

Fim da chamada

*_*    *_*   *_*    *_*


Referências:

 *Música “Amar alguém”, Marisa Monte/ Dadi/ Arnaldo Antunes, 2011.

** Disponível em https://www.google.com.br/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/treinamento/2021/10/relacionamentos-online-disparam-na-pandemia-ouca-podcast.shtml. Acesso em 31/1/2022.




segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

POESIA NA REDE: ÁGUAS DE JANEIRO, POR FLAVIA FERRARI



POESIA NA REDE|03

Á G U A S   D E   J A N E I R O

 

Mês de janeiro, agradecemos as águas que caem e enchem os reservatórios dos quais somos dependentes para que tenhamos água durante o período de seca. Mas quantas tragédias nos deparamos neste período, com índices de chuva altíssimos que parecem que a cada ano batem recorde e nos colocam em conflito com nosso modo de vida e de como a sociedade está estruturada para cuidar (ou não) dos seus. Choramos pelo Capitólio e pelo Sul da Bahia nos perguntando como agir coletivamente para que as tragédias evitáveis não mais ocorram e que o que não se pode prever, possa ser cuidado, reparado.

O fato é que nos sentimos pequenos diante da magnitude e das consequências do que assistimos. 

A rede foi invadia por reflexões, orações, poemas e imagens que mostram como a arte responde à vida. Porque responde sempre de algum modo. Por vezes nos conforta, outras nos desafia ou nos coloca frente a frente com os buracos de nosso tecido social.

Finalizo com o poema de Mayra Luiza Corrêa, Cabo de Guerras:
 
Um puxa de lá,
Outro polui daqui,
Não há força pra soltar
O preço é esmaecido, aflito.
A gota acaba em manancial
A solidão bomba e flui líquida
Não mais maresia,
Só mar se vai
 
Ensacam água!
Plastificam água!
Sujam água!
Choram água!
 
Acordo para ser fluído...
Mas alguns compraram os sonhos
E ainda pagaram com o sangue
Dos outros
 
Haverá dia sem chuva para beber
Podre é quem usa o céu contra nós
Poluído de ouro-barro, rio...
O que corre em nossas veias é oceano

*_*   *_*    *_*   *_*  
 
Mayra escreve poesia desde criança com mãe poeta. Aos 14 anos participou de sua primeira antologia e, desde então, publicou contos, ganhou prêmios por textos teatrais e falou de temas difíceis.
 
 
Referência:
 
Chorando pela natureza: poesia geopolítica ambiental / Jéssica Iancoski (Organizadora); Adriana Teixeira Simoni, Adriano Bensen, Alana Aguida Berti, et al. – Curitiba: Eu-i, 2021.




terça-feira, 21 de dezembro de 2021

POESIA NA REDE: TRAVESSIA, POR FLAVIA FERRARI



POESIA NA REDE|02

T R A V E S S I A

Por Flavia Ferrari


    Às vésperas das festas natalinas e na entrada dos momentos finais de um ano pra lá de desafiador, a poesia chega para nos ajudar a deixarmos para trás o que não conseguimos alcançar, para nos despedirmos do que deixamos de ser e nos conectarmos com o porvir que um ano novo representa

 

    Em um cenário pandêmico e politicamente tão catastrófico, a literatura nos enraíza para que sigamos nutridas e ligadas nesta rede poética de encontros e encantos. Como as árvores que estão conectadas por uma rede subterrânea alimentada pelos fungos que crescem ao redor das raízes, em que é possível a troca de nutrientes e alerta para os perigos iminentes, a poesia nos coloca em ação, seja como leitoras ou escritoras, pois o impacto da escrita e da leitura de um poema pode nos afetar de diversas maneiras; seja nos transformando, nos desafiando ou nos protegendo. 

 

    Estamos sujeitas às emoções que o mundo sensível das letras nos apresenta diariamente e um poema lido e degustado é um presente, por diversas vezes sob medida.

 

  Apresento o poema Ressignificâncias, de Ale Heidenreich, presente na coletânea Enluaradas II, cujos versos foram projetados no meu imaginário como pintura.

 

Para ouvir o podcast, clique AQUI.


Me reencontro nas palavras

Como o rio que corre seu curso.

Deparo-me com a cachoeira de

Águas mansas. Ora torrentes.

Escorrem no papel linha por linha

Verso por verso.

 

Permeiam as folhas do meu

caderno vermelho.

Respingam em palavras formando

Choro, riso ou receio.

 

Caem como gotas de 

Chuva despretensiosa.

Tornam-se poças tímidas que

de mãos dadas se movem até

o córrego manso,

e de lá outra vez serei

Rio de águas renovadas.

 

Ale Heidenreich é de Recife/PE e vive desde 2004 em Arnsberg/Alemanha. Iniciou-se na escrita poética através da Coletânea Enluaradas I: Se Essa Lua Fosse Nossa (2021). Desde então não mais parou. Tem participações nas seguintes publicações: Mulherio da Letras Portugal; Que nem Jiló; (In) Sensíveis Sentimentos; Permita-se Florescer e Mulheres Imortais.


Referência:


CORTEZÃO, M.; CACAU, P.; Coletânea Enluaradas II: uma ciranda de deusas. São Paulo: Saravasti, 2021. 






Baixe GRÁTIS o e-book Coletânea II AQUI

Baixe GRÁTIS o e-book Coletânea I AQUI

domingo, 12 de dezembro de 2021

POESIA NA REDE: REFLEXOS, POR FLAVIA FERRARI



POESIA NA REDE|01

REFLEXOS

Por Flavia Ferrari

 

A música de Gilberto Gil, Pela Internet, canta versos que em 1996 foram transmitidos pela internet, algo inovador no Brasil. “Criar meu website/ Fazer minha homepage/ Com quantos gigabytes/ Se faz uma jangada e um barco que veleje...” Desta forma, a música e a poética de Gil inauguraram algo que hoje é muito corriqueiro: diariamente criamos, recebemos, ouvimos e publicamos muito pela rede.

 

Todos os dias, ao acessar minha página na rede social, me deparo com colegas poetas que transmitem poemas que recebo como se fossem presentes; as criações poéticas que chegam até mim pela rede me emocionam, inspiram e me incentivam a criar. Foi através da rede que conheci o trabalho de várias autoras que hoje acompanho e admiro. Poder comentar, curtir, estar próximo delas e criar laços, mesmo que virtuais, é o lado muito bom da internet.

 

A poesia já vem com asas, mapa de navegação, gps e satélite acoplado. O poema tem a capacidade de atravessar o tempo, gerações e ficar “impresso” nas nossas memórias, no papel, em arquivo digital e nos nossos dizeres, já que vira e mexe elaboramos versos de improviso quando dizemos algo e, de repente: “Que lindo, parece poesia”.

         

Finalizo com um poema de Jéssica Iancoski, autora contemporânea, idealizadora do Toma Aí Um Poema, que a rede me trouxe e permitiu que nos transformássemos em parceiras de trabalho e amigas.

 

Para ouvir o podcast, clique AQUI.


ESPELHO

{Jéssica Iancoski}

 

em pé parada

em frente

ao espelho

encaro-o

 

olho-o

e não me vejo

encaro o espelho

 

se sou antiga ou jovem

menina mulher ou homem

não me importa

todas essas perguntas

são sempre tortas

 

tento descobrir

qual o sentido

incutido no vidro

na moldura

na parede ou

na porta

 

todo léxico é vazio

e toda realidade é delírio

tudo se modifica pela memória

os reflexos mudam com a história

 

mas o espelho

o vidro

a moldura e

a porta

ficam e

atravessam a trajetória

*_*    *_*    *_*    *_*    *_*

    

    Sobre Jéssica Iancoski: publicou em várias antologias e revistas, nacionais e internacionais. Teve o poema “Rotina Decadente” reconhecido pela Academia Paranaense de Letras, aos 16 anos. É idealizadora do Toma Aí Um Poema – o maior podcast lusófono de declamação de poesias e, também, revista literária digital. Nasceu em Curitiba/Paraná em 1996.

 


 

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