VIVÊNCIAS POÉTICAS|05
EU, MULHER NEGRA
Por Maria do Carmo Silva
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Nas
minhas memórias, desde a infância até a fase adulta, há um acervo de fatos
que remetem a prática do preconceito
racial, resultante de uma história imposta pelo colonialismo que nos colocou sempre em situação de subalternidade,
invisibilidade, desumanização, exclusão humana e social.
O
longo processo de escravização no Brasil deixou mazelas que perpassaram
gerações, gerando uma herança maligna para nós negros em todos os aspectos,
fomentando o racismo e o preconceito racial.
Mesmo
sem compreender o porquê, observava que éramos sempre colocados à margem da
sociedade. Cresci observando no cenário da vida real e na ficção estas marcas
de subalternidade e de marginalização, resquícios do colonialismo: a mulher
negra sempre serviçal do povo branco, exercendo as funções de cozinheira,
faxineira, babá, lavadeira. É claro que não desmerecendo a dignidade de nenhuma
destas profissões, mas refletindo sempre sobre a desigualdade social aliada a
estas profissões que não oportunizavam a ascenção destas mulheres para outras atividades,
histórica e socialmente priorizadas para mulheres não negras e de condição
financeira privilegiada.
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Na
escola, observava e internamente me questionava sobre a falta de oportunidades
dada às crianças negras na participação de eventos inter e extra-classe, onde
prioritariamente eram escolhidas crianças não negras. As expressões (frases e
palavras) que incitavam o menosprezo por parte dos coleguinhas repetidos
cotidianamente, me deixava aperreada: “cabelo de bombril, fio de nego é urubu,
nego do (suvaco) fedorento”.
Cresci
cercada por este invólucro preconceituoso. A época, observava também na TV que
os papéis exercidos pelos negros nas telenovelas, filmes e programas
humorísticos, sempre remetiam à escravização, ao racismo, à inferioridade, à subalternidade.
Com
o passar dos anos, adentrando em diferentes espaços socioculturais, percebi um
esforço contínuo pessoal e coletivo da população negra e afrodescendente em prol da libertação do nosso povo, historicamente e brutalmente violentado pelas
marcas do racismo, do preconceito, da discriminação, do silenciamento, da
invisibilidade, da intolerância, da desumanização.
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E
nesta trajetória, decádas depois, na condição de cidadã, professora, poeta e
escritora, uso a poesia como um clamor de justiça e de liberdade, onde a voz do
meu povo negro outrora silenciada, ecoa e brada repudiando todas as formas de
preconceito, de discriminação e de violência que ainda nos vitimiza na
contemporaneidade.
Vejo
com grande contentamento o “meu povo negro” ocupando espaços nas diversas
esferas sociais, mostrando sua potência, sua voz, seu talento, NOSSA COR e
IDENTIDADE sem receios, adentrando as universidades, se capacitando em
diferentes profissões, demonstrando seus talentos artísticos, mostrando para a
sociedade que “somos humanos, cidadãos e protagonistas de uma nova história” na
qual o preconceito racial seja extinto e a cor da pele não continue promovendo
exclusão e discriminação.
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Concluo
esta reflexão com este fragmento de um texto poético autoral intitulado EU,
MULHER NEGRA, que integra o recém-lançado livro COLHEITAS ANCESTRAIS & PRIMAVERAS:
(...)
“Sobrevivi as torturas e a desumanização.
Para
a minha descendência, deixo esta lição:
SOU
MULHER NEGRA, humana, cidadã.
Protagonista
da história do ontem, de hoje e do amanhã.
Libertei-me
da senzala.
Uma
nova história construir.
Resistência
e liberdade,
Marcarão
a minha posteridade.
SOU
MULHER NEGRA, humana, cidadã.
Sempre
reconstruindo a minha história,
com determinação, resiliência e dignidade!"
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Arquivo pessoal da autora
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Maria do Carmo Silva - Natural de Mutuípe-BA; Professora, poeta e escritora. Licenciada em Geografia, graduada em História; Especialista em Gestão e Educação Ambiental, Estudos linguísticos e literários e Comunicação, Cultura Organizacional e Tecnologia. Autora dos livros de poesias: "Retalhos de Vivências", "Recomendações Poéticas", "Leituras e Releituras", "Colheitas Ancestrais & Primaveras." Tem participação em diversas Antologias Poéticas nacionais e internacionais. Colunista no site de notícias Tribuna do Recôncavo e colaboradora do blog Feminário Conexões. Integrante dos Coletivos Mulherio das Letras e Enluaradas.