segunda-feira, 14 de abril de 2025

EU, MULHER NEGRA, POR MARIA DO CARMO SILVA

VIVÊNCIAS POÉTICAS|05

 EU, MULHER NEGRA

Por Maria do Carmo Silva


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Nas minhas memórias, desde a infância até a fase adulta, há um acervo de fatos que  remetem a prática do preconceito racial, resultante de uma história imposta pelo colonialismo que nos  colocou sempre em situação de subalternidade, invisibilidade, desumanização, exclusão humana e social.

O longo processo de escravização no Brasil deixou mazelas que perpassaram gerações, gerando uma herança maligna para nós negros em todos os aspectos, fomentando o racismo e o preconceito racial.

Mesmo sem compreender o porquê, observava que éramos sempre colocados à margem da sociedade. Cresci observando no cenário da vida real e na ficção estas marcas de subalternidade e de marginalização, resquícios do colonialismo: a mulher negra sempre serviçal do povo branco, exercendo as funções de cozinheira, faxineira, babá, lavadeira. É claro que não desmerecendo a dignidade de nenhuma destas profissões, mas refletindo sempre sobre a desigualdade social aliada a estas profissões que não oportunizavam a ascenção  destas mulheres para outras atividades, histórica e socialmente priorizadas para mulheres não negras e de condição financeira privilegiada.

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Na escola, observava e internamente me questionava sobre a falta de oportunidades dada às crianças negras na participação de eventos inter e extra-classe, onde prioritariamente eram escolhidas crianças não negras. As expressões (frases e palavras) que incitavam o menosprezo por parte dos coleguinhas repetidos cotidianamente, me deixava aperreada: “cabelo de bombril, fio de nego é urubu, nego do (suvaco) fedorento”.

Cresci cercada por este invólucro preconceituoso. A época, observava também na TV que os papéis exercidos pelos negros nas telenovelas, filmes e programas humorísticos, sempre remetiam à escravização, ao racismo, à inferioridade, à subalternidade.

Com o passar dos anos, adentrando em diferentes espaços socioculturais, percebi um esforço contínuo pessoal e coletivo da população negra e afrodescendente  em prol da libertação do nosso povo,  historicamente e brutalmente violentado pelas marcas do racismo, do preconceito, da discriminação, do silenciamento, da invisibilidade, da intolerância, da desumanização.

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E nesta trajetória, decádas depois, na condição de cidadã, professora, poeta e escritora, uso a poesia como um clamor de justiça e de liberdade, onde a voz do meu povo negro outrora silenciada, ecoa e brada repudiando todas as formas de preconceito, de discriminação e de violência que ainda nos vitimiza na contemporaneidade.

Vejo com grande contentamento o “meu povo negro” ocupando espaços nas diversas esferas sociais, mostrando sua potência, sua voz, seu talento, NOSSA COR e IDENTIDADE sem receios, adentrando as universidades, se capacitando em diferentes profissões, demonstrando seus talentos artísticos, mostrando para a sociedade que “somos humanos, cidadãos e protagonistas de uma nova história” na qual o preconceito racial seja extinto e a cor da pele não continue promovendo exclusão e discriminação.

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Concluo esta reflexão com este fragmento de um texto poético autoral intitulado EU, MULHER NEGRA, que integra o recém-lançado livro COLHEITAS  ANCESTRAIS & PRIMAVERAS:

(...) “Sobrevivi as torturas e a desumanização.

Para a minha descendência, deixo esta lição:

SOU MULHER NEGRA, humana, cidadã.

Protagonista da história do ontem, de hoje e do amanhã.


Libertei-me da senzala.

Uma nova história construir.

Resistência e liberdade,

Marcarão a minha posteridade.

SOU MULHER NEGRA, humana, cidadã.

Sempre reconstruindo a minha história,

com determinação, resiliência e dignidade!"


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Arquivo pessoal da autora


Maria do Carmo Silva -  Natural de Mutuípe-BA; Professora, poeta e escritora. Licenciada em Geografia, graduada em História; Especialista em Gestão e Educação Ambiental, Estudos linguísticos e literários e Comunicação, Cultura Organizacional e Tecnologia. Autora dos livros de poesias: "Retalhos de Vivências", "Recomendações Poéticas", "Leituras e Releituras", "Colheitas Ancestrais & Primaveras." Tem participação em diversas Antologias Poéticas nacionais e internacionais. Colunista no site de notícias Tribuna do Recôncavo e colaboradora do blog Feminário Conexões. Integrante dos Coletivos Mulherio das Letras e Enluaradas.

5 comentários:

  1. Parabéns, Maria do Carmo, muito importante a sua reflexão, sua poesia que resiste e sobrevive às torturas e desumanizações de uma sociedade ( ainda) colonialista em pleno século XXI! Uma luta que não é só sua, de certo, mas de todas nós mulheres. Obrigada, pelo texto, pela coragem, pela resistência. Sigamos juntas!

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  2. Texto mais que necessário nos dias atuais, querida escritora e poeta, Maria do Carmo! Que bom que você o escreveu, o publicou! Necessário
    de faz repetir e repetir quantas vezes for preciso sobre a dor e consequências da violência produzida pelo racismo. Sobre a misoginia e sobre a covardia histórica praticada pelos "homens e mulheres de bem" de todos os trmpos.Vamos compartilhar essa importante reflexão e sua poesia ! Escrever e espalhar estas e outras verdades que precisam ser ditas! Parabéns, querida!




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  3. Que linda sua história Maria do Carmo, igual.de.muitas Marias, admiro sua determinação, criatividade, imaginação e pensamento crítico! Sou mulher amazônida e como Mulher Escritora apóio sua atitude. Para chegarmos aonde estamos, vencemos muitos preconceitos, e um deles também por escrevermos histórias e publicarmos. Sigamos avante registrando nossos pensamentos, ideias e descobertas!

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  4. Gratidão pela reflexão Maria do carmo! Uma dor que rasga a pele e fere a alma de quem tem empatia. Relevante o texto e brava a poesia. Parabéns! Sigamos nessa luta diária !💪🏻🤝🏻🌹

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  5. Como mulher e ativista contra o racismo, recebo este texto com profunda reverência e respeito. Ele não apenas revela cicatrizes históricas ainda abertas mas também afirma, com força e poesia, a potência da existência negra neste país.

    As palavras narram um Brasil real, onde o colonialismo não ficou no passado: ele ecoa nas estruturas sociais, nos olhares, nas exclusões e nas violências simbólicas e materiais. A autora escancara as portas do silenciamento, transformando a dor em verbo, em resistência e em identidade.

    É urgente reconhecer que o racismo não é um problema individual, mas um sistema que marginaliza, inferioriza e mata. As imagens descritas, desde a infância na escola até os papéis reservados à população negra na mídia, compõem um mosaico de exclusão cuidadosamente mantido por uma sociedade que ainda se recusa a se olhar no espelho.

    Mas há também aqui um manifesto de esperança, não uma esperança ingênua, e sim forjada no fogo da luta ancestral. Ao usar a poesia como instrumento de denúncia e transformação, essa mulher negra, cidadã, professora e escritora reescreve a narrativa da subalternidade com a tinta da dignidade e da coragem.

    Nós, mulheres ativistas, nos somamos a essa voz que brada. Que cada linha dessa reflexão ecoe nas escolas, nas ruas, nas redes, nas instituições. Que sejamos incansáveis em exigir políticas públicas que reparem, eduquem e empoderem. Que sejamos agentes da mudança, multiplicadores da consciência, e defensores intransigentes da igualdade racial.

    Porque a luta antirracista não é só da população negra ela é um dever de toda sociedade que quer, de fato, ser justa.

    Axé à sua escrita. Axé à sua luta. Resistimos. Existimos. Prosseguimos.

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