AMAZONIDADES - GESTA DAS ÁGUAS: ALGUMAS PALAVRAS
Por Rita Alencar Clark
Quando Ítalo Calvino em seu livro: Seis propostas para o
próximo milênio (1990) – na quarta parte – constrói sua narrativa sobre a visibilidade e propõe fazer uma alusão à obra de Dante
Alighieri, com fins de apresentar, aos potenciais escritores, uma daquelas, que
julga ser, “ferramentas” essenciais para um bom texto, diz: “...para o poeta
Dante, toda a viagem da personagem Dante é como essas visões; o poeta deve
imaginar visualmente tanto o que seu personagem vê, quanto aquilo que acredita
ver, ou que está sonhando, ou que recorda, ou que vê representado, ou que lhe é
contado, assim como deve imaginar o conteúdo visual das metáforas de que se
serve precisamente para facilitar essa evocação visiva. O que Dante está
procurando definir será, portanto, o papel da imaginação na “Divina Comédia”, e
mais precisamente a parte visual de sua fantasia, que precede ou acompanha a
imaginação verbal”.
Partindo desse ponto de observação sugerido pelo mestre
Calvino, arrisco-me a tecer uma narrativa sobre a obra de Marta Cortezão, poeta
de “Amazonidades”, que assim como
Dante nos carrega, sem resistências, através das correntezas de sua literatura
imagética, por excelência, e como nos rios que cortam a carne Amazônica das
florestas, dos seres encantados, dos barrancos e sua gente ribeirinha, vamos
penetrando (como na obra de Dante) nos vários círculos, contemplando imagens
que se formam diretamente em seu espírito (parafraseando Calvino). Desta forma,
podemos navegar por entre as páginas-estradas-rios da sua obra, mesmo que nunca
tenhamos, fisicamente, nos aventurado na missão. Podemos sentir os cheiros do
tacacá quando exala em trova:
À tarde, um largo passeio
camarão mais tacacá
jambu no picante cheiro…
E um beijo, me taca cá?
Ou ainda, de súbito, sentir um frio percorrer a espinha
quando esquadrinha os Encantados:
E no caminho da roça
o Curupira faz troça;
o caboco já perdido
pega o beco num só grito.
Ou fazendo o sangue gelar com as visagens:
Facheando pela noite,
sanhuda cobra de fogo
rasga luz na escuridão…
Cruz credo da assombração!
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Foto lançamento na ALB/AM
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Marta Cortezão nos traz ainda iluminuras poéticas para
ensinar ao “povo das cidades”, imersos nas urbanidades, o frescor dos
neologismos e uma fonética só nossa, o povo das Amazônias, das lendas e
parlendas, dos mitos e encantarias, para mostrar que trazemos no dorso da alma nossa ancestralidade
pujante, potente e que ela remonta há milênios de sabedoria e conhecimento; do
que ainda não foi descoberto pela ciência, pela medicina, pela humanidade, tão
necessitada e carente de unguentos e benzeduras para a alma, que a salve da
calamidade, da catástrofe climática, do caos irreparável. Nos indicando, pelas
trovas, o caminho da redenção, ou quem sabe, da salvação. Os olhos de Marta sondam
a escuridão das matas, dos rios, dos recônditos lugares como a proteger um
santuário, com seus versos e trovas, dos homens de coração duro e corroídos
pelo mercúrio e alumínio assassinos, que envenenam nossas águas e peixes, que
matam nossos povos. Contudo, nossa poeta – gesta das águas – é Amazônida de
Tefé, usa das armas, sua poética, desvendando conosco seu mundo imagético com a
precisão de uma lança de Icamiaba, crava no mundo literário suas trovas
encantadas e faz renascer no seu povo a beleza, a esperança de novos dias de
ajuri farto; dias de Tupã.
Curupira, fiscal brabo
e herói de famosas gestas
montado em seu xerimbabo,
faz a ronda na floresta.
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Mulheres Icamiabas
vencedoras de Orellana;
ancestrais e matriarcas
das caboclas Amazonas.
Vida longa à Marta Cortezão!
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Manaus, 09 de novembro de 2024.
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Foto de Marta Cortezão |
Textos da contracapa:O leitor que interagir com
este AMAZONIDADES – GESTA DAS ÁGUAS, da poeta amazonense, Marta Cortezão,
desfrutará dos sabores amazônicos através de uma tecelagem verbal instigante. Marta
recorre, predominantemente, à métrica do verso heptassílabo (ou redondilha
maior), para imprimir música à língua regional das riquezas floresta. Trata-se
de uma poética fluvial que traduz a melhor brasilidade em seu universo verde de
mistérios ainda irrevelados.
Salgado
Maranhão
Poeta, compositor.
O conhecimento adquirido com as vivências nos rios,
que no livro de Cortezão é o todo, volta-se sobre a parte população ribeirinha,
formando um ecossistema múltiplo da floresta e região. As amazonidades nos
convidam a uma visão das dimensões holísticas da região pelos rios Negro e
Solimões que atravessam as vidas dos ribeirinhos do norte do país. Os perfis humanos, herdeiros dos povos
originários, são seres-em-relação e o EU lírico se define sempre diante de um
Tu, esse TU significativo e caudaloso, que é o rio.
Isa
Corgosinho
Poeta, Ensaísta,
Dra. em Teoria Literária.
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Arquivo da autora |
Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM - Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA - Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: Meu grão de poesia, Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico e In(-)versos do meu verso.