NAS TEIAS DO POEMA XII: UMA LITERATURA ENGAJADA
Por Marta Cortezão
A sororidade feminista está
fundamentada no comprometimento compartilhado de lutar contra a injustiça
patriarcal, não importa a forma que a injustiça toma. Solidariedade política
entre mulheres sempre enfraquece o sexismo e prepara o caminho para derrubar o
patriarcado. [...] Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para
dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por
completo.
{bell hooks}
Durante todo este percurso do Projeto Enluaradas, que teve início dia 01/01/2021 com a divulgação do edital para Coletânea
I: Se Essa Lua Fosse Nossa, viemos construindo um espaço poético-metafórico, o desta Lua Toda Nossa que nos abraça e nos inspira a seguir construindo o caminho
pela escrita. Paramos a escutar tantos sonhos que se entrelaçaram a tantos
outros e outros e outros...; percebemos a força que emana de cada uma das
autoras que nos estenderam as mãos nesta ciranda; sabemos o quanto nossa
fraternidade, politicamente humana e que se fortalece pela palavra, é importante
para continuar resistindo.
A luta coletiva, na companhia da
palavra, é revolucionária, pois verter o sangue de nossas memórias e beber na fonte da força
selvagem que nos projeta para o futuro, é viver o contínuo e necessário libertar-se
das muitas formas de opressão que nos dificultam o caminho. Na sintonia do que
nos torna diferentes e do que nos faz iguais, nossa diversidade e peculiaridades
de vozes se moldam umas às outras ao som do poder humanizador da literatura, e
dançamos o tango da utopia, porque, guiadas pelas palavras de Helena Blavatsky,
sabemos que “o potencial da humanidade é infinito e todo ser tem uma
contribuição a fazer por um mundo mais grandioso. Estamos todos nele juntos.
Somos UM”. E não há volta, nunca houve, as que vieram antes de nós estiveram
sempre na luta; as certezas que antes estavam encerradas em sagrados templos, erigidas
como esculturas intocáveis, hoje estão a se desfazer pela ação de nossas
palavras, poeticamente ácidas, pungentes e extremamente necessárias.
A Literatura Feminina Contemporânea,
nestes dois últimos anos, vem intensificando cada vez mais sua presença. A marcha
do coletivo pela divulgação da literatura feita por mulheres, inclusive pela contribuição das atuações
individuais, vem ganhando território e cada vez mais espaços. E as redes
sociais, as produções editoriais realizadas pelos coletivos femininos, estudos acadêmico-científicos, as edições
independentes, a diversidade do mercado editorial, o grande número de revistas literárias
e pequenas editoras e/ou selo editoriais voltados à publicação e à divulgação da
literatura do feminino, entre outros fatores, têm sido pontos fortes para que
avancemos. No seu artigo “Literatura Feminina no Brasil Contemporâneo”, de
1993, Nelly Novaes (p. 92) fazia a seguinte afirmação:
Ao nosso ver, muito longe de
consistir “discriminação” ou de se identificar com um novo preconceito (a
pretensa substituição do Machismo pelo Feminismo), a preocupação especial que,
nestes últimos anos, a Literatura Feminina vem despertando nos leitores e nos
estudiosos, se liga ao fato de que a metamorfose-em-marcha no mundo de hoje
tem, na mulher, a sua pedra-de-toque.
A
“metamorfose-em-marcha” tem sido a prática incansável dos coletivos femininos e
o Enluaradas é um destes coletivos que se embandeira pelo protagonismo feminino.
E nesta práxis complexa, a preocupação que nos acompanha é também a busca por compreender e descobrir nossa própria literatura: como ela vem se construindo? por
que aborda determinados caminhos? que abordagens nos são comuns na infinidade plural de nossas (in)completudes? Neste sentido, o Nas Teias do Poema é
uma janela virtual para nos levar ao lugar de nossas tantas dúvidas a fim de
pensar o nosso fazer literário. Não nos basta com apenas desengavetar os
textos, queremos entender o processo da escrita, compreender como a palavra se
processa no para além do texto estampado no papel... e muito mais.
Somos pensadoras contemporâneas, parafraseando do
latim, somos feminae fabri, portanto, mulheres que fazem acontecer a própria
literatura, de mãos dadas com a força do numen primitivo que nos habita.
Só para citar um exemplo, dentre tantos outros, na concorrência pelo 63º Prêmio Jabuti,
na modalidade poesia, temos cinco mulheres como finalistas (Mar Becker, Maria
Lúcia Alvim, Jussara Salazar, Micheliny Verunschk, Prisca Agustoni Pereira). Cada uma de nós, as feminae fabri da literatura contemporânea, tem sua
parcela nesta grande conquista, por isso nos alegramos e torcemos por cada uma delas e por todas as autoras que estão na disputa neste (não posso deixar de
citar a talentosíssima paraense Monique Malcher, representando o Norte, na categoria contos) e
em outros prêmios literários, porque cada escritora que se destaca também nos
leva junto, ainda que, muitas vezes, não se tenha consciência disso. Viver a ideia do coletivo, em sua profundidade, é uma lição que se
deve saber conjugar na prática e na teoria. Bauman (2001, p.44), ao falar sobre
a individualização excessiva que se vive, nestes tempos de modernidade líquida, aponta
que a saída ainda é pensar e agir coletivamente:
A individualização chegou para ficar; toda elaboração
sobre os meios de enfrentar seu impacto sobre o modo como levamos nossas vidas
deve partir do reconhecimento desse fato. A individualização traz para um
número sempre crescente de pessoas uma liberdade sem precedentes de experimentar
— mas (…) traz junto a tarefa também sem precedentes de enfrentar as consequências.
O abismo que se abre entre o direito à autoafirmação e a capacidade de
controlar as situações sociais que podem tornar essa autoafirmação algo
factível ou irrealista parece ser a principal contradição da modernidade fluida
— contradição que, por tentativa e erro, reflexão crítica e experimentação corajosa,
precisamos aprender a manejar coletivamente.
A liquidez do mundo avança imparável,
nos exigindo aprendizagem diária e o exercício da solidariedade; o contexto
cibernético já não está fora de nossa realidade como pensávamos há pouco tempo
atrás. Novos tempos virão, tempos em que a internet móvel será engolida pela novidade
do metaverso, onde o simples ato de compartilhar a leitura de um livro com
alguém, poderá nos fazer sentir como se estivéssemos lado a lado lendo o mesmo
livro e ao mesmo tempo, ou ainda conversar, na distância, com a sensação da proximidade quase real... Fazer e divulgar literatura sem as redes sociais é
algo que já faz parte do passado, pois o espaço cibernético é uma ferramenta imprescindível
para a literatura produzida em nossa contemporaneidade. Quantas autoras iniciaram seu
processo de escrita através das redes sociais e que, agora, seria impossível pensar sua escrita sem esta ferramenta virtual? A ideia é sempre fazer e cada vez melhor, mas com leveza e fluidez, sem esquecer de primar sempre pela qualidade do produto que oferecemos.
E desta forma vamos construindo história
na caminhada literária do Coletivo Enluaradas, um movimento feminino que vem, a
passo miúdo, se firmando, graças às incansáveis ações que têm feito a diferença
no campo literário, artístico e editorial da contemporaneidade. Somos um
movimento feminino que tem marcado tendência nas mídias sociais através da
divulgação e da adesão de autoras, as quais têm sido o apoio fundamental para
continuar realizando SONHOS, sempre tendo em conta o trato cordial e humano tão
escasso nestes tempos de modernidade líquida e ódio gratuito. E vamos lembrando sempre das
palavras de bell hooks: “Solidariedade
política entre mulheres sempre enfraquece o sexismo e prepara o caminho para
derrubar o patriarcado”. Nós, as Enluaradas, temos consciência de que continuamos sendo a “pedra-de-toque”, como, sabiamente, afirmou Nelly Novaes.
No episódio Nas Teias do
Poema XII, estarão conosco as poetas:
CÁTIA CASTILHO SIMON é doutora em estudos da literatura brasileira,
portuguesa e luso-africanas, pela UFRGS. Publicações recentes: Psicografadas
- contos, (várias autoras). Porto Alegre: Território das Artes, 2020. E-books: Todas
escrevemos (várias autoras) – Edição: Fora da Asa – Instagram/2020; Coletânea
Enluaradas I: Se essa Lua Fosse Nossa [livro eletrônico, 2021];
FRAHM TORRES é Santa Luzia, MA; professora de Linguagens, licenciada em Letras;
Psicopedagoga; especialista em Gestão da Educação; ativista cultural, escritora
e poetisa, com participação em diversas coletâneas literárias; membro efetivo
da AJEB/MA;
MARINA MARINO é pedagoga e iniciou seus escritos publicando livros infantis. Hoje
escreve principalmente para mulheres, evidenciando o processo de desconstrução
das crenças que impedem a liberdade, tendo publicado o livro Divas, Mulheres
Que Se Superaram e participado de várias antologias. É editora, livreira e criadora da Voo
Livre Revista Literária.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida [recurso
eletrônico]. Trad. Plínio Dentzien, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, 255 p.
HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo –
políticas arrebatadoras. [recurso eletrônico]. Trad. Ana Luiza Libânio, Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.
NOVAES, Nelly. Literatura Feminina no Brasil
Contemporâneo. Língua e Literatura, v. 16, n. 19, pt 91-101,1991.
Disponível no link: https://core.ac.uk/download/pdf/268361766.pdf. Acesso 11/11/2020.
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