sexta-feira, 9 de maio de 2025

ENTRE LINHAS E CORDAS, LIVRO DE VALÉRIA PISAURO

UM CORAÇÃO EM SOL MAIOR  (Por Marta Cortezão)

Palavra cantada é palavra voando.

{James Joyce}

Arquivo da autora
Entre linhas e cordas, de Valéria Pisauro, revela um caminho estreito que aproxima palavra e som e dá asas a inúmeras imagens poéticas, comparações e metáforas. Nestas linhas e cordas, de Valéria Pisauro, a poesia está contaminada de musicalidade. De um lado, a poesia e sua natureza verbal; do outro, a música com sua natureza sonora. Duas artes distintas, de caráter único e contraditório, mas completamente correlatas. Uma relação que surge desde a própria origem cantada da poesia e que se amplia nas cantigas poéticas e melodiosas de trovadores ou menestréis para nos legar as canções populares e seguir, cada uma, seu caminho, suscitando acaloradas e recentes discussões entre poesia e música na contemporaneidade. Entretanto, em Entre linhas e cordas, esta relação expõe um sem-fim de possíveis aproximações entre palavra e música, ainda que na contramão (p. 21) de “um violão sem cordas, reverso do verso, / Coroa e cara em inversão”, porque assim como o paradoxo vocábulo-som, “somos guerra e flor, / Acordes de silêncio, / Rima sem poesia, / Refrão sem música”.

Arquivo da autora
Ler Pisauro é dedilhar as cinco linhas de um pentagrama e sentir o calor vibrante de uma clave de sol; é percorrer as palavras, os meandros de seus versos, sussurrando o princípio-fim de um ruído para saborear tons e semitons de suas metáforas ascendentes ou descendentes; é glosar o mote de um humano coração em Sol Maior, em uma sequência completa de todas as notas para perceber, de ouvido, a (des)afinação das cordas que movimentam o mundo:

“Meu canto é poema, é seca, é fome

Estancado nos olhos dos homens, dos homens!” (Bate Tambor, p. 40)

 

“Não risca o risco da hipocrisia.

No meio da praça, no inteiro da raça,

Nas ruas, nos guetos, nas chacinas,

Marginais no anonimato dos jornais.” (Cruz, p. 59)

 

“E nos fios, corais de pássaros

Regem a aresta do cotidiano

Sonhos em Sol Maior

O silêncio é outro engano.” (Aresta, p. 108)

 

“Quero o teu beijo cifrado (...)

Amor bemol e sustenido,

Com o arco e o violino,

Com todos talvez e então...

Acorde sonante,

Que afina minha canção.” (Afinação, p. 116)

 

“No banco do jardim público

Raiz de pedra

Há na luz uma cor amarga

De quem vive às margens

Entre escombros da cegueira

Sob os pés de quem passa.” (Jardim, p. 149)


Arquivo da autora
Nesse compasso Entre linhas e cordas, também se percebe a presença de uma poeta admiradora e conhecedora da cultura brasileira. Não é à toa que o primeiro poema que abre o livro é Antropomorfose Brasileira (p. 17)! Nele, a voz lírica passeia pelo Brasil cultural, literário, musical e poético. O Brasil que abraça e acolhe a sua rica diversidade, é o Brasil ideal que se harmoniza em suas diferenças feito som e palavra:

“De Macunaíma sou cria,

Antropofagia, Abaporu,

Bicho-do-mato, tupiniquim,

Grão da massa, Jeca Tatu.

Dom Quixote brasileiro,

Poeta louco, botequim.

(...)

Não ouvi o cantar do sabiá.

As pedras do meu caminho,

Deixei pela estrada, aprendi apreciar,

Deixei tudo a Deus dará, oxalá!”.

Arquivo da autora
Ser cria de Macunaíma –personagem anti-herói, criado por Mário de Andrade–, vai além do significado histórico-literário-cultural e alcança um outro de grande valia, que se reconhece e se encontra no elo perdido de suas raízes ancestrais. Assim como Macunaíma, a voz lírica, no poema Muiraquitã (p.64) de forte estribilho, parte em busca do amuleto extraviado, que, aqui, representa o legado-manifesto de um Matriarcado Pindorama de mulheres guerreiras, as Icamiabas:

“No espelho da lua cheia,

Penitentes castas arqueiras,

Desciam de Iaci-Taperê,

Com mil flechas certeiras.

Purificação a noite inteira,

Que do ventre da terra sorri,

São amazonas guerreiras,

Cantos de carícias plenas,  

Da guerreira nação Tupi.

São amazonas guerreiras,

Cantos de carícias plenas,

Da guerreira nação Tupi.”       

Arquivo da autora

E de uma Pauliceia Tupiniquim (p. 131) da contemporaneidade se pode ouvir o canto lamentoso de uma “Cidade-Mãe, de braços de concreto”, prestes a ser devorada pelo neoliberalismo dominante e nefasto e que agoniza nas mazelas sociais, essa “fumaça que embaça o amanhã”: “Madrasta que abraça toda raça, / Herança que não muda de mãos. / Cidade-realidade, sonho de diversidade, / Disneylândia periférica, favelas alçadas / Cassetetes, Cracolândia, Anhangabaú / E os meninos passeiam seminus pelas calçadas.”. Em contrapartida há as Manhãs de Minas (p. 127) que “Despertam o aroma, a melodia”. Uma Minas Gerais da infância da voz lírica, através da qual “a vida renasce todos os dias”. São as “Manhãs meninas, manhãs de Minas.”. 

A poética de Pisauro é uma sonata estradeira em versos que evidencia um Brasil profundo, marcado por um compasso particular, diverso e vertical, de temporalidades histórico-poéticas. Entre linhas e cordas é também convocação, compromisso humano, engajamento, solidariedade política entre mulheres, essência e amor necessários:

“Na esteira das grandes cheias

Ribeirinhas bailarinas cativeiras

Pele vermelha, mulher-sereia

A cantarolar nas beiras dos rios.

Filhas de velhas benzedeiras

Olha o azul sonha com o mar

Correnteza de oferendas

Nas águas de todo lugar.” (Rede de Rezas, p. 56)

 

“Dentro de mim liberdade

Tarsilas, Severinas, Marias

Cativas, sagradas e profanas (...)

Múltiplas que choram e riem

Ramos cortados que insistem em florir.” (Múltiplas, p. 77)

 

“Ela é mulher, é quem ela quer,

Ela dança com as ninfas,

 

Já teve família, sonhou menina,

Hoje, Maria de todos os dias,

Dos solitários, a companheira,

Dos abandonados, a alegria.

É novela e favela, é fantasia.

Na calçada é plateia, dama, meretriz,” (Quem Ela Quer, p. 87)

 

“Giram saias rendadas

No terreiro, na senzala

Lendas e causos em Iorubá

Sonhos antigos afogados” (África Distante, p. 198)

Findo este itinerário com a força da “palavra cantada” repousando no ninho que levo no peito, agora embevecido pelas relevantes pausas necessárias que fui amealhando pelo caminho. É tempo de um silêncio providencial para libertar a palavra da opressão de ser verbo, porque o poema também se cansa, está sem voz, sem melodia, Sem pauta (p. 191): “o poema está com fome, de vida, do homem, / Sem pauta vagueia distraído, / Marca passo das trincheiras, / Sem espaço em linhas vazias.”. A você que chegou agora, siga a dica de viagem, pois é sabido que a “poesia arde, salva uma vez mais”, portanto, Pisaurize-se!

A aquisição de livros é diretamente com a autora via redes sociais
Acompanhe a produção musical de Valéria Pisauro pelo Youtube e Spotify!
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PISAURO, Valéria. Entre linhas e cordas. Jundiaí (SP): Telucazu Ediçoes, 2023.

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Arquivo da autora
Valéria Pisauro nasceu em Campinas-SP, exerce intensa atividade cultural na literatura e na música, como professora, pesquisadora, palestrante, poeta, contista, cronista, roteirista e letrista musical. Graduada em Letras e em História da Arte, a escritora trafega com muita personalidade, versatilidade e desenvoltura por uma criaçao artística, que vem angariando críticas positivas, rendendo à poeta um lugar de destaque no cenário poético e musical brasileiro. o requinte de suas poesias/letras prima pela pluralidade de recursos, fruto de pesquisas, onde a variaçao de estilos traduz a força e a leveza de um trabalho sofisticadamente inovador, pendulando com naturalidade entre o rebuscamento e o coloquial. Participa de certames culturais, concursos literários e de reconhecidos festivais de música, tendo a felicidade de ter sido premiada em muitos deles.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

CHÃO ANCESTRAL, DE MARGARIDA MONTEJANO

 E L A   A C E N D E   O   M U N D O   C O M   A    V O Z

Por Marta Cortezão

Chão ancestral é o primeiro livro de poemas de Margarida Montejano, cujo título evoca profunda simbologia: a terra como esse chão sagrado que ordena o mundo vivo com seu caráter divino e sua função maternal, administrando o mistério vida-morte-vida. Uma Terra Sagrada que agoniza e definha nas mãos desumanas da cobiça pelo “líquido lucro/ extraído pelo bruto”; o bruto e histriônico ser humano que, acometido pela cegueira e selvageria do capital, interpreta, sob os holofotes do mundo, a clássica farsa de “estancar a hemorragia/ com cuspe e panos quentes” (p.19), enquanto a fome e a guerra assolam o mundo.

TERRA SAGRADA

estancar a hemorragia

dos corpos suados

da terra sagrada

das matas, dos rios

das rochas rachadas

 

estancar a hemorragia

dos olhos encharcados

das ruas inchadas

 


das águas sagradas

 

do líquido lucro

extraído pelo bruto

 

estancar a hemorragia

com cuspe e panos quentes


Através de uma linguagem aparentemente simples capaz de emocionar pela destreza, fluidez e amabilidade poéticas, este livro revela plurissignificativa união entre palavras e fotografias abocanhadas da realidade. E, nesse exercício de encaixe e desencaixe, vai construindo um fino diálogo com a estética do impacto, onde os contraditórios se chocam e as semelhanças ganham resistência para trazer à tona o despertar da necessária consciência, porque “Toda a nossa história é a mesma história. A história do chão” (p. 83). É urgente desvendar os olhos e sair “deste lugar/ onde te calaram”, nem que para isso seja necessário Nascer pela segunda vez, “nascer de novo, de novo e de novo/ Nascer pela segunda vez, mas agora/ do lado certo da história!” (p. 93).


Montejano conduz a voz lírica, serena, sábia e implacável da Deusa. Essa voz oracular inconfundível, que munida de conhecimento profundo sobre o desconcerto do mundo, traça um mar de versos catárticos onde a face da crua dor se vê refletida. Entretanto, temas tão profundos e universais como o amor e a esperança ganham espaço no cenário de Chão ancestral, eles surgem especialmente da herança deixada pelas bruxas às crias das bruxas contemporâneas: “temos em nós…/ a intuição constante/ (...) a magia para sobreviver/ …das bruxas// herdamos delas/ a matéria que não se esgarça// (...) o tecido da vida/ para curar a história// sarar os males/ combater o ódio/ o machismo insano/ as guerras por terras” (p. 57). Somos “um sonho/ da Deusa”, somos sim as crias das bruxas, mulheres grávidas de Consciência no “meio da insanidade/ dos homens”, mulheres que carregam “o futuro/ do mundo” (p. 31).

HERANÇA

desvendamos as linhas das mãos,

lemos o incerto nas fases da lua,

adivinhamos tempestades

para entender o amanhã

 

temos em nós...

a intuição constante,

o canto profundo,

a reza certeira,

as mãos benzedeiras

a magia para sobreviver

                         ...das bruxas

 

herdamos a matéria que não se esgarça

elas que tecem e cerzem o tecido da vida

 

para curar a história

saras os males,

combater o ódio,

o machismo insano,

as guerras por terras

 

bruxa-divina-escondida

o desejo insaciável

da Deusa-Mulher

 

CONSCIÊNCIA

somos um sonho

da Deusa

 

no meio da insanidade

dos homens

Margarida Montejano e Marta Cortezao/SP

E nas linhas do tempo do Agora ou nunca, a voz poética e generosa da autora se oferta em palavras para fazer o chamado:

“Estou aqui e te dou a minha vida, a minha história, os meus poemas. Te dou a minha palavra, a minha melhor fase, a minha face te dou. A crença nas estrelas, a esperança do sol, minha alegria, minha noite e o meu dia. Só não demora. O tempo, devora” (pág. 65).

Leitura do poema 'Canteiro' (p.81)

                                                               Leitura do poema 'Placenta' (p.35)

Para aquisição de exemplares, entre em contato com a própria autora via Facebook ou Instagram.

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MONTEJANO, Margarida. Chão Ancestral. Curitiba (PR): Editora TAUP, 2023.

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Arquivo da autora
Margarida Montejano, mora em Paulínia/SP. É Escritora, Poeta, Contista; Func. Pública na Secretaria Municipal de Educação de Campinas. Defensora ativa dos direitos da Mulher, sendo membra do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campinas; Coordenadora do Projeto Bem-Me-Quero: Empoderamento Feminino e Igualdade de Gênero e, Produtora do Canal Literário – N’outras Palavras –  histórias que inspiram, no Youtube. Autora dos livros "Fio de Prata" - Ed. Siano (2022); "Chão Ancestral", TAUP Editora (2023) e dos livros infanto juvenis "A Poeta e a Flor" e "A Poeta e a Sabiá", pela Editora Siano. (2024). @margaridamontejano.escritora


terça-feira, 6 de maio de 2025

IN(-)VERSOS DO MEU VERSO, DE RITA ALENCAR CLARK

 ACORDEM JÁ ESSAS MULHERES!

Vou andando com o teu livro

entre as construções do poema

e eis que as ruas de repente

Transbordam de humanidade

sob o coral das abelhas

E o mel que a tarde destila.[1]

 

Arquivo da autora 

Apesar da intensa atividade de Rita Alencar Clark na escrita, especialmente nas produções coletivas do Mulherio das Letras Nacional, as quais veio acompanhando desde o início do movimento (2017) e, mais recentemente, as do Coletivo Enluradas, é somente em 2024 que a poeta amazonense nos concede a graça poética da publicação de seu primeiro livro solo de poesias, In(-)versos do meu verso, cujo percurso já nos revela um misterioso enredo: o antigo manuscrito – depois de ser entregue ao seu pai, o poeta Alencar e Silva (1930-2011) – permaneceu desaparecido por vários anos entre o labirinto dos velhos objetos guardados como se soubesse o momento oportuno de surgir na cena literária da escrita brasileira contemporânea de autoria feminina do século XXI.

Evento UFAM-05/MAIO/2025
Arquivo da autora
In(-)versos do meu verso estreia no mundo físico inflamado de imagens que excitam a fantasia poética da linguagem, características tão necessárias à poesia. A versatilidade da escrita poética de Rita, ao expandir os limites do signo linguístico, mantém os olhos leitores em estado de vigília diante da luz de um novo alaranjado crepuscular que erradia de seus versos para tingir a realidade, já tantas vezes vista, com o inesperado de suas engenhosas metáforas temperadas de discreto delírio, enquanto uma prosopopeia abre o caminho do poema: “Flanco de paz adormecida / Pousa no torpor da tarde alaranjada [...] Nos olhos de teu passado / Amarelo, laranja, amarelado / Buscando a tua paz… alaranjada” (“Paz alaranjada”, p.20).

Lançamento (Manaus-23/SET/2024)
 
A “poesia é sonho” que mantém a consciência humana desperta e a bordo de uma epopeia de sentimentos cujo nauta é o próprio coração que parte em busca de si mesmo, enfrentando as violentas tempestades do mundo. A voz lírica e sonhadora, cochichada numa canção ribeirinha naquele longínquo tempo das palavras, funde fragmentos da memória vivida à fantasia poética de In(-)versos do meu verso sob a aquiescência dos furiosos olhos da Medusa – a mortal górgona e suas serpentes – que não dormem, pois conhecem “as faces da esfinge” e a dor ancestral de ser mulher no mundo. E convocam, em enérgica poética, o canto das sereias, o canto da liberdade a ser entoado: “Acordem o silêncio dos palácios / Toquem os sinos e as trombetas [...] Acordem já essas mulheres! / Digam que há milhares de sonhos / Lá embaixo esperando por elas!” (“Acordem o silêncio”, p.29).

Imagem Pinterest 

A poética de Rita revela uma voz em consonância com o seu tempo, atenta às transformações sociais e consciente de seu papel político na sociedade. Esta voz que se materializa no livro, possui um corpo político feminino que se descobre livre durante todo um doloroso processo de autodescoberta e que é gestada – pela posse da ‘palavra de mulher’ tão ausente na história dos homens – na sombria alcova dos difíceis silêncios. Não basta existir é preciso mergulhar fundo no denso amálgama da vida, desgarrar-se, liberar-se da culpa e do medo, parir a ‘palavra primordial’ que liberta a consciência e ilumina os caminhos: “Estou grávida de mim mesma / Sinto que minh’alma não / Habita mais meu corpo cansado, / Ela habita na essência. / Crisálida antes da liberdade / Parto difícil esse de parir a si mesma! [...] Para, em voo solo, decolar!” (“Parir-se”, p.75).

E neste sentido, há sempre muito a ser dito: “feridas tantas de tempos / Passados, somam distâncias no peito oco / Entre o que somos hoje e um dia fomos. [...] Não, não foi a saia, não foi o corpo, foi a violência! [...] Há tanto o que ser (re)visto sob o sol dos dias / Há tanto o que ser falado dessas dores e noites / Que, quando nos levantarmos todas, isso é certo, / Nossa voz explodirá numa aurora nuclear irrefreável. // Indomável.” (“Há tanto o que se falar”, p.88).


Imagem Pinterest
O erotismo também atravessa o movimento reflexivo de In(-)versos do meu verso, e se apresenta numa cuidadosa e sutil linguagem marcadamente lúdica, que se mostra e se esconde nas entrelinhas e que se impõe através de uma voz lírica insubmissa, irônica, decidida e conhecedora dos próprios desejos:  O corpo todo ondulando / E, se abrindo como leque [...] Doce, escorregando pelo túnel, / Buscando, serena e plena / O ponto mais alto de seu / Próprio prazer. / Ele nem desconfia…” (“Na calada da noite”, p.21).

Nos jogos de sedução quem dá as cartas é esta mulher que sabe o que quer, inclusive ainda adverte este imprudente homem do perigo de suas “coxas e olhos reluzentes”, de sua beleza “tão livre e solar”, pois sabe que quando a veja tão radiante assim, “Um gosto amargo te subirá a boca, eu sei, / Mas os braços já estarão ao teu pescoço… / E será o teu fim, ou pior, do homem que pensas ser. // Então, cuidado!” (“Sedução”, p.26).

A escrita erótica de Rita Alencar Clark, para além de sua incontestável qualidade poética, é uma escrita de resistência contra os velhos tabus e os inúmeros preconceitos que nos têm silenciado ao longo dos séculos, e que, portanto, empunha a bandeira pela liberdade dos corpos de mulher, porque queremos “nossos corpos livres e belos / Por serem nossos, de mais ninguém, só isso!” (“Universos de nós mesmos”, p.83).


Alencar e Silva
Arquivo da autora

E por último, e não menos importante, a presença da intertextualidade que se plasma na poética do livro, estabelecendo uma relação de dialogicidade ambivalente, quando Rita toma a palavra poética de outros(as) autores/as para vesti-la em seu poema, dando-lhe sentidos outros. Como pequena amostra, destaco o fragmento do soneto do poeta Alencar e Silva: “Por entre as faces de um poliedro / como entre as fases de um pesadelo / pânico apelo nas multidões / vou decifrando meu próprio rosto / no amargo gosto das decepções[2]”; além da poeta conservar o sentido que a palavra “poliedro” já possui, ela explora e ressignifica outros sentidos ao dialogar com o próprio pai poeta,  Alencar e Silva: “Encontro em mim teu coração, / Este poliedro de mil faces, / Lapidado pelo mestre em sua forma / Mais perfeita, mais exata!” (“Tens os olhos guardados em mim”, p.48).

Rita Alencar e Silva e Marta Cortezão
Palácio da Justiça (Manaus-23/SET/2024)
Assim, a poeta segue lapidando, ainda no mesmo poema, mas agora em diálogo com Fernando Pessoa, sem romper-lhe a ideia primária: “Pulsante às dores do mundo, / Este comboio de cordas em / Sonatas de outono”.

Por aqui me despeço, e não me levem a mal, mas é que “Já nem sinto os meus pés no chão…”. Ó Santa Rita dos versos encantados, escrevei para nós… Amém! Boa leitura. 

Marta Cortezão

Poeta amazonense.





[1] SILVA, Alencar e. Crepuscularium. Fortaleza/CE: Ediçoes Realce, 2006, p. 34.

[2] “Por entre as faces de um poliedro” de Alencar e Silva, in Ouro, incenso e mirra.  Manaus, AM: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, 1994.  83 p.  Acesso 08/04/2024, disponível em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/amazonas/alencar_e_silva.html

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Arquivo da autora

Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM - Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA - Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: Meu grão de poesia, Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico e In(-)versos do meu verso.

ELES LEEM ELAS: GANHEI ASAS COM FLAVIA FERRARI

RECEBI O TERCEIRO LIVRO DA FLAVIA FERRARI: ESPÓLIO

Por Ronaldo Rhusso

Capa do livro Espólio, de Flavia Ferrari (TAUP, 2025)
Publicação independente como ela própria, Capa da Jéssica Iancoski e um conteúdo daqueles que a gente lê, relê e sabe comentar: é pura Poesia!

A fluidez com que os versos decorrem e vão escorrendo em forma de poemas vai saciando aquela sede/fome de Poesia escrita e bem-dita de forma que faz a gente sentir um abraço e ouvir o sussurrar a nos dizer: “Eu sei! Também sinto isso.”

O poema que abre essa obra cativante, “Arrima”, pode passar despercebido apenas ao desavisado poeticamente, mas mostra a alma nua da poeta como a passar coberta apenas pela translucidez proporcionada por uma imaginária cortina transparente e, enquanto ela passa, lança seu olhar concorde como a dizer: “é também a minha”.

Noto em seguida a efêmera fragilidade que completa a ideia do que será objeto da simplicidade, mas não simplória morada porque lar é lar e versos não precisam do rebuscamento matemático, apenas de um poema onde se encaixem e como se encaixam os da Flávia!

“ao humano, uma melindrada barreira

qualquer muro é menos dissimulado”

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Em “Pontas de lança” aquela realidade caótica que restringe sem restringir, de fato, e a separação ou privacidade que deveria apenas ser combinada, precisa da imposição dos quase limites ou o que valha para garantir a tal inviolabilidade.

E a “iluminação”? A limitada luz que permite apenas ver os “intrusos” misturados ao abstrato do pensar filosófico acerca das coisas que ornam o recôndito ou a iluminação de metaforizar como um dom que ‘metominiza? as lucubrações mentais?

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Demoro-me na prosopopeia que define as poltronas e vou observando cada cena, enquanto a poeta “ausculta” e descreve o papel dessas que “sabem quase tudo sobre os homens” e, deles, amparam ou protegem o “lar”:

“não aceito metades

do sono

do amanhecer

de você”

É como ela explica as “medidas” aceitáveis e depois confessa a “revelação” de seus olhos que brilharam quando os ouvidos captaram aquele “sim”.

Já o “Sal” nos faz corar.

Ainda há quem core, quem leia, releia, sorria e pense: nossa?

Eu sigo nesse deliciar-me com a leitura e me deparo com: “a materialidade, essa sim, é toda ilusão”

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A Eternidade? Quem sabe? Conforta e importa confortar, já a realidade, é caravana: passa.

Na “Vigília” a poeta comete a “extravagância” de sonhar reciprocidades e lembrou de se amarrar “na exuberância do primeiro enlace com o fervor do último toque”.

Observo a “Claraboia” em que tanto a poeta pensa, vê essencial, morta no “Futuro”, que já é, e algema a si mesma no diálogo só porque “a pele aprende rápido”.

Como entender o “Estanque” da paixão, a “Estreia” da novidade e o olhar pelas “Janelas” da outra casa pensando nos costumes da cidade?

Alguém me disse que não entendo “Semântica”, já a Flávia, diz: “Uso o amor, minha palavra coringa”.

No mais ela que é “Reclusão” e “Dissocia”, afirma:

“queria um corpo-console-inconsciente

que dança se outros dançam”

 

Eu também queria! E tu?

Curtiste essa pseudorresenha até aqui?

Mas não viste quase nada, já eu aproveitei que a Flávia Ferrari confessou:

“desejei tanto ar que ganhei asas”

E cheguei com ela ao final dessa leitura agradável, quase como um voyeur dessa alma mulher e o que mais quiser ser porque pode e me prendeu letra por letra, verso por verso, elevou-me com ela!

Para adquirir o livro Espólio de Flavia Ferrari clique AQUI e entre em contato com a autora.

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Arquivo da autora
Flavia Ferrari (São Paulo, 1976). Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari tem três livros de poesia publicados, Meio-Fio: Poemas de Passagem (2021) e É Tudo Ficção (2022) e Espólio (2025). A autora escreve desde a adolescência, mas começou a publicar seus poemas no início de 2020, compartilhando seu trabalho nas redes sociais, participando de antologias e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelas leitoras e leitores.

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Arquivo do autor
Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.

terça-feira, 29 de abril de 2025

PRÉ-VENDA DO LIVRO 'MINHOCAS PARA PESCARIA', DE GISELLE RIBEIRO

 

Ilustração da campanha de pré-venda
                MINHOCAS PARA PESCARIA 

SOBRE O LIVRO E SUAS DOBRADURAS

Livro tem corpo e consciência política, por isso ele parte para o ataque nas lutas e conquistas, Minhocas para pescaria não poderia ser diferente. O livro foi escrito em 2015 e só agora ganhou corpo e consciência para ser lançado ao mundo.

Arquivo de Giselle Ribeiro 

Em 2015 eu ainda não me sabia parte das mulheres que escrevem com uma vertente nas lutas feministas, não levantava a bandeira do direito de dizer sobre o nosso corpo, nosso erotismo guardado no mais fundo de nós, por isso esse livro não pretende ser via de mão única. Apesar de ser um livro de poemas da mesma autora da trilogia com a personagem Dina, mulher revolucionária que fundou uma escola para ensinar as mulheres a desobediência e reestabelecer o amor-próprio, dessa vez Giselle Ribeiro quer entregar um livro sem rótulo fixo, com a força de um imaginário amazônico e com a amplitude do olhar para os problemas humanos e planetário. Minhocas para pescaria quer movimentar o pensamento sobre tudo o que nos circunda. Ele quer entregar ao leitor, à leitora iscas para pensar o mundo. A metáfora da pescaria demanda a logopéia, um dos recursos da poesia capaz de provocar o pensamento crítico dos leitores e leitoras, enquanto vontade de mudança.

Nessa reorganização da realidade, transformada em linguagem poética, Giselle Ribeiro apresenta a humanidade, na sua inteireza, dando lugar às fases infância e adulta, com suas sombras e luzes, exteriores e interiores, além de revelar a fotografia de um mundo deformado através da sua escrita poética.

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Fazer poesia é trabalho, é compromisso de quem escreve e, como tal não pode ser executado com irresponsabilidade. Temos que ter a clareza da nossa função, por isso é necessário tempo e escuta do que cada poema tem pra dizer, através de exercícios dessa escrita, é possível que o gênero poema se estabeleça, sabendo ao que veio.

Escrevo como se escovasse os trinta e dois dentes, um por um, e desse exercício criativo elimino as palavras bichadas, assim como nos ensina o poeta Manoel de Barros.

Olho para as palavras e vejo se elas cabem nos meus poemas, se a medida delas está certa com o corpo do que escrevo. É preciso vestir os poemas com as palavras em estado de coisa nenhuma, as palavras demandam novos significados, sempre que nos atrevemos em ser poetas, mulheres e homens. Foi assim que em 2015 eu comecei a escrever esse livro que só agora me disse estar pronto para seguir o caminho das leitoras e leitores.

Levei muito tempo escrevendo esse livro. O tempo de escrita me levou a reconhecer nele a façanha de entregar as iscas e chamar a humanidade para pescar provocações sobre a realidade atravessada pela literatura. 

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minhocas para pescaria

mãe o céu é um aquário

eu sei que é


Deus é um peixe grande

que todo mundo quer pescar


menino volta para o caderno

faz teu dever de casa



mãe o caderno não tem brilho

Imagem Pinterest
não alumia meus olhos


a mãe se ocupou de outra coisa


o menino escolheu descascar os peixes do irmão

para ver melhor o brilho das suas escamas internas


enquanto Deus gostava do que via

ali do seu aquário suspenso


Enfim chega ao mundo a campanha de pré-venda do livro Minhocas para pescaria, pela editora TAUP. Entre na campanha, faça parte da história desse livro!

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Arquivo da autora
Eu sou eu e boi não lambe. Meu nome é Giselle Ribeiro, nasci na Amazônia brasileira, no Norte do Brasil. Nela vivo até hoje. Sou formada em Letras pela Universidade Federal do Pará, mestra em Estudos Literários (UFPA) e doutora em Estudos da Tradução (UFSC).  Tenho publicações de poesia erótica e outros gêneros próprios da escrita poética. Mas gosto mesmo é de escrever histórias e poesia com linha de pescar pensamentos tortos.

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VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07  MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS  POR Heliene Rosa Imagem Pinterest ...