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sexta-feira, 9 de maio de 2025

ENTRE LINHAS E CORDAS, LIVRO DE VALÉRIA PISAURO

UM CORAÇÃO EM SOL MAIOR  (Por Marta Cortezão)

Palavra cantada é palavra voando.

{James Joyce}

Arquivo da autora
Entre linhas e cordas, de Valéria Pisauro, revela um caminho estreito que aproxima palavra e som e dá asas a inúmeras imagens poéticas, comparações e metáforas. Nestas linhas e cordas, de Valéria Pisauro, a poesia está contaminada de musicalidade. De um lado, a poesia e sua natureza verbal; do outro, a música com sua natureza sonora. Duas artes distintas, de caráter único e contraditório, mas completamente correlatas. Uma relação que surge desde a própria origem cantada da poesia e que se amplia nas cantigas poéticas e melodiosas de trovadores ou menestréis para nos legar as canções populares e seguir, cada uma, seu caminho, suscitando acaloradas e recentes discussões entre poesia e música na contemporaneidade. Entretanto, em Entre linhas e cordas, esta relação expõe um sem-fim de possíveis aproximações entre palavra e música, ainda que na contramão (p. 21) de “um violão sem cordas, reverso do verso, / Coroa e cara em inversão”, porque assim como o paradoxo vocábulo-som, “somos guerra e flor, / Acordes de silêncio, / Rima sem poesia, / Refrão sem música”.

Arquivo da autora
Ler Pisauro é dedilhar as cinco linhas de um pentagrama e sentir o calor vibrante de uma clave de sol; é percorrer as palavras, os meandros de seus versos, sussurrando o princípio-fim de um ruído para saborear tons e semitons de suas metáforas ascendentes ou descendentes; é glosar o mote de um humano coração em Sol Maior, em uma sequência completa de todas as notas para perceber, de ouvido, a (des)afinação das cordas que movimentam o mundo:

“Meu canto é poema, é seca, é fome

Estancado nos olhos dos homens, dos homens!” (Bate Tambor, p. 40)

 

“Não risca o risco da hipocrisia.

No meio da praça, no inteiro da raça,

Nas ruas, nos guetos, nas chacinas,

Marginais no anonimato dos jornais.” (Cruz, p. 59)

 

“E nos fios, corais de pássaros

Regem a aresta do cotidiano

Sonhos em Sol Maior

O silêncio é outro engano.” (Aresta, p. 108)

 

“Quero o teu beijo cifrado (...)

Amor bemol e sustenido,

Com o arco e o violino,

Com todos talvez e então...

Acorde sonante,

Que afina minha canção.” (Afinação, p. 116)

 

“No banco do jardim público

Raiz de pedra

Há na luz uma cor amarga

De quem vive às margens

Entre escombros da cegueira

Sob os pés de quem passa.” (Jardim, p. 149)


Arquivo da autora
Nesse compasso Entre linhas e cordas, também se percebe a presença de uma poeta admiradora e conhecedora da cultura brasileira. Não é à toa que o primeiro poema que abre o livro é Antropomorfose Brasileira (p. 17)! Nele, a voz lírica passeia pelo Brasil cultural, literário, musical e poético. O Brasil que abraça e acolhe a sua rica diversidade, é o Brasil ideal que se harmoniza em suas diferenças feito som e palavra:

“De Macunaíma sou cria,

Antropofagia, Abaporu,

Bicho-do-mato, tupiniquim,

Grão da massa, Jeca Tatu.

Dom Quixote brasileiro,

Poeta louco, botequim.

(...)

Não ouvi o cantar do sabiá.

As pedras do meu caminho,

Deixei pela estrada, aprendi apreciar,

Deixei tudo a Deus dará, oxalá!”.

Arquivo da autora
Ser cria de Macunaíma –personagem anti-herói, criado por Mário de Andrade–, vai além do significado histórico-literário-cultural e alcança um outro de grande valia, que se reconhece e se encontra no elo perdido de suas raízes ancestrais. Assim como Macunaíma, a voz lírica, no poema Muiraquitã (p.64) de forte estribilho, parte em busca do amuleto extraviado, que, aqui, representa o legado-manifesto de um Matriarcado Pindorama de mulheres guerreiras, as Icamiabas:

“No espelho da lua cheia,

Penitentes castas arqueiras,

Desciam de Iaci-Taperê,

Com mil flechas certeiras.

Purificação a noite inteira,

Que do ventre da terra sorri,

São amazonas guerreiras,

Cantos de carícias plenas,  

Da guerreira nação Tupi.

São amazonas guerreiras,

Cantos de carícias plenas,

Da guerreira nação Tupi.”       

Arquivo da autora

E de uma Pauliceia Tupiniquim (p. 131) da contemporaneidade se pode ouvir o canto lamentoso de uma “Cidade-Mãe, de braços de concreto”, prestes a ser devorada pelo neoliberalismo dominante e nefasto e que agoniza nas mazelas sociais, essa “fumaça que embaça o amanhã”: “Madrasta que abraça toda raça, / Herança que não muda de mãos. / Cidade-realidade, sonho de diversidade, / Disneylândia periférica, favelas alçadas / Cassetetes, Cracolândia, Anhangabaú / E os meninos passeiam seminus pelas calçadas.”. Em contrapartida há as Manhãs de Minas (p. 127) que “Despertam o aroma, a melodia”. Uma Minas Gerais da infância da voz lírica, através da qual “a vida renasce todos os dias”. São as “Manhãs meninas, manhãs de Minas.”. 

A poética de Pisauro é uma sonata estradeira em versos que evidencia um Brasil profundo, marcado por um compasso particular, diverso e vertical, de temporalidades histórico-poéticas. Entre linhas e cordas é também convocação, compromisso humano, engajamento, solidariedade política entre mulheres, essência e amor necessários:

“Na esteira das grandes cheias

Ribeirinhas bailarinas cativeiras

Pele vermelha, mulher-sereia

A cantarolar nas beiras dos rios.

Filhas de velhas benzedeiras

Olha o azul sonha com o mar

Correnteza de oferendas

Nas águas de todo lugar.” (Rede de Rezas, p. 56)

 

“Dentro de mim liberdade

Tarsilas, Severinas, Marias

Cativas, sagradas e profanas (...)

Múltiplas que choram e riem

Ramos cortados que insistem em florir.” (Múltiplas, p. 77)

 

“Ela é mulher, é quem ela quer,

Ela dança com as ninfas,

 

Já teve família, sonhou menina,

Hoje, Maria de todos os dias,

Dos solitários, a companheira,

Dos abandonados, a alegria.

É novela e favela, é fantasia.

Na calçada é plateia, dama, meretriz,” (Quem Ela Quer, p. 87)

 

“Giram saias rendadas

No terreiro, na senzala

Lendas e causos em Iorubá

Sonhos antigos afogados” (África Distante, p. 198)

Findo este itinerário com a força da “palavra cantada” repousando no ninho que levo no peito, agora embevecido pelas relevantes pausas necessárias que fui amealhando pelo caminho. É tempo de um silêncio providencial para libertar a palavra da opressão de ser verbo, porque o poema também se cansa, está sem voz, sem melodia, Sem pauta (p. 191): “o poema está com fome, de vida, do homem, / Sem pauta vagueia distraído, / Marca passo das trincheiras, / Sem espaço em linhas vazias.”. A você que chegou agora, siga a dica de viagem, pois é sabido que a “poesia arde, salva uma vez mais”, portanto, Pisaurize-se!

A aquisição de livros é diretamente com a autora via redes sociais
Acompanhe a produção musical de Valéria Pisauro pelo Youtube e Spotify!
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PISAURO, Valéria. Entre linhas e cordas. Jundiaí (SP): Telucazu Ediçoes, 2023.

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Arquivo da autora
Valéria Pisauro nasceu em Campinas-SP, exerce intensa atividade cultural na literatura e na música, como professora, pesquisadora, palestrante, poeta, contista, cronista, roteirista e letrista musical. Graduada em Letras e em História da Arte, a escritora trafega com muita personalidade, versatilidade e desenvoltura por uma criaçao artística, que vem angariando críticas positivas, rendendo à poeta um lugar de destaque no cenário poético e musical brasileiro. o requinte de suas poesias/letras prima pela pluralidade de recursos, fruto de pesquisas, onde a variaçao de estilos traduz a força e a leveza de um trabalho sofisticadamente inovador, pendulando com naturalidade entre o rebuscamento e o coloquial. Participa de certames culturais, concursos literários e de reconhecidos festivais de música, tendo a felicidade de ter sido premiada em muitos deles.

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