Mostrando postagens com marcador Poesia Brasileira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Poesia Brasileira. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 23 de maio de 2025

ENQUANTO AS HORTÊNSIAS FLORESCEM, HELIENE ROSA

A ROSA E O JARDIM

Por Marta Cortezão[1]

 

O poema se faz sozinho

Na leveza do sentimento

[Poesia do mo(vi)mento, Heliene Rosa]

 

Arquivo da autora
Os versos, semeados pelas mãos que lavram sentimentos no solo branco e solitário do papel, brotam fertilizados pela beleza artística da palavra ritmada que perfuma com poesia e dá viço aos estados de essência cultivados no jardim poético de Heliene Rosa. É a leveza harmônica, presente na essência do Belo, que perfuma cada poema em sua unicidade e sensibilidade, pois é essa Beleza o pano de fundo deste jardim de Rosa, assim como da palavra bailarina que, sempre em movimento, molda a forma de cada verso-flor para manifestar-se ao mundo exterior sensível, bem diante dos olhos passantes do(a) leitor(a) que param a contemplar, extasiados, diverso jardim.

Esta voz do Feminino Rosa, que levanta seu canto, neste livro-jardim Enquanto as hortênsias florescem, é a voz que embala a poesia próspera e pura que vem do chão! É a voz clareira da alma que sonha flores, “em miríades de cores” e distribui esperança pelo caótico mundo em que vivemos, ainda que as palavras sejam escassas e os caminhos tortuosos: “Enquanto as hortênsias florescem / No jardim / palavras me traem / palavras me faltam / me perco de mim (...) Enquanto as hortênsias florescem / Em miríades de cores / Sobre folhas e haste / Enfeitando o jardim”.


Arquivo da autora
É a voz da ancestralidade que se consolida na força da intelectualidade de Rosa, que, primeiramente, descolonizou seu jardim, para só então partilhar as sementes férteis pelo mundo. Como aperitivo, desfrutemos do fragmento do poema Dindinha, no qual escutamos a voz sábia e selvagem que muito ensina: “com ela aprendi: que na vida, / Nem tudo é do jeito que a gente quer / Mas ninguém deve duvidar / da força e do poder / De uma mulher!” Rosa, imersa na força de sua africanidade, solta a voz para dizer das dores que atravessam suas vivências, mas ela escreve para consolidar sua existência, que também é a nossa. O poema Servidão dialoga com as muitas histórias de vida tecidas nestes versos: “Em algum canto, / Sonhos de amor roubados/ E soluços, silenciados. (...) E a dança dos séculos, / Sofistica a crueldade; / Exploração naturalizada...(...) / Como arrancar do poema / Esse refrão?”. As reviravoltas dos versos de Rosa, em meio à polifonia de vozes femininas, se encarregam de trazer a resposta, que vêm com o vento da coletividade, onde o sopro é de verde esperança e de otimismo, porque somos mulheres de luta e de sonhos: “lutamos juntas agora, / E não podemos retroceder! / Pois já dizia o poeta, / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer!” E assim meus olhos de leitora, ao contemplarem tão belo jardim, vão se emocionando neste amor pulsante que me abraça, poeticamente, como no poema Labirinto, onde “frenética dança / Aquece-me a esperança / E reinvento o mapa / Desenho novos caminhos / Para o meu labirinto particular.”   

Arquivo da autora
Caro(a) leitor(a), é neste jardim florido, cultivado em Terra-Mãe, “Nossa Nave-Terra, nosso lar, / Corpo coletivo ancestral”, onde Árvores, “em suas entranhas / Rios internos deságuam / nas raízes que sustentam o mundo”, que convido você a adentrar. Entre sem medo, aqui as palavras nos lavam a alma em rios de Feminiscências, onde “Universos se fundem / Centelham faíscas divinas / Das entranhas da Terra”. Aqui há Pássaros que “habitam o céu / Tingem-no de plumagens coloridas / E rasgam o azul/ Intrépido voo” com “Seu canto flecha / Endereçado ao infinito”. Aqui, no Jardim da Poeta Heliene Rosa, há uma aventura fantástica de dança ritmada de doce e engajada poesia que se apresenta ao mundo! Entre em contato com a autora, adquira o seu exemplar e boa leitura!

Leitura de poemas de Enquanto as hortênsias florescem, por Marta Cortezão:




[1] Para contratar resenhas literárias entre em contato via e-mail martabartez@gmail.com

ROSA, Heliene. Enquanto as hortências florescem. Uberlândia (MG): Editora Subsolo, 2023.

♡__________________◇_________________♤_________________♧__________________♡

Arquivo da autora
Heliene Rosa, natural de Patos de Minas, Minas Gerais, é uma escritora, professora e pesquisadora dedicada às poéticas femininas. Mestre em Linguística e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Heliene é uma voz ativa na militância pelas causas das mulheres e da negritude. Articulista no Blog Feminário Conexões e integrante de diversos coletivos femininos, fundou, em 2016, o GELIPLIT (Grupo de Estudos em Língua Portuguesa e Literaturas), com o propósito de promover a formação continuada de professores de Língua Portuguesa e Literatura.

Com uma carreira marcada pela coordenação de projetos literários e pedagógicos, Heliene foi premiada no Oitavo Concurso Nacional pela Igualdade de Gêneros com uma sequência didática voltada à escrita, envolvendo estudantes do Ensino Básico. É coautora em diversas coletâneas nacionais e internacionais e organizadora de antologias literárias e acadêmicas. Em sua produção autoral, destaca-se com os livros Enquanto as hortênsias florescem (2023) e Literatura é território: poéticas femininas indígenas em movimento (2024).

domingo, 18 de maio de 2025

POESILHA, DOS PEQUENOS TRATADOS DO COTIDIANO, DE DALVA LOBO

POESILHA: UMA VIAGEM POÉTICA DE REDENÇÃO

Por Marta Cortezão[1]



[1] Para contratar resenhas literárias entre em contato via e-mail martabartez@gmail.com

 

quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és

(José Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida)


Capa livro Poesilha / Arquivo da autora
A leitura de Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano, de Dalva Lobo, conectou-me com a “ilha desconhecida” de Saramago. Na citação acima, temos um diálogo do homem que solicita um barco ao rei e a mulher da limpeza que toma a decisão de seguir seu destino, em busca da ilha desconhecida. A mulher que limpava o palácio, abria as portas, fez a sua escolha:

Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício, que lavar a limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria. O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar (...)

Essa busca necessária e humana pela sabedoria que está nas pequenas coisas da vida, no cotidiano, é o que de fato nos faz abrir os olhos para o que a vida nos ensina. Para Sócrates, “só é útil o conhecimento que nos torna melhores”. Eis a essência da busca pela “ilha desconhecida” que também verseja na poética de Dalva Lobo.

No prefácio, Vanderlei Barbosa, afirma que a literatura de Dalva Lobo “aguça os cinco sentidos: amplia a visão, dilata as pupilas, provoca aromas, oferece sabores, toca corpo-alma” (p.11). É um tratado de celebração da vida onde se pode escutar a melodia de fundo que inspira a alma a seguir a viagem, porque “é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, se não saímos de nós próprios”. Assim que o poema-convite convoca:

ESTÁ ABERTA A SESSÃO! (p.15)

Que entrem os loucos, os poetas e os errantes.

E se algum bêbado quiser, que entrem também e se embriague,              

               de vinho, de poesia e de tudo o que for bom para

               a alma.

E os “cansados do ócio amargo” de Mallarmé,

                sentem-se à mesa com Rimbaud, Pessoa, Rosa,

                Leminski e outros.

A quem tem sede, sejam servidas taças de vinho,

A quem tem fome, uma lauta refeição ao gosto poético,

Neste banquete há lugar para todos,

Desde que loucos, poetas e errantes, 

                Porque neles reside a sabedoria de quem ama a vida,

                a beleza e a virtude!

                                                  Um brinde!

Contracapa Poesilha
Arquivo da autora
Há lugar para todos, mas é preciso estar faminto e sedento pelo novo, pelo diferente, pela pluralidade e, especialmente, desvencilhar-se das amarras do egoísmo para ter olhos fidedignos e enxergar, com coerência e ética, “a beleza e a virtude”. A poética de Poesilha é uma viagem de redenção. Há uma Ítaca perdida dentro de cada um de nós. Enfrentamos diariamente toda espécie de obstáculos para encontrar nossa Ítaca, somos o fiel arquétipo do errante Ulisses nos enfrentando aos próprios monstros marinhos, criados pelo próprio medo que nos impede de enxergar o desconhecido. E quantas vezes nos perdemos da rota? E quantas vezes a ilusão da falsa felicidade nos desvia do que, de fato, nos é essencial para a vida? Por que desviamos o olhar dos olhos que refletem a nossa própria existência?

Poesilha (p.19)

Na poesilha encontrei um espasmo de luz e uma conta feita

das pérolas dos olhares sem fim.

Foi suficiente para desfilar na passarela da vida.

Um brinde à vida, ao amor, à amizade, aos desafios.

Um eterno brinde ao brilho que reluz de cada olhar.

2ª orelha de Poesilha
Arquivo da autora
Tudo o que precisamos para enfrentar os obstáculos da viagem está dentro de cada um de nós. E não adianta fugir às tempestades, aos maremotos, se são eles que ensinam como lidar com a noite que “chega para todos”, mas “a tela, / plácida, espera o toque que virá / quando a noite findar // Serão os dedos, os pincéis. / E a paleta de cores, / a vida mesma”.  E há sempre uma aurora trazendo a celebração de um novo dia! Há que aceitar as fraquezas e vestir-se com a força que vem delas, pois a “vastidão que nos cobre como um deserto, / faz-nos inocentes de nossos crimes não cometidos (...) // Fugimos, então às nossas regras, tentando não perceber / que nos tornamos cúmplices de nós mesmas no momento em / que nos deixamos envolver pela doce sensação da liberdade que, / num átimo de segundo, / transforma-se em vastidão!”.

Desistir da viagem nunca será a solução. A solução é atender o chamado de olhar para dentro de si e seguir em busca da “ilha desconhecida”, porque “entre mim, meu corpo e a Via Láctea / [todo caminho é possível]”. Faça chuva ou faça sol, “entre as pedras existem vários caminhos / e nós escolhemos, sempre”, porque viver é tomar decisões, é sair do palácio, como a “mulher da limpeza”, que escolheu o seu barco para ir em busca da ilha desconhecida e não titubeou em revelar-se ao desconhecido:

A mulher da limpeza não se conteve, Para mim não quero outro, Quem és tu, perguntou o homem, Não te lembras de mim, Não tenho ideia, Sou a mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e a abrir portas, Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões,

Dalva Lobo
Arquivo da autora
A mudança é um processo invasivo, mas necessário para nossa própria evolução. Entender nossos processos sem ter todas as respostas é o mais normal do mundo, porque ninguém tem todas as respostas: “Não responda, não tenha pressa, / O tempo é um caos e o caos é o silêncio que grita sufocado” dentro de nós para nos fazer seguir adiante, mesmo com o medo por fiel companheiro. A poeta convoca os acomodados à ação:

Os acomodados que se mudem (p.36)

 

Mudem de alma,

Mudem de pele.

 

Mudem de casa,

Mudem de planeta.

 

Apenas mudem.

 

E se não for possível mudar

de alma

de pele

de casa

de planeta

Mudem apenas o desejo de mudar,

Sabendo do risco perene das mudanças sem fim a que estamos,

graciosamente, condenados.

Arquivo da autora
E com o passar do tempo, aquelas mudanças tão temidas se tornam nossos melhores acertos, são elas que florescem no desértico barco que cruza o infinito em busca da ilha desconhecida, a que habita em nós, os próprios sonhos, os próprios desejos, o próprio humano ser em processo de conhecimento contínuo. Somos o barco vagando no infinito, enfrentando as tempestades, mas também disfrutando da paleta de cores da vida, porque durante o percurso da viagem, o próprio barco se fez ilha conhecida, floresceu, deu frutos, se fez terra vistosa e à vista dos que nos acompanham na viagem, como no conto da “Ilha Desconhecida”, onde a caravela transformou-se numa “floresta que navega e se balanceia sobre as ondas, uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros, deviam estar escondidos por aí e de repente decidiram sair à luz, talvez porque a seara já esteja madura e é preciso ceifá-la.”. Tudo o que precisamos está dentro de nós, pois somos uma imensidão divina, ainda quando tudo for deserto, haverá o cacto e haverá a beleza da flor para colorir a imensidão nos tons de rosa:

Despedida de Poesilha (p.50)

Às vezes povoamos o deserto

Outras vezes, ele nos povoa.

Não sei exatamente porque essa imagem está em minha mente

Suspeito que há um deserto sondando

                     a existência e imprimindo sua marca.

Mas o rastro não se apagará quando dançar ao sabor do

vento,

porque o vento também, meu amigo,

                    habita o deserto e passa por ele, assim

                    como a chuva e o sol.

Só tenho certeza de uma coisa:

O sol, a chuva e o vento que passam por este deserto

Têm a certeza secular de que marcas impressas,

                     ainda que estejam sob a força da

                     natureza, permanecem.

Por isso, não nos esquecemos jamais de quem amamos

Nenhuma distância é suficiente para apagá-la de nossa vida.

O tempo é testemunha,

Mais do que remédio, ele nos lapida a alma.

Poucas pessoas deixam marcas tão enraizadas.

                       Pouquíssimas deixam rastros indeléveis.

 A natureza que cumpre seu ciclo.

O rastro,

O raso,

O profundo.

Tudo é deserto agora,

Mas no deserto também floresce o cacto

E entre seus espinhos

                     a flor delicada colore a imensidão de rosa.

__________________

Para adquirir o livro Poesilha basta entrar em contato com a autora através de suas redes sociais ou pelo email dalvalobo48@gmail.com 

LOBO, Dalva. Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano. Juiz de Fora (MG): Editora Siano, 2022.

♡__________________◇_________________♤_________________♧__________________♡

Arquivo da autora
Dalva Lobo, doutora em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Pós-Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tem poemas publicados na Coletânea Enluaradas II Uma Ciranda de Deusas; na Revista Literária "Travessias Literárias, no Facebook; no blog 'Feminário Conexões' e no 'Banzeiro Conexões'. Participou do canal N'outras Palavras (Youtube) com seus poemas e prosas poéticas e do I FLENLUA- Festival literário. Autora da obra "Catatau: dos labirintos da linguagem à criação de ambiências sonoras", é membro da Academia Lavrense de Letras (Lavras-MG). A paulistana, que reside atualmente em Lavras-MG, leciona na Universidade Federal de Lavras (UFLA) onde coordena o Grupo de Pesquisa Intersignos (Literatura, Linguagem, Tradução Intersemiótica e Formação Docente). É membro do GEP Teoria Crítica e Educação (UFSCar/UFLA), e sua pesquisa visa ao diálogo entre a literatura, as poéticas da linguagem e as performances de leitura. 


sexta-feira, 9 de maio de 2025

ENTRE LINHAS E CORDAS, LIVRO DE VALÉRIA PISAURO

UM CORAÇÃO EM SOL MAIOR  (Por Marta Cortezão)

Palavra cantada é palavra voando.

{James Joyce}

Arquivo da autora
Entre linhas e cordas, de Valéria Pisauro, revela um caminho estreito que aproxima palavra e som e dá asas a inúmeras imagens poéticas, comparações e metáforas. Nestas linhas e cordas, de Valéria Pisauro, a poesia está contaminada de musicalidade. De um lado, a poesia e sua natureza verbal; do outro, a música com sua natureza sonora. Duas artes distintas, de caráter único e contraditório, mas completamente correlatas. Uma relação que surge desde a própria origem cantada da poesia e que se amplia nas cantigas poéticas e melodiosas de trovadores ou menestréis para nos legar as canções populares e seguir, cada uma, seu caminho, suscitando acaloradas e recentes discussões entre poesia e música na contemporaneidade. Entretanto, em Entre linhas e cordas, esta relação expõe um sem-fim de possíveis aproximações entre palavra e música, ainda que na contramão (p. 21) de “um violão sem cordas, reverso do verso, / Coroa e cara em inversão”, porque assim como o paradoxo vocábulo-som, “somos guerra e flor, / Acordes de silêncio, / Rima sem poesia, / Refrão sem música”.

Arquivo da autora
Ler Pisauro é dedilhar as cinco linhas de um pentagrama e sentir o calor vibrante de uma clave de sol; é percorrer as palavras, os meandros de seus versos, sussurrando o princípio-fim de um ruído para saborear tons e semitons de suas metáforas ascendentes ou descendentes; é glosar o mote de um humano coração em Sol Maior, em uma sequência completa de todas as notas para perceber, de ouvido, a (des)afinação das cordas que movimentam o mundo:

“Meu canto é poema, é seca, é fome

Estancado nos olhos dos homens, dos homens!” (Bate Tambor, p. 40)

 

“Não risca o risco da hipocrisia.

No meio da praça, no inteiro da raça,

Nas ruas, nos guetos, nas chacinas,

Marginais no anonimato dos jornais.” (Cruz, p. 59)

 

“E nos fios, corais de pássaros

Regem a aresta do cotidiano

Sonhos em Sol Maior

O silêncio é outro engano.” (Aresta, p. 108)

 

“Quero o teu beijo cifrado (...)

Amor bemol e sustenido,

Com o arco e o violino,

Com todos talvez e então...

Acorde sonante,

Que afina minha canção.” (Afinação, p. 116)

 

“No banco do jardim público

Raiz de pedra

Há na luz uma cor amarga

De quem vive às margens

Entre escombros da cegueira

Sob os pés de quem passa.” (Jardim, p. 149)


Arquivo da autora
Nesse compasso Entre linhas e cordas, também se percebe a presença de uma poeta admiradora e conhecedora da cultura brasileira. Não é à toa que o primeiro poema que abre o livro é Antropomorfose Brasileira (p. 17)! Nele, a voz lírica passeia pelo Brasil cultural, literário, musical e poético. O Brasil que abraça e acolhe a sua rica diversidade, é o Brasil ideal que se harmoniza em suas diferenças feito som e palavra:

“De Macunaíma sou cria,

Antropofagia, Abaporu,

Bicho-do-mato, tupiniquim,

Grão da massa, Jeca Tatu.

Dom Quixote brasileiro,

Poeta louco, botequim.

(...)

Não ouvi o cantar do sabiá.

As pedras do meu caminho,

Deixei pela estrada, aprendi apreciar,

Deixei tudo a Deus dará, oxalá!”.

Arquivo da autora
Ser cria de Macunaíma –personagem anti-herói, criado por Mário de Andrade–, vai além do significado histórico-literário-cultural e alcança um outro de grande valia, que se reconhece e se encontra no elo perdido de suas raízes ancestrais. Assim como Macunaíma, a voz lírica, no poema Muiraquitã (p.64) de forte estribilho, parte em busca do amuleto extraviado, que, aqui, representa o legado-manifesto de um Matriarcado Pindorama de mulheres guerreiras, as Icamiabas:

“No espelho da lua cheia,

Penitentes castas arqueiras,

Desciam de Iaci-Taperê,

Com mil flechas certeiras.

Purificação a noite inteira,

Que do ventre da terra sorri,

São amazonas guerreiras,

Cantos de carícias plenas,  

Da guerreira nação Tupi.

São amazonas guerreiras,

Cantos de carícias plenas,

Da guerreira nação Tupi.”       

Arquivo da autora

E de uma Pauliceia Tupiniquim (p. 131) da contemporaneidade se pode ouvir o canto lamentoso de uma “Cidade-Mãe, de braços de concreto”, prestes a ser devorada pelo neoliberalismo dominante e nefasto e que agoniza nas mazelas sociais, essa “fumaça que embaça o amanhã”: “Madrasta que abraça toda raça, / Herança que não muda de mãos. / Cidade-realidade, sonho de diversidade, / Disneylândia periférica, favelas alçadas / Cassetetes, Cracolândia, Anhangabaú / E os meninos passeiam seminus pelas calçadas.”. Em contrapartida há as Manhãs de Minas (p. 127) que “Despertam o aroma, a melodia”. Uma Minas Gerais da infância da voz lírica, através da qual “a vida renasce todos os dias”. São as “Manhãs meninas, manhãs de Minas.”. 

A poética de Pisauro é uma sonata estradeira em versos que evidencia um Brasil profundo, marcado por um compasso particular, diverso e vertical, de temporalidades histórico-poéticas. Entre linhas e cordas é também convocação, compromisso humano, engajamento, solidariedade política entre mulheres, essência e amor necessários:

“Na esteira das grandes cheias

Ribeirinhas bailarinas cativeiras

Pele vermelha, mulher-sereia

A cantarolar nas beiras dos rios.

Filhas de velhas benzedeiras

Olha o azul sonha com o mar

Correnteza de oferendas

Nas águas de todo lugar.” (Rede de Rezas, p. 56)

 

“Dentro de mim liberdade

Tarsilas, Severinas, Marias

Cativas, sagradas e profanas (...)

Múltiplas que choram e riem

Ramos cortados que insistem em florir.” (Múltiplas, p. 77)

 

“Ela é mulher, é quem ela quer,

Ela dança com as ninfas,

 

Já teve família, sonhou menina,

Hoje, Maria de todos os dias,

Dos solitários, a companheira,

Dos abandonados, a alegria.

É novela e favela, é fantasia.

Na calçada é plateia, dama, meretriz,” (Quem Ela Quer, p. 87)

 

“Giram saias rendadas

No terreiro, na senzala

Lendas e causos em Iorubá

Sonhos antigos afogados” (África Distante, p. 198)

Findo este itinerário com a força da “palavra cantada” repousando no ninho que levo no peito, agora embevecido pelas relevantes pausas necessárias que fui amealhando pelo caminho. É tempo de um silêncio providencial para libertar a palavra da opressão de ser verbo, porque o poema também se cansa, está sem voz, sem melodia, Sem pauta (p. 191): “o poema está com fome, de vida, do homem, / Sem pauta vagueia distraído, / Marca passo das trincheiras, / Sem espaço em linhas vazias.”. A você que chegou agora, siga a dica de viagem, pois é sabido que a “poesia arde, salva uma vez mais”, portanto, Pisaurize-se!

A aquisição de livros é diretamente com a autora via redes sociais
Acompanhe a produção musical de Valéria Pisauro pelo Youtube e Spotify!
_____________________

PISAURO, Valéria. Entre linhas e cordas. Jundiaí (SP): Telucazu Ediçoes, 2023.

☆_____________________☆_____________________☆

Arquivo da autora
Valéria Pisauro nasceu em Campinas-SP, exerce intensa atividade cultural na literatura e na música, como professora, pesquisadora, palestrante, poeta, contista, cronista, roteirista e letrista musical. Graduada em Letras e em História da Arte, a escritora trafega com muita personalidade, versatilidade e desenvoltura por uma criaçao artística, que vem angariando críticas positivas, rendendo à poeta um lugar de destaque no cenário poético e musical brasileiro. o requinte de suas poesias/letras prima pela pluralidade de recursos, fruto de pesquisas, onde a variaçao de estilos traduz a força e a leveza de um trabalho sofisticadamente inovador, pendulando com naturalidade entre o rebuscamento e o coloquial. Participa de certames culturais, concursos literários e de reconhecidos festivais de música, tendo a felicidade de ter sido premiada em muitos deles.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

CHÃO ANCESTRAL, DE MARGARIDA MONTEJANO

 E L A   A C E N D E   O   M U N D O   C O M   A    V O Z

Por Marta Cortezão

Chão ancestral é o primeiro livro de poemas de Margarida Montejano, cujo título evoca profunda simbologia: a terra como esse chão sagrado que ordena o mundo vivo com seu caráter divino e sua função maternal, administrando o mistério vida-morte-vida. Uma Terra Sagrada que agoniza e definha nas mãos desumanas da cobiça pelo “líquido lucro/ extraído pelo bruto”; o bruto e histriônico ser humano que, acometido pela cegueira e selvageria do capital, interpreta, sob os holofotes do mundo, a clássica farsa de “estancar a hemorragia/ com cuspe e panos quentes” (p.19), enquanto a fome e a guerra assolam o mundo.

TERRA SAGRADA

estancar a hemorragia

dos corpos suados

da terra sagrada

das matas, dos rios

das rochas rachadas

 

estancar a hemorragia

dos olhos encharcados

das ruas inchadas

 


das águas sagradas

 

do líquido lucro

extraído pelo bruto

 

estancar a hemorragia

com cuspe e panos quentes


Através de uma linguagem aparentemente simples capaz de emocionar pela destreza, fluidez e amabilidade poéticas, este livro revela plurissignificativa união entre palavras e fotografias abocanhadas da realidade. E, nesse exercício de encaixe e desencaixe, vai construindo um fino diálogo com a estética do impacto, onde os contraditórios se chocam e as semelhanças ganham resistência para trazer à tona o despertar da necessária consciência, porque “Toda a nossa história é a mesma história. A história do chão” (p. 83). É urgente desvendar os olhos e sair “deste lugar/ onde te calaram”, nem que para isso seja necessário Nascer pela segunda vez, “nascer de novo, de novo e de novo/ Nascer pela segunda vez, mas agora/ do lado certo da história!” (p. 93).


Montejano conduz a voz lírica, serena, sábia e implacável da Deusa. Essa voz oracular inconfundível, que munida de conhecimento profundo sobre o desconcerto do mundo, traça um mar de versos catárticos onde a face da crua dor se vê refletida. Entretanto, temas tão profundos e universais como o amor e a esperança ganham espaço no cenário de Chão ancestral, eles surgem especialmente da herança deixada pelas bruxas às crias das bruxas contemporâneas: “temos em nós…/ a intuição constante/ (...) a magia para sobreviver/ …das bruxas// herdamos delas/ a matéria que não se esgarça// (...) o tecido da vida/ para curar a história// sarar os males/ combater o ódio/ o machismo insano/ as guerras por terras” (p. 57). Somos “um sonho/ da Deusa”, somos sim as crias das bruxas, mulheres grávidas de Consciência no “meio da insanidade/ dos homens”, mulheres que carregam “o futuro/ do mundo” (p. 31).

HERANÇA

desvendamos as linhas das mãos,

lemos o incerto nas fases da lua,

adivinhamos tempestades

para entender o amanhã

 

temos em nós...

a intuição constante,

o canto profundo,

a reza certeira,

as mãos benzedeiras

a magia para sobreviver

                         ...das bruxas

 

herdamos a matéria que não se esgarça

elas que tecem e cerzem o tecido da vida

 

para curar a história

saras os males,

combater o ódio,

o machismo insano,

as guerras por terras

 

bruxa-divina-escondida

o desejo insaciável

da Deusa-Mulher

 

CONSCIÊNCIA

somos um sonho

da Deusa

 

no meio da insanidade

dos homens

Margarida Montejano e Marta Cortezao/SP

E nas linhas do tempo do Agora ou nunca, a voz poética e generosa da autora se oferta em palavras para fazer o chamado:

“Estou aqui e te dou a minha vida, a minha história, os meus poemas. Te dou a minha palavra, a minha melhor fase, a minha face te dou. A crença nas estrelas, a esperança do sol, minha alegria, minha noite e o meu dia. Só não demora. O tempo, devora” (pág. 65).

Leitura do poema 'Canteiro' (p.81)

                                                               Leitura do poema 'Placenta' (p.35)

Para aquisição de exemplares, entre em contato com a própria autora via Facebook ou Instagram.

_____________________

MONTEJANO, Margarida. Chão Ancestral. Curitiba (PR): Editora TAUP, 2023.

☆_____________________☆_____________________☆

Arquivo da autora
Margarida Montejano, mora em Paulínia/SP. É Escritora, Poeta, Contista; Func. Pública na Secretaria Municipal de Educação de Campinas. Defensora ativa dos direitos da Mulher, sendo membra do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campinas; Coordenadora do Projeto Bem-Me-Quero: Empoderamento Feminino e Igualdade de Gênero e, Produtora do Canal Literário – N’outras Palavras –  histórias que inspiram, no Youtube. Autora dos livros "Fio de Prata" - Ed. Siano (2022); "Chão Ancestral", TAUP Editora (2023) e dos livros infanto juvenis "A Poeta e a Flor" e "A Poeta e a Sabiá", pela Editora Siano. (2024). @margaridamontejano.escritora


Feminário Conexões, o blog que conecta você!

VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07  MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS  POR Heliene Rosa Imagem Pinterest ...