sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

UM BREVE PASSEIO PELO II FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023

UM BREVE PASSEIO PELO II FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023

POR MARTA CORTEZÃO

Nos dias 13, 14 e 15 de janeiro de 2023, realizamos o II Festival Literário Enluaradas (FLENLUA), onde festejamos o lançamento da Coletânea Enluaradas III: I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida e que contou com a adesão de 106 autoras do Brasil e do exterior. O evento foi realizado pela plataforma Youtube, no canal Banzeiro Conexões.

Foram três dias muito intensos de muitas emoções, uma experiência incrível que contou com a participação de 74 autoras e 09 mesas temáticas:

Na mesa de ABERTURA, mediada pela poeta amazonense radicada na Espanha, Marta Cortezão. O tema escolhido foi “O corpo como resistência, rebeldia e historicidade social e política”, e contamos com a presença das seguintes autoras: Isa Corgosinho (PB), Maria Alice Bragança (RS), Cátia Castilho Simon (RS), Rita Alencar Clack (AM), Ana Maria Rocha Barroso (DF), Patrícia Cacau (CE), Carla de Sá Morais (CH), Marina Marino (SP), Margarida Montejano (SP) e Liana Timm (RS);

Na primeira mesa “Projeto Enluaradas: uma escrita de resistência”, a mediação foi da poeta Flavia Ferrari (SP). As autoras convidadas foram: Araceli Sobreira (RN), Sueli Salles (SP), Lucirene Façanha (CE), Adriana Bandeira (RS), Lilian Rocha (RS), Marina Neder Monteiro (SP), Magalhe Oliveira (RS) e Cíntia Colares (RS);

Na segunda mesa “O poema que nasce na pele e na alma”, teve a mediação da poeta Alyne Castro (CE). Contamos com as presenças das autoras: Amanda Pereira (GO), Dilma Barroso (RJ), Claudevalda Souza (SP), Karla Castro (MA), Elisa Lago (MA), Clara Athayde (RS), e presença especial da professora, pesquisadora e crítica literária Jocineide Maciel (MT);

Na terceira mesa “Enluaradas: a poética do abraço”, contamos com a mediação da poeta brasileira radicada na Alemanha Ale Heidenreich. As autoras que protagonizaram este encontro foram: Amana Assumpção (SP), Dani Espíndola (RS), Paula Anias (BA), Lindevania Martins (MA), Érica Foresti Pinto (MG), Cândida Carneiro (PA) e Elizabete Nascimento (MT);

Na quarta mesa “A caça às bruxas e o medo do poder das mulheres”, contou com a mediação da poeta Aline Leimo (CE). As autoras participantes foram: Tainá Vieira (AM), Fátima Mota (RN), Fátima Soares (PE), Zilda Dutra (CE), Rai Alburquerque (CE), Helena Terra (RS) e Lua Lopes (SP);

Na quinta mesa Lírica, ética e filosofia: o que grita a sua poesia?”, teve a mediação da escritora, professora e pesquisadora Heliene Rosa (MG). As autoras que participaram do diálogo foram: Malu Baumgartem (CA), TidaFeliz (MT), Heliana Barriga (PA), Jeane Bordignon (RS), Hydelvídia Cavalcante (AM), Manuela Lopes Dipp (RS) e Rita Queiroz (BA);

Na sexta mesa “Poesia hoje no Brasil: por quê? Para quê?”, com a mediação da poeta Lucila Bonina (AM). As autoras que estiveram no encontro foram: Verônica Oliveira de Sales (AM), Tânia Alves (BA), Cristiane de Mesquita Alves (PA), Lígia Savio (RS), Fátima de Sá Sarmento (PB) e Heloísa Helena Garcia (SP);

Na sétima mesa “Do silêncio à liberdade: as múltiplas vozes do Feminino Sagrado”. A mediação foi da escritora Carollina Costa (RJ) que fluiu boas energias na companhia das autoras: Eloísa Aragão (SP), Noemi Sales (PB), Frahm Torres (MA), Verônica Oliveira (CE), Simone S. Guimarães (SC), Janine Carvalho (DF) e Shirley Pinheiro (PR);

Na mesa de DESFECHO, mediada por Marta Cortezão (ES), contamos com as participações de Patrícia Cacau (CE), Tati Vidal (RJ), Rilnete Melo (MA), Maria do Carmo Silva (BA), Rozana Gastaldi Cominal (SP), Wilma Amâncio (AL), Teresa Cristina Bendini (SP), Sandra Santos (GER) e Valéria Pisauro (SP).

O evento teve uma boa repercussão nas redes sociais e recebeu muitos comentários positivos antes, durante e depois de sua realização. Os blogs Feminário Conexões (Espanha) e Tribuna do Recôncavo (BA) divulgaram a realização do evento. Neste segundo blog, a indicação foi da poeta Maria do Carmo Silva, a quem renovo meus agradecimentos. Agradecimentos também a todas as autoras que contribuiram para a realização do FLENLUA, especialmente às mediadoras Flavia Ferrari, Alyne Castro, Aline Leimo, Ale Heidenreich, Heliene Rosa, Carollina Costa e Lucila Bonina.

Ao final do evento, solicitei alguns textos das autoras participantes do II FLENLUA. Reproduzo, abaixo, alguns dos textos recebidos com sua respectiva autoria:

Lígia Savio
  “A poesia é uma necessidade vital do ser humano. Se nós perguntarmos por que poesia no Brasil hoje, relembro que acabamos de sair de um governo que enfaixou e facilitou o uso de armas. Contrapondo-se a isso, vejo a poesia hoje em nosso país como a “arma branca” que está sendo utilizada abundantemente, sobretudo pelas mulheres. Arma que transforma, restaura a vida e põe em cena, mais do que nunca, o feminino. O porte desta arma está liberada para todes. Maravilho-me com a diversidade que encontramos atualmente na poesia de autoria feminina. Cito aqui alguns nomes de poetas que têm marcado nossa época:

* Maria Angélica Freitas, que traz uma nova linguagem com seu livro Um útero é do tamanho de um punho;

* Mar Becker: trata da condição da mulher no Sul, em versos longos, numa dicção totalmente original em seu A mulher submersa;

* Adriane Garcia, poeta mineira, que, entre outras obras, revisita episódios bíblicos sob o ponto de vista da mulher em A bandeja de Salomé;

* Telma Scherer, dona de uma poesia crua, quase como um soco, às vezes, numa linguagem surpreendente, nos livros Depois da água e Squirt.

* Líria Porto, com poemas de tom satírico, irônico e picante;

* Raquel Gaio, poesia de imagens fortes, de tom surrealista;

* Maria Alice Bragança, com sua poesia despojada e irônica;

* Lilian Rocha: contundente poesia de tom antirracista.”

(Por Lígia Savio- “Poesia no Brasil hoje: por que? para quê?”- MESA 6)

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Valéria Pisauro
  “Salve, queridas poetas e as pessoas que estão acompanhando nossa live!

 Peço licença para chamá-las por: queridas parceiras, pois todo esse processo foi feito com parcerias e sem a colaboração de todas, não estaríamos aqui, afinal, trata-se de um coletivo.

 Aproveito esse espaço para convidá-las a viajarmos juntas sobre a nossa trajetória como ENLUARADAS e para tanto, sintetizo a nossa travessia em três fases. São elas: O AUTOCONHECIMENTO, O COLETIVO E A ANCESTRALIDADE.  

  Na primeira fase, voamos à lua em busca de APRENDIZAGEM e AUTOCONHECIMENTO.

Considero essa fase como um rito de passagem, uma espécie de emancipação. Antes, éramos sementes buscando um solo fértil, mulheres apagadas, para depois, adquirirmos brilho e tornamo-nos, ENLUARADAS.

Rompemos as algemas que durante muito tempo foram impostas a nós, deixamos de lado nossas incertezas; medo de julgamentos; vergonha de expor nossos textos, nossa intimidade e até medo de fracassar.  

Nessa fase, no entanto, conquistamos autoestima, coragem, desfizermos os nós e soltamos nossa voz!

Na segunda fase, já fortalecidas, confiantes, descemos à terra e nossa semente germinou. Tornamo-nos uma bela árvore frondosa, cheia de galhos que simboliza a nossa diversidade, o nosso coletivo.

Demos as mãos e fizemos uma grande CIRANDA, e de forma circular, alegoria do infinito e dos iguais, comemoramos a nossa força e união.

Ninguém soltou a mão de ninguém, ao contrário, nossa ciranda sempre esteve aberta para agregar, receber, abraçar e compartilhar.

Agora, em nossa terceira fase, construímos um caldeirão, libertamos a bruxa que estava adormecida dentro de nós e, novamente voamos, agora, mais alto e em revoada, prontas para queimar todo tipo de preconceitos e eliminar as ervas daninhas. E, estamos colhendo nossos frutos! 

É incrível como o símbolo do círculo acompanha nossas coletâneas como sinal de igualdade e plenitude, além de estar relacionado diretamente à alma, à divindade e à ancestralidade.

Este caldeirão adquiriu um caráter de transformação, sem medida. Foram tantos depoimentos marcantes e confessionais, que emocionaram a todas.

Nossas asas ou vassouras como preferirem, deram um “basta” ao grito contido. Agora, ele é um grito libertário, de luta, de direito e ninguém irá mais nos deter! Não há mais amarras. Vencemos o medo! Falamos sobre a dor, a depressão, o filho adolescente, a negritude, o racismo, a morte, a solidão, o sertão, entre tantos outros relatos. 

Hoje somos malditas, benditas, queridas, santas, profanas, metaforizadas em bruxas! Bruxas que representam o princípio do eterno feminino – o ventre de toda criação.

É um momento histórico! Estabelecemos um campo demarcado sem fronteiras e de resistência. Nossa arma é a poesia e ninguém irá nos calar!

E, tudo isso devemos às nossas queridas Patrícia Cacau e Marta Cortezão, que souberam mexer com tanta maestria esse caldeirão.

Agora, estamos todas misturadas; uma entre muitas repartidas, singular em seu plural.

A fumaça que sai desse caldeirão emana a nossa luz, a nossa inspiração, somos todas ENLUARADAS, BRUXAS, dentro de uma CIRANDA.

Esse desfecho, portanto, não se trata de um final, mas, o início de um novo ciclo, pois esse caldeirão nunca será tampado, descartamos a tampa no passado, estamos livres e prontas!

Somos troncos, raízes, folhas, frutos, que embora tentam cortar, insistimos em florir!

Para concluir, segundo a SAGRADA TRADIÇÃO, a Deusa tríplice apresenta os mistérios mais profundos do feminino em três faces:

1. A VIRGEM – a semente que fomos em ENLUARADAS.

2. A MÃE/AMANTE – a árvores forte e frondosa que tornamos na CIRANDA DAS DEUSAS

3. A ANCIÃ – a bruxa, a sábia, a maturidade, que estamos colhendo no I TOMO DAS BRUXAS.”

(Valéria Pisauro- DESFECHO - 15/01/2023)

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Rilnete Melo
  “Boa noite a todas, todos e todes que nos prestigiam. Obrigada queridas Marta e Cacau por me acolherem na fórmula mágica desse caldeirão fervente de literatura e pulsante de falas enfeitiçadoras. Nesse desfecho o que eu posso relatar é que no decorrer das lives, das mesas do FLENLUA e dessa tríade literária, eu pude perceber que nós mulheres, bruxas que somos, estamos conseguindo acelerar nossas vassouras em muitas direções estamos conseguindo quebrar tabus, ultrapassar fronteiras, quebrar barreiras, desmistificar e ressignificar muitos discursos, embora ainda sejamos caçadas e literalmente queimadas por nossos algozes: esse patriarcado maldito!

Queridas companheiras! A fogueira ainda queima, embora em outros moldes, como é o caso gritante do número de feminicídios, da misoginia exorbitante e outras perseguições às mulheres, mas eu ainda acredito que de mãos dadas nós seremos capazes de criar ferramentas para combater essas opressões e conquistarmos cada vez mais o nosso espaço. E é aqui e agora, é com a literatura, é com os movimentos femininos, é com a oportunidade que nos trazem esses coletivos literários, para que possamos dar mais vida e luz ao feminino sagrado. Eu já consigo ver algum sinal, através da representatividade e da oportunidade dada às mulheres, negras, indígenas, artistas, ativistas e muitas outras ocupando altos cargos públicos, enchendo nosso ego de sentimento democrático.  Eu só tenho a agradecer a todas as companheiras de jornada literária por essa sororidade, e ao Coletivo Enluaradas que muito vem fomentar o fortalecimento da nossa constante luta, por isso é necessário que ninguém solte a mão de ninguém.  Nós fomos queimadas, oprimidas e “achatadas” nesse desgoverno, mas não podemos mais nos calar, temos que dar um basta nisso e a nossa varinha mágica é a palavra, é o nosso fazer poético. Muito obrigada!

O poema “Ao viver dos meus dias” com o qual participei do “I Tomo das bruxas: do ventre à vida “, foi escrito na data do meu aniversário e traz a minha representatividade do ventre à vida.

AO VIVER DOS MEUS DIAS

 

Desbravar o mundo

eis meu primeiro ofício

 -  à Gaia

e a planta dos meus pés

 cravaram

o solo feminino

na dureza estereotipada

do caminho

 - Pisei flores e espinhos....

Abracei minhas bruxas e Marias

sem temeridade

  ao viver dos meus dias

 - conform(idade)

Minha alma carrega a leveza da infância

o sentido secreto da juventude

as escolhas insensatas ...

as decisões acertadas

a grandeza da maternidade

 - as vicissitudes

Trago o desígnio da palavra em punho

a levitar sobre meus demônios

à beira da minha mudez

que grita no papel

minha vida

ou a minha pequenez

diante da imensidão

do mundo”

(Rilnete Melo - DESFECHO- 15/01/2023)

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“... pela boca das mulheres renascerá a palavra viva e outra história se fará ouvida. Do ventre à vida, haveremos de ver a versão grandiosa do que fomos ontem,  do que somos hoje e do que seremos amanhã.”[i]


Margarida Montejano

 

Rozana Gastaldi Cominal
  Boa noite, Enluaradas. Alegria imensa estar com vocês.

Boa noite a todas, todes, todos que nos acompanham nesta noite no II FLENLUA que sintetiza a Tríade do Sagrado: uma lua toda nossa, a energia criadora da deusa e a natureza cíclica da bruxa regem nosso sensível e libertador universo feminino.

Para chegar ao ápice desta noite memorável, toda uma trajetória foi necessária para que eu assim como cada uma de nós pudéssemos protagonizar nossa escrita. E em cumplicidade aliviar nosso desassossego. Em retrospectiva, teço algumas considerações a partir do que sou, do que me constitui e do que está por vir. 

Sou Rozana Gastaldi Cominal, falo de Hortolândia-SP. Sou mulher que voa feita de eus-múltiplos que sustentam o corpo amoroso, político e periférico. Acredito na força dos coletivos e com eles faço voz. Porque acredito nessa nossa cruzada de amor/no combate à insensatez/ bate forte o tambor![ii]


ao som de cada manhã

rompem embalos vitais

vitória nossa de cada dia[iii]


Sou feita d-eus múltiplos[iv]

criatura ímpar, imperfeita, partida[v]

avessa a adeus

sou mulher que voa

que ciranda e canta: Fly me to the moon[vi]

na varanda ou

em voo cego por onde for


Sou eu a celebrar
sessenta rosas
com  poemas
pólen e jardim

Sexy a cada poda
pétalas carmim
espinhos aninhados
em versos afiados

Um brinde à poesia
que vive além de mim!

Se tantas são as adversidades que nos afastam do fazer poético, também a teimosia persevera e insiste: vá, ser poeta:

Poeta sou

sigo a voz que me chama

sigo o peito que inflama

removo o flanco[vii]

violeta e malagueta[viii]

apalpo as bússolas líquidas/ que norteiam a margem do rio/

e me convidam a fazer a travessia[ix]

 

Ao renascer

conecto-me com o universo ao redor

Outra vez em guarda e (or)ação

sobrevivente sou

vidas que esgarçam e entrelaçam[x] 

Tantas são as emoções  interrogações que vêm aos montes. Enquanto as soluções  exigem que nossos olhares se encontrem, que nossos pontos de vista se ajustem, que nossas essências se cruzem, quer saber? Espalhe o que quer receber.

Somos sementes/ que brotam/ ao sol[xi]

Somos potências que abrasam o mundo

expressamos liberdade e poder.

Poder pensar e saber. Poder amar e ser feliz

Poder gargalhar e contra as injustiças gritar.[xii]

Sim, queremos liberdade para existir, abraçar, valorizar nossos corpos amorosos políticos, periféricos. Poesia é antídoto para os  processos criativos da vida que dói , é oxigênio  em tempo rarefeito, é presença de afetos,  são ímpetos comunicativos para chegar  à outra, ao outro, a quem respira no planeta, quebrando tabus, fronteiras. Mãos dadas com nossa ancestralidade, “nunca mais um Brasil sem nós”,  como bem disseram, na posse em conjunto, as ministras  Sonia Guajajara e Anielle Franco, que nos representam entre outras vozes e marcam territórios que nos foram antes negados. Percorro caminhos e Castelos diversos, espaços conquistados com minha armadura: a palavra, o riso, apesar da zanga que espreita. Para que meu legado não se perca totalmente, deixo na lápide as minhas Memórias ancestrais.

Agradeço imensamente estar com vocês, Marta Cortezão, Patrícia Cacau, cujo apoio essencial nos fazem avançar. Agradeço às mediadoras das mesas anteriores  que enriqueceram o debate ao ouvir cada uma de nós. Agradeço ainda às Enluaradas que comigo partilham esta mesa e aquelas que nos assistem. Que noite, que desfecho! Só me resta declarar meu amor por vocês:

Amo-te, herói ou heroína, no anonimato,

mas na luta pela própria preservação

Somos legião demarcada pela resistência,

aqui, em mundos paralelos e multiversos  existimos!

Amo-te como amo a mim:

simples assim, a olho nu, em sinergia[xiii]

Por mais mulheres que escrevem! Viva a Enluaradas em movimento, viva as misteriosas deusas, viva as bruxas que somos e outras que nos habitam!

CASTELOS

(Rozana Gastaldi Cominal)


casTelos

de areia, de cartas, de reis e rainhas

casTelos

que divertem enquanto enfeitiçados

por entre labirintos, magias e lua cheia

cala-te, boca: o inimigo está de plantão

 

casTelos

com vultos de plasma,

com anões e gigantes, com teias de aranha

casTelos

que divertem enquanto  encantados

por entre espelhos, janelas e portas secretas

beija minha boca: o perigo é constante

 

casTelos

enquanto assombrados

assustam diante do calabouço

cuidado a placa não adverte o sopro do dragão

tampouco se ouve o eco das correntes

ou se vê a cilada dos fantasmas

apenas respiração boca a boca

sela o arcabouço

                                                             (Rozana Gastaldi Cominal - DESFECHO- 15/01/2023)

[i] Posfácio de Margarida Montejano em I Tomo das Bruxas: Do Ventre à Vida

[ii] Versos do Poema Tempo rarefeito, inédito

[iii] Poema Lutar, vozes do Coletivo TAUP – Tome Aí Um Poema, Setembro Amarelo

[iv] Verso do poema Fio condutor, na coletânea Cotidiano, Poesia e Resistência, organizada por mim, Margarida Montejano e Nirlei Maria Oliveira

v Versos do poema Criação, na coletânea Mulheres Maravilhosas vol.5: Elas Sambam, homenagem a Elza Soares

[vi]  Versos do poema Me leve para a Lua, na coletânea Enluaradas: Se essa lua fosse nossa

[vii]  Versos do poema Flâmula na coletânea Quarentena Poética

[viii]  Verso do poema Violeta & Malagueta no livro Mulheres que voam

[ix] Versos do poema Pé na estrada no livro Mulheres que voam

[x] Poema 7 da Ópera Imprecisa no livro Nascer pela segunda vez, Coletivo Scenarium

[xi]  Versos do poema Mentes brilhantes, Coletânea Sinergia, Bom dia com Literatura Feminina

[xii]  Versos do poema Mulheres vulcânicas, coletânea Mulheres Maravilhosas na Semana de Arte Moderna vol. 4

[xiii]  Poema em construção: Corpos amorosos, políticos e periféricos

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Marta Cortezão é escritora e poeta. Possui publicações em antologias nacionais e internacionais. Livros de poesia publicados: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), Zine “Aljavas para Cupido” (2022) e, no prelo, “meu silêncio lambe tua orelha” (Toma Aí Um Poema Editora, 2023). Colunista da Revista Literária Voo Livre. Idealizadora das Tertúlias Virtuais (Prêmio APPERJ/2021), do blog Feminário Conexões. @martacortezaopoeta


sábado, 4 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: KRENAK, O MENINO DOS BRAÇOS COMPRIDOS

 

PROCESSOS DE ESCRITA: KRENAK, O MENINO DOS BRAÇOS COMPRIDOS 

POR TERESA CRISTINA BENDINI

Meu oitavo Livro Infantil, "Krenak, o menino dos braços compridos", lançado em janeiro de 2022 pela editora Letra Selvagem, foi uma das muitas produções literárias espalhadas por todo o mundo, motivadas por uma catástrofe de dimensão incalculável: A Covid-19, que vitimou cerca de 700 mil brasileiros e outros tantos milhões pelo mundo.

Essas produções tornaram-se registros preciosos por falar de uma calamidade planetária. Contos, romances, poesias, crônicas e livros infantis como o meu, surgiram inspirados pela pandemia de Covid 19. Elas vão narrar os efeitos na pisquê humana, contando através dessa vasta produção, as mazelas causadas por ela  no mundo todo. Escrever esse texto foi como se eu me curasse, como se eu me libertasse do medo, da raiva contida, da desolação que me causou não poder ver meus filhos bem de perto, por não poder abraçá-los, senti-los fisicamente.  Enfim, senti que estava produzindo uma literatura para expressar a dor de uma humanidade inteira, toda ela vítima de uma doença desconhecida, que provavelmente só foi possível devido a um sistema econômico predatório, destruidor de biomas e ecossistemas. 

Krenak é um indiozinho, um curumim. Ele percebe que seus braços crescem, toda vez que tenta abraçar algo. Mas ele quer curar o mundo com seus abraços. Eu estava distante dos meus filhos, e sentia falta de abraçá-los. E essa dor não era somente a minha, era a de todas as mães, pais, parentes, amigos. Enfim, eu queria falar disso. Abraçar é uma experiência uterina, quando eu abraço meus filhos, é como se eu os devolvesse para o meu útero. Eu queria colocar todas as crianças nele, elas estavam assustadas, perdendo avós, tios, pais, irmãos. O útero é um local aconchegante. Eu quis inventar um lugar de calma, de utopia, de recomeço, de encantamento. Esse lugar era o abraço. Dessa constatação nasceu o texto. Mas também de uma questão importante: A questão ambiental. Ela me chegou através do pensamento de um ambientalista famoso. Ailton Krenak e seu livro "Ideias para adiar o fim do mundo". Um livro que eu considero crucial para se compreender a problemática ambiental do Brasil e do mundo. É uma leitura imperdível. Como estávamos isolados, o jeito foi se encher de livros, de música, de arte. Daquela que estava disponível. O livro de Ailton Krenak deu concretude ao meu. Seu pensamento cheio de argumentos, veio de encontro à minha sensação de indignação. Então o menino Krenak, é o próprio Ailton, que com seus bracinhos compridos, leva para o mundo sua mensagem curativa. O indiozinho também propõe no meu texto, um outro modelo de existência, já em andamento. Esse modelo se baseia na sabedoria indígena.

As ilustrações do livro são de Carolina Latorre

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Teresa Cristina Bendini é poeta, nascida em Taubaté, SP. Escreveu oito Livros Infantis e um de Poemas. Seu último Livro: "Krenak, o menino dos braços compridos", escrito durante a pandemia, faz alusão ao urgentíssimo texto: "Ideias para adiar o fim do mundo", do ambientalista e pensador indígena, Ailton Krenak.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

PROTAGONISMO FEMININO

PROTAGONISMO FEMININO|06 

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: A POETA INDÍGENA ELIANE POTIGUARA É PREMIADA COM O TÍTULO DE DOUTORA HONORIS CAUSA PELA UFRJ 


A poeta indígena Eliane Potiguara é Doutora Honoris Causa pela UFRJ No dia 22 de novembro de 2022, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concedeu o título de Doutora Honoris Causa a uma ex-aluna ilustre: a escritora indígena brasileira Eliane Potiguara. A autora nasceu em 1950, na cidade do Rio de Janeiro, no seio de uma família indígena desaldeada e cursou Letras na UFRJ, no início da década de 1970.

A literatura indígena contemporânea, compreendida como a produção literária dos intelectuais indígenas brasileiros na atualidade, vem se tornando bastante expressiva a partir das últimas décadas e tem na figura de Eliane Potiguara uma importante precursora. No contexto da produção literária da autora percebe-se uma escrita voltada para o universo feminino em que se destaca a afirmação das diferenças, em contraposição ao modelo hegemônico.

[foto do Facebook da autora]
A poeta desenvolve uma escrita que se impõe contra o silenciamento secular das subjetividades indígenas. A literatura de autoria indígena tem essa vantagem de apresentar conhecimentos não estigmatizados a respeito das culturas dos povos originários pois possibilita a expressão individual e coletiva dos próprios indígenas.

Na condição de intelectual orgânica – sua produção literária não se distingue de sua atuação de militante do Movimento Indígena, Potiguara promove, no conjunto de sua obra, uma série de rupturas em relação aos padrões clássicos de textualidade, de linguagem e de pressupostos, tanto teóricos quanto epistemológicos. As principais publicações de Eliane Potiguara são: A Terra é a Mãe do Índio (1989); Akajutibiró: terra do índio potiguara (1994); Metade Cara, Metade Máscara (2004); Sol do Pensamento (2005) e-book; O coco que guardava a noite (2012); O Pássaro Encantado (2014); A Cura da Terra (2015). Diversas antologias produzidas no Brasil e no exterior. Potiguara também costuma publicar textos em seu site, nas páginas, Instagram, perfis no Facebook, e em grupos que administra nos espaços virtuais.

[foto do Facebook da autora]

Esse reconhecimento vem como honraria para a intelectual que, em sua longa jornada no campo da escrita autoral, já enfrentou inúmeros desafios e foi, muitas vezes, silenciada, aviltada e até violentada em sua condição de mulher indígena que não se cala diante das injustiças e das incoerências. Seu livro Metade cara, metade máscara, referenciado pelo eminente escritor indígena Ailton Krenak como um livro totem, representa um libelo contra a opressão aos povos indígenas, sobretudo às mulheres indígenas.

Eliane Potiguara é uma autora que escreve com as suas ancestrais. A partir de um jogo polifônico, ela resgata as vozes das matriarcas indígenas. A escritora realça a importância da convivência com as mulheres de sua família, como a mãe, a avó e as tias-avós, para a sua formação como escritora. De acordo com ela, porque narravam suas histórias indígenas de forma mágica e envolvente. E a partir dessas narrativas, a poeta promove reflexões sobre os enfrentamentos das mulheres indígenas em trânsito, sua solidão e os preconceitos dos quais costumam ser vítimas. Dessa forma, seus escritos denunciam a violência, o racismo e a intolerância da sociedade.

Nos versos de seu poema: Fim de minha aldeia:

 

Tenho medo das coisas que falo

Que mais parecem profecias

De tudo mais que falei

Hoje estou tão só, triste e descontente

Perdi o meu amor

Perdi minha razão

Dói-me profundo

Profundamente meu coração.

Choro intranquila, sofro a desgraça

Vivo o desamor na solidão

E por onde passo

Há só lembranças, tristes lembranças

De uma aldeia acabada.

Eu tenho medo das coisas que falo

Que mais parecem profecias

Pois de tudo, tudo que falei

Hoje estou sofrida, amargurada

Perdi minha essência

Grito traída, canto a trapaça

Sou a própria tristeza

Transformei-me numa constante ameaça.

Agora não rio, não sonho

Não suporto mais nada

Uma dor aguda me sufoca, me maltrata

É a dor da saudade que me mata.

(POTIGUARA, 2018, p. 35).

[foto do Facebook da autora]

Os versos realçam a subjetividade das indígenas exiladas, como a avó da autora – Maria de Lourdes, forçada a deixar a aldeia no Nordeste, de forma violenta, após o desaparecimento do pai Chico Solon. De acordo com relatos da própria escritora, as matriarcas chegaram ao Rio de Janeiro em um navio que carregava imigrantes e enfrentaram inúmeras adversidades.

A cerimônia de outorga do título reverenciou também o poeta popular Carlos Assumpção, personalidade negra brasileira internacionalmente reconhecida. Em solenidade de grande força simbólica, a academia premiou, concomitantemente, uma escritora indígena e um escritor afrodescendente. Dois intelectuais considerados periféricos cujas produções movimentam discursos contra-hegemônicos.

Nessa linda cerimônia, foram ouvidos: o grito de uma guerreira indígena potiguara e um rufar de tambor acompanhado por calorosos protestos de um intelectual negro. A cena revela rupturas em relação ao pensamento abissal moderno. A literatura abre caminhos para a valorização dos saberes populares, dos escritos das mulheres, do povo preto e dos povos indígenas.

[foto do Facebook da autora]

A beleza dessa cena sugere a possibilidade de revitalização do cânone literário tradicional, a partir da apresentação de escritoras e escritores silenciados no interior do sistema literário brasileiro, como é o caso dos intelectuais indígenas e dos intelectuais negros e negras que tiveram suas participações negadas durante a constituição da historiografia literária. Que a literatura possa, cada vez mais, tocar a sensibilidade das pessoas para que superem preconceitos e ódio. Que a sociedade se torne, cada dia, mais harmônica e equilibrada sempre se pautando pelo respeito às diferenças e pela convivência pacífica entre os povos.

[foto do Facebook da autora]

Que a exemplo da escritora Eliane Potiguara, cada vez mais mulheres sejam reconhecidas, dentro e fora dos espaços institucionais, cada vez mais indígenas, negros e negras sejam reconhecidos e reconhecidas. E que a diferença não seja mais critério de exclusão, mas que possa ensinar o respeito pela diversidade.

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 Para ADQUIRIR as obras de Eliane Potiguara e conhecer mais sobre seu percurso literário, visite o site da autora AQUI.


Referência:

POTIGUARA, Eliane. Metade Cara, Metade Máscara. 3ª ed. Rio de janeiro: Grumin Edições, 2018.

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Heliene Rosa é poeta mineira, professora e pesquisadora das poéticas femininas. Escreve para o Blog Feminário Conexões e publica textos em antologias literárias nacionais e internacionais. Além da produção poética, tem publicações acadêmicas sobre a produção feminina na literatura e articula projetos e eventos de leitura literária.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

LETRAS ICAMIABAS: LANÇAMENTO DO LIVRO "JARDIM DOS SILÊNCIOS", DE SANDRA SANTOS

LETRAS ICAMIABAS|03 

LANÇAMENTO DO LIVRO "JARDIM DOS SILÊNCIOS"

POR SANDRA SANTOS

Lançar-se ao novo, por vezes é assustador, e envolve uma predisposição para encarar o desconhecido. A vida é recheada de escolhas e podemos aceitá-las ou não. Na nossa jornada, nos deparamos com desafios diários, coisas que nos chegam sem que as desejemos, e outras, que apesar de alguns obstáculos, são provenientes de nossos desejos, de nossos sonhos e configuram-se em lutas que almejamos, e para as quais nos preparamos.

Estudar e alavancar uma carreira, (principalmente para as mulheres da minha geração) significava uma verdadeira batalha, e apesar das guerras que travei, veladas ou não, nunca me fizeram desistir dos meus sonhos. Apenas, apenas os adiei.

Iniciei meu voo, e nesse percurso, encontrei esse grupo maravilhoso de mulheres, determinadas, sonhadoras e empreendedoras. Mulheres que cultivam a sororidade, o sorriso, o abraço, e que unidas, abrem caminhos em uma rede de apoio e afetividade. Junto a esse grupo, me senti acolhida, mais forte e capaz.

Lanço-me agora à divulgação de meu primeiro livro – “Jardim dos Silêncios” / gênero – poesia. Certa de que quero continuar a voar, hoje encaro a construção da minha carreira literária, sem amarras e com alegria. Almejo mais... Porque sim. Eu posso, e todas nós podemos.

Meu agradecimento especial ao coletivo Enluaradas por reafirmarem diariamente que estamos no caminho certo. Agradeço também a Nara Fontes por prefaciar a minha obra, e a Ozias Filho, pela imagem e a bela capa.

Agradeço imensamente a oportunidade de participar desse Coletivo, do espaço no Feminário Conexões, e por fazer parte na Antologia “I Tomo das Bruxas – Do Ventre à Vida”.

Livro: “Jardim dos Silêncios” - Editora Viseu (2023)

Disponível em formato físico e e-book – no site da editora Viseu, Amazon, Americanas, Magazine Luiza, Shoptime e submarino.

E-bookAmazon, Apple, Barnes & Noble (EUA), Google, Kobo, Livraria Cultura e Wook (Portugal).

LANÇAMENTO: livro JARDIM DOS SILÊNCIOS, de Sandra Santos

HORA: das 17h às 22h

ONDE: Patuscada - Espaço Cultural - Rua Luís Murat, nº 40 - Pinheiros (São Paulo capital).

Poema presente no livro...

Grito 

Embaixo da minha pele,

mora um grito.

Arranco-o em tacos de carne.

Embaixo da minha pele,

mora um bicho, eu o sinto.

Embaixo da minha pele,

mora um anjo de asa em riste.

Logro que não ouço o grito.

Alimento o bicho.

Observo o anjo,

finjo que não é nada além de um palpite.

No silêncio, o grito escapa,

fragmenta-se o maldito.

O bicho cresce.

O anjo se recolhe.

Eu existo.

 

Sandra Santos 

06/06/2022

Vídeo-Convite de Sandra Santos

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Sandra A. Santos é pedagoga com especialização em Educação Ambiental, ambientalista apaixonada pela natureza e pela vida em todas as suas formas. Hoje aposentada, dedica-se à literatura, escrevendo contos, romances e poesias que giram em torno do universo feminino. Com trabalhos publicados em antologias no Brasil e na Argentina.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

ENLUARADAS/II FLENLUA: O QUE GRITA A SUA POESIA?, POR HELIENE ROSA

LÍRICA, ÉTICA E FILOSOFIA: MULHER, O QUE GRITA A SUA POESIA? - II FLENLUA/2023 - MESA 5

POR HELIENE ROSA 

Heliene Rosa
Escritora, poeta, pesquisadora
A definição do tema: “Lírica, ética e filosofia: mulher, o que grita a sua poesia?”  para a quinta mesa do II Festival Literário Enluaradas – FLENLUA/2023 teve como motivação principal o desejo de conhecer a essência da escrita literária de cada poeta. Assim, cada autora foi estimulada a refletir sobre o seu fazer poético, no contexto de produção do último volume da trilogia do Coletivo Enluaradas: a coletânea I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida (2022).



Diante dessa provocação, a poeta Malu Baumgarten revelou que a sua poesia se consolida na complexidade de ser e de estar no mundo, sob a égide dos desafios e das incoerências humanas na modernidade tardia. A participação virtual da escritora, a partir do Canadá, aconteceu coincidentemente sob um frio intenso. Em relação à sua escrita, é possível perceber intenso lirismo apoiado em uma ética da solidariedade. Intimismo e emoção se aliam para a projeção de ideais que problematizam o que se convencionou chamar de humanidade, sob o prisma do capitalismo selvagem. Nesse contexto, a autora manifesta sua sensibilidade diante do que vê no mundo.  No cenário de seu poema: Carlton e a rua da igreja, declamado durante a live da feira literária, há uma mulher que dança seminua em uma das ruas geladas da cidade de Toronto. Enquanto isso, um homem caminha maltrapilho e sem sapatos, sob o ar gélido de oito graus centígrados. Ambos compõem um espetáculo fantasmagórico presenciado por passantes que se encolhem indiferentes na calçada. A lente de Malu Baumgarten flagra a displicência da sociedade diante da miséria e do caos psicológico presenciados na rua. Há, na semelhança com a temperatura ambiente, neve nos corações, na alma e nos olhos que olham sem ver a dor dos semelhantes. Em versos contundentes, desnuda-se a incoerência nas atitudes de gentlemen e ladies bem-nascidos, bem vestidos e bem nutridos que naturalizam as injustiças sociais pela falta de sensibilidade diante do infortúnio dos corpos que “dançam” na neve. A poesia de Malu Baumgarten grita contra a insensibilidade e os desacertos do mundo.


Com foco no poder que a escrita agrega à trajetória das mulheres intelectuais, Jeane Bordignon, poeta porto-alegrense, celebra a superação gradual do anonimato feminino na literatura quando realça a importância da assinatura das escritoras em suas produções. Ela reafirma o poder das lutas por visibilidade com a publicação de seu livro de poemas O Brado Carmesim (2014). O grito das mulheres, representado em sua escrita poética, revela a força e a sabedoria ancestrais trazidas pelo vento e materializadas no voo/dança das deusas, das fadas, das ciganas e das mulheres que bebem do sol e da chuva, em perfeita integração com os elementais. Em seus versos, a autora celebra a força que a escrita das mulheres reúne para vencer, muitas vezes com palavras até cortantes, a subalternidade feminina. O poema intitulado Cigana-Borboleta, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.49), evidencia o desejo/necessidade de liberdade das mulheres que rompem com alguns padrões comportamentais, se expressam de múltiplas formas e fogem das convenções, das amarras e dos estigmas sociais. A poesia de Jeane Bordignon grita poder feminino e liberdade.

A liberdade para o exercício do poder feminino por meio da escrita literária não descarta o sublime nem a metafísica. Nesse sentido, a poeta, terapeuta holística e astróloga, Astrid Schein Bender, a TidaFeliz expressa em sua escrita autoral uma conexão intensa com a natureza e reverbera a potência feminina da criação. Ela ressalta o caráter testemunhal de sua poesia a partir da materialização de questões idiossincráticas de sua trajetória como discípula da vida em constante aprendizado. O envolvimento com a terapêutica holística instrumentaliza o olhar dessa poeta a explorar aspectos que transcendem o real imediato e favorecem a abertura para novos aprendizados a partir das e para as artes poéticas. Nos versos de seu poema: Sob um Céu Encantado, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.190), ela aborda um segredo ancestral de manifestação do ser, em que sonho e revelação se oferecem como opções introspectivas na úmida verdade de um céu habitado por flores mágicas e coloridas. Na tessitura de seu poema, vicejam a alegria e o amor que hoje move a escrita das mulheres, das bruxas contemporâneas que se conectam com o sagrado feminino ancestral para revelar subjetividades, beleza e histórias. A poesia de TidaFeliz grita encantamento e magia.


Os desafios impostos à expressão das intelectuais e artistas da palavra ao longo do tempo movem a atuação de Heliana Barriga, poeta com 40 anos de dedicação à literatura. Ela é artista musical, Embaixadora das Infâncias e apresentadora do programa infantil A Arte de Ser Criança. Com sua escrita irreverente e combativa, ela burila a palavra viva na ludicidade poética da emoção de despertar para o novo a cada momento. Assim, vem se ocupando com a poesia das infâncias, estimulando a escrita entre as crianças nas escolas. A autora explora o caráter experimental da poesia e o non sense, vive a poesia no cotidiano como emoção. Ela é uma bruxa contemporânea que estreia o dia com poesia e alegria. Nos versos de seu poema: Dibruxa, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.41), Heliana Barriga interroga essas bruxas diante da materialidade do viver e ressalta a magia necessária às atividades que lhes são inerentes. Nesse exercício, a poeta desconstrói a rigidez da linguagem para alcançar inusitados sentidos, significados pertinentes ao universo versátil das feiticeiras pós-modernas. Ela reitera o elo perene das gerações e a força da ancestralidade que nutre os poderes femininos: “...bruxas novas sempre precisarão das bruxas antigas. As bruxas antigas é que têm as receitas antigas...”. A poeta conduz sua arte para o enfrentamento das questões pontuais pela valorização da cultura, do ensino e o combate às variadas formas de injustiça social. A poesia de Heliana Barriga grita teimosia e resistência.


A plurissignificação da palavra poética e a ambiguidade constitutiva da linguagem se materializam na escrita da poeta, pedagoga e ambientalista Sandra A. Santos. Ela situa a poesia no âmbito da provocação e do acalento, ao ressaltar o caráter comunicativo e a potência do dizer nas entrelinhas que reverbera em cada verso, que – no contexto de sua produção  se transforma em força para as lutas da existência. A arte da escrita poética pulsa em suas veias como um legado parental, ela revela ter tido pai poeta. Assim, seus versos transitam de um lirismo delicado onde borboletas batem asas e beijam flores até a ética das lutas contra todos os tipos de abuso.  A assertividade de sua poesia lembra que somos seres desejantes e, por essa razão, também seres de poder. Essa dinâmica instaura e materializa as batalhas cotidianas contra a palavra vazia. Nos versos de seu poema: Revolução, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.176), há uma voz lírica exaurida que faz o verbo ecoar no protagonismo da palavra poética. Persistente, essa voz revela sua estratégia: “Só sei lutar com verso”.  A poesia de Sandra A. Santos grita lirismo e revolução.


Os movimentos cíclicos que aproximam os corpos femininos ao corpo da Mãe Terra estabelecem uma identidade de poder para as mulheres que não escapa à produção autoral da poeta Hydelvídia Cavalcante, de Manaus/AM. Ela é professora doutora em Linguística e desenvolve projetos voltados para o falar amazonense. Na expressão lírica da sua poesia, percebe-se o grito pela ética que eleva as vozes femininas nos saberes e poderes necessários à ascensão dessas poéticas e à elevação da estima das mulheres. Nos versos de seu poema: Berço Orgânico da Vida, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.67), a autora aciona a força do sagrado feminino na criação humana ao reverenciar a figura da mulher em sua justa posição de portal para a terceira dimensão. Reafirmar essa verdade objetiva também é estabelecer uma ética do conhecimento a despeito de quaisquer vinculações filosóficas que intentem sugerir ou legitimar a negação do poder das mulheres na criação, na nutrição e na manutenção da vida. Nas palavras dela: “A natureza anatômica do ser humano mulher / traz em seu cerne a dadivosa iniciação da vida...”. A poesia de Hydelvídia Cavalcante grita amor e feminilidade.

Os desdobramentos da aventura feminina pelos caminhos da escrita autoral vêm revelando que não basta competência intelectual para se sobressair nesse universo. São necessárias diversas estratégias, às quais a poeta Manuela Lopes Dipp se refere, de forma paradoxal. Ela lembra o poder e o perigo da literatura ao reafirmar a seriedade da escrita e requisitar para as mulheres escritoras o direito ao status de profissionais das Letras, com todos os reconhecimentos devidos e merecidos. Ela reafirma, enfaticamente, o labor da escrita e o caráter revolucionário desse ofício. Natural de Porto Alegre/RS e formada em Direito, Manuela Lopes Dipp declara não ser uma profissional do Direito que escreve, mas uma escritora que, entre outras atribuições, atua nessa área. A autora lembra ser indispensável estimular as novas gerações de mulheres para que lutem por esse reconhecimento para a profissão de escritora. Seu poema: Feitiço, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.116), faz referência ao silenciamento secular das mulheres e às estratégias para manutenção da subalternidade feminina na contemporaneidade. Reposiciona o papel das lutas femininas em favor da extinção das fogueiras  em suas diversas formas e variadas manifestações – para que sejam banidas juntamente com práticas da opressão feminina que são continuamente perpetuadas e naturalizadas nas sociedades machistas. A poesia de Manuela Lopes Dipp grita respeito e reconhecimento.


A síntese das discussões propostas nesse encontro de mulheres escritoras é anunciada pela poética de Rita Queiroz. A poeta da capital baiana também é professora doutora em Filologia com extensa produção literária e competência reconhecida no campo da escrita autoral. Os versos de seu poema: Fervedouro de Sementes, presente na coletânea I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (2022, p.155) resgatam quimeras primitivas, sonhos gestados nos ventres das primeiras bruxas e a força ancestral que vem da alquimia e do gozo. Desejos forjados nas lutas por transformações empreendidas por mulheres em diferentes lugares e tempos: “Na pluralidade de eras...”. Sementes deixadas por bruxas antigas e contemporâneas, deixadas por todas nós que; “Fabricamos o mundo, o tempo, o infinito”. Sua poética resgata a força motriz da ancestralidade no universo das autoras da trilogia, as bruxas contemporâneas que elevam suas vozes na segurança do poder e do conhecimento ancestral: o sagrado feminino que pulsa em cada ventre. A poesia de Rita Queiroz grita vida e plenitude!


A mediação desse potente encontro feminino suscitou reflexões importantes para a minha trajetória como pesquisadora das poéticas femininas. Quando defendi a minha tese de doutorado sobre as poéticas das mulheres indígenas há dois anos, comecei a me interessar por temas que permeiam a escrita das mulheres e, principalmente, por temas que as motivam a escrever e a publicar. Assim, recebo essas provocações como estímulo para a minha constante investigação sobre o tema e também como um grande impulso para a minha produção autoral.

Agradeço às escritoras Patricia Cacau e Marta Cortezão que são as idealizadoras desse importante projeto, pela oportunidade de partilhar desse momento histórico na produção literária brasileira de autoria feminina coletiva. O registro dessas atividades é imprescindível para a historiografia da literatura brasileira, sobretudo no seguimento da produção das mulheres, historicamente apagada pelos cânones tradicionais.

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Heliene Rosa é poeta mineira, professora e pesquisadora das poéticas femininas. Escreve para o Blog Feminário Conexões e publica textos em antologias literárias nacionais e internacionais. Além da produção poética, tem publicações acadêmicas sobre a produção feminina na literatura e articula projetos e eventos de leitura literária.

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