UM BREVE PASSEIO PELO II FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023
POR MARTA CORTEZÃO
Nos dias 13, 14 e 15 de janeiro de 2023, realizamos o
II Festival Literário Enluaradas (FLENLUA), onde festejamos o lançamento da
Coletânea Enluaradas III: I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida e que contou com a adesão
de 106 autoras do Brasil e do exterior. O evento foi realizado pela plataforma Youtube,
no canal Banzeiro Conexões.
Foram três dias muito intensos de muitas emoções, uma
experiência incrível que contou com a participação de 74 autoras e 09 mesas
temáticas:
O evento teve uma boa repercussão nas redes sociais e
recebeu muitos comentários positivos antes, durante e depois de sua realização. Os blogs Feminário Conexões (Espanha) e Tribuna do Recôncavo (BA) divulgaram a realização
do evento. Neste segundo blog, a indicação foi da poeta Maria do Carmo Silva, a
quem renovo meus agradecimentos. Agradecimentos também a todas as autoras que contribuiram para a realização do FLENLUA, especialmente às mediadoras Flavia Ferrari, Alyne Castro, Aline Leimo, Ale Heidenreich, Heliene Rosa, Carollina Costa e Lucila Bonina.
Ao final do evento, solicitei alguns textos das autoras participantes do II FLENLUA. Reproduzo, abaixo, alguns dos textos recebidos com sua respectiva autoria:
Lígia Savio |
* Maria
Angélica Freitas, que traz uma nova linguagem com seu livro Um útero é do
tamanho de um punho;
* Mar
Becker: trata da condição da mulher no Sul, em versos longos, numa dicção
totalmente original em seu A mulher submersa;
* Adriane
Garcia, poeta mineira, que, entre outras obras, revisita episódios bíblicos sob
o ponto de vista da mulher em A bandeja de Salomé;
* Telma
Scherer, dona de uma poesia crua, quase como um soco, às vezes, numa linguagem
surpreendente, nos livros Depois da água e Squirt.
* Líria
Porto, com poemas de tom satírico, irônico e picante;
* Raquel
Gaio, poesia de imagens fortes, de tom surrealista;
* Maria
Alice Bragança, com sua poesia despojada e irônica;
* Lilian
Rocha: contundente poesia de tom antirracista.”
(Por Lígia Savio- “Poesia no Brasil hoje: por
que? para quê?”- MESA 6)
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Valéria Pisauro |
Peço licença para chamá-las por: queridas parceiras, pois todo esse processo foi
feito com parcerias e sem a colaboração de todas, não estaríamos aqui, afinal,
trata-se de um coletivo.
Aproveito esse espaço para convidá-las a viajarmos
juntas sobre a nossa trajetória como ENLUARADAS e para tanto, sintetizo a nossa
travessia em três fases. São elas: O AUTOCONHECIMENTO, O COLETIVO E A
ANCESTRALIDADE.
Na primeira fase, voamos à lua em busca de
APRENDIZAGEM e AUTOCONHECIMENTO.
Considero essa fase como um rito de passagem, uma
espécie de emancipação. Antes, éramos sementes buscando um solo fértil,
mulheres apagadas, para depois, adquirirmos
brilho e tornamo-nos, ENLUARADAS.
Rompemos as algemas que durante muito tempo foram
impostas a nós, deixamos de lado nossas incertezas; medo de julgamentos;
vergonha de expor nossos textos, nossa intimidade e até medo de fracassar.
Nessa fase, no entanto, conquistamos autoestima,
coragem, desfizermos os nós e soltamos nossa voz!
Na segunda fase, já fortalecidas, confiantes, descemos
à terra e nossa semente germinou. Tornamo-nos uma bela árvore frondosa, cheia
de galhos que simboliza a nossa diversidade, o nosso coletivo.
Demos as mãos e fizemos uma grande CIRANDA, e de forma
circular, alegoria do infinito e dos iguais, comemoramos a nossa força e união.
Ninguém soltou a mão de ninguém, ao contrário, nossa
ciranda sempre esteve aberta para agregar, receber, abraçar e compartilhar.
Agora, em nossa terceira fase, construímos um
caldeirão, libertamos a bruxa que estava adormecida dentro de nós e, novamente
voamos, agora, mais alto e em revoada, prontas para queimar todo tipo de
preconceitos e eliminar as ervas daninhas. E, estamos colhendo nossos
frutos!
É incrível como o símbolo do círculo acompanha nossas
coletâneas como sinal de igualdade e plenitude, além de estar relacionado
diretamente à alma, à divindade e à ancestralidade.
Este caldeirão adquiriu um caráter de transformação,
sem medida. Foram tantos depoimentos marcantes e confessionais, que emocionaram
a todas.
Nossas asas ou vassouras como preferirem, deram um
“basta” ao grito contido. Agora, ele é um grito libertário, de luta, de direito
e ninguém irá mais nos deter! Não há mais amarras. Vencemos o medo! Falamos
sobre a dor, a depressão, o filho adolescente, a negritude, o racismo, a morte,
a solidão, o sertão, entre tantos outros relatos.
Hoje somos malditas, benditas, queridas, santas,
profanas, metaforizadas em bruxas! Bruxas que representam o princípio do eterno
feminino – o ventre de toda criação.
É um momento histórico! Estabelecemos um campo
demarcado sem fronteiras e de resistência. Nossa arma é a poesia e ninguém irá
nos calar!
E, tudo isso devemos às nossas queridas Patrícia Cacau e Marta Cortezão, que souberam mexer com tanta maestria esse caldeirão.
Agora, estamos todas misturadas; uma entre muitas
repartidas, singular em seu plural.
A fumaça que sai desse caldeirão emana a nossa luz, a
nossa inspiração, somos todas ENLUARADAS, BRUXAS, dentro de uma CIRANDA.
Esse desfecho, portanto, não se trata de um final,
mas, o início de um novo ciclo, pois esse caldeirão nunca será tampado,
descartamos a tampa no passado, estamos livres e prontas!
Somos troncos, raízes, folhas, frutos, que embora
tentam cortar, insistimos em florir!
Para concluir, segundo a SAGRADA TRADIÇÃO, a Deusa tríplice
apresenta os mistérios mais profundos do feminino em três faces:
1. A VIRGEM – a semente que fomos em ENLUARADAS.
2. A MÃE/AMANTE – a árvores forte e frondosa que
tornamos na CIRANDA DAS DEUSAS
3. A ANCIÃ – a bruxa, a sábia, a maturidade, que
estamos colhendo no I TOMO DAS BRUXAS.”
(Valéria Pisauro- DESFECHO - 15/01/2023)
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Rilnete Melo |
Queridas companheiras! A fogueira ainda queima, embora
em outros moldes, como é o caso gritante do número de feminicídios, da
misoginia exorbitante e outras perseguições às mulheres, mas eu ainda acredito
que de mãos dadas nós seremos capazes de criar ferramentas para combater essas
opressões e conquistarmos cada vez mais o nosso espaço. E é aqui e agora, é com
a literatura, é com os movimentos femininos, é com a oportunidade que nos trazem
esses coletivos literários, para que possamos dar mais vida e luz ao feminino
sagrado. Eu já consigo ver algum sinal, através da representatividade e da
oportunidade dada às mulheres, negras, indígenas, artistas, ativistas e muitas
outras ocupando altos cargos públicos, enchendo nosso ego de sentimento
democrático. Eu só tenho a agradecer a
todas as companheiras de jornada literária por essa sororidade, e ao Coletivo Enluaradas
que muito vem fomentar o fortalecimento da nossa constante luta, por isso é
necessário que ninguém solte a mão de ninguém.
Nós fomos queimadas, oprimidas e “achatadas” nesse desgoverno, mas não
podemos mais nos calar, temos que dar um basta nisso e a nossa varinha mágica é
a palavra, é o nosso fazer poético. Muito obrigada!
O poema “Ao viver dos meus dias” com o qual participei do “I Tomo das bruxas: do ventre à vida “, foi escrito na data do meu aniversário e traz a minha representatividade do ventre à vida.
AO VIVER DOS MEUS DIAS
Desbravar o mundo
eis meu primeiro ofício
-
à Gaia
e a planta dos meus pés
cravaram
o solo feminino
na dureza estereotipada
do caminho
- Pisei flores e espinhos....
Abracei minhas bruxas e Marias
sem temeridade
ao viver dos meus dias
- conform(idade)
Minha alma carrega a leveza da infância
o sentido secreto da juventude
as escolhas insensatas ...
as decisões acertadas
a grandeza da maternidade
- as vicissitudes
Trago o desígnio da palavra em punho
a levitar sobre meus demônios
à beira da minha mudez
que grita no papel
minha vida
ou a minha pequenez
diante da imensidão
do mundo”
(Rilnete Melo - DESFECHO- 15/01/2023)
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“... pela boca das
mulheres renascerá a palavra viva e outra história se fará ouvida. Do ventre à
vida, haveremos de ver a versão grandiosa do que fomos ontem, do que somos hoje e do que seremos amanhã.”[i]
Margarida Montejano
Rozana Gastaldi Cominal
Boa noite, Enluaradas.
Alegria imensa estar com vocês.
Boa noite a todas, todes, todos que nos acompanham nesta noite no II FLENLUA que sintetiza a Tríade do Sagrado: uma lua toda nossa, a energia criadora da deusa e a natureza cíclica da bruxa regem nosso sensível e libertador universo feminino.
Para chegar ao ápice desta noite memorável, toda uma trajetória foi necessária para que eu assim como cada uma de nós pudéssemos protagonizar nossa escrita. E em cumplicidade aliviar nosso desassossego. Em retrospectiva, teço algumas considerações a partir do que sou, do que me constitui e do que está por vir.
Sou Rozana Gastaldi Cominal, falo de Hortolândia-SP. Sou mulher que voa feita de eus-múltiplos que sustentam o corpo amoroso, político e periférico. Acredito na força dos coletivos e com eles faço voz. Porque acredito nessa nossa cruzada de amor/no combate à insensatez/ bate forte o tambor![ii].
ao som de cada manhã
rompem embalos vitais
vitória nossa de cada dia[iii]
Sou feita d-eus múltiplos[iv]
criatura ímpar, imperfeita, partida[v]
avessa a adeus
sou mulher que voa
que ciranda e canta: Fly me to the
moon[vi]
na varanda ou
em voo cego por onde for
Sou eu a
celebrar
sessenta rosas
com poemas
pólen e jardim
Sexy a cada poda
pétalas carmim
espinhos aninhados
em versos afiados
Um brinde à poesia
que vive além de mim!
Se tantas são as adversidades que nos afastam do fazer poético, também a teimosia persevera e insiste: vá, ser poeta:
Poeta sou
sigo a voz que me chama
sigo o peito que inflama
removo o flanco[vii]
violeta e malagueta[viii]
apalpo as bússolas líquidas/ que norteiam a
margem do rio/
e me convidam a fazer a travessia[ix]
Ao renascer
conecto-me com o universo ao redor
Outra vez em guarda e (or)ação
sobrevivente sou
vidas que esgarçam e entrelaçam[x]
Tantas são as emoções interrogações que vêm aos montes. Enquanto as soluções exigem que nossos olhares se encontrem, que nossos pontos de vista se ajustem, que nossas essências se cruzem, quer saber? Espalhe o que quer receber.
Somos sementes/ que brotam/ ao sol[xi]
Somos potências que abrasam o mundo
expressamos liberdade e poder.
Poder pensar e saber. Poder amar e ser feliz
Poder gargalhar e contra as injustiças gritar.[xii]
Sim, queremos liberdade para existir, abraçar, valorizar nossos corpos amorosos políticos, periféricos. Poesia é antídoto para os processos criativos da vida que dói , é oxigênio em tempo rarefeito, é presença de afetos, são ímpetos comunicativos para chegar à outra, ao outro, a quem respira no planeta, quebrando tabus, fronteiras. Mãos dadas com nossa ancestralidade, “nunca mais um Brasil sem nós”, como bem disseram, na posse em conjunto, as ministras Sonia Guajajara e Anielle Franco, que nos representam entre outras vozes e marcam territórios que nos foram antes negados. Percorro caminhos e Castelos diversos, espaços conquistados com minha armadura: a palavra, o riso, apesar da zanga que espreita. Para que meu legado não se perca totalmente, deixo na lápide as minhas Memórias ancestrais.
Agradeço imensamente estar com vocês, Marta Cortezão, Patrícia Cacau, cujo apoio essencial nos fazem avançar. Agradeço às mediadoras das mesas anteriores que enriqueceram o debate ao ouvir cada uma de nós. Agradeço ainda às Enluaradas que comigo partilham esta mesa e aquelas que nos assistem. Que noite, que desfecho! Só me resta declarar meu amor por vocês:
Amo-te, herói ou heroína, no
anonimato,
mas na luta pela própria preservação
Somos legião demarcada pela
resistência,
aqui, em mundos paralelos e
multiversos existimos!
Amo-te como amo a mim:
simples assim, a olho nu, em sinergia[xiii]
Por mais mulheres que escrevem! Viva a Enluaradas em movimento, viva as misteriosas deusas, viva as bruxas que somos e outras que nos habitam!
CASTELOS
(Rozana Gastaldi Cominal)
casTelos
de areia, de cartas, de reis e rainhas
casTelos
que divertem enquanto enfeitiçados
por entre labirintos, magias e lua cheia
cala-te, boca: o inimigo está de plantão
casTelos
com vultos de plasma,
com anões e gigantes, com teias de aranha
casTelos
que divertem enquanto encantados
por entre espelhos, janelas e portas secretas
beija minha boca: o perigo é constante
casTelos
enquanto assombrados
assustam diante do calabouço
cuidado a placa não adverte o sopro do dragão
tampouco se ouve o eco das correntes
ou se vê a cilada dos fantasmas
apenas respiração boca a boca
sela o arcabouço
[i] Posfácio de Margarida
Montejano em I Tomo das Bruxas: Do Ventre à Vida
[ii] Versos do Poema Tempo rarefeito,
inédito
[iii] Poema Lutar,
vozes do Coletivo TAUP – Tome Aí Um Poema, Setembro Amarelo
[iv] Verso do poema Fio condutor,
na coletânea Cotidiano, Poesia e Resistência, organizada por mim,
Margarida Montejano e Nirlei Maria Oliveira
v
Versos do
poema Criação, na coletânea Mulheres Maravilhosas vol.5: Elas Sambam,
homenagem a Elza Soares
[vi] Versos do poema Me leve para a Lua, na coletânea Enluaradas: Se essa lua fosse nossa
[vii] Versos do poema Flâmula
na coletânea Quarentena Poética
[viii] Verso do poema Violeta
& Malagueta no livro Mulheres que voam
[ix] Versos do poema Pé na estrada no livro Mulheres que voam
[x] Poema
7 da Ópera Imprecisa no livro Nascer pela segunda vez, Coletivo
Scenarium
[xi] Versos do poema Mentes
brilhantes, Coletânea Sinergia, Bom dia com Literatura Feminina
[xii] Versos do poema Mulheres
vulcânicas, coletânea Mulheres Maravilhosas na Semana de Arte Moderna
vol. 4
[xiii] Poema em construção: Corpos amorosos, políticos e periféricos
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