sexta-feira, 20 de junho de 2025

VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07 
MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS 

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É inadiável recontar a história, dessa vez sob o ponto de vista das mulheres, para corrigir injustiças e distorções que alimentam e legitimam as mazelas do patriarcado. No livro O legado das mulheres na história do pensamento mundial (2022), as estudiosas Natasha Hennemann e Fabiana Lessa evidenciam o apagamento das mulheres na Filosofia. Nessa obra, as autoras trazem, em epígrafe, o depoimento da reconhecida mestra do Mosteiro de Rupertsberg em Bingen am Rhein, na Alemanha, Hildegarda de Bingen: “Nós não podemos viver em um mundo que seja para nós interpretado por outros. Um mundo assim concebido não representa esperança. Não devemos ter medo de recuperarmos a nossa própria audição, de usarmos a nossa própria voz e de vermos a nossa própria luz.” 

Contemporaneamente, a literatura vem se constituindo como instrumento dessa recuperação. Assim, mulheres determinadas a escrever uma outra história desenvolvem estratégias para reposicionar o mundo sob lentes femininas, trazendo luz para as histórias de mulheres que foram silenciadas, ao longo dos séculos, a partir de estratégias de disseminação e de perpetuação das ideias do patriarcalismo. Nesse aspecto, avulta-se o trabalho da cientista Lindamir Salete Casagrande, a escritora que também é professora. Tive a alegria de encontrar-me com ela, no último mês, na Feira Literária nas Escolas de Piçarras (FLEP), no litoral Norte de Santa Catarina. Essa pesquisadora desenvolveu estudo, envolvendo o protagonismo de mulheres na Ciência.

A referida autora publicou sete livros, na série intitulada Meninas, moças e mulheres que inspiram. No escopo de um interessante projeto, a partir do qual essa pós-doutora em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), - resgata biografias de mulheres que, de algum modo, contribuíram com o desenvolvimento das Ciências. Ela adaptou narrativas referentes a essas personalidades femininas, para o público infanto-juvenil, com o intuito de trazer à luz as trajetórias dessas mulheres notáveis, como a doutora Zilda Arns; a engenheira negra brasileira Enedina Marques; Bertha Lutz; Hedy Lamarr; Sophie Germain; Marie Curie e Hipátia de Alexandria, a astrônoma lendária. 

Ademais, na obra, Ervilhas Tortas (2020), um curioso conto rural nos remete ao universo de Lindinha, delicada menina que, aos oito anos de idade, recebeu do pai a impensável tarefa de cuidar (tomar conta) de um enorme touro reprodutor recém chegado à propriedade da família. O fato de a garota demonstrar competência para cuidar do animal impõe questionamentos a uma certa visão estereotipada, ainda predominante na sociedade, de que meninas talvez não sejam hábeis no domínio de tarefas consideradas complexas. De acordo com essa visão simplista, também não seriam capazes de cumprir com requisitos necessários para o desempenho de funções nas áreas tecnológicas ou que demandem habilidades no campo das ciências exatas. 

Em uma pesquisa realizada em nível de Doutorado, a autora buscou lançar luz sobre estereótipos dessa natureza. A partir dessa dinâmica, Lindamir publicou outro livro: Silenciadas e invisíveis: relações de gênero no cotidiano das aulas de Matemática (2017). Nele, se discutiu a relevância da pesquisa, conceituou-se gênero e questionou-se o papel da escola, como objeto de análise, detalhando as relações de gênero na Educação. Nessa conjuntura, a pesquisa se ocupou do(s) modo(s) como a escola define a forma de se perceber masculinidades e feminilidades. As conclusões reforçam o que já é amplamente reconhecido por nós, mulheres: o comportamento das meninas ainda é muito influenciado pelos estereótipos e pelo que elas acreditam que se espera delas socialmente. 

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Com o intuito de promover a superação desse estado de coisas, no âmbito da Filosofia, a obra Filósofas: o legado das mulheres na história do pensamento mundial vem fazer justiça a pensadoras como Diotima de Mantinea, Ban Zhao, Mary Wollstonecraft, Angela Davis e Lélia González, que ofereceram grandes contribuições para as questões feministas e para a história do pensamento geral. Assim, tanto as Ciências quanto a Literatura e outras artes têm se empenhado na tarefa urgente e necessária de retirar, do ostracismo, mulheres, cujos nomes jazem sob camadas e camadas de preconceito e de silenciamento. 


Arquivo pessoal de Lindamir S. Casagrande
Movida pelos mesmos princípios, Lindamir Salete Casagrande juntamente com outras intelectuais abraçaram a missão de resgatar mulheres – escritoras, cientistas, musicistas, esportistas, ativistas, entre outras que foram “esquecidas” no limbo da História oficial e dar o relevo que suas ideias, ações e legados merecem. Cada vez um número maior de mulheres tem utilizado a literatura como ferramenta de expressão e resistência, criando formas de reescrever o mundo a partir de perspectivas plurais, não só voltadas para as demandas e temáticas femininas, porque mulheres acolhem diversidades. 

Carolina Maria de Jesus - Pinterest
Armadas com os livros, produzimos um arsenal de narrativas que rompem silêncios impostos por estruturas opressoras e dão voz e visibilidade às experiências historicamente marginalizadas. A construção das nossas narrativas se dá na linguagem e pela linguagem, que é, ao mesmo tempo, o palco e a substância da disputa do poder. E, desse modo, vamos, paulatinamente, subvertendo o discurso de ódio que o patriarcado produz e engendrando a reativação do domínio das mulheres sobre o mundo. 



Se desejar conhecer mais detalhadamente a obra da escritora Lindamir Salete Casagrande, clique AQUI.

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Arquivo da autora
Heliene Rosa, natural de Patos de Minas, Minas Gerais, é uma escritora, professora e pesquisadora dedicada às poéticas femininas. Mestre em Linguística e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Heliene é uma voz ativa na militância pelas causas das mulheres e da negritude. Articulista no Blog Feminário Conexões e integrante de diversos coletivos femininos, fundou, em 2016, o GELIPLIT (Grupo de Estudos em Língua Portuguesa e Literaturas), com o propósito de promover a formação continuada de professores de Língua Portuguesa e Literatura.

Com uma carreira marcada pela coordenação de projetos literários e pedagógicos, Heliene foi premiada no Oitavo Concurso Nacional pela Igualdade de Gêneros com uma sequência didática voltada à escrita, envolvendo estudantes do Ensino Básico. É coautora em diversas coletâneas nacionais e internacionais e organizadora de antologias literárias e acadêmicas. Em sua produção autoral, destaca-se com os livros Enquanto as hortênsias florescem (2023) e Literatura é território: poéticas femininas indígenas em movimento (2024).

quinta-feira, 12 de junho de 2025

TORNAR-SE ESCRITORA, POR MYRIAM SCOTTI

AVE, CRÔNICA|07

T O R N A R - S E   E S C R I T O R A

Por Myriam Scotti

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Vez em quando, perguntam como me tornei escritora. Na verdade, penso que desde a infância, quando escrevia poeminhas e diários para dissipar minhas angústias, apenas demorei a me sentir pronta. No livro “Só garotos”, a artista Patti Smith escreve sobre quando ainda era apenas uma menina: “lembro que me senti confinada diante da ideia de que nascemos em um mundo onde tudo já foi mapeado pelos outros antes.” Assim como ela, eu mesma costumava questionar as razões de certos comportamentos serem os únicos aceitáveis, se quisesse, no futuro, ser uma mulher bem-sucedida-respeitada. Feito produto em série, os objetivos: estudar, casar, ter filhos e envelhecer, representava a curva da vida ideal, como se todas as mulheres desejassem as mesmas coisas para si.

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Os primeiros anos de casada e a gravidez do primeiro filho me arremessaram para a realidade crua de ser mulher, de ser a responsável pela casa, por gerar a vida, de ser quem renuncia a si mesma em prol do pequeno ser desconhecido, de ser quem ama o marido que se faz sempre ausente, como escreveu Roland Barthes em seus fragmentos, exatamente o que de mim restou depois de me tornar mãe e experimentar cores intensas, que até então nunca desconfiara existir. A solidão-companhia, a inveja de assistir ao parceiro seguir em frente, sem que tivesse sido afetado pela chegada do filho, o descompromisso, o individualismo, ele próprio: a reprodução de tudo o que prometera não ser. “Volto já” era a frase mais escutada, enquanto eu tentava me recompor.


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Então, a redescoberta da literatura, aconteceu por causa do vazio, bem como a escrita da prosa e da poesia. Por não encontrar à minha volta algo ou alguém para me identificar, para me compreender, busquei nos livros as respostas para todas as questões que me rondavam, as quais não permitiam que eu seguisse em frente. As histórias soavam mais verdadeiras que a realidade à minha volta, onde as mulheres pareciam estar felizes-conformadas com suas escolhas. Mas elas não me representavam nem me acolhiam. Não à toa, as queixas das personagens se confundiam com as minhas e, assim, entreguei-me completamente à literatura, hoje o meu farol e filosofia de vida. 


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Arquivo da Autora
MYRIAM SCOTTI nasceu em Manaus, é formada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM; é mestre em literatura e crítica literária também pela PUC-SP; com curso de extensão em práticas de leitura e formação do leitor, pela PUC-SP. A partir de 2014, baseada nas experiências com seu primogênito Daniel, estreou como escritora de histórias infantis: O menino que só sabia dizer não (publicação independente); O menino que só queria comer tomate e Quando meu irmão foi embora? (editora Chiado); além do e-book “O menino que não queria dormir sozinho”. Em 2018, estreou na poesia com o título A língua que enlaça também fere (Editora Patuá). Em 2020, lançou um segundo livro de poesia sob o título Mulheres chovem (Editora Penalux), ano em que também venceu o prêmio literário da cidade de Manaus com o romance regional Terra Úmida, publicado em 2021 pela Editora Penalux. Em 2021 lançou o primeiro romance juvenil Quem chamarei de lar? (Editora Pantograf), o qual foi admitido pelo PNLD 2021 e foi escolhido como paradidático de várias escolas do Brasil, além de ter sido selecionado no edital “Minha biblioteca” de São Paulo 2022, onde constam mais de onze mil exemplares espalhados pelas bibliotecas da capital. Em 2024, lançou o livro de crônicas Tudo um pouco mal (Editora Patuá) durante a Festa Literária de Paraty (FLIP), o título é semifinalista do prêmio nacional Sabiá de crônicas. Também em 2024 foi convidada para os Festivais Literários de Araxá e Paracatu, ambas comandadas pelo produtor cultural Afonso Borges, onde explanou sobre literatura produzida por mulheres no Amazonas. Há três anos é curadora do Festival Literário do centro de Manaus (FLIC), promovido pelo produtor cultural João Fernandes, CEO do Centro Cultural Casarão de Ideias.

CARTA A QUEM DESEJA MEU SILÊNCIO

Por Cíntia Colares (Flor de Lótus)


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Na primeira vez que me violentaram, eu era uma menina.

E calei pelo medo e vergonha.

Na segunda vez que sofri violência, passei anos sofrendo um duro assédio moral e sexual num ambiente que deveria ser seguro. Apesar de ter sido aprovada num concurso para funcionária pública federal, morri um pouco a cada dia enquanto tentava sobreviver para garantir o sustento do meu filho.

Não calei, mas paguei caro por ousar denunciar velhas práticas e por não ceder ao assédio. Na terceira vez que sofri violência foi onde buscava construir outro mundo possível. Quando busquei voz e poder de decisão como os demais, ouvi que deveria me pôr no meu lugar.

O meu lugar e o de todos nós: pessoas negras, mulheres, indígenas é onde a gente quiser e reivindicar. É onde a vida acontece e está sendo decidida.

Nada mais sobre nós sem nós.

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Não me calo, não silencio, não dou manutenção ao que não quero que siga acontecendo. Meus gritos já denunciaram violência sexual, política, verbal, psicológica e até ameaças de agressão física que sofri e vão ficar na memória daquele contraditório espaço dito de luta. Ainda temos muito que lutar por equidade de gênero, raça e diversidade.

De minha parte, muitos gritos mais ainda serão ouvidos até que me escutem e me vejam estar presente nos espaços e nas decisões.

E nunca mais calarei.

Porque minhas dores gritam em mim até no silêncio. No olhar que fere, na boca que nos enxota.

Não estarei olhando do lado de fora e não estarei em silêncio do lado de dentro, fazendo apenas figuração para aliviar suas consciências.”

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Arquivo da Autora


Cíntia Colares (Flor de Lótus) é uma mulher preta cis, jornalista, poeta e coautora em coletâneas, antologias, revistas e sites de poesia. É ativista no antirracismo e mãe solo de um adolescente negro, morando na periferia de Porto Alegre/RS.


Obrigada por ler até aqui  “Sou Flor de Lótus🪷

segunda-feira, 9 de junho de 2025

ÀS VEZES AGENDO MEU CHORO

Por Cíntia Colares 


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Esses dias eu estava ouvindo aquela música que a letra diz: “Às vezes eu quero chorar, mas o dia amanhece e eu esqueço…”

Lembrei o quanto essa letra sempre me toca. 

Me veio a lembrança de quantas vezes quis chorar, mas…

Agora não…

estou na rua…

Agora não…

…não vou chorar na frente dessa pessoa…

(ainda que a pessoa esteja me dando todos os motivos para chorar)

Agora não…

deixa não ter ninguém por perto… 

Agora não...

não adianta chorar escondido…vai voltar com os olhos vermelhos…vão perceber…não fica bem…

Agora não…

Preciso buscar meu filho, preciso transmitir alegria quando nos reencontrarmos depois de passarmos o dia inteiro longe…

Agora não…

o ônibus tá lotado…alguém vai ver…

Agora não…

deixa chegar em casa…

Agora não…

deixa atender meu filho primeiro…

Agora não….

Espera meu filho não estar por perto…

Agora não…

Tomara que você durma logo, filho…

Agora não…

preciso tanto chorar, mas na tua frente não….

Agora não…

eu precisava tanto chorar hoje…está entalado…

Agora não…

Um novo dia vai começar. 

Preciso me levantar e não dá mais tempo pra chorar.

Os dias correm assim.

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Às vezes agendo meu choro e não compareço ao meu próprio evento, porque sempre tem algo ou muitos "algos" ao meu redor que não me permitem olhar para mim ou me sentir. 

Porque antes de pensar em mim, eu preciso dar conta, resolver, prevenir, ensinar, acolher, tratar, corrigir, aguentar, quebrar as molduras que insistem em tentar me enquadrar e preciso, principalmente, manter viva a crença de que valerá a pena lutar por mudanças, que é para eu não andar por aí morta em vida.

No meio desse turbilhão cotidiano, até eu conseguir algum tempo pra mim, o choro já empedrou por dentro e me endureceu também por fora.

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Sou Cíntia Colares, sou Flor de Lótus 🪷

segunda-feira, 2 de junho de 2025

"ESCAPA PELOS DEDOS COMO AREIA", POR MEIRE MARION

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PALAVRA FRACA

Por  Meire Marion

Coração se divide em dois

Duas partes que eram uma

Através de uma carta gelada e sem vida

Tudo o que compartilhamos foi desfeito.

 

A tristeza me atinge intensamente

Duro como uma pedra pesada

Amor não é uma palavra forte o suficiente.

Agora, quem vai me dar um ombro?

 

Tentando compreender onde tudo deu errado

Escapa pelos meus dedos como areia

Enquanto as chamas em meu coração queimam, queimam, queimam

O rádio toca uma música da nossa banda favorita

 

Lágrimas encharcaram meu travesseiro enquanto tentei dormir

Dormi profundamente no abismo tão profundo.

Um lembrete de como ações são mais fortes que palavras.


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Arquivo da autora


Meire Marion é professora de inglês, língua e literatura, escritora e poeta. É diretora da UBE (União Brasileira de Escritores), responsável pelo Prêmio Cláudio Willer de poesia. Têm sete livros para crianças publicados pela Editora Scortecci. É colunista da Revista Voo Livre de literatura. Também participa de diversas antologias com poemas e contos.

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VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS, POR HELIENE ROSA

PROTAGONISMO FEMININO |07  MULHERES NA FILOSOFIA, NA CIÊNCIA E NA LITERATURA: VOZES QUE ROMPEM SILÊNCIOS  POR Heliene Rosa Imagem Pinterest ...