domingo, 20 de novembro de 2022

FELIZ ANIVERSÁRIO CECÍLIA, POR FLAVIA FERRARI

 

                      POESIA NA REDE|08

FELIZ ANIVERSÁRIO, CECÍLIA
                                                                                                 Por Flavia Ferrari

   Escrevo este texto poucos dias depois do aniversário de Cecília Meireles. Poeta presente em minha vida desde a infância, não tinha reparado a intensidade de nossa conexão, a impressão dos seus versos no meu repertório, a saudade de relê-la. Tudo isso foi vivenciado nas últimas semanas, em que me debrucei sobre sua poética, sua história, vídeos declamando sua poesia, textos analisando sua obra, tendo como ponto de chegada a celebração dos seus 121 anos, junto à sua neta Fernanda Meireles em uma deliciosa live no Instagram.
    
    Cecília me faz ter a certeza de que é possível dialogar verdadeiramente com a poesia. As inquietações de ordem existencial, filosófica, social e política encontram ideias, caminhos e até uma boa conversa lendo a obra de Cecília.

   No dia de seu aniversário, 7 de novembro, muitos poetas fizeram homenagens a ela nas redes, mencionando versos, estrofes, poemas que me encantavam a cada leitura. A beleza da leitura dos bons poemas reside justamente na surpresa de sua releitura. É como se à memória o poema pudesse ser repetido como se fosse sempre a primeira vez, preservando aquele assombro da descoberta de um significado até então inexistente em nossa consciência.

    Em um exercício de formar minha própria antologia de seus poemas, me senti como uma apanhadora de estrelas no firmamento; o que escolho tem relação mais com a proximidade e a oportunidade de estar perto do que propriamente a estrela em si, pois tudo brilha!

  Deixo aqui um poema que escolhi para a “minha antologia de Cecília”, mas que também foi compartilhado por algumas pessoas na celebração de seu aniversário.

 

Inscrição


Sou entre flor e nuvem,

estrela e mar.

Por que havemos de ser unicamente humanos,

limitados em chorar?

 

Não encontro caminhos

fáceis de andar

Meu rosto vário desorienta as firmes pedras

que não sabem de água e de ar.

 

E por isso levito.

É bom deixar

um pouco de ternura e encanto indiferente

de herança, em cada lugar.

 

Rastro de flor e estrela,

nuvem e mar.

Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:

a sombra é que vai devagar.

 

Poema Inscrição de Cecília Meireles livro Mar Absoluto e Outros Poemas (1945)

 

                Finalizo com um belíssimo poema feito em homenagem a Cecília Meireles, de Nic Cardeal, um passeio pelas obras e suas belezas na companhia de Nic:

 

CECÍLIA

 

Hoje tu vês bem melhor¹, eu sei!

Espectros²?

Nunca mais³... ou, quem sabe... que importa?

Tuas mãos já se abriram ao infinito⁴

e podes ver o Mar Absoluto⁵ em tua eternidade!

 

Já não te fazes em solombra⁶:

não há mais nenhuma tristeza por causa da morte,

os mistérios, o tempo, as memórias, mesmo a solidão,

passaram...

Teu corpo, que te foi dado em pai e mãe

e em todos os que te fizeram⁷

em retrato natural⁸

ou em doze noturnos⁹,

também passaram...

 

Tu és a aeronauta¹⁰ que escolheu o seu sonho¹¹

e viveu a viagem¹²,

fazendo-te de ti mesma o poema dos poemas¹³!

Não. Não foste um sonho a realizar¹⁴,

foste a própria vida:

vaga música¹⁵ que se fez à imagem do mar¹⁶,

sem perder a sina da terra!

 

Tu sabes: não terminaste!

Agora vês com os teus [próprios] olhos¹⁷

que o que se diz e o que se entende¹⁸

nem sempre está no mesmo lugar!

Não há lugar... nem tempo,

o que há são as baladas para El-Rei¹⁹ para sempre entoadas...

Porque agora tu és o cântico dos cânticos²⁰

e te pões em tudo, como Deus²¹!

 

(Nic Cardeal*, poema participante da antologia 'Memorial Cecília Meireles  - Homenagem em Poesia', São Paulo: Selo Editorial Independente, 2021, p. 85/86 e 109/110)

 

Referências:

(1) “(...) Mas tu verás melhor...” (excerto do Cântico XXVI, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(2) Espectros, Cecília Meireles, livro de 1919.

(3) Nunca mais... e poema dos poemas, Cecília Meireles, livro de 1923.

(4) “(...) E abre as tuas mãos sobre o infinito. (...)” (excerto do Cântico XXV, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(5) Mar absoluto e outros poemas, Cecília Meireles, livro de 1945.

(6) Solombra, Cecília Meireles, livro de 1963.

(7) “Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai. / Esta que me deu corpo é minha Mãe. / Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te fizeram/Em espírito. (...)” (excerto do Cântico XXIV, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981). 

(8) Retrato natural, Cecília Meireles, livro de 1949.

(9) Doze noturnos da Holanda, Cecília Meireles, livro de 1952.

(10) O aeronauta, Cecília Meireles, livro de 1952.

(11) Escolha o seu sonho, Cecília Meireles, livro de 1964.

(12) Viagem, Cecília Meireles, livro de 1939.

(13) Nunca mais... e poema dos poemas, Cecília Meireles, livro de 1923.

(14) “Não faças de ti/Um sonho a realizar. (...)” (excerto do Cântico XXIII, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(15) Vaga música, Cecília Meireles, livro de 1942.

(16) “(...) Faze-te à imagem do mar. (...)” (excerto do Cântico XXII, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(17) “(...) Tu verás com os teus olhos. / Em sabedoria. / E verás muito além.” (excerto do Cântico XXI, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

(18) O que se diz e o que se entende, Cecília Meireles, livro de 1980.

(19) Baladas para El-Rei, Cecília Meireles, livro de 1925.

(20) Cânticos, Cecília Meireles, livro póstumo, de 1981.

(21) “(...) Que o teu olhar, estando em toda parte/Te ponha em tudo, / Como Deus.” (excerto do Cântico I, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).

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* Nic Cardeal, catarinense radicada em Curitiba, graduada em Direito, é autora de Sede de céu (poesia, Penalux/2019) e Costurando Ventanias - uns contos e outras Crônicas (Penalux, 2021). Atualmente tem textos publicados em 44 antologias e coletâneas no Brasil, Portugal e Alemanha. É integrante do movimento Mulherio das Letras desde sua criação. Seus escritos estão compilados na página do Facebook “Escrevo porque sou rascunho”. É editora adjunta da Revista Feminina de Arte Contemporânea Ser MulherArte.


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Flavia Ferrari
[foto arquivo pessoal]

Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari lançou, em novembro/2021,  o seu primeiro livro de poemas, intitulado "Meio-Fio: Poemas de Passagem". A obra foi editada pelo Toma Aí Um Poema, o maior podcast de leitura de poemas lusófonos. Flavia Ferrari escreve desde a adolescência, mas começou publicar seus poemas no início da pandemia, compartilhando seu trabalho nas redes sociais e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelos leitores e pelos periódicos digitais. @fmferrari

5 comentários:

  1. Cecilia! Presente! Vivo ceciliando nos meus escritos ... E quem não?Obrigada por nos presentear com o relevante texto e a live que foi maravilhosa! Parabéns Flávia!

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  2. Muito obrigada querida Rilnete! Adorei o "ceciliar", vamos juntas! Beijo grande

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  3. “Ceciliar” Muito bom!👏🏼

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  4. Linda homenagem à Poeta Cecília Meireles! Parabéns, Flávia!
    Obrigada por partilhar meu poema, sinto-me honrada por estar junto de uma das minhas Poetas Maiores!

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