segunda-feira, 12 de setembro de 2022

POESIA NA REDE: SETEMBRO AMARELO, POR FLAVIA FERRARI

           

                      POESIA NA REDE|07

SETEMBRO AMARELO
                                                                                                 Por Flavia Ferrari

    Dez de setembro é o dia mundial de prevenção ao suicídio. Foi bonito ler nas redes poemas que enfrentaram o tabu que o tema apresenta e versaram sobre a vida, sentidos, experiências e esperança. A poesia está em todos os lugares e acompanha as datas, os momentos e movimentos. Não consigo pensar em um gênero literário que tenha um alcance tão gigantesco e esteja presente de forma tão ostensiva no cotidiano, desde textos publicitários, apresentações acadêmicas, até em grandes shows musicais, em que multidões gritam músicas (poéticas) ao som de guitarra e bateria.

    Crianças amam o contato com a poesia e surpreendem-se quando conseguem construir um verso, criar uma rima e, o mais importante, gostar do que criaram, orgulhando-se de sua autoria.

    Contardo Calligaris*, em inúmeras entrevistas, dizia que o sentido da vida é a própria vida. Ele acrescentava que ficar procurando sentidos era perda de tempo e questionava: será que é necessário ter mesmo um sentido?

    Demorei um tanto para concordar com ele, mas o que a poesia tem me trazido é justamente a pergunta que me move, “será?”

       Saúde mental é tema urgente e pouco a pouco está sendo tratado com mais seriedade pelos veículos e formadores de opinião. Mas o caminho ainda é longo e árduo. Temos um sistema de saúde pública no Brasil desenhado para um atendimento à saúde mental de excelência à população, mas faltam recursos e a precarização tem chegado a galope.

    As redes sociais, dependendo de como é usada, pode gerar muita ansiedade e disparar gatilhos preocupantes. Por isso conversar, falar, expor, escrever ajuda muito e permite encontros acolhedores.

    Ter acesso a poesia que a rede nos proporciona tem me trazido momentos de alegria, de comoção, de questionamento e de deslumbramento. A cada poema lido, vejo um sentido, imagino, sonho, boto alguns versos no meu colo. Talvez seja a arte o caminho para o bem-estar. Acredito que seja, para mim assim o é.

    Gostaria de finalizar com dois poemas que gostei demais, escritos dentro do contexto do setembro amarelo, de duas poetas que admiro muito.

 

Dorsal


Perpetuar a vida

como a avenida


que ao final

não encontra borda


mas a esquina

a rampa

o contorno da via


há saída


Jéssica Iancoski**


....................................................................................................................


na borda, a vida é mais difícil

na borda, a vida pinta abismos

na borda, tudo se faz inacessível

só não a cantiga em dor maior


a borda, autoflagelo da desdita

a borda é a zona da divisa

a zona é a borda que divide

a força dos sonhos em nada, em pó


a vida é a borda suicida

a antivida é a culpa que aflige

a sina é trilha única que permite

o salto ardiloso no escuro da dor


....................................................


a corda é a mão que segura

acorda! é a voz que ulula

a borda é esperança que uiva

quando frágil botão se abre em flor...


Marta Cortezão***

___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___


Referências:

*Contardo Calligaris: Entrevista disponível em https://tvbrasil.ebc.com.br/impressoes/2019/12/o-sentido-da-vida-e-propria-vida-diz-contardo-calligaris


** Jéssica Iancoski é pessoa não-binária, escritora, poeta e artista plástica. Publicou em várias antologias e revistas, nacionais (Mallarmargens, Ruído Manifesto, Acrobata, etc) e internacionais. É idealizadora do Toma Aí Um Poema – o maior podcast lusófono de declamação de poesias, segundo o Spotify – com mais de 44 mil ouvintes diferentes, ao longo do tempo e, também, revista literária digital. Nasceu em Curitiba em 10 de Fevereiro de 1996. É formada em Letras pela Universidade Federal do Paraná e em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

***Natural de Tefé, no estado do Amazonas, radicada na Espanha desde 2012. Poeta, escritora, tradutora, ativista cultural, feminista, interessada em promover a Literatura Feminina mundo afora. Desenvolve o projeto "Tertúlias Virtuais" a fim de divulgar a produção literária de escritoras que se movimentam pelas redes sociais. Também idealizadora, junto com Patrícia Cacau, do Projeto Enluaradas, coletivo feminino, onde organiza coletâneas, visando encontros e debates sobre literatura. Responsável pelo projeto editorial das Coletâneas Enluaradas I, II e III (poesia). Mantém o blog Feminário Conexões, onde divulga e promove a Literatura Contemporânea do Feminino, junto a várias escritoras e poetas parceiras. A ideia deste blog é ampliar o leque e abraçar mais autoras que queiram somar conosco a fim de contribuir para criar um significativo catálogo virtual, literário e cultural. É colunista da Revista Literária Voo Livre. Livros solo publicados: “Banzeiro Manso” (Editora Porto de Lenha, 2017, poesia) e “Amazonidades: gesta das águas” (Penalux, 2021, trovas). É coautora de várias antologias Brasil e Europa. Sua máxima: "O voo só pode ser pleno quando em bando."

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Flavia Ferrari
[foto arquivo pessoal]

Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari lançou, em novembro/2021,  o seu primeiro livro de poemas, intitulado "Meio-Fio: Poemas de Passagem". A obra foi editada pelo Toma Aí Um Poema, o maior podcast de leitura de poemas lusófonos. Flavia Ferrari escreve desde a adolescência, mas começou publicar seus poemas no início da pandemia, compartilhando seu trabalho nas redes sociais e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelos leitores e pelos periódicos digitais. @fmferrari

17 comentários:

  1. Belo texto!É a poesia em movimento dando cor à vida! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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    1. Verdade, Rilnete. Obrigada por somar conosco. Bj

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    2. Muito obrigada pela leitura Rilnete querida! A poesia dança! Bjs

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  2. Você tem toda razão, Flavia, a poesia cabe em tudo; inclusive em nós, mesmo quando estamos cheios de tudo. Parabéns, querida, seu texto é muito necessário. Obrigada por trazer meu poema ao lado de tanta beleza. E, especialmente, por fazer parte do nosso blog Feminário Conexões. Um fraterno abraço.

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    1. Fazer parte deste grupo é para mim motivo de grande alegria e satisfação! Obrigada querida!

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  3. Seu texto de apresentação traz para nossos colos, de maneira doce, uma severa crítica ao desmantelamento da saúde pública. O diagnóstico de que a poesia nos faz viver melhor é um incentivo para transformar às coisas ruins em boas e prazerosas. É 5 da manhã. Olha que prazer ler essa hora.

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    1. Muito obrigada por sua leitura e comentário sobre este desmonte que estamos vivendo na saúde pública. As coisas vão melhorar, acredito muito nisso. Abraços

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  4. Parabéns pelo texto, Flávia! Tema espinhoso....mas necessário. Falar de setembro amarelo é deixar um alento a quem lê, quando o mundo se torna cinza...beijos, parceira!

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    1. Muito obrigada parceira querida! Precisamos nos unir para nos cuidarmos e somarmos nossos anseios e maravilhamentos! bjs Rita

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  5. Parabéns Flávia querida por ser a ponte destes poemas e reflexões sobre um tema tão importante nesta fase de evolução do ser humano . Vc sempre nos faz pensar e repensar sobre nossos conceitos e valores . Adorei ! Vc é especial como poetisa e como divulgadora de uma arte preciosa . Bjs no seu coração de luz!

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    1. Que palavras belas e doces! Muito obrigada tia Marli querida pela leitura e pelo apoio, adoro você! Beijos

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  6. Excelente texto, cara Flávia! Você define a Poesia com a alma!

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  7. Ótimo texto, Flavia! Arrisco dizer que poesia também é saúde, e sua reflexão sobre o setembro amarelo é muito necessária.

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  8. Texto inspirador. Obrigado por isso. :)

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