AVE, CRÔNICA|07
POR MARTA CORTEZÃO
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POR MARTA CORTEZÃO
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Montagem de Elizabete Nascimento |
GRÁVIDA DE MÚSICAS E CANÇÕES, OFERTO-LHES OS DEVANEIOS POÉTICOS DE JANETE MANACÁ
A
importância vocal de uma palavra deve, por si só, prender
a atenção de um fenomenólogo da poesia. A palavra alma pode ser
dita poeticamente com tal convicção que anima todo um poema. O registro poético
que corresponde à alma deve, pois, ficar em aberto para as nossas indagações
fenomenológicas.
Gaston Bachelard, 2005
ABORTOS
é
imprescindível expulsar as tristezas internas
e
esvaziar-se para receber as dádivas do amanhä
abortei
tudo que ouvi
durante
toda a minha vida
e
que intoxicou o meu corpo
abortei
as cicatrizes internas
cada
pedra que me atiraram
e
as palavras que me dilaceraram
abortei
as culpas que me impuseram
mágoas
dos abraços negados
e
o pavor de ser rejeitada
abortei
o incômodo da ingratidão
as
vezes que fingiram não me ver
o
rosto virado para não me cumprimentar
abortei
as críticas ácidas e cruéis
as
mentiras que disseram a meu respeito
e
o meu pânico diante do espelho
abortei
o sentimento de impotência
as
lágrimas cristalizadas na alma
e
tudo que neguei por não me aceitar
hoje
em êxtase e grávida de músicas
eu
quero apenas parir canções de amor
que possam inspirar outras gerações.
Antonio Candido (2011), em sua teoria sobre a
função humanizadora da literatura, endossa que a arte literária é essencial
para que o ser humano se reconheça, se sensibilize e transcenda sua própria
existência. O poema de Janete Manacá dialoga diretamente com essa perspectiva,
pois o "abortar" simbólico descrito no texto não é apenas um ato de
negação, mas um processo de libertação e reconstrução do eu, vejamos: Abortei
tudo que ouvi/ durante toda a minha vida.
Ainda na vertente do diálogo, Beth Brait (2010) discute
as vozes discursivas ao convidar para o debate o dialogismo baktiniano e enfatizar
que a literatura é um espaço de diálogo entre múltiplas vozes e
discursos. Assim, o poema "Abortos" pode ser lido como uma resposta
direta a vozes sociais opressoras e internalizadas, em um processo de confronto
e apagamento dessas vozes, em [...] as
palavras que me dilaceraram e [...] as críticas ácidas e cruéis; Janete
Manacá dá destaque às vozes que marcam negativamente à identidade do sujeito.
Essas falas sociais tornam-se tóxicas e devem ser "abortadas". O
poema, portanto, insere-se em um jogo dialógico: primeiro, escuta-se a
voz opressora, depois, ela é rejeitada e transformada. O "eu lírico" constrói uma nova
voz ao dizer: [..] hoje em êxtase e grávida de músicas. Um enunciado
marcado por positividade, amor e criação que sugere uma ruptura com o discurso
anterior. Ao considerar a voz de Beth Brait, trata-se de um deslocamento do
sentido: o discurso opressor é esvaziado para dar lugar a uma nova enunciação.
Essa
concepção emaranha-se também à poética do tempo e do renascimento de Octavio
Paz (1982), em que o autor apresenta a ideia de morte e renascimento
como centrais ao fazer poético. Para Paz, a poesia é capaz de quebrar o tempo
linear, transformando o passado em presente e criando um novo futuro. Neste
viés, o poema "Abortos" encarna esse ciclo de morte simbólica
e renascimento criativo, pois o ato de abortar simboliza o fim de um
ciclo marcado pela dor e pela rejeição: [...] abortei as culpas que me impuseram
/ mágoas dos abraços negados. A palavra "abortar" é impactante
porque carrega uma conotação de interrupção, mas no contexto do poema, ela é
ressignificada como libertação, redimensiona
o sentido inicial. Octavio Paz diria que o tempo é refeito aqui: as
culpas passadas são "abortadas" para que o eu lírico possa se recriar
no presente. Deste modo, o poema culmina em um futuro criativo e inspirador:
[...] quero apenas parir canções de amor. Esse verso dialoga com a ideia
de Octavio Paz de que a poesia é um ato de criação que transcende a destruição,
sendo o amor e a música símbolos do renascimento do eu e a sua capacidade
de oferecer algo ao mundo ao romper com o ciclo de dor.
Que possamos, minhas
companheiras, parir muitas canções de amor em 2025 e continuar com a po-ética
do abraço.
Um brinde à vida!
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BRAIT, Beth. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto,
2010.
CANDIDO. Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO,
Antonio. Vários Escritos. Rio de
Janeiro: Ouro sobre azul, 2011.
CORTEZÃO, Marta. II Tomo das bruxas: corpo & memória. Curitiba:
Eu-i, 2024.
PAZ, Octavio. O arco e
a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
** Imagens do texto - fonte: Pinterest.
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Rosangela Marquezi
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Minha mãe... Que ainda brinca! Fonte: Arquivo pessoal (autoria de Carina Pelegrini) |
1. Ouça “Vilarejo”, na voz de Marisa Monte. É uma canção linda que nos remete a um local que para cada um pode ser diferente... Qual o seu vilarejo?? Qual o seu lugar de recordação? A letra, de 2006, é de Marisa Monte, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e Pedro Baby (filho de Baby Consuelo e Pepeu Gomes).
“Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão”
2. Assista ao filme “O lado bom da vida” (2012), dirigido por David. O. Russel e estrelado por Jennifer Lawrence e Bradley Cooper. Lawrence, por sua atuação neste filme, recebeu o Oscar de Melhor Atriz. É baseado no livro homônimo do escritor norte-americano Matthew Quick. A história envolve duas personagens com problemas emocionais/psicológicos que decidem, juntos, lutar e aprender mais sobre como lidar com seus problemas. É uma história boa, que nos mostra que, como diz o personagem de Cooper, o Pat: “Quando as coisas são difíceis, você tem que tentar ver o lado bom da vida”.
3. Leia o clássico da literatura infantojuvenil, “Pollyanna”, da escritora norte-americana Eleanor H. Porter. O livro conta a história de uma pequena órfã, Pollyanna, que vai morar com uma tia após a morte dos pais. Com o Jogo do Contente, que aprendeu com seu pai quando esperava ganhar uma boneca e acabou recebendo um par de muletinhas (eram doações que vinham à igreja onde o pai era missionário). Ele lhe ensinou a “ressignificar” o presente, pois a fez ver que poderia ficar contente por não precisar usar as muletas. Desse dia em diante, Pollyanna ressignifica todas as situações ruins que vão lhe acontecendo, vendo-as sob outros olhares. O livro foi escrito em 1913 e se tornou um clássico. Em 1915, a autora escreveu a continuação: Pollyanna Mulher.
“A menina sorriu.
– Pois é do jogo, não sabe?
– Do jogo? Que jogo?
– O “Jogo do contente”, não conhece?
[...]
– Oh, o jogo é encontrar em tudo qualquer coisa para ficar alegre, seja lá o que for, explicou Pollyanna com toda a seriedade” (Porter, 1978, p. 30-31).
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Por Marta Cortezão
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Fonte: @artivistha - Thais Trindade |
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Fonte: @artivistha - Thais Trindade |
No momento que escrevia o parágrafo anterior, lembrava do poema Não há oásis no deserto, da escritora gaúcha Cátia Castilho Simon, publicado na coletânea Se Essa Lua Fosse Nossa (Ser MulherArte Editorial, 2021):
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Fonte: Pinterest |
Não há oásis no deserto
Hoje foi a vez da diarista e outras mais
O jornal anunciou o assassinato de cinco mulheres por seus homens
Outro dia uma juíza foi morta na frente das filhas
Em outros dias, horas, meses, anos,
Agora, agorinha
Por séculos dos séculos, amém e ai de nós
Elas têm se revezado como em uma corrida em meio ao deserto
Uma a uma acredita no oásis e sucumbe:
A bruxa
A frentista
A cabeleireira
A advogada
A professora
A escritora
A costureira
A médica
A manicure
E assim vão morrendo de morte matada, todas
Não há filhas nem filhos capazes de salvar daquele que se entende
escarnecido, ainda que seja o pai
Era necessário esfaquear dezesseis vezes para que voltasse ao seu lugar
Sucumbir diante das filhas ou filhos é um morrer sem fim,
É cortar o osso e segurar a dor
Doca Street, o assassino de Angela Diniz, morreu aos 86 anos há poucos dias. Morreu de morte natural, 44 anos após o crime, como um justo que nunca foi.
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Fonte: @artivistha - Thais Trindade |
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Fonte: @artivistha - Thais Trindade |
Falsa igualdade
Aqueles que pensam
que o vírus é igualitário
Se enganam
Ele tem endereço
certo para levar a morte
Os corpos
estendidos na frente dos hospitais lotados
Sabem bem que eles
são alvos de extermínio
Quem nada tem para
comer
Com o corpo fraco
Com baixa
imunidade
Sabe o quanto lhe
cabe e é para si essa morte
Que ronda as
cidades
São os pobres
São os pretos
Que ficam lançados
no vazio do descaso
Que nem
contabilizados são
Apenas restam mais um e um… corpo no chão
(fonte: https://revistaacrobata.com.br/anna-apolinario/poesia/4-poemas-de-jeovania-p/)
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Fonte: @artivistha - Thais Trindade |
Canção dos corpos
Sob o luar
Ao longe
Ouço o uivo das lobas
Bruxas em círculo de
irmandade entoam
Canções de liberdade
Entre as árvores
As estrelas brilham
Enquanto o patriarcado
ataca
Elas atiçam o fogo
Em danças circulares
Acordam ancestralidades
Declaram que seu corpo
Não tem
proprietário
Num coro ritmado
Entoam
As canções dos corpos
Que falam.
Somos mulheres sobreviventes de um sistema que oprime e mata. A nossa revolta é legítima e política porque, não só nos conecta com outras mulheres, mas com nossa própria essência. Que nos emancipemos do patriarcado, que nos autorizemos a dizer sem medo, a construir espaços para diálogos conscientes através de nossas lutas.
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Cátia Castilho Simon é escritora, doutora em estudos da literatura
brasileira, portuguesa e luso-africanas/UFRGS. Publicações solo: Nos
labirintos da realidade – um diálogo de Clarice Lispector com Machado de Assis
(Prêmio UBE/RJ, 2014); Por que ler Clarice Lispector? (POA:TDA, 2017); Rastros
de Estrela (contos), 2022; Não há oásis no deserto (poesia) – Venas
Abiertas, 2023; Brigite – (infantil), ilustração Liana Tim, 2023. É
coorganizadora do Digressões Clariceanas, desde 2021. Integra o Mulherio das
Letras/RS, é vice-presidenta cultural da AGES, 2023/2024.
Jeovânia P. é escritora, professora, mestre em Filosofia. Nasceu
em Natal/RN, vive em Bayeux/PB. Publicações: seis livros poesias, um de contos,
e organizou nove coletâneas. Tem o selo e o canal no YouTube Literatura
Feminina, onde desenvolve o projeto “Bom dia com literatura feminina!”. Faz
parte da UBE/PB. É patrona da cadeira 27 da Academia Bayeuxsse de Ciências,
Letras e Artes. Participou da XIV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.
Leacide Moura nasceu à meia noite, no meio do mundo, na lua nova,
às margens do Rio Amazonas, em Macapá/AP, pelas mãos de parteira tradicional. É
mãe, avó apaixonada de Maria e Arthur, professora, sindicalista, ativista da
literatura, meio ambiente e empoderamento feminino. É da prosa e do verso,
organiza obras e tem participação ativa na literatura nacional.
A N I M A I S
POR SANDRA GODINHO
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As
fendas eram muitas. Profundas. Algumas se preenchiam com raízes de árvores
próximas, que avançavam sobre o local que mais parecia um túmulo. Por acaso não
sabiam que, para cada função, havia uma madeira específica? Paxiúba para
revestir assoalhos, caibros de andiroba para afastar os carapanãs, acariquara
para os parapeitos e as varandas, louro vermelho para as paredes laterais, palha
do buçu para a cobertura. Tivessem escolhido a madeira adequada, não estaríamos
lá, nos banqueteando com os restos.
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Para
nós, restaram as madeiras. Já não fazemos distinção de nenhuma delas, também
nós mudamos com o novo clima; seguiremos abocanhando até a última farpa. No ano
que vem, a gente
não sabe como vai ser. Talvez tenhamos de aprender a nos alimentar de podridão,
assim como os urubus.
[1] Cestos
tecidos com fibras naturais
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LETRAS ICAMIABAS |06 SANDRA GODINHO , AUTORA TRÊS VEZES FINALISTA DO LEYA, LANÇA NOVO ROMANCE PELA EDITORA TAUP Capa do livro Desde o di...