terça-feira, 14 de outubro de 2025

 


SOBRE ESPELHOS E ESPERANÇAS

Rosangela Marquezi


Meu espelho quebrado...
Meu espelhinho quebrado...
Quebrei um espelho... Estava em frente à janela, aproveitando a luz solar para tirar aqueles pelinhos do buço que só a gente vê – e finge que ninguém mais nota. Distraí-me olhando a rua – moro diante de uma bem movimentada – e eis que o espelhinho, tão bonito e presente de uma amiga, escorregou-me das mãos. Em segundos, um dos lados virou dezenas de cacos pelo chão.


(Nesse instante, lembrei-me dos famosos "sete anos de azar". Curiosa como sou, fui investigar! Dizem que essa crença vem da Grécia e da Roma antigas, onde se acreditava que a imagem refletida carregava poderes mágicos. Lembram de Narciso? Pois é, a coisa vem de tempos! Mas, parece, foram os romanos, por volta do século III, com o surgimento do espelho de vidro, que associaram o ato de quebrá-lo ao azar: se o reflexo fosse destruído, a sorte também se quebrava. Sete anos, porque se acreditava que o corpo levava esse tempo para se renovar... Mas, como esse texto não é uma aula de história, e sim uma crônica, volto ao meu espelho.)

O espelho se quebrou. Abaixei-me para juntar os pedaços e, enquanto recolhia – um a um – os cacos espalhados pelo chão, pensei que, ao contrário das histórias de azar, talvez esse espelho me oferecesse outra chance: a de romper, de vez, com tudo que não me faz bem! Decidida, fui dando significado a cada fragmento. A cada caco, deixava para trás uma mágoa, um medo, um peso antigo...

A primeira coisa que joguei fora foi a tristeza que volta e meia insiste em querer se instalar em minha vida. No decorrer de nossa existência, vamos acumulando choro, raiva, mágoas... E isso só causa peso desnecessário à vida! Como cantava Tim Maia, “Tristezas que passaram na vida não devemos mais lembrar / Só pense no amanhã / tristezas não vão mais / Passar no meu caminho nunca mais”. Que assim seja! Confesso que foram muitos pedacinhos aqui...

Joguei fora também palavras mal ditas e malditas! Ditas e ouvidas! Palavras têm tanto poder que, se lembrássemos disso todos os dias, de nossa boca só sairiam as que edificam e alegram! Palavras são ondas sonoras... Gosto de imaginá-las voando por aí, encontrando-se nesse espaço além-tempo, valsando em vibrações. Que lindo seria se pudéssemos viver envolvidos apenas por palavras doces, belas, valorosas, amorosas!

Propus-me ainda a jogar fora a falta de esperança. Vivemos tempos difíceis. Guerras cruéis espalhadas pelo mundo, violências diárias... Ver isso constantemente nos noticiários vai criando a falsa ideia de que "A vida é assim mesmo! Nada muda”. Isso é terrível e destrói nossa fé na humanidade. Tentei jogar fora essa desesperança, mas confesso: a dura realidade continua lembrando que é preciso estarmos atentos!

Fui descartando também dores físicas e espirituais, dias tristes e dias mal vividos... Histórias ruins, amores que não deram certo, venenos verbais acumulados... Recordações doloridas e pesadas penas...

Aos poucos, minha alma e meu corpo foram se sentindo mais leves e fui vendo que a vida ganhava novo ânimo. Guardei tudo com cuidado e descartei, como quem se despede do que já não serve. Foi mais do que uma faxina doméstica, foi uma limpeza de alma, tão necessária a nossos dias!

Quiçá não sejam sete anos de azar o que vem pela frente, mas sete anos e mais sete e mais sete – tantos quantos me forem permitidos – em que, mais leve e grávida de esperanças, eu possa ver a vida e as pessoas com mais boniteza!

É o que merecemos: esperança e amor!

Abraços! Seja Feliz.

Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas alguém que crê na esperança como verbo...


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DICAS DA RÔ
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1. Ouça a música “Enquanto houver sol”, na voz dos Titãs. É uma daquelas canções que abraçam por dentro, lembrando-nos que, mesmo nos dias mais nublados, ainda pode haver uma fresta de luz. A canção, escrita por Sérgio Britto e lançada no álbum "Como estão vocês" (2003), é quase um mantra de resistência suave, daqueles que a gente canta baixinho para não esquecer de acreditar.

“Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma ideia vale uma vida".


2. Assista ao filme “Um conto chinês” (Un cuento chino), lançado em 2011, dirigido por Sebastián Borensztein e estrelado pelo maravilhoso ator argentino Ricardo Darín. À primeira vista, parece apenas uma comédia inusitada sobre o encontro improvável entre dois mundos: um argentino ranzinza e um jovem chinês perdido. Mas, aos poucos, percebemos que é uma história sobre acaso, acolhimento e os laços invisíveis que nos conectam, mesmo quando não falamos a mesma língua. Esse filme nos faz pensar nos encontros inesperados que mudam nossa vida... Afinal, às vezes, a boniteza está justamente no que não planejamos.

3. Leia o poema “Aninha e suas pedras”, da poeta goiana Cora Coralina, publicado em 1983 no livro “Vintém de cobre: meias confissões de aninha”. É um poema que fala direto ao coração, sem artifícios, com a força da sabedoria vivida. Cora nos convida a olhar para as dificuldades não como obstáculos, mas como pedras com as quais podemos construir caminhos. Às vezes, a poesia só nos lembra do que já sabemos: somos mais fortes do que pensamos...

"Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça."

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Arquivo pessoal (autoria de Alan Winkoski)

Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação que acredita que a literatura tem o poder de modificar vidas... Graduada em Letras, Mestra em Educação e Doutora em Desenvolvimento Regional, é professora de Literatura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Faz parte da Academia de Letras e Artes de sua cidade, Pato Branco - PR. Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.

Sustância - personagem fictícia que define a escritora de crônicas que habita em mim, "a ânsia, a substância, a Sustância!" (Marquezi, 2017). 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Mazé Torquato Chotil lança "Lucy Citti Ferreira: A Pintora Esquecida do Modernismo"


A jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil lança "Lucy Citti Ferreira: A Pintora Esquecida do Modernismo"

Num minicioso trabalho de recuperação histórica, a jornalista e escritora brasileira Mazé Torquato Chotil lança "Lucy Citti Ferreira: A pintora esquecida do modernismo", uma biografia que enobrece a vida e obra de uma das artistas mais talentosas e esquecidas da história da arte brasileira.

Lucy Citti Ferreira: A pintora esquecida do Modernisno, biografia de Mazé Torquato Chotil aborda a vida e a trajetória da pintora modernista, desenhista, gravadora e professora, Lucy Citti Ferreira (São Paulo, SP, 1911 – Paris, França, 2008), que marcou a história da pintura brasileira nas décadas de 1930 e 1940 e que, como tantas outras artistas mulheres, acabou esquecida. Lucy nasceu em São Paulo, mas passou a infância em Gênova, na Itália e em Le Havre, na França, onde iniciou os estudos artísticos na Escola de Belas Artes. 

Lucy viveu uma história artística enfrentando inúmeros desafios, tanto no plano pessoal quanto no profissional, lutando contra dificuldades financeiras e barreiras impostas às mulheres artistas que a pesar de trabalhar incansavelmente em busca de novos caminhos foi esquecida pela história da arte. Mazé Torquato Chotil, doutora pela Universidade Paris 8 e pós-doutora pela Ehess, realizou anos de pesquisas em arquivos, entrevistas e acervos como da Pinoteca do Estado de São Paulo e Museu Lasar Segall, revelando a qualidade da produção artística de Lucy desde cedo. A pesquisa revela também que Lucy manteve contato com nomes importantes do modernismo, como Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Di Cavalcanti, entre outros.

 Pintora no ateliê (1939. Acervo: Biblioteca de Artes Visuais | Pinacoteca de São Paulo | Isabella Matheus).

"No Brasil, apenas a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, as mulheres artistas passaram a ter visibilidade na arte do Brasil. Entretanto, foram esquecidas em seguida, e somente depois dos anos 70, seus lugares na história da pintura estão sendo revistos." (Mazé Torquato Chotil, pág. 282)

Segundo a jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil, a pintora Lucy sempre defendeu o posicionamento de mulher artista, tal posicionamento contribuiu para o relativo isolamento artístico num mercado dominado por homens. 

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Arquivo da autora

Mazé Torquato Chotil é jornalista e escritora. Nasceu em Glória de Dourados, Mato Grosso do Sul, morou em Osasco-SP e vive em Paris desde 1985. É Doutora pela Universidade Paris VIII e Pós-doutora pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais, a EHESS, em Paris. Tem quatorze livros publicados (cinco em francês), entre romances, biografias e ensaios, dos quais cinco em francês. Entre eles estão: Mares agitados: na periferia dos anos 1970; Na sombra do ipê; No crepúsculo da vida; Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terenas; Maria d’Apparecida: negroluminosa voz e Na rota de traficantes de obras de arteFoi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e é fundadora e primeira presidente da UEELP – União Europeia de Escritores de Língua Portuguesa. Escreveu – e continua escrevendo – para a imprensa brasileira e sites europeus. Recebeu o Prêmio de Biografia da AILB – Academia Internacional de Literatura Brasileira, em 2022, pela obra Maria d’Apparecida.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

O DOM DA BOCA, POR MEIRE MARION

Imagem Pinterest

O DOM DA BOCA

Ter boca é tão bom!

Bom para comer um prato especialmente preparado,

beber aquele drinque festivo no copo alto fino,

despejar tudo que não te faz bem, reclamar com estilo,

fazer biquinho, caretas, mostra raiva ou desprezo.

Bom para beijar, e beijar, e beijar.

 

Bom para expressar ideias, sentimentos, histórias e até mesmo protestos,

deixar entrar a nutrição e o prazer,

sussurrar, deslizar, respirar perto, e morder de leve,

saborear uma fruta fresca do pé, um chocolate e um café,

expressar alegria, simpatia, e conexão com outros.

 

Bom para viver intensamente,

Imagem Pinterest

chorar,

calar,

gritar,

cantar,

declamar, falar besteira,

gemer,

e até tocar um instrumento de sopro.

 

Se parar para pensar, a boca é onde corpo, mente e emoção se encontram.

Ter boca é bom pra caramba!

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Arquivo da autora

Meire Marion é professora de inglês, língua e literatura, escritora e poeta. É diretora da UBE (União Brasileira de Escritores), responsável pelo Prêmio Cláudio Willer de poesia. Têm sete livros para crianças publicados pela Editora Scortecci. É colunista da Revista Voo Livre de literatura. Também participa de diversas antologias com poemas e contos.

Feminário Conexões, o blog que conecta você!

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