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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDA BARROS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

                               


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |08

ENTREVISTA COM LINDA BARROS

Por Gabriela Lages Veloso

"Ninguém nasce mulher: torna-se mulher" essa frase de Simone de Beauvoir nos lembra de que nossas identidades, e em consequência disso, nossas vozes, estão em constante aperfeiçoamento. Nesse contexto, a literatura dá voz e poder às mulheres, bem como é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber Linda Barros, uma artista de destaque na cena maranhense atual.

ENTREVISTA COM LINDA BARROS:

Arquivo pessoal da autora

Linda Barros é natural de Pastos Bons/MA. Graduada em Letras (Português-Espanhol), pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e pós-graduada em Língua Portuguesa, pela Faculdade Atenas Maranhense (FAMA); em Dança Educacional, pelo Censupeg (SC) e em Artes Cênicas, pela mesma IES. É escritora, cronista, contista, poeta e atriz. Participa do Grupo Teatro Improviso, no qual já atuou em vários espetáculos, tais como Verão no Aquário – baseado na obra de Lygia Fagundes Telles; O Mulato, de Aluísio Azevedo; Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, onde interpretou a intrépida Rainha de Copas, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, dentre outros. É professora da Rede Estadual de Ensino do Maranhão e do Ensino Superior na Faculdade do Maranhão – FACAM, nos cursos de Letras, Pedagogia e Turismo. É autora dos livros Palavras ao Vento (2018) e Meu Ser Espelhado em Mim (2022) e coautora de Maranhão na Ponta da Língua (2011), que reúne palavras e expressões maranhenses, em uma parceria com o escritor José Neres. Participou da Coletânea Enluaradas (2020), que conta com a participação de escritoras de várias nacionalidades, e, da coletânea Por que Escrevemos - A voz da Mulher (2021), organizada pela Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB). É colunista do Portal Facetubes, que faz parte da Academia Poética Brasileira, bem como colabora com o Site Região Tocantina. É membro da AJEB-MA (Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil); da Sociedade de Cultura Latina, e da Academia Poética Brasileira (cadeira de número 99). Atualmente é, também, Secretária Executiva Nacional, da referida Academia.

Você estuda, escreve e trabalha com Literatura. Como foi o seu encontro com o mundo das Letras?

No Ensino Médio eu devorei praticamente todos os livros de literatura que havia na biblioteca da escola, a partir daí, foi um passo para fazer Letras, o curso que sempre quis. Chegando à faculdade, foi automático o interesse pela literatura.

Além de escritora, você também é atriz. A sua formação, na área de Artes Cênicas, tem alguma influência na sua escrita literária?

Sim, muito. Durante o tempo em que estava estudando Artes Cênicas, escrevi bastante, inclusive textos voltados para área do teatro. Vou confessar que me sinto privilegiada por fazer parte de “vários mundos”, fato esse que, contribuiu e contribui para meu enriquecimento intelectual.

O que é escrever para você?

Escrever além de ser um processo contínuo, devido ao contato direto com obras, autores, textos, passou a ser algo corriqueiro. Escrever é a forma mais simples de expressão de ideias, de sentimentos, é pôr no papel aquilo que às vezes não conseguimos expressar com a oralidade.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Para quem vive no mundo das Letras e em contato direto com o mundo literário, é difícil escolher um autor ou autora específico. Seria até injusto, mas enfim. Dentre dezenas de fontes de inspiração, temos, claro, aqueles nomes de cabeceira, como Cecília Meireles, Laura Amélia Damous, José Neres, Mhario Lincoln, Celso Borges, Silvana Meneses, Luiza Cantanhêde, Fernando Sabino, Laura Neres, Dilercy Adler e tantos outros mais.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Palavras ao Vento (2018). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda?

Eu já viajei muito para trabalhar, dando aulas por cidades do interior e eu sempre ia de carona, ou seja, assim conseguia ver melhor as paisagens, a estrada como um todo. E nessas viagens levava sempre um caderninho ou uma agenda e aproveitava para escrever, por isso o título, Palavras ao Vento, é como se as palavras saltassem literalmente para o meu caderno. A temática gira em torno das coisas ou acontecimentos do percurso dessas viagens, como paisagens, natureza, pessoas que eu via pelo caminho.

E quanto ao seu livro mais recente, Meu Ser Espelhado em Mim (2022)? Qual é o principal tema dessa obra?

Aqui preciso fazer um balanço desse itinerário literário. Por quê? Porque muita coisa aconteceu no período da pandemia. Eu entrei para Academia Poética Brasileira, onde comecei a publicar textos na plataforma do Facetubes, foi o período em que também fui convidada para colaborar no Site Notícias da Região Tocantina, no meio do caos também participei de duas Antologias, a primeira, A Coletânea Enluaradas (organizada por Marta Cortezão que mora na Espanha) e a Coletânea Por que Escrevo – a voz da Mulher (organizada pela AJEB/MA). E foi também no período mais crítico da Pandemia que nasceu Meu Ser Espelhado em Mim, meu segundo livro de poemas. É uma obra, digamos, mais madura, mais consciente com a escolha dos poemas. A temática principal é sobre mim mesma, meu eu interior e mundo exterior do qual faço parte. Alguns poemas também são a título de homenagens. 

Fale sobre os seus demais projetos na área de literatura e cultura, como, por exemplo, o Grupo Teatro Improviso.

O Improviso, além de ser um grupo de teatro convencional, trabalha também com o teatro empresarial. O que isso significa? Significa que as empresas às vezes têm um projeto e precisam que isso seja mostrado para o público em geral, então chamam o grupo, mostram a proposta e a equipe de diretores monta o espetáculo. Temos formações todos os fins de semana, com leitura de textos, trabalho de corpo e voz e ensaiamos hipoteticamente algum texto, mesmo que não tenha apresentação. Em resumo, estamos sempre em  contato com o teatro. Com espetáculo, por enquanto estou só em processo de formação, no entanto o grupo segue com ensaios com outro elenco para apresentação em breve. Dentro da literatura, ainda este ano, estarei participando de antologias. Fora isso, continuo escrevendo e publicando para a plataforma Facetubes da Academia Poética Brasileira e para o site Notícias da Região Tocantina.

Na sua opinião, qual é a importância de adaptar obras literárias para o teatro?

Importante e às vezes necessário, mas muito, muito difícil. Na verdade, é desafiador, porque é outra linguagem, outra estrutura, é totalmente diferente. O texto teatral é extremamente rico, porque não é só o texto em si, a linguagem teatral envolve uma série de coisas tais como: figurino, maquiagem, elementos de cena, personagens, etc.

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam projetos como a Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB). Qual é a importância da AJEB-MA, para você?

A AJEB com a diretoria aqui do Maranhão e representada pela nossa presidente Anna Liz Ribeiro, tem uma importância enorme, grandiosa na minha vida. Lá, somos todas mulheres escritoras e algumas jornalistas/escritoras. Pela AJEB, já pude ter a oportunidade de participar da antologia Por que escrevo: a voz da mulher, uma coletânea lindíssima, com textos incríveis. Nessa Associação também, já tive oportunidade de fazer performance poética, juntamente com outras autoras. Enfim, é um grupo que me levou para fora do país, pois lançamos a antologia em Portugal, onde entramos ao vivo pelo canal no YouTube, foi incrível.

Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Eu ouço muitos relatos de jovens (homens e mulheres) que escrevem, mas não têm coragem de mostrar seus textos, então, o conselho que dou é que publiquem. Hoje em dia, existem centenas de espaços (virtuais, principalmente) para publicações, coisa que não acontecia há um tempo atrás, ou seja, hoje existem muitas oportunidades para divulgar o seu trabalho.


Contato da escritora:

Instagram: @lindabarros_

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente, é colunista do Imirante.com e do Feminário Conexões. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, publicou o seu primeiro livro de poesia: O mar de vidro, pela Caravana Grupo Editorial, bem como organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM NATHALIA BATISTA, POR GABRIELA LAGES VELOSO

                                  


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |07

ENTREVISTA COM NATHALIA BATISTA

Por Gabriela Lages Veloso

"Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre" essa frase de Simone de Beauvoir nos lembra do nosso direito de expressão e equidade. A literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber Nathalia Batista, uma escritora de destaque na literatura maranhense atual.

ENTREVISTA COM NATHALIA BATISTA:

Arquivo pessoal da autora

Nathalia Batista é escritora, bacharel e profissional do sistema de Segurança Pública, bacharel em Direito e também psicóloga. Reúne diversas especializações em seu currículo, se declarando uma curiosa sobre as ciências do existir, dentre outras paixões. É natural de Teresina (Piauí), mas atualmente mora em São Luís (Maranhão). É autora de dois romances: Desencontros e Desencantos (2015) e Simplesmente Alice (2017). Sua terceira obra tem previsão para ser publicada ainda em 2023.

Como você começou a escrever?

Desde criança eu tinha o hábito da leitura, em algum momento na adolescência comecei a escrever, quase como uma necessidade de passar para as histórias um pouco de mim.

A sua formação acadêmica, nas áreas de Psicologia e Direito, tem alguma influência na sua escrita literária?

A de psicologia sim. O meu segundo livro, intitulado Simplesmente Alice, que se trata do primeiro de uma série que se chama "Nas profundezas da loucura", gira em torno de uma protagonista com um transtorno psicológico diagnosticado. A ideia dessa série é mostrar a rotina e a vida das pessoas e não reduzi-las a meros diagnósticos. Essas histórias são para dirimir preconceitos e mitos que percebo, no meu dia a dia no consultório.

Por que você escreve?

Respondi essa pergunta algumas vezes e a resposta ainda continua a mesma: Para não enlouquecer. Quando escrevo, encontro o equilíbrio necessário para continuar vivendo de maneira leve.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Jane Austen, Emily e Charlotte Brönte, Alexandre Dumas, Machado de Assis, José de Alencar, Julia Quinn, Ágata Christie, dentre muitos outros...

Comente sobre o seu romance Desencontros e Desencantos (2015). Quais são as principais temáticas desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

A Inglaterra, do início do século XIX, é palco de um romance repleto de paixão, dor, encontros, encantos, desencontros e desencantos. O romance é composto por pessoas e com elas, tudo o que há de pior e de melhor no ser humano.  São sentimentos explorados em uma cadência lenta nas fases mais difíceis da vida de uma mulher. Suzanne é uma doce e ingênua moça de dezessete anos, cercada e castigada pela maldosa Veronika, de quem era dama de companhia. A vida tem seu próprio jeito de ensinar aos ingênuos e proporciona um longo e árduo caminho a menina em meio a uma sociedade onde respeito e posição não raramente eram construídos com crueldade, inveja, mentiras, intrigas e vingança. A principal temática desse livro é o amadurecimento de uma mulher. Ele explora o quanto crescemos diante das provações da vida. E essa evolução que se dá principalmente nas dinâmicas das relações. O livro se encontra à venda na AMEI, e devo lançar uma segunda edição em breve.

E quanto ao seu livro Simplesmente Alice (2017)? Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Alice Branco é uma mulher independente, decidida e com uma carreira promissora como decoradora na cidade de Andrazia. Isso é o que todos podem ver, mas ela guarda um grande e terrível segredo oriundo de um surto psicótico ocorrido há alguns anos. Seguia com sua vida fugindo de seus medos, até a chegada do misterioso Joseph Jones que, além da paixão, traz os seus maiores fantasmas à superfície de seus pensamentos. A partir desse relacionamento, dos acontecimentos vivenciados e de seu passado, que insiste em se manter impregnado em seu presente, ela precisará decidir como quer viver seu futuro. A ideia desse titulo é explorar a rotina e a vida da personagem, apesar da atenção que se dá ao diagnóstico. É a simplicidade da vida que se torna o centro desse livro. A obra também pode ser adquirida na AMEI, e assim como o outro, será reeditado e publicado em breve.

Além de escritora e advogada, você também é psicóloga. Você, de alguma forma, aborda a literatura nas suas sessões de terapia?

Com certeza, a literatura é riquíssima, e diversas histórias podem ser usadas como exemplos ou moral com a finalidade de enxergar as demandas por outros ângulos. Uma história de um personagem, quando bem explorada, apresenta um espelho da realidade.

Fale sobre o seu novo projeto, que tem previsão para ser publicado em 2023. Esse livro será uma continuação dos seus outros romances? Qual será o tema?

O livro já está pronto para passar pelas ultimas fases da publicação. Não será uma continuação dos demais, é uma história completamente nova, é um romance que se passa no século XX e que envolve o Brasil. Logo poderei falar mais sobre o livro, mas tento trazer nesse algo de diferente do que vemos nos romances, incluindo os meus publicados anteriormente. 

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Qual é a importância do ato de publicar, para você? 

Por muito tempo escrevia apenas para mim mesma, depois do incentivo de uma amiga, que consegui publicar e entender que isso significava tocar diversas pessoas em vários lugares diferentes, foi aí que entendi a importância e o cuidado que temos, como escritoras, de levar as palavras para pessoas, afinal existem muitas formas de tocar a alma humana, e sem dúvida alguma, a literatura é uma dessas.

Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Escrevam e publiquem, tudo começa com o sonho de escrever, mas não deixem morrer esse sonho. Se coloquem para ecoar no mundo as suas palavras, acredito que nunca saberemos o bem que podemos espalhar, então tratemos de semear e dividir. Escrevam e deem ao mundo a possibilidade de ouvi-las. 


Contatos da escritora:

Instagram: @nathaliabatistaescritora

E-mail: nathaliabatistadasilva12@gmail.com

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente, é colunista do Imirante.com e do Feminário Conexões. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, publicou o seu primeiro livro de poesia: O mar de vidro, pela Caravana Grupo Editorial, bem como organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.


sexta-feira, 19 de maio de 2023

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM ANA ELISA RIBEIRO, POR GABRIELA LAGES VELOSO

    


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |06

ENTREVISTA COM ANA ELISA RIBEIRO

Por Gabriela Lages Veloso

Conforme a ativista Malala Yousafzai, "quando o mundo todo está silencioso, até uma voz se torna poderosa”. Diante disso, a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber Ana Elisa Ribeiro, uma importante escritora para a literatura brasileira atual, ganhadora do Prêmio Jabuti (2022).

ENTREVISTA COM ANA ELISA RIBEIRO:

Arquivo pessoal da autora

Ana Elisa Ribeiro é mineira de Belo Horizonte, nascida em 1975. É bacharel e licenciada em Letras pela UFMG, com mestrado e doutorado em Estudos Linguísticos. É professora titular do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, o CEFET-MG, onde atua na formação no nível médio, em Letras e nos estudos de Edição há vários anos. É autora de livros de poesia, conto, crônica, infantis, juvenis e técnicos. Em 2022, celebrou os 25 anos de suas publicações em livros. Começou em 1997 com a coletânea de poemas Poesinha, publicada em uma coleção, isto é, os coletivos editores e publicadores sempre fizeram parte de sua vida. Em seguida, publicou Perversa, em 2002, pela editora Ciência do Acidente, uma das primeiras “independentes” brasileiras, em São Paulo. Daí em diante não parou mais. Foram nove livros de poesia, três de crônicas, um de contos breves, três infantis e três juvenis. Em alguns casos, as obras foram premiadas, como o poemário Álbum, de 2018, pela editora mineira Relicário, que antes obteve o prêmio nacional Manaus; o Dicionário de Imprecisões, de 2019, pela Impressões de Minas, finalista do Prêmio Jabuti em 2020. O infantil Pulga atrás da orelha foi duas vezes distribuído pelo Clube Leiturinha, além de estar em kits de prefeituras e no PNLD. Seu juvenil Romieta e Julieu (RHJ, 2021) ganhou o Prêmio Jabuti de 2022. A autora tem textos publicados em outras línguas, em revistas e coletâneas internacionais, impressas e eletrônicas. As publicações mais recentes são séries de poemas nas revistas Toró e Desvario. A produção infantojuvenil de Ana Elisa Ribeiro segue no PNLD e é reconhecida pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Enquanto isso, ela também é editora, dirigindo coleções de poesia e prosa. Na editora paulistana Peirópolis, por exemplo, ela ajuda a pôr de pé a Biblioteca Madrinha Lua, só com mulheres brasileiras contemporâneas. No selo Autêntica Contemporânea, ajuda a compor um catálogo de romances nacionais e traduzidos, de autoras e autores de várias partes do mundo. Seu título mais recente é o poemário Menos ainda, pela Impressões de Minas, lançado no final de 2022. Em 2023, sairão alguns livros para públicos diversos. Ana Elisa coordena, com duas colegas, o grupo de estudos Mulheres na Edição e é membro do GT A Mulher na Literatura, da ANPOLL. 

Como você começou a escrever?

Comecei nas últimas folhas dos cadernos da escola. É nelas que me lembro de ensaiar uns poemas, umas rimas ruins, escrever recados para jamais serem lidos, desabafar, imitar autores admirados, copiar trechos de textos que eu admirava, escrever pequenas narrativas, depois arrancar, rasgar, jogar fora. Sentir uma vergonha, mas também um impulso de escrever mais. Não mostrava a ninguém, mas pode ser que, acidentalmente, na virada do ano letivo, alguém tenha lido alguma coisa desses cadernos velhos. Depois passei a escrever em folhas soltas, numa máquina de datilografar que peguei emprestada do meu pai. Aí já era uma vontade de ver os textos impressos, mudou a chave. Escrever passou a ter um vetor: publicar. Da máquina dele passei a outra, e dela ao computador. Acho que também usei agendas para escrever, como se fossem diários, ou quase.

Em 2022, você celebrou os seus 25 anos de publicações em livros. Qual é o significado desse marco para sua carreira literária?

Até hoje tenho dúvidas se tenho uma carreira. É que a autoexigência faz aparecerem umas frustrações, os tamanhos das coisas ainda são frouxos dentro dos moldes dos planos e dos sonhos. Mas às vezes eu caio em mim e acho que, sim, é uma carreira, inclusive persistente. São 25 anos. O problema é confrontar o que a gente quer e o que realmente acontece. Quando me dei conta dos 25 anos de publicações em livros (1997-2022), achei que devia dizer algo, fazer um livro, pensar nisso. É bom, mas também é para se refletir. Perguntas duras como: o que eu fiz da minha vida até aqui? Insisto muito, me defronto com muitas coisas incontroláveis e incontornáveis. Não tem a ver com esforço, tempo de estrada, quantidade de livros, nada. Isso era ilusão de 25 anos atrás. E muito do que nunca aconteceu não é atestado de incompetência. Tem relação com outras tantas coisas que independem da minha escrita. Talvez dependam mais das relações sociais que não tenho, da marcação geográfica de tudo, da má distribuição de recursos e valores etc. O que celebrei foi a existência dos meus livros e a minha coragem ainda vigorosa. O livro que lancei por isso, o Menos ainda, é a celebração de uma carreira literária oclusa, mas com uma ironia elegante. 

Por que você escreve?

Porque eu gosto. Acho gostoso e me dá certa sensação de alívio.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Já mencionei escritores que fizeram parte da minha formação e volto a falar neles, porque foi isso que aconteceu mesmo: Paulo Leminski, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa. Lamento que sejam só homens, até aí, mas só fui tomar consciência disso recentemente, quando a discussão sobre o ler mulheres gritou mais alto. Não sei quem me influencia hoje. Leio muita coisa, mas me sinto mais refratária na hora de escrever. De certo modo, levei anos, mas encontrei minha voz literária. Não sei mais com que ela se parece. Ou se é preciso se parecer com algo. Minha prosa é que vem sendo mais testada, nos últimos anos. Quando leio algo bom, ou melhor, algo que me agrada, sei dizer que aquilo é algo que me impressiona, me agrada, me admira, mas não chego a pensar que seja uma influência. Hoje, na poesia, por exemplo, me revolvo de delícia quando leio a portuguesa Adília Lopes. E queria que ela me jogasse umas luzes.

Conte-nos sobre o seu livro Álbum (2018), que obteve o prêmio nacional Manaus. Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo? 

O Álbum nasceu de uma ideia mais projetada. Os livros de poemas anteriores eram coletâneas de textos escritos meio aleatoriamente. O Álbum nasceu da ideia fechada de responder ao álbum de fotografias que minha mãe faz para cada um dos quatro filhos. Então escrevi os poemas com um norte nítido. Nesse sentido, é meu primeiro livro-projeto, tinha uma espécie de planta baixa. De certo modo, isso dá uma coerência ao conjunto e os júris gostam. Não sou só eu que já notei esse aspecto. No Álbum as fotografias de família são o eixo. O resto vem a reboque: memória, afeto, ancestrais, morte, aborto, gravidez, amor, desamor. O livro está ativo no catálogo da excelente Relicário Edições, fácil pela web e também em algumas livrarias. 

Comente sobre Dicionário de Imprecisões (2019), que foi finalista do Prêmio Jabuti (2020). Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la. 

O Dicionário também tem essa característica do projeto. Meu filho me disse uma frase e eu tive o clique de pensar em um dicionário que imprecisasse as palavras. Um dicionário poético, sem compromisso com a verdade, declaradamente (porque nenhum tem mesmo). Não sou a primeira a ter essa ideia, mas num livro inteiro isso parece ter agradado a algumas pessoas. Em 2020, o júri de poesia do Jabuti indicou o livro entre os finalistas. Foi uma alegria compartilhada com a editora Impressões de Minas, com a qual tenho feito meus trabalhos poéticos mais recentes. Também é um livro ativo no catálogo da editora, pela web e em algumas livrarias.

E quanto ao seu livro Romieta e Julieu (2021), que ganhou o Prêmio Jabuti (2022)? Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo? 

Engraçado que os livros juvenis geralmente são textos que pensei por muito tempo e demorei a executar. Eles vêm num ambiente de diversão. Rio enquanto escrevo. Geralmente são jatos, porque estavam sendo gestados há tempos. A editora é que me dá um empurrão: você tem algo aí na manga? E eu sempre tenho. O mote é a história clássica e muito popular de Romeu e Julieta, só que atravessada pelas tecnologias de hoje. O Jabuti em 2022 foi também uma alegria que compartilhei com a RHJ, que me edita há mais de uma década e sempre aposta nas minhas aventuras. Gosto muito do jeito como as coisas saem lá. O livro está ativo no site da editora, na web e em algumas livrarias também. Depois do prêmio, mais lugares se interessaram em ter a obra. E vem mais por aí.

Fale sobre as suas participações em concursos e prêmios literários, como, por exemplo, o Prêmio Jabuti (2022). 

Não fui uma pessoa que entrou em muitos prêmios. Às vezes é trabalhoso e frustrante. Mas de vez em quando me animei e fui. No caso do Manaus, é um prêmio para inéditos, isto é, você precisa guardar absoluto segredo. É como outras premiações: Sesc, Paraná, Cepe etc. Já o Jabuti é um prêmio para obras publicadas. As editoras é que inscrevem os livros, ou você, se for autopublicado ou independente. É o caso também do Oceanos e de outros. Como jurada, estive em alguns prêmios, em prefeituras, no estado de Minas Gerais, no Sesc e mesmo no conselho do Jabuti, em ano anterior. É bom saber como isso funciona por dentro e ampliar a confiança na seriedade das coisas. 

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Qual é a importância do ato de publicar, para você? 

Publicar foi secundário na minha vida, mas já na adolescência eu comecei a pensar em pôr meus textos para circular. Nosso ambiente comunicacional e tecnológico era completamente outro. Até que fiz muito, num mundo analógico em que as pessoas pareciam muito mais distantes. Para se publicar é imprescindível conhecer gente. A Internet tornou todo mundo mais próximo, mas também criou um ambiente de burburinho muito maior. É mais difícil hoje, nesse sentido. Publicar é importante para que eu torne minha escrita algo profissional, intencionado. Não escrevo mais apenas para desabafar, como fazia na adolescência. Escrevo porque entendo que essa atividade seja parte da minha vida profissional. Tenho mais clareza de que quero ser lida e de que mereço alguns retornos pelos livros que conseguem circular. 

Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Há muitas escritoras da minha geração que começaram a escrever agora. Há escritoras de gerações anteriores que estão na luta há muito mais tempo; há pessoas nesse esforço, como eu e algumas pessoas da minha faixa etária. Há jovens e recentes escritoras que atuam no mesmo espaço simbólico. É difícil dizer sobre gerações no sentido etário. As escritoras que estão no mundo comigo, tenham a idade que for, sentem coisas parecidas com o que eu sinto. Elas têm dúvidas, desejos, pretensões, ambições, frustrações etc. Hoje o mar está para sereias. Muitas mulheres escrevendo e publicando. Mais: tornando-se mais visíveis na paisagem literária. O que penso que pode ser interessante é evitar o deslumbramento, o alumbramento, até se esquecendo das colegas; para equilibrar isso, muitas são bastante conscientes do significado dessa tomada de posse do espaço – discursivo, mas também físico nas vitrines. Não sei bem o que dizer às minhas colegas. Elas raramente me perguntam algo, então só observo mesmo. O que eu penso é que precisamos arranjar um jeito nosso de fazer bem as coisas. 


Contatos da escritora:

Instagram: @anadigital

E-mail: anadigital@gmail.com

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta, crítica literária, e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente, é colunista do Feminário Conexões. Além disso, colabora com coletâneas e revistas, no Brasil e no exterior. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

quarta-feira, 1 de março de 2023

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

   


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |05

ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS

Por Gabriela Lages Veloso

"Não há barreira, fechadura ou tranca que você possa impor à liberdade da minha mente”, essa frase da escritora inglesa Virginia Woolf representa como a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Lindevania Martins, uma importante voz para a cultura feminista atual, que, diariamente, luta pela igualdade de gênero.

ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS:

Arquivo pessoal da autora

Lindevania Martins é maranhense (Pinheiro-MA) e mora em São Luís. Graduada em Direito e Mestra em Cultura e Sociedade pela UFMA, é mestranda em Direito Constitucional pela UFF. Delegada de polícia entre 1998 e 2001, é defensora pública de Defesa da Mulher e População LGBTQIA+. Atua como escritora, palestrante e pesquisadora em Gênero, Tecnologia, Direito e Literatura. Integra o Grupo de Pesquisa em Crítica Jurídica Contemporânea (UFF). É membro do coletivo literário feminista Mulherio das Letras. Venceu por duas vezes o Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, categoria contos (2003 e 2005). Recebeu uma menção honrosa no Concurso Nacional de Contos da OAB Nacional (2006). Foi selecionada para publicação no Concurso de Originais da Editora Benfazeja (2017). Finalista no 1° Concurso Nacional de Contos Ciclo Contínuo (2017). Jurada no concurso internacional de contos “Her Story”, da Plataforma Sweek em conjunto com  o Leia Mulheres (2018). Venceu o 6° Premio CEPE de Literatura (2021). Possui contos e poemas publicados em diversas antologias, revistas impressas e sites, dentre os quais destacam-se: Cadernos Negros n. 42, Revista Gueto, Revista Pixé, Ruído Manifesto, Laudelinas, Café Espacial, Jornal O Relevo, e Acrobata. Autora dos livros Anônimos (2003), Zona de Desconforto (2018), Longe de Mim (2019), Fora dos Trilhos (2019), A Moça da Limpeza (2021) e Teresa Decide Falar (2022).

Como você começou a escrever?

Sempre fui uma leitora voraz e ler tanto despertou em mim a vontade de escrever. Comecei a escrever na adolescência, a partir da observação dos amigos, vizinhos e de mim mesma. Havia coisas sobre eles e sobre mim que eu não compreendia e através da escrita, através de um exercício de imaginação, eu preenchia essas lacunas. Logo percebi que escrever nos conferia um pequeno poder: através da ficção, eu poderia criar realidades, construindo eventos paralelos e poderia até mesmo mudar o final de certas histórias. E não só: escrever me obrigava a organizar fatos, memória e imaginação. E isso me fazia compreender um pouco mais sobre o mundo, sobre aquilo que me rodeava, inclusive compreender coisas sobre quem eu era. Para uma garota extremamente curiosa, isso era o máximo! 

A sua formação acadêmica, na área de Direito, tem alguma influência na sua escrita literária?

Muito! Diria que hoje percebo como minha identidade como profissional do direito e como escritora são complementares e se conectam de modo profundo, uma coisa contaminando a outra. Especialmente nesse momento em que me encontro mais madura e de volta à atividade acadêmica, fazendo mestrado em Direito Constitucional e repensando meu percurso profissional no mundo jurídico. Tudo isso constitui um conjunto e minha escrita se torna o resultado de todas essas interferências.

Por que você escreve?

Volta e meia me faço essa pergunta.  E são tantas as respostas que me ocorrem! Mas percebo que é principalmente uma necessidade íntima de auto-expressão que me move. Escrevo, talvez, porque sempre fui muito calada e escrever me obriga a usar e projetar uma voz interior, me obrigando a ir contra minhas inclinações naturais relativas ao silêncio. Escrevo, talvez, porque às vezes a comunicação parece inútil e tenho esperança de que, em algum momento, não seja mais. Escrevo porque sou mulher e as mulheres por tempo demais foram excluídas do espaço público, pelo que encaro como uma obrigação usar do espaço literário, um espaço de discurso público por excelência, para afirmar não só a minha identidade feminina, mas as  de as de outras mulheres e as singularidades ligadas a ela. Escrevo porque venho de um lugar em que os meus, alguns pobres demais, outros analfabetos, jamais pensaram em escrever porque esse tipo de atividade não fazia parte do seu universo de possibilidades e quando escrevo, também escrevo por eles.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Foram e são tantos. Cada escritor e cada escritora produziram em mim efeitos diferentes e elas e eles mudam de acordo com as fases de minha vida e com as minhas buscas pessoais. É mais fácil falar daqueles que estão mais distantes de nós, como Maria Firmina dos Reis, Hilda Hilst, Kafka, porque os efeitos dos contemporâneos, especialmente desses com os quais convivo, ainda estão sendo produzidos e creio que nos influenciamos mutuamente. 

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Anônimos (2003). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Anônimos, meu primeiro livro, surge quando ainda não sabia qual era a minha voz como escritora, nem o que queria alcançar ao escrever ou porque eu escrevia. Então, é um livro permeado por experimentação, contendo dezesseis contos de uma jovem escritora que está tateando e que ainda não pisa no chão com segurança. O crítico Couto Correia Filho, que assina a orelha, diz que nele há contos com uma carga dramática que choca a sensibilidade do leitor. As temáticas que abordo são variadas mas guardam algo em comum com a escrita que desenvolvo até hoje: indagam pelo sentido das coisas. Anônimos pode ser comprado através da livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Comente sobre Zona de Desconforto (2018). Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Depois de publicar Anônimos em 2003, decidi que não queria mais escrever e fiquei quase quinze anos sem publicar livros, até que veio Zona de Desconforto em 2018, contendo oito contos. Zona de Desconforto é o nome do primeiro conto, que abre o livro, e que narra a história de uma menina do interior do Maranhão que é explorada no trabalho doméstico na capital. Ao escolher o nome do conto como título do livro, quis ressaltar a importância desse conto para mim, que retoma a história de várias mulheres da minha família. Mas o título ainda cumpre outras duas funções. A primeira é informar sobre os cenários nos quais meus personagens se movem: hostis. A segunda é já alertar ao leitor sobre o tipo de coisa que ele irá encontrar no livro, para que tenha a opção de se afastar, pois o livro tem uma escrita ácida e dura que pode incomodar aos mais sensíveis. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora Benfazeja, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

E quanto ao seu livro mais recente, Teresa Decide Falar (2022)? Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Teresa Decide Falar é meu livro mais maduro. Traz quinze contos que transitam fortemente por universos fantásticos e que dialogam com meus livros anteriores, mas dialogam principalmente com as minhas obsessões.  Alguns temas se repetem, como esses ligados à linguagem e à morte. Mas sigo por outros caminhos. Na escrita desse livro, fui muito inspirada por diversas obras e autores. O conto de abertura do livro, Teresa Decide Falar, por exemplo, é inspirado  no livro Pode o Subalterno Falar?, de Gayatri Spivak. Já o conto Encontro Marcado,  se inspira em um dos meus filmes preferidos, O Sétimo Selo, de Bergman. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora CEPE, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Fale sobre as suas participações em concursos e prêmios literários, como, por exemplo, o CEPE de Literatura (2021).

Os concursos e prêmios literários sempre estiveram nos meus horizontes, em um movimento originado menos por busca de prestígio e mais por insegurança, por não ter certeza sobre aquilo que eu escrevia era realmente literatura. Vencer concursos literários ou ser finalistas de prêmios vieram como incentivos para minha escrita, me apontaram que minha escrita tinha alguma qualidade estética e divulgaram meu trabalho entre leitores, criticos, outros escritores e profissionais do livro. 

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam projetos feministas tais como o Coletivo Mulherio das Letras. Qual é a importância dos coletivos literários, para você?

Estou no Coletivo Mulherio das Letras desde o início do movimento e estive em todos os encontros presenciais. É um local de fortalecimento para nós, mulheres escritoras. Acho muito interessante quando você usa a expressão “ecoar nossas vozes”. É isso que penso: não basta escrever. É preciso que essa escrita repercuta no mundo, ecoe e produza mudanças. 

Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Que estejamos juntas e que possamos reexaminar e expandir o que consideramos nossos limites.


Contatos da escritora:

Instagram: @lindamartins

E-mail: lindevaniam@yahoo.com.br

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.



quarta-feira, 23 de novembro de 2022

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM MILENA MARTINS MOURA, POR GABRIELA LAGES VELOSO

  


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |04

ENTREVISTA COM MILENA MARTINS MOURA

Por Gabriela Lages Veloso

Segundo a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, “A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da cultura, então temos que mudar nossa cultura”. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Milena Martins Moura, uma importante voz para a cultura feminista atual, que ao promover a literatura escrita por mulheres, faz um convite à reflexão e à luta por igualdade.

ENTREVISTA COM MILENA MARTINS MOURA:

Arquivo pessoal da autora

Milena Martins Moura nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro em 1986. É poeta, editora, tradutora, além de bacharel, licenciada e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Publicou os livros Promessa Vazia (Multifoco, 2011), Os Oráculos dos meus Óculos (Multifoco, 2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021), além do plaquete de poesias Banquete dos Séculos (edição da autora, 2021). É editora da revista feminista cassandra e seu selo erótico Héstia e integra as equipes de colunistas da revista Tamarina e de poetas do portal Fazia Poesia. Como integrante da Rede AFETIVA de culturas, iniciativa que reúne revistas e editoras em prol da circulação de arte e conhecimento, organiza eventos on-line e presenciais, principalmente sobre a escrita de mulheres. Tem poemas e contos em portais e revistas como Jornal RelevO, Uso, Subversa, Torquato, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Lavoura, Zine Marítimas, Zine Felisberta, Laudelinas, La Loba, Mormaço, Caliban, Desvario, toró, Arara, Alcateia, Kuruma’tá, Aboio, Arribação, Totem Pagu, Granuja (México) e Kametsa (Peru).

Você estuda, escreve e trabalha com Literatura. Como foi o seu encontro com o mundo das Letras?

Acho que sempre conto que meu primeiro grande sonho na vida foi ser astrônoma. Entrar no mundo dos livros foi um grande acaso impensado e nada planejado. Cresci com um avô leitor, o que me fez querer aprender a ler muito cedo. E, por ter uma tia alfabetizadora de crianças, eu realmente aprendi. Antes de ler os muitos livros que tinha, eu brincava com eles, fazia cabana, subia neles e fingia me exercitar. O objeto livro ganhou bem cedo essa ideia de prazer e diversão para mim, Eu sou simplesmente obcecada por livros. E assim da leitura eu cheguei à escrita, também sem querer, incentivada (por livre e espontânea pressão) na escola. Eu sempre fui uma pessoa bastante artística, estudava música, gostava de pintura e desenho, e a escrita então se tornou mais um meio de expressão. Crianças são artistas potenciais com as quais devemos aprender (elas simplesmente fazem a arte, sem especialismos, sem cara de conteúdo, sem nariz em pé) e eu ainda era uma criança neurodivergente não diagnosticada, que não entendia (e muito ainda não entendo) dos ditames de socialização. Muito sozinha, eu me escondia na arte, na pintura, na música, na poesia. Vejo como um caminho quase automático ter trazido tudo isso para minha vida profissional e acadêmica.

Além de escritora, você também é tradutora. A literatura perpassa toda sua escrita ou são linguagens diferentes?

Eu fui uma criança/jovem pobre, de uma família que fez de tudo que pôde pela minha educação, mas que não pôde muito. Nunca tive dinheiro para fazer um curso de inglês, mas sempre amei a língua e quis aprender. Eu pegava músicas e ficava indo e voltando tentando entender a letra, com um dicionário do lado. Na época eu nem sonhava em ter um computador com internet que me proporcionasse pesquisar. Via filmes repetidos com legendas em inglês, séries com closed captions. Tive que correr atrás de métodos para aprender o idioma por mim mesma e acabei criando hábitos que me levaram de cabeça à tradução. E dela à criação no próprio idioma, principalmente nos idos de juventude, com minhas bandas de metal. Sempre compus muito mais em inglês, quase absolutamente. Mais uma vez, não rolou um grande plano de vida: vou ser tradutora, então preciso fazer isso e aquilo. Essa é mais uma parte da minha carreira profissional para onde fui arrastada pelos acontecimentos. E gosto bastante de trabalhar nisso também.

Por que você escreve?

Essa é uma pergunta recorrente e a resposta é: não sei. Só sei que existe algo inquieto que só se acalma assim. Algo faminto, que se debate, que grita. Que implora por nascer. A gente tenta, a gente cansa o queixo, a gente dói o dente, mas não consegue mastigar esse pedaço endurecido de nervo e soluço. Uma hora é preciso cuspir. E esse parágrafo é meio poético demais. Mas o fato é que eu não tenho nenhuma tecnicalidade quando o assunto é escrita. Não vou falar em termos acadêmicos, psicanalíticos, sociológicos sobre por que escrever. Tampouco acredito em musas mágicas e elementos sobrenaturais inspiradores, em ser o canal para a expressão de uma divindade ou do cosmos. Nem oito nem oitenta e oito. Poesia sai da gente, inexplicável porém indubitavelmente. Poesia é tão natural quando uma bola de comida velha embrulhada em saliva cuspida no canto do prato. Isso também é poético.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Tantas que, por medo de esquecer alguma, melhor não citar. Só posso dizer com certeza que estou cercada de grandes artistas e me sinto muito honrada de dividir um século e um planeta com eles (desculpe o plágio, Sagan!). Ter como amigas tanta gente foda é de deixar qualquer um feliz.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Promessa Vazia (2011). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Promessa é até então meu único livro de contos. Ele é uma reunião de histórias que versam basicamente sobre solidão, loucura, o que é ou não real, tudo isso resvalando num singelo fantástico que não foi intencional, como tudo na minha vida. Escrevi e reescrevi essas histórias ainda na adolescência, início da vida adulta, bem novinha, numa época que tanto foi de descoberta e abertura de horizontes quanto de sofrimento. O Promessa é um livro esquisito, confesso, mas ainda gosto muito dele. Tem uma parcela grande da minha insanidade naquelas páginas e ainda acho que esse é justamente o seu melhor. Ele está à venda no site da editora Multifoco.

Comente sobre Os Oráculos dos meus Óculos (2014). Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Os Oráculos foi lançado em 2014, mas contém poemas que datam desde 2009. Ele está completamente tomado do meu período de luto pelo meu avô. Sua caminhada até a morte foi um dos momentos mais tristes que já vivi e Os Oráculos foram meu mecanismo de coping. Ali está a minha saudade, ali está o meu luto. Quase não releio os poemas dessa época, luto arrefece mas não cura. Por isso, é um livro que fica guardadinho no seu canto, que prefiro manter fechado, guardando essas dores antigas. Ele também pode ser encontrado no site da Multifoco.

E quanto ao seu livro mais recente, A Orquestra dos Inocentes Condenados (2021)? Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

A Orquestra é uma obra bastante diferente das demais. Em primeiro lugar, o poema homônimo foi tirado no corte final, mas o título continuou. É um título que marca duas características claras: a atual situação do país (no caso, no contexto pandêmico da época); e a minha completa capacidade de misturar todo tipo de referência. Isso porque eu gosto de MUITAS coisas diferentes, não faço a mínima questão de ser aquele tipo de escritor hiper-intelectualizado que tem que transcender em tudo. Gosto de sci-fi tanto quanto de ópera e me acabo ao som de Chandelier tanto quanto com um filme de arte escocês. A Orquestra dos Inocentes Condenados, esse título enorme e não muito explicativo, nasceu de uma mistura de referência de Beirut e X Files, uma das minhas bandas preferidas, uma das minhas séries preferidas, cuja ligação entre si é em suma nenhuma. E de fato esse título teve muito a ver com o período pandêmico, em que a falta de gestão e de empatia condenaram tantos inocentes à morte. O livro inteiro é uma grande cusparada de desespero pelos momentos atípicos trazidos pelo isolamento social, em especial na população neurodivergente da qual faço parte. Dentro dessas páginas, tem toda uma sorte de sofrimentos diversos, escritos sem critério, jogados às pressas sobre o papel numa tentativa de cura. Foi um livro escrito completamente diferente do que eu costumo, mais apressado, mais desesperado. Ele pode ser comprado no site da editora Primata ou comigo, ainda tenho alguns.

Fale sobre os seus demais projetos na área de literatura e cultura, como, por exemplo, a revista cassandra.

A cassandra foi criada com o intuito maior de abrir espaço para as artes de autoria feminina. Muitas mulheres têm receio de se assumirem, se dizerem artistas. Muitas não se acreditam ou se aceitam como tal. Mas eu insisto em que toda mulher que deseje seguir a arte e a literatura mereça um espaço que lhe diga: acreditamos em você, gostamos do que você faz e te apoiamos, por isso te publicaremos. Tem muita mina por aí desistindo da arte por falta de apoio, porque precisa colocar o pão na mesa e alimentar a cria às vezes sozinha e isso tira as forças de sonhar. Então, quando a gente diz: sua arte vale a pena, também estamos dizendo um belo você merece. Claro que abrir um espaço de publicação é apenas o mínimo. Apoiar a arte de uma mulher (ou de qualquer artista) é também comprar seus produtos, porque ninguém paga as contas com publicação. Mas se podemos ser um tijolinho a mais na parede da não desistência, se podemos dar esse gás para que escritoras continuem escrevendo, artistas continuem produzindo, então já vale o mundo. Quando criei a cassandra, a primeira coisa que pensei foi que era uma ideia insana, por motivos de saiu da minha cabeça deve ser ruim. Hoje percebo como crescemos, tanto e tão rápido, e o quanto ganhamos a confiança dos nossos leitores e das autoras que nos confiam seus materiais todo semestre. Então acho que esse era um espaço necessário, acho que fiz a coisa certa não desistindo antes de começar. Tem sido puxado, não ganhamos nada, pelo contrário, gastamos, toma tempo, dá trabalho. Mas quando vejo a felicidade das autoras selecionadas, a dedicação das colunistas, quantas nos procuram todos os meses para divulgações, parcerias, resenhas..., eu percebo que foi a coisa certa sim. E me sinto muito feliz por tudo isso.

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Aí entram as publicações. Qual é a importância da publicação, para você?

Ao longo da história, e vou novamente tocar no assunto mulheres embora saiba que muitos outros grupos passaram e passam por fenômeno semelhante, escritoras mulheres sofreram com as oportunidades de publicação, sem que isso se devesse à qualidade de sua obra. Quando publicadas, porém, temos relato de muitas que foram laureadas, reconhecidas e aclamadas em vida, porém não passaram para a história, um processo que os estudos atuais vêm chamando “memoricídio”. Esse padrão memoricida mata em morte, é como morrer novamente, porque não ser lembrado é quase não ter vivido. Assim, vão se construindo histórias literárias e panteões canônicos que mais excluem do que englobam, nos quais as vozes femininas raramente estão presentes e que, preguiçosamente, reduplicam os silenciamentos históricos enquanto se atualizam seguindo os mesmos padrões. Tão sabido é que as histórias da literatura que vão surgindo não corrigem os apagamentos das suas antecessoras senão apenas as copiam e inserem novos nomes, quase sempre elencados de acordo com os mesmos embotamentos das anteriores. Com isso, muitas autoras vão ficando desarquivadas, ou seja, não se gera arquivo sobre elas e, por não estarem nas publicações especializadas tampouco serem canonizadas, torna-se impossível conhecer sua trajetória. A publicação é uma forma de gerar arquivo sobre as autoras que estão produzindo e arquivo é memória. Por isso antologias são tão importantes, em especial impressas, pois isso gera um mapeamento da escrita de mulheres produzida na atualidade. Não podemos cometer o erro de deixar nossas autoras desarquivadas, como fizeram os que vieram antes de nós, tornando o processo de dessilenciamento tão penoso e por vezes impossível. Devemos publicar o maior número de mulheres que pudermos, em livros, em antologias, em revistas digitais ou impressas, com sua bio e sua foto, para que no futuro se saiba quem foram, que existiram, que escreveram e o que. Memória é direito inalienável e é nosso dever, como mulheres escrevendo, editando, publicando hoje, preservá-la para o futuro e tirar da sombra as que abriram caminho para que pudéssemos estar aqui.

Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Vocês são escritoras e essa palavra não deve ser um peso. Não é arrogância, não é um erro e não é se achar demais. Vocês são escritoras. Escrevam. Vão dizer que é só um hobby, não é. Vão dizer que é só uma fase, não é. Vão dizer que não dá dinheiro..., não dá. rs Ainda assim, escrevam.


Contatos da escritora:

Instagram: @milena.martins.moura

Twitter: @milena_m_moura

Instagram da revista cassandra: @revistacassandra

Site da revista cassandra: https://revistacassandra.com.br/

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM MARGARIDA MONTEJANO, POR GABRIELA LAGES VELOSO

 


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |03

ENTREVISTA COM MARGARIDA MONTEJANO

Por Gabriela Lages Veloso

De acordo com a escritora chilena Isabel Allende, “as mulheres foram silenciadas por séculos e só agora, com as conquistas do feminismo e as inevitáveis ​​mudanças na sociedade, elas começam a receber alguma consideração. Custa a uma mulher três vezes mais do que a um homem obter metade do reconhecimento. No meu caso, isso ficou evidente, especialmente no Chile. Ninguém é profeta em sua terra, pior se for mulher”. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Margarida Montejano, cujos versos e narrativas são repletos de sensibilidade, reflexão e sororidade.

ENTREVISTA COM MARGARIDA MONTEJANO: 

Arquivo pessoal da autora

Margarida Montejano é natural de Mogi Guaçu (SP), mas reside em Paulínia (SP). Atualmente a escritora e poeta é Supervisora Educacional na Rede Municipal de Campinas. Cursou a graduação em Pedagogia e o Mestrado em Educação, na PUC Campinas, e, o Doutorado em Educação, na Unicamp. Além disso, é Pesquisadora do Loed/Unicamp, e, Produtora do Canal Literário N’outras Palavras – histórias que inspiram, no Youtube. Em 2021, foi Co-Organizadora do livro Cotidiano, Poesia e Resistência, publicado pela Editora Siano. Em 2022, publicou o seu primeiro livro, intitulado Fio de Prata, pela Scenarium Livros Artesanais (SP), e, em seguida, o livro  Pérolas do Caminho, na Amazon.

Como você adentrou no mundo das letras?

Gabriela, querida. Antes de dialogar com você nesta e nas outras provocações deste maravilhoso espaço literário, quero agradecer o convite e desejar a você e ao Feminário Conexões, muitos êxitos! Que sua coluna atinja o objetivo maior que é o de ser lida,  ressignificada e compartilhada com inúmeras mulheres do Brasil e do mundo. Sobre como adentrei no mundo das letras, penso que as letras sempre estiveram em mim, desde a infância, pelos olhos de minha mãe, primeira leitora e contadora de histórias. Eu era uma ouvinte atenta e curiosa, e fazia perguntas que a ela, talvez,  por não ter as respostas,  me pedia para ouvir até o fim  porque lá, no final, eu entenderia. Não funcionava bem assim, mas ela tentava e conseguia prender minha atenção. Contudo, posso dizer que, foi na adolescência, período em que, por influência de um professor de literatura, mergulhei literalmente nos livros.  Devorava os clássicos da biblioteca da escola municipal e, não satisfeita, na época, me inscrevi num clube do livro e recebia livros de bolso, com grandes títulos, pelo correio. Foi uma época mágica, pois tive contato com obras nacionais e internacionais, dentre elas algumas de Machado de Assis, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Cecília Meireles, Agatha Christie, Julio Verne,  Gabriel Garcia Marques. Dele, faço questão de citar Cem Anos de Solidão, lido em cinco dias. Um livro que me marcou muito, pois trago comigo os detalhes de Macondo, cidade fictícia e a riqueza do real e do imaginário, retratada pelo autor na existência e especificidades humanas, presentes nas várias gerações da família Buendia.

A sua formação acadêmica, na área de educação, tem alguma influência na sua escrita literária?

Sim, com toda certeza. Minha formação acadêmica sempre esteve vinculada à educação pública. Tive o privilégio de receber uma bolsa de estudos no Mestrado e realizar meu doutorado numa universidade pública. Penso que a base político-educacional, que recebi em minha formação,  possibilitou-me estar mais atenta à leitura crítica da realidade e, por conta disso, escrever com os pés fincados nos contextos político e social. E, ao mesmo tempo, considerando a licença poética e criativa que a literatura me permite, criar, sonhar e esperançar por tempos melhores, como nos ensinou Paulo Freire. Não consigo escrever descolada da realidade sócio-político-econômica que produz e se alimenta das desigualdades, miséria, violência e opressão. Neste sentido, acredito que, pela educação, com bases numa formação humana que promova o gosto pela leitura e, com isso, a leitura crítica da realidade, será possível construirmos um mundo mais fraterno, mais humanizado e sensível no enfrentamento dos problemas sociais.

Por que você escreve?

Eu diria que escrevo para me libertar de todas as amarras culturais que carrego comigo. A escrita feminina e a esperança são temas que permeiam minhas produções, sejam na poesia ou nos contos. Penso que minha escrita retrata as violências praticadas contra os oprimidos, de um modo geral. Contudo, mais especificamente, contra as centenas de milhares de mulheres que sofreram e sofrem com a violência e o preconceito causados pelo machismo estrutural, presente nas sociedades e que precisam ser enfrentados e combatidos. A escrita é uma ferramenta extremamente necessária e importante para melhorar a elaboração das ideias, da capacidade argumentativa, oralidade e autonomia da pessoa e deve ser estimulada a todos, desde a infância.

Quais escritoras(es) te motivam a continuar sua carreira literária? 

São muitas escritoras maravilhosas, que me motivaram e motivam, quando as leio e as releio, vejo o quanto eu tenho a aprender com elas!  Interessante que suas escritas me marcaram como tatuagem. Fazem parte de meus poros, de minha pele, de minha essência. De Clarice Lispector, A Hora da estrela, quanta sabedoria na reflexão sobre a vida e a morte! De Lygia Fagundes Telles, a Ciranda de Pedra. Eu era adolescente ainda, quando me encantei com a menina Virgínia, na luta por ser reconhecida! De Adélia Prado, me vem à mente o poema Casamento e a lembrança de que "Coisas prateadas espocam..." Muita riqueza em suas construções poéticas! De Cecília Meireles, o Retrato, muito forte e questionador, me toca lá no fundo:  "Em que espelho ficou perdida a minha face?".  De Cora Coralina, o poema Das Pedras, quanta aprendizagem em seus versos duros e realísticos. Dói e ensina que viver é lutar. Elisa Lucinda, Djamila Ribeiro e Conceição Evaristo, em luta pela defesa da vida das mulheres e de tantos outros irmãos do caminho. Vidas Negras me importam muito! E, como não poderia deixar de citar, as obras de Isabel Allende me estimulam a crer que é possível outro mundo diferente para nós mulheres, destacando, de sua obra, Mulheres de Minha Alma. De Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com os lobos e Angela Davis, é claro, com Mulheres, Cultura e Política. Penso que as escritoras citadas e tantas outras escritoras contemporâneas me convocam à escrita pela história de luta feminina e me lembram, nos lembram, em suas produções, de não esquecermos de nosso valor roubado, sonegado, negado e que a luta deve ser constante pelo lugar social reconhecido a que temos direito. Valiosas contribuições que me ajudaram e me ajudam a pensar e a sonhar com um mundo mais humano, fraterno e solidário para conosco e com todos os outros.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Fio de Prata (2022). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Fio de Prata é, como costumo dizer, um livro-presente, pois tem o encanto das ilustrações confeccionadas pelo amigo e artista plástico, Ruy Assumpção Filho exclusivamente para os contos, iluminado pelos prefácios e posfácios e pelo feitio artesanal da Scenarium livros artesanais, sendo em sua forma costurado com uma fita prateada que se prolonga como um marcador  de páginas. Dá para imaginar? É lindo, não deixe de conhecê-lo! Fio de Prata traz, no bojo dos 07 contos, memórias reais e ficcionais projetadas pela literatura em retratos da realidade e da existência, apresentando a mulher como protagonista em sua luta cotidiana pela  integridade sócio-econômica e política de sua presença no mundo. Posso dizer que o processo da escrita nasceu sem pretensão literária, contudo fluiu com o desejo de se fazer registro para não se perder as histórias, transformando-se em contos. Neste sentido, bebeu conteúdos em vivências próprias e em histórias/causos colhidos em encontros com outras mulheres que se entregaram à contação de memórias, considerando não perdê-las no tempo. Como já sinalizado, Fio de Prata é permeado pela presença do feminino no protagonismo da menina, da moça, da mulher madura e idosa, todas apresentando seu aporte às lutas na denúncia e no anúncio de novas formas de enfrentamento do machismo estrutural na atualidade. E, se alguém se interessar em adquirir o livro Fio de Prata, na versão física, poderá fazer os pedidos diretamente com a editora Scenarium Livros Artesanais, ou, na versão digital, no site da Amazon.

Além de escritora de contos, você também é poeta. Na sua opinião, existe alguma diferença entre a escrita de prosa e poesia?

Sim, pois ambas as categorias têm forma própria. Na poesia, há ritmos, rimas, métricas... Na prosa não há versos e nem quebra de linhas, contudo em alguns de meus contos subverto a regra, pois, se na estrutura textual meu narrador pensar alto, não hesitarei em inserir um verso em meio à narrativa.

Você pretende lançar também um livro de poesia? 

Sim. Já está sendo preparada, para o ano de 2023, uma coletânea de poemas, reunindo temáticas variadas, contudo todas em defesa da vida e da esperança.

Comente sobre os seus projetos na área da literatura e cultura, como, por exemplo, o Canal N'outras Palavras: histórias que inspiram

Gabriela, além da leitura e da escrita que têm tomado conta de mim nos últimos tempos, outra ação que me é muito cara é a produção de conteúdo significativo à atualidade para o Canal do Youtube, N'outras Palavras - histórias que inspiram.  Trata-se de um espaço cultural, sociopolítico e educativo, que nasceu no início de 2020, na época do início da Pandemia da Covid-19. O objetivo primeiro do canal era produzir leituras de contos, fábulas, poesias às pessoas que se encontravam em isolamento social, em especial às que estavam internadas em clínicas de recuperação, asilos e, mesmo em casa, longe dos familiares. Em 2021, o Canal intensificou sua produção e foram criados novos quadros, dentre eles o "Fala Poeta", voltado para a apresentação de poemas enviados ao Canal, com a leitura pelo próprio autor; o quadro "Janela Cultural", onde o autor apresenta seu trabalho destacando a sua atuação no universos literário e artístico;  Lives com convidados que tratam temáticas da atualidade e como  um  espaço de lançamento de livros. No ano de 2022, mantivemos os quadros e criamos mais uma possibilidade de produção de conteúdo, o quadro "Na lata", no qual os convidados são entrevistados com questões atuais e que transitam pelas várias áreas do conhecimento, em especial,  as de cunho filosófico-político e culturais. É importante realçar que os conteúdos apresentados no canal dialogam com a música e a arte de modo geral e o objetivo deste espaço de comunicação é apresentar pessoas que produzem educação e cultura na perspectiva da formação humana.

Qual é a importância da literatura?

Quando penso na importância da literatura me vem à mente o poema de Mário Quintana, "Quem faz um poema, salva um afogado". Assim vejo e sinto a literatura. Sua prática representa possibilidades de ampliação do olhar e de perspectiva do sujeito sobre a realidade. De enriquecimento do vocabulário, de elaboração de ideias e de produção escrita, assim como para o desenvolvimento da autonomia e da criatividade. Neste sentido, a presença da leitura desde a infância, ao meu ver, possibilita formar gerações de adultos mais sensíveis e humanizados no desenvolvimento das relações sociais, da ciência, da arte e nos cuidados consigo, com o outro e com o meio ambiente.

Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Minha mensagem e desejo para as novas gerações de meninas, moças e mulheres: escrevam. Leiam muito e, em especial, literatura escrita por mulheres. Deixem registradas as experiências de vocês e participem de coletivos femininos. Não desanimem quando tudo parecer aterrador. Lembrem-se das mulheres que as antecederam e se fortaleçam nas experiências de suas vidas, pois somos o que somos por conta delas e das lutas que elas travaram.


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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

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