CALDEIRÃO LITERÁRIO II: DA FORÇA DOS SONHOS QUE NOS MOVE
Por Marta Cortezão
Tragediazinha
Cansou-se da
eterna espera
o morno amor
chove-não-molha
e retirou seu
cavalinho
da chuva
peneirando lá fora.
Casou-se com a
igreja
o fogão a
máquina de costura
e recheou os
frios dias
de tríduos e
novenas
biscoitos bolos
rendas.
Mas na calada da
noite
no recato escuro
ainda embala o
velho sonho
de um amor
absoluto.
{Astrid Cabral, em "Lição de Alice". Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986, p. 39.}
Ano passado, durante a apresentação das poetas que participavam da Coletânea
II: uma Ciranda de Deusas, fui selecionando textos de autoras
contemporâneas e/ou do cânone para celebrar a presença de cada escritora que cirandava
conosco, mas não somente. O meu desejo também era fomentar diálogos, mergulhar
nas velhas certezas e debater-se no mar das dúvidas que ora nos preenche ora
nos esvazia, nos levando sempre a provocações e ao desejo de seguir abocanhando
com gosto a maçã do conhecimento.
Na ocasião, o texto-poema que selecionei foi Tragediazinha, de
Astrid Cabral, que, naquele momento, me provocou o seguinte:
Esperar pelo exato momento que nunca chega, pelo sonho
tantas vezes adiado, pela euforia adormecida no corpo, pelo corpo que se
debruça, cansado, sobre o regaço do sonho guardado, pela palavra-corpo sempre
prestes a nascer, pelo voo adestrado... Não, é preciso um basta! É tempo de
libertar este pássaro-sonho de canto triste e solitário, no azul da alma! É
tempo de permitir-se abrasar pelo fogo do "amor absoluto", pois a
Literatura ainda é esse abraço que cura a fadiga diária da vida. Escrevamos!”
[Marta Cortezão, 18/06/2021]
A poeta amazonense Astrid Cabral já, no título, ironiza, por meio do tom pejorativo do diminutivo “tragediazinha”, as situações tão normalizadas pela repressão patriarcal sofrida pelas mulheres e que são difíceis de serem detectadas com clareza e consciência, pois há uma dinâmica da repressão sistemática do feminino que vem se impondo – quase que invisivelmente ao longo de séculos e séculos – através das funções matriarcais que nos são atribuídas de forma pejorativa. A tríade cozinha-casa-igreja continua sendo as nossas prisões. Contudo, é ledo engano pensar que somos apenas vítimas nessa história mal contada, porque é “na calada da noite/ no recato escuro” que se “embala o velho sonho/ de um amor absoluto”.
O encontro com o “amor absoluto”
é a liberdade não apenas no corpo, mas da mente; é a condição que nos faz abrir
os olhos e negar, rotundamente, a liberdade de um voo adestrado. Essa liberdade
genuína a que me refiro é a que aduba o canteiro dos sonhos, é a que gira a
engrenagem e põe mulheres em movimento, porque é SEMPRE tempo de libertar este pássaro-sonho de canto triste e
solitário, no azul da alma! É sempre tempo de nos permitir ser abrasadas pelo
fogo do “amor absoluto”, pois a Literatura ainda é esse abraço que cura a
fadiga diária da vida. Escrevamos!
E para mexer esse Caldeirão Literário II de hoje, experimentaremos da poção mágica das companheiras-escritoras: Tânia Alves, como seu livro Cabelos de Toin oin oin (Pontes Editora, 2021), com ilustrações de Tatiane Galheiro; também Margarida Montejano com o seu recente Fio de Prata (Scenarium livros artesanais, 2022), Isa Corgosinho acompanhada de seu livro Memórias da Pele (Editora Popular Venas Abiertas, 2022), ainda as escritoras Maria do Carmo Silva com seu Recomendações Poéticas (Cogito Editora, 2021) e Elisa Lago trazendo na bagagem seu livro-instrumento Sonoridade (Editora Edufma, 2021).
Segue abaixo a sinopse de cada livro acima
citado:
CABELOS DE TOIN OIN OIN
Tema tão importante a ser
desenvolvido desde a mais tenra infância: a importância da autoimagem positiva.
Tratado de maneira tão delicada e sensível.
Valorização dos próprios traços,
dos cabelos, da sua descendência... este livro trata mais do que a questão da
autoestima, empodera as crianças, trazendo em versos a beleza de cada um.
FIO DE PRATA, publicado pela Scenarium livros artesanais, aborda a
tênue linha da existência, através de sete contos ilustrados pelo artista
plástico Ruy Assumpção. Os contos retratam experiências reais e imaginárias,
permeadas pela fantasia que a poética da vida e da literatura ilumina. Neles, o
leitor encontrará lampejos de memórias do universo feminino que o convidam e o
conduzem, de forma livre e imaginativa ao exercício da reflexão.
O livro MEMÓRIAS DA PELE,
com a simbologia de Mnemosyne, a matriarca da Musas, se abre para várias
possibilidades de sentidos.
A memória evoca aqui a preocupação
com a dispersão e a desmemória, o memoricídio. Há, portanto, um vínculo
inseparável do que foi vivido com o que se vive, minha poesia está amparada
pela historicidade de forma sincrônica e diacrônica nos vieses líricos do
feminino (Quem és, Maria; Joana sob o signo do fogo etc.).
É um convite para que possamos
mirar o presente com o olhar no passado, reencenar as utopias e vislumbrar o
horizonte de expectativas (Fibras do tempo) para além do mínimo Eu que se
volatiza na agoricidade ou se fecha nas bolhas virtuais.
São Memórias experienciadas pelos
sentidos, encarnadas, expõem as paixões, as dores, os amores, as perdas, o
gozo, as afeições, o estranhamento, o deslumbramento e o susto, as atrocidades
praticadas e vivenciadas pela humanidade, tatuadas na extensa pele do feminino
ancestral que nos habita.
Os estratos da pele recobrem de
importância a percepção dos sentidos, opõem-se à perda da pele impostos a
todos, principalmente às mulheres, que são submetidas aos processos culturais
ultrajantes dentro desse sistema patriarcal e misógino.
De todos os sentidos, o tato é o
mais ancestral. A minha poesia quer tocar e ser tocada em sua constituição de
ser vivo da linguagem.
Pertenço à árvore genealógica de
Clarice Lispector, que nos convida a aprofundar as raízes na potência
inesgotável do tato, enquanto “(re)descoberta do mundo”.
De tato vem contato, são as
imagens do con-tato que são lançadas para o leitor para que ele opere a
interpretação responsiva no espírito e no abraço.
É conhecimento intuitivo que busca
refratar a realidade, lançar os dados da multiplicidade do universo feminino,
em contato imediato e concreto na construção das imagens poéticas.
RECOMENDAÇÕES PÓÉTICAS, segundo livro de poesias da autora Maria do Carmo
Silva, está composto por poesias inspiradas no cotidiano humano, nas questões
ambientais, humanas e sociais que ocorrem no nosso país, incluindo a temática
da negritude, a amizade, a solidariedade, ao fazer poético e aos temores
trazidos pela pandemia. O livro é organizado em 4 partes, sendo que cada uma
destas partes é constituída por poesias com temáticas semelhantes, introduzidas
com uma gravura e fragmentos de textos dos escritores: Gilberto Gil, Guilherme
Arantes, Cora Coralina e Mário Quintana, reverenciando os grandes nomes da
literatura brasileira, cujas produções poéticas são admiradas pela autora.
Colaboraram com a construção desta
obra: o editor Ivan de Almeida da COGITO editora, O Dr. Fábio Araújo Oliveira,
professor de Língua Portuguesa (UNEB DCH V), a Professora e Psicopedagoga
Jocinere Soares de Almeida e o radialista, web jornalista, bacharel em Direito,
editor e fundador do site de notícias e mídia TRIBUNA DO RECÔNCAVO Hélio Alves
com os textos das orelhas.
SONORIDADE tende a se consolidar como caminho temático e/ou estético da poeta, que parece entrevistar a si própria, com sua lírica em primeira pessoa, versos em tons de diálogo e uma pontuação que sugestiona os leitores. Este novo trabalho de Elisa Lago traz uma voz poética que brada os dilemas entre os desejos e as condições de realizá-los. Ao percorrer a escuta desses acordes durante a leitura, sente-se aflorar uma saga lírico-amorosa, com sabor intimista, entrecortada de versos que revelam estados sentimentais inspirados pelo eu lírico.
(Por Ana Néres Pessoa Lima)
Aqui fica o nosso convite para você, às 17h (Brasília), somar poesia conosco, no canal do YouTube Banzeiro Conexões! Lemberamos também de nosso encontro de domingo, às 19h (Brasília), no (COM)PULSão POÉTICA, encontro transmitido pelo perfil do Instagram @enluaradas2021, com mediaçao da poea Carrolina Costa. Será um prazer ter a sua companhia!
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