CALDEIRÃO
LITERÁRIO III: DAS PULSÕES SUBVERSIVAS DA LINGUAGEM
Por Marta Cortezão
a poeta
– artífice da palavra –
cultiva seu canteiro
sílaba a sílaba
tateia o mundo dos significantes
e de seus significados
subverte funções
e disfunções da linguagem
mergulha em conceitos metafísicos
em voo indomável e paradoxal
ultrapassa o universo linguístico
das coisas corpóreas e incopóreas...
e do adubo fértil da alma
a poesia se faz germinar!
[Marta Cortezão]
Escrevi
este poema, sem título ainda, no ano passado, no momento da construção da Coletânea
II: uma Ciranda de Deusas, publicada pela Editora Sarasvati, em parceria com o
Selo Editorial Enluaradas, e que (é bom enfatizar!) está concorrendo ao
Prêmio Jabuti 2022. Ao reler o poema, hoje, me veio a necessidade de fazer nele algumas modificações. Senti que era preciso adubar o solo fértil da linguagem, podar
algumas palavras de essência capim, porque estendem seu ambíguo significado e tomam
conta de tudo e sufocam a outras palavrinhas miúdas, e acabam minguando o
poema.
Quis
aplicá-lo os cuidados para senti-lo um poema-planta viçoso, com nuances hiperbólicas
de nova semente, quase invisíveis à alma nua. E não porque seja difícil identificar
tais modificações entre as duas versões, não me refiro a isso, mas ao fato de,
como poeta, encontrar-me neste particular e ansiado estado de "alma nua" para cultivar
férteis canteiros de poesia. Nesse processo de preparação, há um laborioso
trabalho nos campos linguísticos dos vocábulos, e é importante curvar-se sobre estes
campos para ará-los com paciência, com a dedicação monótona de uma jardineira que enfia
as mãos no solo úmido e movediço das palavras e tateia com minúcia sua superfície
subversiva, prenhe de epifanias do cotidiano, a fim de trazer o novo à vida.
Anteontem li um artigo sobre o discurso da poeta Wisława Szymborska (1923-2012) proferido por ocasião da premiação do Nobel de 1996, cujo título é O poeta e o mundo. Nesse discurso, me tocou muito a ponte que Szymborska fez com os versos do poeta bíblico Eclesiastes (1:9) que tratam das vaidades humanas. Ela imagina o prazer do diálogo com o poeta que admira, tomando-o pela mão e dizendo-lhe, com poeticidade:
“Nada de novo sob o sol” — escreveste, Eclesiastes. No entanto tu mesmo nasceu novo sob o sol. E o poema que criaste também é novo sob o sol, já que ninguém o escreveu antes de ti. E novos sob o sol são todos os teus leitores, pois os que viveram antes de ti não puderam ler teu poema. E também o cipreste à sombra do qual sentaste não cresce aqui desde o começo do mundo. Ele surgiu de outro cipreste parecido com o teu, mas não exatamente o mesmo. E além disso, Eclesiastes, queria te perguntar o que de novo sob o sol tenciona escrever agora. Será algo com que ainda complementes teus pensamentos ou acaso estás tentando a contradizer alguns deles? Na tua obra anterior, vislumbraste a alegria — que importa que seja fugaz? Portanto, quem sabe será sobre ela teu novo poema novo sob o sol? Já tens anotações, os primeiros rascunhos? Não dirás decerto: “Escrevi tudo, não tenho nada a acrescentar”. Nenhum poeta no mundo pode dizer tal coisa, muito menos um poeta como tu.
E
como trazer o novo neste mundo tomado pela celeridade das informações e pela impaciência
de demorar-se sobre as coisas e sobre as outras pessoas? Como não se angustiar com a ‘avalanche criativa’
do mundo cibernético? Como não sucumbir às vaidades das vaidades e armadilhas
do ego? Eu, na minha tão pequena existência, me aproprio do diálogo filosófico
da poeta Szymborska, um antídoto para as angústias do voraz século XXI, e ouso dizer
que a resposta, para mim, está em parar para cultivar o próprio e único canteiro,
pois as palavras-sementes que nele vingarem terão a essência única, o cheiro de
flor que somente será peculiar à própria alma de quem o cultivou. Ainda que as mesmas sementes-palavras
ecoem pelo mundo em outros tantos cultivos, no seu canteiro terão beleza,
textura, cor e pulsão únicas e plurais, porque há um novo que cresce e
floresce em cada humana existência que lateja sob o sol, apesar do cansaço e desilusão
vividos dia após dia. É sempre tempo de arar os campos da linguagem e subverter
seu uso, interessar-se também pela natureza das ervas daninhas que nos visitam os canteiros e permitir
que os pássaros famintos se alimentem no canteiro-alma.
E para cultivar os campos da linguagem deste Caldeirão Literário III, que acontece HOJE, às 17h (Brasília), contamos com a técnica das jardineiras-escritoras: Liana Timm (RS), com seu mais recente canteiro A Dimensão da Palavra - 36 anos de poesia - Editora Território das Artes, 2021; Lindevania Martins (MA), com A Moça da Limpeza, Editora Primata, 2021; Flavia Ferrari (SP) e seu Meio-Fio: Poemas de Passagem, publicado pela Editora Toma aí um Poema, 2021; também a poeta Dalva Lobo (MG), com Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano, Editora Siano, 2021 e a poeta Cristiane de Mesquita Alves (PA), com seu Riscos de Mulher, pela Editora Todas as Musas, 2021.
E quem tem o
privilégio de receber estas autoras queridas é a poeta Marta Cortezão,
juntamente com VOCÊ, parte importante desse Caldeirão Literário! Aguardamos sua
companhia desde já!
Confira os belos canteiros cultivados pelas autoras:
Obs: todos
os textos abaixo foram enviados por cada uma das autoras convidadas.
A DIMENSÃO DA PALAVRA
| LIANA TIMM
O livro reúne 35 anos de poesia da artista multimídia LIANA TIMM. Em 494 páginas, os 18 livros da poeta já publicados, foram reunidos para dar conta dessa trajetória. Desde a adolescência escrevia, mas textos inconsequentes e pueris, até que resolve dar visibilidade à palavra. Então busca a sabedoria de mestres, tanto no contato pessoas quanto na leitura e passa dez anos adquirindo conhecimento e praticando a escrita de forma consciente, até publicar seu primeiro livro em 1986 e participar de antologias.
“Escolher a palavra certa que rime com nosso interior é mais que rimar a sílaba forçando uma artificial musicalidade. É harmonizar o prazer da estética que, espontâneo, busca se aconchegar em outras palavras carregando-as de significações. Na poesia testamos, com a sonoridade de nosso coração, todo verso que atravessando o corpo despreza qualquer tradução. Há mais ou menos 12.775 dias vivo a poesia sem intervalos nem concessões. Na solidão da escrita sou tudo o que quiser ser!”, revela a artista.
Esse constante movimento foi reconhecido com 17 premiações. Entre elas, o Prêmio de Melhor Livro do Ano na categoria Poesia, da Associação Gaúcha de Escritores (AGES) para “Água passante” (2010) e “Os potes da sede” (2012). O primeiro, nas palavras da crítica literária, ex-professora da UFRGS, da PUC e ex-diretora do Instituto Estadual do Livro (IEL), Léa Masina: “Liana oferece ao leitor um mergulho nas profundezas de uma estética em constante movimento, apreendida na fragmentação das coisas e na possibilidade de uni-las provisoriamente, sem deixar-se aprisionar pela estrutura previsível e imediata da realidade".
A MOÇA DA LIMPEZA | LINDEVANIA MARTINS
É o quinto livro da escritora Lindevania Martins. Publicado pela Editora Primata, apresenta onze contos inéditos que dialogam profundamente com o tempo presente, suas inquietações e desafios. A obra passou por rígida seleção do Governo do Estado do Maranhão através do edital público Conexão Cultural Literatura, que viabilizou sua publicação.
Do professor universitário, pesquisador e membro da Academia Maranhense de Letras JOSÉ NERES, morador de São Luís do Maranhão:
“Admiro o talento de Lindevania Martins desde o
primeiro contato com sua prosa no livro “Anônimos”. De lá para cá, venho acompanhando o
desenvolvimento de seus trabalhos artísticos.
Seus textos são refinados e cheios de nuances que oscilam entre os
aspectos sociais e psicológicos. Em seu novo livro de contos - “A Moça da
Limpeza”- ela traz uma série de contos de excelente tessitura e que levam o
leitor a “conviver” tanto com os aspectos físicos quanto com as abordagens
psicológicas das personagens. Em cada conto, violência, angústia, neuroses e
desencontros envolvem todos os ambientes e mostram facetas inusitadas que
desnorteiam não apenas os leitores, mas também os companheiros de jornada
literária. Uma ótima leitura!”
MEIO-FIO: POEMAS DE PASSAGEM | FLAVIA FERRARI
É um livro de uma
mulher que nasceu preparada para guerra: carrega a força do berro feminino
silenciado que se rompe, sem explodir em violência, e sim em uma sensibilidade
clariciana, a qual não nega a condição áspera da vida, se esfola e faz da
ferida uma janela para a anatomia da vida e das relações humanas.
É um livro raro, de
uma sensibilidade acessível e extremamente profunda que não se perde em
construções excessivas. Flavia Ferrari
explode suavemente a poesia que respira. Sem dúvidas, é uma poeta que terá um
crescimento gradual contínuo que nasce com o dom de dissecar a linguagem
poética, descobrindo uma glândula pineal coletiva.
Para Jéssica Iancoski, editora-chefe do Toma Aí Um Poema, “A poesia vem para Flavia Ferrari de maneira cotidiana e intuitiva. Percebe-se que há muita facilidade, como se versar fosse um dom natural".
POESILHA: DOS PEQUENOS TRATADOS DO COTIDIANO | DALVA LOBO
Poesilha é um pequeno tratado do cotidiano que convida a degustar as iguarias da vida, da amizade, da memória e da imaginação. Da seção de abertura, quando convida os loucos, os poetas e os errantes até a despedida da poesilha, quando saciados, os convivas contemplam o constante renascer da vida, a autora, entre silêncios e bailarinas, desvela a poética do viver.
RISCOS DE MULHER | CRISTIANE DE
MESQUITA ALVES
Este livro deverá surpreender até
os leitores mais habituais e amantes da Literatura. A poesia de seus escritos
há de encantar e instigar a todos. A leitura de seus escritos há de desnudar a
alma de uma mulher que, ao mesmo tempo, em que fala de/por si, dá voz a outras
mulheres. Há quem, assim como eu, poderá se sentir representada/o, e partilhar
das mesmas sensações, emoções e dores. Sem dúvida, o leitor mais atento, verá
aqui uma poetisa que consegue ser singular e, simultaneamente, plural.
A obra reúne sessenta poesias que
falam sobre a mulher em suas mais diversas formas, faces e fases. São poesias
tecidas por fios feministas com atravessamento de dores, frustrações, violência
doméstica, de infância, de injúrias, de traição, de patriarcalismo,
feminicídio, mulheres cis e trans, velhice, amor e esperança.
Enluaradas que nos cultivam! Cultura fértil de sementes que irão germinar num marco atemporal.
ResponderExcluirObrigada, Rozana Gastaldi, pela sua leitura📚 Estamos juntas, querida. Abraço.🥰😘
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