Era véspera de Natal. Ela entrara na igreja com o pé
direito e o lado esquerdo do cérebro pedindo que orasse para esquecer aquela
paixão fulminante, que quase conseguiu abrir a armadura que ela usava desde o
término do seu casamento. Ainda não havia deletado as últimas mensagens do
WhatsApp e logo que sentou-se, abriu a pequena bolsa nude e retirou o celular
para mais uma vez certificar-se da sua decepção.
Ali estavam as últimas palavras de Raí e o soco no
estômago que Nely tomara naquela tarde em que tomava café, na cozinha do
hospital, com os amigos de trabalho.
— Sabe Nely, nunca existiu... Você é maravilhosa,
mas...
Naquele dia Nely saiu da mesa, deixando a fatia de
bolo de abacaxi no prato (seu bolo preferido) e os sonhos de um novo
relacionamento jogados no espaço. Correu para o quarto de repouso do hospital e
abraçada ao travesseiro chorou, enxugou as lagrimas e falou baixinho pra si
mesma que as lágrimas de hoje regariam o futuro de amanhã. Havia lido o livro
“O segredo” de Rhonda Byrne e acreditava no poder do universo, costumava usar
mantras e apostou no “Tenho tudo ao meu redor, se não foi com esse será com um
melhor”.
Já havia se passado dois meses, acreditava que aquele
momento na igreja iria lhe fazer bem, então deletou todas as mensagens e
ajoelhou-se em oração. A igreja estava cheia, lá fora o céu estava carregado de
nuvens cinzentas, mas fazia calor lá dentro e ela mudou para um banco próximo
ao ventilador. Havia um clima de Natal por ali, luzes coloridas cintilavam no
altar, adolescentes com gorros de papai Noel entoavam “Noite Feliz” regidas por
um maestro que acenava a batuta em gestos mágicos, dando o ar da graça aos
coristas. Crianças fantasiadas de duendes e outros personagens natalinos se
agrupavam esperando a hora da apresentação no palco.
A igreja apresentava na sua arquitetura elementos
decorativos de estilo neoclássico, tal como Nely que buscava superar o passado.
A sensação era a de que algum espírito natalino, ou mesmo papai Noel poderia
aportar por ali, pois tudo era mágico como nos cenários de filmes infantis.
Talvez tudo aquilo conseguiria apagar o acontecimento
dos últimos dias, então resolveu entregar-se aquela magia e deixar a frustração
para trás. Acomodou-se no banco e sorriu com entusiasmo para uma garotinha de
cabelos cacheados e pele morena, que vestia um vestido vermelho de saia
plissada, o que lhe fez lembrar de um episódio triste da infância, onde trajava
uma roupa semelhante àquela, logo expulsou aqueles pensamentos, que lhe causara
trauma e deu uma olhada no folheto da liturgia.
Nely observava o movimento dos fiéis na igreja e os
casais que entravam de mãos dadas e por um instante pensou em Raí. Distraiu -se
com um senhor vestido de papai Noel distribuindo presentes para as crianças que
faziam a maior festa, logo despertou com a presença de um homem ao lado que lhe
observava há bastante tempo. Ele cumprimentou-a, era simpático e educado e
aparentava ter alguns tempos de vida a mais que ela, parecia ser solitário,
pois durante o sermão do padre comentou que não gostava do Natal, uma vez que
sempre comemorava sozinho. Nely ficou comovida, mas manteve-se calada.
O padre celebrou a missa, houve uma pequena peça
teatral e a bênção final. Nely dirigia-se para a porta de saída quando o homem
tocou em seu ombro e pediu o número do seu telefone. Ela hesitou, mas tomada
por empatia e comoção cedeu. Já estava a caminho de casa quando espantou-se com
a buzina de um carro, e aquele cavalheiro da igreja com toda gentileza lhe
oferecendo carona. Estranhamente, mesmo sem conhecê-lo aceitou. Não se
incomodou com os prováveis mexericos ou mesmo o receio do estranho. Abandonou-se
ao carisma que emanava daquele sorriso fácil e foi. Ao entrar no carro, ele se
apresentou, chamava-se Peter, era divorciado, economista aposentado e, como
ela, era devotado de fé. Estava uma noite linda e a lua cheia, enamorando o
firmamento, dava o ar da graça. No vidro do carro refletiam os pisca-piscas das
lojas e residências, e o azul dos olhos de Peter refletia no retrovisor,
roubando por vezes o olhar distante de Nely. Durante o percurso trocaram
algumas palavras, e ela gostou do jeito culto, respeitoso e cheio de sabedoria
com que ele dirigia o diálogo.
Saíram para um passeio na praia.
Nely era divorciada, casou-se jovem, criou os filhos
sozinha, carregava consigo um certo ar de independência e resistência ao
machismo e aos estereótipos impostos pela sociedade, porém percebia que a
solidão não era sua boa companheira.
Gostou da companhia de Peter.
A orla marítima era bem distante do mar, mas dava para
ouvir o barulho das ondas. A calçada colorida era harmônica com o azul do mar,
havia uns quiosques rústicos e convidativos para um drink a dois. Caminharam
por muito tempo e optaram por um boteco com cobertura de sapê, acabamentos
coloniais e música ao vivo. Era pequeno e aconchegante, escolheram uma mesa de
frente para o mar, havia pouca luz, apenas arandelas artesanais nas colunas e
samambaias penduradas. A brisa tocava em Nely, como se acariciasse sua alma e
sussurrasse em seu ouvido que para sentir é necessário fazer sentido.
A mão masculina tocou a sua e ela sentiu que o calor
humano era bem melhor que o frio da solidão, embora gostasse da sua liberdade.
Peter entregou o coquetel Sex on the beach em suas mãos e com a outra
mão acariciou a nuca de Nely que sentiu um calor percorrer todo o seu corpo,
dando-lhe a certeza que já estava enamorada. Ao som de How deep is your love
de Bee Gees, os dois saíram para a pista de dança e os corpos colados
encontraram os lábios, que sem entenderem que o céu é o limite, abandonaram as
línguas no céu da boca.
Saíram os dois em direção ao mar. O sol já soltava seus
primeiros raios. Vento e areia misturavam-se nos corpos abandonados, liberando
endorfina. Ele apertou sua mão implorando que ficasse para sempre, ela
respondeu baixinho: Nunca mais estarás sozinho, Feliz Natal!
Perfeito... lindo conto. Parabéns 😍
ResponderExcluirObrigada querida! Volte sempre! Feliz Natal!🎅🌲❤
ResponderExcluirQue lindo, maravilhoso! Você é uma sumidade na arte de escrever, um talento e criatividade incríveis que muitas vezes nos fazem reviver nossas próprias histórias...parabéns!
ResponderExcluirEsqueci de colocar no comentário acima meu nome🤭
ResponderExcluirObrigada! Que prazer e honra ter você por aqui querida Jô. Beijos❤
ExcluirQue texto maravilhoso, minha vida. A sra é perfeita em tudo oq faz, uma das melhores escritoras deste país. Te amo!
ResponderExcluirObrigada Filhoco !! Melhor escritora mãe né? Te amo!
ResponderExcluirUm texto envolvente que nos conduz à vivência da narrativa! Parabéns escritora Rilnete!
ResponderExcluirObrigada por sua apreciação querida Maria do Carmo! 🤝🏻❤
ExcluirParabéns 🌹
ResponderExcluirGratidão pela visita e apoio Rosana !🤝🏻❤
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