FRAGRÂNCIAS DE UM TEMPO
PAULINA
MACIEL CASTRILLON: UMA VIDA DE POESIA E HISTÓRIA
Por Maria Elizabete Nascimento de Oliveira
A cidade, como a história da vida, é sempre a
possibilidade desses trajetos que são nossos percursos, destino, trajetória da
alma. Ecléa Bosi (2003, p. 75)
Paulina Maciel Castrillon, uma mulher de
garra e determinação, minha querida aluna na Educação de Jovens e Adultos
(EJA), recentemente, a (re)encontrei pelas mãos de uma amiga, por meio do
livro: Minhas recordações de Cáceres
(1999), uma obra recheada de letras afetuosas sobre o seu lugar e a sua gente,
parece que eu estava conversando com Paulina no horário dos intervalos, na
então Escola Estadual Milton Marques Curvo, senhora afetuosa e que quase todos
os dias me presenteava com uma guloseima ou fruta. Nascida nessa pequena cidade do interior do
Mato Grosso – Cáceres/MT, Paulina poetizou sua profunda admiração pela terra
que a viu crescer. Em 2022, o mundo se despediu de Paulina, mas suas palavras
poéticas e suas homenagens a terra e às pessoas que marcaram sua vida
continuarão a ecoar como um legado imortal que, mesmo tímido e com pouca
visibilidade já perdura por quase 25 anos.
As poesias de Paulina homenageiam os lugares
e as pessoas que fizeram parte de sua história. Seu jardim não era apenas um
espaço físico, mas um símbolo de crescimento e transformação: “no jardim tinha
retreta / dando volta os namorados / que bela forma de amar / com muitas rosas do
lado” (1999, p.11). “Recuperar a dimensão humana do espaço é um problema
político dos mais urgentes” (Bosi, 2003, p. 76).
Em seus versos, a autora atribui vida às ruas
da cidade, cada esquina contava uma história, e o transporte era mais do que um
meio de locomoção; era uma ponte entre o passado e o presente, entre os sonhos
e a realidade “o Etrúria fazia as viagens / de Corumbá para cá / Trazia
mercadorias, / atravessando o pantanal” (1999, p. 15). A memória é o ponto focal
da produção poética de Paulina: “[...] Naquele tempo em Cáceres / Só tínhamos uma
balsa / Era o Geraldo quem atravessava o rio / trabalhando noite e dia / fazendo a
travessia” (1999, p.15).
Paulina também dedicou suas palavras às
primeiras indústrias que impulsionaram o desenvolvimento de sua cidade natal:
“À Usina da Ressaca / fazia pinga e açúcar / tinha açúcar de potô / que era morena e
fina / igualzinha a um pó” (1999, p. 17) acrescento: “A Descalvados era outra
fazenda / fábrica de graxa, charque e sabão / ela foi naquela época // muito
importante para a região” (1999, p. 17). Em suas poesias, essas indústrias eram
comparadas a gigantes adormecidos que despertavam para trazer progresso e
oportunidades para as pessoas do lugar. Os monumentos históricos, por sua vez,
eram descritos como guardiões do tempo, testemunhas silenciosas das
transformações que contribuíram na formação cultural da identidade local.
É importante compreender no contexto
supramencionado que:
A memória
opera com grande liberdade escolhendo acontecimentos no espaço e no tempo, não
arbitrariamente mas porque se relacionam através de índices comuns. São
configurações mais intensas quando sobre ela incide o brilho de um significado
coletivo. (Bosi, 2003, P. 31)
A primeira escola de sua cidade foi outro
tema recorrente. Para Paulina, essa escola era um farol de sabedoria, um lugar
onde as crianças começavam a trilhar seus caminhos e descobrir suas vocações.
Os profissionais liberais e autônomos, como médicos, advogados, comerciantes e
artesãos, eram celebrados como pilares da comunidade, cujas mãos e mentes
construíam o futuro coletivo. “Ao professor Natalino / a quem eu peço
licença / Dona Estela e outros / que foram grandes na história / e vão ficar na
memória” (1999, p. 22) ou ainda, “[...] haviam as costureiras sob
medidas / Branca da Rocha e Maria Maia / com máquinas sem motor / faziam tudo com
muito amor” (1999, p. 23), complemento: “o famoso carpinteiro / trabalhando o ano
inteiro / Em tudo: portas, janelas, móveis em geral / fazendo também funeral”
(1999, p. 25).
Os eventos públicos eram momentos de união e
celebração, onde a comunidade se reunia para compartilhar alegrias e tradições
“os nossos pantaneiros / também eram violeiros / com sua viola e ganzá / rimava fazia
versos / nas festas dos santos / tirava os biscoitos do altar” (1999, p. 51). As
palavras poéticas de Paulina descrevem essas ocasiões como danças harmônicas,
em que cada participante desempenhava um papel essencial na grande sinfonia da
vida “mostrando a natureza / todo tempo trabalhou / para que as tradições deste
lugar / não pudessem acabar”. (1999, p. 51). Os pássaros e as árvores surgem como
símbolos de liberdade e continuidade, simbolicamente anunciam a conexão entre o
ser humano e a natureza “As árvores da Praça Barão / são as grandes moradias / das
andorinhas que aqui passeiam / todos os anos, alguns dias” (1999, p. 45) “A Praça Barão do Rio Branco / É
o grande cenário / Onde elas sobem e descem / fazendo o seu espetáculo” (1999,
p.44).
A autora e também costureira, Paulina Maciel,
tinha um profundo respeito pelo Pantanal, uma das maiores riquezas naturais da
região em que nasceu. A fauna e a flora desse ecossistema único são descritas
em suas poesias com apreço e reverência quase sagrada. Cada animal, cada planta
era uma peça vital de um mosaico, onde a beleza e a harmonia da natureza se manifestavam
para narrar a pacata cidade de Cáceres no interior de Mato Grosso, bem como, as
relações que o lugar propiciava “Naquele tempo em Cáceres, / usava-se uns
lampeõezinhos / pois as ruas eram escuras / conversávamos nos vizinhos” (1999, p.
13) ou ainda: “[...] quase todas as famílias eram ligadas, / por algum tipo de
parentesco, / uns porque eram compadres, / outros por amizade” (1999, p. 13).
Paulina ressalta a importância da família.
Para ela, a família era o alicerce de tudo, a raiz que sustentava sua
existência e a fonte de seu amor e inspiração. Por meio de seus versos,
expressa gratidão e admiração por cada membro de sua família ao reconhecer o
papel fundamental que desempenharam em sua existência. Enfatizamos que:
O sonho, com
efeito, não remete apenas à história individual, mas é igualmente a marca
ancestral da espécie. É a expressão específica de um eu profundo que ultrapassa
os limites da identidade oficial. Pode-se mesmo dizer que o sonho é o abandono
total do princípio de identidade. Nele, graças a ele, cada um de nós ‘se
despedaça’ e vive pequenas histórias múltiplas que o fazem participar de todas
essas fantasias coletivas constitutivas da história humana. Fantasias cujos
vestígios encontraremos nos contos e lendas de nossa infância, mas que estão na
própria base do sentimento de pertencimento a um lugar e uma comunidade
específicos. (Maffesoli, 109)
Paulina Maciel Castrillon partiu para outro
plano em 2022, mas suas poesias continuam a florescer aqui no plano terrestre, nos
corações daqueles que tiveram a sorte de conhecê-la ou de ler sua obra. Sua
vida é um testemunho do poder transformador da educação e da capacidade humana
de encontrar beleza e significado nas coisas simples e cotidianas. Suas
palavras, carregadas lirismo vivencial, nos convidam para que todos nós olhemos
com mais cuidado e amor para a terra que nos abriga e para as pessoas que fazem
parte de nossa história, afinal “na realidade, não há percepção que não esteja
impregnada de lembranças” (Bosi, 2003, p. 35).
A autora nos deixa uma importante
contribuição ao poetizar sua vida, aponta à possibilidade de perceber que não
importa quando começamos a aprender ou a criar, o importante é que nunca
deixemos de florescer e de espalhar nossa luz pelo mundo. Eu, ironicamente, fui
aluna da filha de Paulina Maciel na graduação na Universidade do Estado de Mato
Grosso/UNEMAT e, posteriormente, tive a honra de ser professora de Paulina na
Educação de Jovens e Adultos/atual EDIEB Milton Marques Curvo, muito mais
aprendi que ensinei. Partilhei de histórias com essa senhorinha e tenho a
impressão de que ouvi alguns desses poemas na sua voz-melodia, afirmo: ela teve
luz própria e esses poemas reverberam o brilho e amorosidades impregnados em
Paulina Maciel Castrillon!
REFERÊNCIAS
Bosi, Ecléa.
O tempo da memória: Ensaios de
Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
Castrillon,
Paulina Maciel. Minhas recordações de
Cáceres. Cáceres/MT: Gráfica Laser Ltda: 1999.
Maffesoli,
Michel. O ritmo da vida: variações
sobre o imaginário pós-moderno. Rio de Janeiro: Record, 2007.
Paulina Maciel Castrillon – “Nossa casa era sempre muito
alegre. Ela costurava e cantava... cozinhava e cantava... fazia doces de frutas
e cantava... cuidava de suas roseiras e cantava... brilhava a casa e cantava.
Sempre gostou muito de ler e escrever. Mesmo tendo a quarta série primária,
publicou um livro, contendo poemas onde narra suas recordações de Cáceres”
(Castrillon, Maritza Maciel/filha-(2) Facebook).
Maria
Elizabete Nascimento de Oliveira - Doutora em Estudos Literários pela Universidade do
Estado de Mato Grosso/Unemat, da tese publicou o livro: Sinfonia de Letras:
Acordes Literários com Dunga Rodrigues (2021). Mestre em educação pela
Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT, com a pesquisa que originou o livro:
Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos (2019). Também é
autora dos livros de poemas: Asas do inaudível em asas de vaga-lume (2019) e
Granada (2023). Acadêmica do curso em Tecnologia de Teatro, na Ênfase de
Produção Cultural pela Unemat, em parceria com a MT Escola de Teatro.